A DAMA E O VAGABUNDO (1955)

(Lady and the Tramp)

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #154

Dirigido por Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske.

Elenco: Barbara Luddy, Larry Roberts, Verna Felton, Bill Thompson, Alan Reed, Peggy Lee, Bill Baucom e Stan Freberg.

Roteiro: Ward Greene, Erdman Penner, Joe Rinaldi, Ralph Wright e Don DaGradi.

Produção: Walt Disney (não creditado).

A Dama e o Vagabundo[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após o início arrasador em que emplacou cinco filmes simplesmente encantadores na chamada era de ouro da Disney, Walt Disney teve que aguardar por longos oito anos até seu próximo projeto, quebrando o hiato somente com “Cinderela”, em 1950. Entretanto, os três primeiros filmes desta nova era apresentavam um preocupante desgaste da fórmula de sucesso do estúdio, que só seria corrigido em 1955 com este impecável “A Dama e o Vagabundo”. Trazendo os elementos clássicos da Disney de maneira renovada e nada enfadonha, o longa acerta em cheio ao narrar com dinamismo a encantadora história de amor entre dois cachorros, contando com um visual marcante e incrivelmente realista que fez deste um dos grandes clássicos da história da animação.

Pela primeira vez narrando uma história original, os cinco roteiristas da Disney trazem em “A Dama e o Vagabundo” a história da cachorra Lili (voz de Barbara Luddy), que se sente abandonada por seus donos quando eles têm um bebê e acaba se envolvendo com um vira-lata conhecido como Vagabundo (voz de Larry Roberts), para a tristeza de seus cães vizinhos e amigos Fiel (voz de Bill Baucom) e Jock (voz de Bill Thompson).

Apresentando uma notável evolução na qualidade da animação quando comparado aos filmes anteriores, “A Dama e o Vagabundo” tem início num plano belíssimo que se torna ainda mais interessante com o zoom que nos aproxima da pequena vila coberta pela neve e nos leva a casa de Lili, sob o embalo da linda música tema “Bella Notte”. Desde então, fica evidente o capricho dos animadores e a preocupação dos diretores com pequenos detalhes que fazem a diferença, conferindo maior verossimilhança a narrativa através de decisões simples como recriar os maneirismos dos cães com fidelidade (eles se coçam, se espreguiçam, lambem feridas, etc.) e ilustrar a empatia comum entre as pessoas e seus animais de estimação, como quando Lili tenta desesperadamente avisar que um rato invadiu a casa e é compreendida somente por seu dono.

Pequena vila coberta pela neveSe espreguiçamCompreendida somente por seu donoTrazendo ainda divertidas gags, como quando o Vagabundo diz que os macacos são parecidos demais com o ser humano e provoca o riso descontrolado das hienas ou a sequência em que eles negociam com um castor (voz de Stan Freberg), “A Dama e o Vagabundo” acerta também ao reduzir consideravelmente o número de canções ao longo da narrativa, numa quebra interessante de conceito do estúdio que funciona muito bem e confere mais dinamismo ao filme, especialmente porque quando estas surgem são sempre interessantes, como atestam a engraçada música que acompanha os maldosos gatos siameses e a divertida canção interpretada pela charmosa cadela Peg (voz de Peggy Lee).

Negociam com um castorMaldosos gatos siamesesCharmosa cadela PegObviamente, nada disto funcionaria tão bem se “A Dama e o Vagabundo” não contasse com protagonistas tão interessantes. Raramente nos permitindo ver os rostos dos adultos, os diretores Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske nos colocam na mesma posição dos cachorros praticamente o tempo inteiro, numa inteligente estratégia que colabora com nossa identificação. No entanto, é mesmo o espírito livre do Vagabundo e o charme de Lili que nos conquista. Escancarando as diferenças de realidade do casal logo na introdução dos personagens, o amor proibido entre o Vagabundo e a Dama traz consigo a velha temática das diferenças entre classes sociais, que aqui é trabalhada de maneira encantadora e ousada para a época. Aliás, a introdução do vira-lata serve também para nos apresentar à temida carrocinha, que será vital no clímax da narrativa.

Mesma posição dos cachorrosEspírito livreCharme de LiliDa mesma forma, não bastasse o fato de ser um animal de estimação, a pequena Lili ainda nos conquista quase que imediatamente através de seu jeito divertido e gracioso de convencer seus donos a deixá-la dormir com eles. Até mesmo o ciúme que ela sente do bebê a aproxima da plateia justamente por atribuir à cachorrinha um sentimento tão humano, chegando a nos emocionar na belíssima cena em que ela vê o bebê no berço pela primeira vez. Antes disso, acompanhamos o sofrimento dela diante do desconhecido, o que também é um sentimento bem conhecido por todos nós. Utilizando as folhas do calendário e a mudança climática como referência, a dinâmica montagem de Don Halliday passa rapidamente pela gravidez e nos leva ao dia do nascimento do menino que, acompanhado por uma forte chuva, ilustra visualmente a aflição da cachorrinha diante daquela situação inesperada, assim como visual cinza e sem vida reflete como Lili se sente deslocada fora de casa quando ela foge.

Lili vê o bebê no berço pela primeira vezDia do nascimento do meninoLili se sente deslocada fora de casaConcentrando boa parte da primeira metade da projeção em Lili, a narrativa nos prepara para o grande encontro do casal, que acontece de maneira casual e nos leva ao lindo passeio noturno deles, repleto de planos memoráveis como aquele em que eles passam por uma ponte e aquele em que vemos toda a cidade iluminada ao fundo. A atmosfera romântica de toda sequência é perfeita e, acompanhada pela linda canção tema (trilha sonora de Oliver Wallace), torna ainda mais especial a icônica cena do jantar em que a Dama e o Vagabundo se beijam. E assim como a divertida transição que indica o crescimento de Lili quando ela dorme na cama dos donos, outra elegante elipse acontece após o jantar e transforma as roupas penduradas no varal nos galhos das árvores durante o passeio. Em seguida, acompanhamos os dois cachorros acordando lado a lado, num instante que sugere sutilmente a conotação sexual do encontro, numa ousadia temática grandiosa para a época, se considerarmos que a “mocinha” criada numa casa de família acabara de dormir na rua com um cachorro sem dono.

Passam por uma ponteCidade iluminada ao fundoDois cachorros acordando lado a ladoCriando ainda um canil opressor através das paredes velhas e descascadas, que ganha eco no canto melancólico dos cachorros presos, os diretores não hesitam em nos apresentar o trágico destino de um dos prisioneiros, confirmando a ousadia temática que só engrandece o filme ao permitir que o espectador sinta o perigo real que aquele local triste representa. Este visual contrasta diretamente com a primeira metade da projeção, claramente mais viva e colorida, e nos introduz ao ameaçador ato final, carregado pela atmosfera sombria e sufocante após a briga entre a Dama e o Vagabundo que ilustra a apreensão dos personagens com precisão através da chuva e da noite. Este visual requintado chama ainda mais a atenção na batalha entre o Vagabundo e o rato, especialmente no temível plano em que o roedor sobe no berço e é iluminado por um raio, e continua impressionante até o desfecho da empolgante sequência da perseguição à carrocinha, quando o velho Fiel (voz de Bill Baucom) salva o Vagabundo e garante o final feliz. Mas o detalhe mais interessante vem na cena seguinte, quando Lili surge com quatro filhotes e confirma a ousada conotação sexual da noite romântica do casal de maneira sutil.

Paredes velhas e descascadasTrágico destino de um dos prisioneirosBatalha entre o Vagabundo e o ratoApresentando alguma inovação técnica e uma adorável ousadia temática, “A Dama e o Vagabundo” encanta mesmo por sua bela história de amor, contada à moda antiga e com toda a magia que a Disney costumava ter. Por isso, a trajetória dos dois cachorrinhos apaixonados se firmou como a melhor animação da segunda era dourada do estúdio. 

A Dama e o Vagabundo foto 2Texto publicado em 18 de Janeiro de 2013 por Roberto Siqueira

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (1951)

(Alice in Wonderland)

3 Estrelas 

Videoteca do Beto #153

Dirigido por Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske.

Elenco: Vozes de Kathryn Beaumont, Richard Haydn, Ed Wynn, Sterling Holloway, Jerry Colonna, Verna Felton e Bill Thompson.

Roteiro: Winston Hibler, Ted Sears, Bill Peet, Erdman Penner, Joe Rinaldi, Milt Banta, Bill Cottrell, Dick Kelsey, Joe Grant, Dick Huemer, Del Connell, Tom Oreb e John Walbridge, baseado nos livros Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho de Lewis Carroll.

Produção: Walt Disney (não creditado).

Alice no país das maravilhas[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Adaptada diversas vezes para o cinema ao longo de décadas, “Alice no país das maravilhas” pertence a um grupo de obras literárias complexas e fascinantes que permitem as mais distintas interpretações, o que, consequentemente, transforma o livro de Lewis Carroll numa ótima oportunidade para cineastas mais ousados imprimirem sua visão particular daquele mundo onírico e repleto de simbolismos. Por isso, era de se esperar que o visionário Walt Disney quisesse aproveitar a excelente equipe técnica que possuía para dar vida aos personagens excêntricos daquele universo. O resultado é uma animação que, se não tem o encanto e a magia dos filmes da primeira era de ouro do estúdio, ao menos consegue nos divertir.

Baseado na obra de Carroll publicada em 1865, o roteiro de “Alice no país das maravilhas” (creditado para treze pessoas nesta versão da Disney) nos apresenta Alice (voz de Kathryn Beaumont), uma garota que, após seguir um misterioso e apressado coelho branco (voz de Bill Thompson), acaba se aventurando por um mundo fantástico, recheado de figuras inusitadas.

Apresentando pouco avanço tecnológico em relação aos filmes anteriores, “Alice” segue com fidelidade algumas das convenções narrativas das animações Disney, com seu visual multicolorido, a interação entre humanos e animais e, especialmente, as diversas músicas espalhadas pela narrativa que, aliadas a trilha sonora quase incessante de Oliver Wallace, fazem com que o som diegético quase não tenha espaço sozinho no filme. Entretanto, isto não seria um problema se o longa apresentasse o mesmo encanto dos primeiros filmes do estúdio, mas isto não acontece na mesma intensidade, o que apenas reforça o desgaste da fórmula de Walt Disney, tão evidente nesta irregular segunda era de animações na qual os únicos filmes realmente memoráveis são o impecável “A Dama e o Vagabundo” e “A Bela Adormecida”.

Assim, para desfrutar o encanto de “Alice no país das maravilhas” é preciso olhar com olhos de criança – algo que não é tão simples no mundo mais cínico em que vivemos atualmente, mas que na época talvez fosse mais plausível, mesmo tão pouco tempo depois do fim da Segunda Guerra. Isto ocorre porque os diretores Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske transportam para a tela o espírito da obra que serviu de inspiração para o filme, criando uma sequência ininterrupta de momentos que não apresentam lógica alguma, seguindo apenas a fértil imaginação da protagonista. Curto e dinâmico como a maioria das animações do estúdio, “Alice” se beneficia da montagem ágil de Lloyd Richardson, que transita de um cenário ao outro de maneira orgânica, nos levando a lugares surreais como a casa rosa do Coelho Branco e a personagens igualmente surreais como as flores cantoras e a Lagarta fumante (voz de Richard Haydn), que hoje certamente seria criticada pelos chatos do politicamente correto.

Casa rosaFlores cantoras Lagarta fumanteTambém devido à natureza onírica da história, muitos diálogos não fazem muito sentido, o que realça ainda mais momentos marcantes como a famosa conversa entre o Gato Risonho (voz de Sterling Holloway) e Alice: “Aonde você quer ir?”, pergunta o gato; “Tanto faz”, responde Alice; “Então tanto faz o caminho que deve seguir”, finaliza ele. Esta abordagem surreal chega ao auge na conversa sem pé nem cabeça entre Alice e os divertidos Chapeleiro Louco (voz de Ed Wynn) e Lebre Maluca (voz de Jerry Colonna), que levam tanto a protagonista quanto o espectador a loucura durante um chá da tarde. Também existe espaço para histórias mais lineares, como a triste passagem em que as ostras são convidadas para um jantar, mas este universo fantasioso fará sentido de fato somente quando tivermos a confirmação de que Alice estava sonhando. Até lá, somos levados pela narrativa através do olhar da garota.

Conversa entre o Gato Risonho e AliceConversa sem pé nem cabeçaOstras são convidadas para um jantarRepleto de personagens criativos, “Alice” representava ainda uma oportunidade única para os talentosos animadores da Disney, que capricham na caracterização até mesmo de figuras secundárias que passam rapidamente pela narrativa, como os sapos instrumentos e o cavalo vassoura. Além disso, eles criam cenários impactantes e sequências belíssimas visualmente, dentre as quais vale destacar a chegada da temida Rainha de Copas (voz de Verna Felton) ao castelo, acompanhada de seu numeroso exército de cartas. E apesar das cores vivas que dominam grande parte do filme, a fotografia não se furta de carregar no tom pesado e sombrio quando Alice se perde na floresta, transmitindo para a plateia a mesma sensação melancólica da garota.

Sapos instrumentosCavalo vassouraAlice se perde na florestaQuanto aos simbolismos da narrativa, cabe dizer que, assim como no livro, é possível fazer diversas leituras diferentes de cada situação vivida por Alice. Dentre todas elas, existe uma vertente que me agrada mais, que acredita numa alusão a passagem da infância para a adolescência, onde cada transformação vivida pela garota ilustraria, numa escala exagerada e caricatural, as mudanças radicais que sofremos nesta fase. Por isso, temos as constantes mudanças de tamanho, os enigmáticos desafios, as dúvidas sobre qual caminho seguir e a introdução a novas sensações, que esboçariam nossa desorientação diante das decisões que precisamos tomar quando nos aproximamos da fase adulta da vida. No entanto, uma obra tão rica e subjetiva como esta permite inúmeras leituras aceitáveis.

Aventura surreal e repleta de simbolismos, “Alice no país das maravilhas” está longe de ser uma obra-prima, mas ao menos nos diverte enquanto somos apresentados aos cenários e personagens descritos no clássico livro de Lewis Carroll. Ou seja, trata-se de uma animação típica da Disney daquele período, com tudo de bom e de ruim que isto possa significar.

Alice no país das maravilhas foto 2Texto publicado em 13 de Janeiro de 2013 por Roberto Siqueira

DUMBO (1941)

(Dumbo)

 

Filmes em Geral #49

Videoteca do Beto #148 (Filme comprado após ter a crítica divulgada no site e transferido para a Videoteca em 06 de Janeiro de 2013)

Dirigido por Ben Sharpsteen.

Elenco: Verna Felton, Cliff Edwards, Herman Bing, Billy Bletcher, Edward Brophy, Jim Carmichael, Hall Johnson Choir e Noreen Gammill.

Roteiro: Joe Grant e Dick Huemer.

Produção: Walt Disney (não creditado).

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apesar da qualidade de seus primeiros filmes, os estúdios Disney enfrentavam grande dificuldade financeira na época do lançamento de “Dumbo”. Em meio à forte crise provocada pela guerra mundial, as pessoas não freqüentavam mais o cinema como antes e nem mesmo o inovador “Fantasia” e a obra-prima “Pinóquio” conseguiram reverter este quadro, deixando “Branca de Neve e os Sete Anões” como o único sucesso efetivo de bilheteria do estúdio até então. Além disso, Walt empregou seus melhores recursos na produção de “Bambi”, que seria lançado apenas em 1942, após longos 6 anos em produção. Sobrou para “Dumbo” a equipe dos “velinhos” do estúdio, que ficou com a responsabilidade de criar um filme menor, mais barato e que, ironicamente, salvou o estúdio, tornando-se um grande sucesso de bilheteria.

Escrito por Joe Grant e Dick Huemer, “Dumbo” conta a história de um bebê elefante que nasceu com orelhas enormes e, por isso, é alvo do preconceito dos outros animais e até mesmo de seres humanos no circo onde vive. Após ser separado de sua mãe, que, desesperada para defender o filho, atacou um grupo de meninos, ele encontra o ratinho Timóteo, que o ajuda a recuperar a auto-estima perdida e dar a volta por cima, transformando-se no grande astro do circo.

Apesar da boa qualidade da animação, “Dumbo” apresenta um trabalho claramente mais rústico que “Pinóquio”, o que é reflexo da crise financeira que a Disney enfrentava na época, que forçou a redução do orçamento de “Dumbo”. Para compensar o menor nível de detalhes, o longa aposta inicialmente num visual alegre, repleto de cores fortes, além dos belos planos do diretor Ben Sharpsteen, notáveis, por exemplo, quando o trem viaja durante a noite ou na montagem do circo sob forte chuva. Além disso, “Dumbo” é repleto de momentos tocantes, sempre embalados pela linda trilha sonora de Frank Churchill e Oliver Wallace, como quando as cegonhas trazem os filhotes dos animais logo no início, conquistando o espectador imediatamente. A trilha sonora, aliás, é um dos destaques do filme, mantendo a tradição Disney de espalhar diversas canções pela narrativa, além de pontuar muito bem as cenas, como quando muda para um tom triste após as cegonhas irem embora, ilustrando o sentimento da elefanta que não recebeu seu bebê. E é justamente nestes momentos que tocam o coração e na simplicidade da narrativa que reside o sucesso do longa.

Observe, por exemplo, a linda cena do “nascimento” de Dumbo. Após acompanharmos o sofrimento da mamãe elefanta, a desajeitada e atrasada cegonha chega para entregar seu filhote, provocando a emoção genuína no espectador, que já partilhou com ela o sofrimento por não ter o seu bebê e agora é agraciado pela chegada de Dumbo. Pequeno e frágil, o personagem título conquista o espectador rapidamente, o que será essencial para o sucesso da narrativa (observe, por exemplo, que, assim como Bambi, Dumbo também tem medo dos raios e se protege da chuva embaixo de sua mãe). Por isso, quando suas enormes orelhas aparecem e provocam o espanto das outras elefantas, o espectador até pode estranhar, mas já foi conquistado pelo pequeno elefante e torcerá por ele até o final. Neste momento, aliás, tem inicio o tema principal do filme, que é o respeito (ou a falta dele) ao diferente. Para aqueles que acusam a Disney de ser conservadora, pode ser surpreendente constatar que Walt já debatia o preconceito naquela época.

Independente do que as pessoas pensam e de qualquer tipo de preconceito, uma mãe sempre amará seu filho (estou me referindo às mães de verdade, não a estes monstros que vemos nos telejornais hoje em dia). Por isso, é compreensível (e até mesmo previsível) que mamãe elefanta se revolte (repare o olho vermelho dela) e ataque os meninos que caçoam de Dumbo no circo, o que ocasionará sua prisão, acusada de ser louca. Na prisão, vale observar a composição visual dos planos que ilustram a sintonia entre mãe e filho, com as sombras da grade formando listras na elefanta, da mesma forma que a lona do circo aparece atrás de Dumbo. Esta conexão é reforçada ainda pelo movimento do corpo deles, que é idêntico. Solitário e abandonado, Dumbo encontrará auxilio no animado Timóteo, personagem que funciona como alívio cômico numa narrativa que caminhava para um clima pesado demais. Suas intervenções, como quando assusta as elefantas fofoqueiras, são sempre divertidas e quebram o ritmo denso da narrativa. E até mesmo o jovem Dumbo contribui para esta atmosfera bem humorada, quando destrói o circo ao participar de um número, mas este acidente acaba aumentando seu drama e iniciando o conflito principal da narrativa, o que traz de volta o clima pesado para a história. Transformado em palhaço, ele faz enorme sucesso, mas chora de tristeza. O longa alterna com eficiência entre os momentos divertidos e dramáticos, nos fazendo sorrir em cenas como esta do circo e nos emocionando em momentos belíssimos, como quando Dumbo visita a mãe na cela, momentos antes dos palhaços afirmarem que “elefantes não têm sentimentos”. Eles não podiam estar mais errados.

Ainda que na maior parte do tempo Ben Sharpsteen apresente uma direção discreta, ele é competente na condução de cenas marcantes, como a interessante seqüência em que Dumbo e o ratinho ficam bêbados, seguida por imagens psicodélicas de elefantes cor-de-rosa que simulam a bebedeira da dupla, confirmando novamente a ousadia de Walt Disney (lembre-se que em “Pinóquio” ele já havia mostrado os garotos fumando e jogando sinuca). E da mesma maneira que o ritmo da narrativa alterna entre momentos divertidos e dramáticos, a fotografia alterna das cores fortes do início para cores mais tristes no segundo ato, refletindo a tristeza de Dumbo e sua mãe até mesmo através do maior número de cenas noturnas, voltando para tons mais alegres no final. Se “Dumbo” não é um filme perfeito, seus pequenos problemas podem até passar despercebido diante da beleza da história narrada. É verdade que animais se comunicando verbalmente com seres humanos é algo que soa irreal mesmo num universo fantasioso (como acontece quando o ratinho conversa com o dono do circo). Além disso, é difícil acreditar no número que “empilha” sete elefantes no circo. Mas são problemas pequenos demais para atrapalhar um filme tão belo.

Quando Dumbo parece desolado e perdido, o sermão de Timóteo para os corvos serve também para atingir a platéia, num momento que resume a bela mensagem do filme. Através da pena mágica (um artifício usado para dar confiança ao protagonista), ele e os corvos conseguem devolver a auto-estima para o elefante, que aprende a voar. Pra finalizar, a seqüência ainda apresenta a melhor música do filme, a empolgante “When I See an Elephant Fly”, que em português tem o delicioso refrão: “fiquei um mês sem poder falar ao ver elefante voar”. Dumbo volta para o circo, faz sucesso, fica rico e recebe sua mãe de volta. Um final feliz, para um filme idem, que ainda consegue deixar uma bela mensagem para o espectador.

Com simplicidade e muita imaginação, “Dumbo” consegue agradar, mostrando que uma história simples pode ser tão eficiente quanto qualquer outra, dependendo da forma como é contada. É interessante que o filme que fala sobre o preconceito tenha tido pouco investimento do estúdio e poucos recursos técnicos, pois reafirma a mensagem de que a forma é menos importante do que o conteúdo. E não é o caso de dizer que ficarei um mês sem poder falar, mas de fato foi uma delícia ver este elefantinho voar.

Texto publicado em 06 de Abril de 2011 por Roberto Siqueira