OS PÁSSAROS (1963)

(The Birds)

 

Filmes em Geral #63

Dirigido por Alfred Hitchcock.

Elenco: Rod Taylor, Jessica Tandy, Suzanne Pleshette, Tippi Hedren, Veronica Cartwright, Ethel Griffies, Charles McGraw, Ruth McDevitt, Lonny Chapman, Doodles Weaver, Malcolm Atterbury e Alfred Hitchcock.

Roteiro: Evan Hunter, baseado em história de Daphne Du Maurier.

Produção: Alfred Hitchcock.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Durante muitos anos, “Os Pássaros” ficou marcado como o início da fase decadente de Alfred Hitchcock, o que é uma tremenda injustiça. É verdade que o longa não tem a mesma qualidade de obras-primas como “Psicose” ou “Janela Indiscreta”, mas está longe de ser um filme decepcionante. Apesar de alguns problemas, Hitchcock consegue criar a costumeira atmosfera crescente de tensão e, ainda que hoje alguns de seus efeitos visuais pareçam datados, é na força da narrativa e em suas grandes cenas que “Os Pássaros” se sustenta.

Após conhecer Mitch Brenner (Rod Taylor) numa loja, a jovem Melanie (Tippi Hedren) decide visitá-lo na pacata cidade de Bodega Bay, mas terá que enfrentar o ciúme de sua ex-namorada Annie (Suzanne Pleshette) e de sua mãe Lydia (Jessica Tandy). Junto com ela, milhares de pássaros misteriosamente se instalam na cidade e começam a atacar as pessoas nas ruas.

Baseado em história de Daphne Du Maurier, o roteiro de Evan Hunter narra os ataques dos pássaros sob a perspectiva de Melanie Daniels, uma jovem que se apaixona por um desconhecido e decide lhe entregar um presente sugestivo em sua cidade natal: um casal de “pássaros do amor”. Logo no início, Hitchcock ambienta o espectador e prepara a atmosfera ideal ao nos mostrar uma grande quantidade de pássaros no céu e a loja especializada em pássaros onde Mitch e Melanie se encontram pela primeira vez. Depois disto, o diretor evita nos mostrar os pássaros por algum tempo, limitando-se a inserir o som deles em alguns momentos, além de frases que chamam nossa atenção (“Eles não param de migrar?”), o que serve para aumentar nossa expectativa (Hitchcock sabia, mais do que ninguém, como prolongar ao máximo esta sensação no espectador). O primeiro ataque só acontece aos 25 minutos de projeção, quando um pássaro fere Melanie no barco. Mesmo assim, o primeiro fato realmente estranho surge apenas quando uma gaivota ataca a porta de Annie. “Pássaros não saem por aí atacando pessoas”, diz um policial, e é justamente aí que reside o terror psicológico da narrativa, pois vemos algo incomum e inesperado. Por ser um animal inofensivo, o pássaro torna-se ainda mais assustador, ainda mais quando uma especialista diz que existem bilhões de pássaros e que uma eventual guerra resultaria num massacre. E o mais interessante é que o longa jamais explica a razão dos ataques, o que torna tudo ainda mais misterioso e assustador.

Obviamente, um filme baseado no ataque de milhares de pássaros depende bastante da qualidade dos efeitos visuais. E apesar de hoje os efeitos soarem datados em algumas cenas, de forma geral o resultado é satisfatório e cumpre bem sua função, graças também ao excelente design de som, que cria uma atmosfera perfeita nos ataques dos pássaros, como podemos notar nas impressionantes seqüências da festa de Cathy (Veronica Cartwright) e da invasão da casa de Mitch através da lareira. Vale ressaltar ainda a ausência de trilha sonora durante todo o filme, que utiliza apenas o som diegético para provocar tensão, o que é muito interessante.

Hitchcock aproveita ainda a paisagem local para criar belos planos, por exemplo, quando Melanie atravessa o rio para chegar à casa de Mitch. Além disso, utiliza a câmera para nos transmitir sensações, como quando Mitch questiona a história do chafariz em Roma, surgindo poderoso na tela ao ser filmado em ângulo baixo, enquanto Melanie aparece intimidada no plano. Além disso, o diretor cria planos aterrorizantes, como aquele que destaca centenas de pássaros nos fios, além de conduzir com precisão cenas marcantes, como quando Lydia visita a casa de Dan, onde a xícara quebrada e um pássaro morto na janela indicam a tragédia, confirmada em seguida, quando vemos aquele homem morto com os olhos arrancados. O diretor é hábil ainda na condução da narrativa, utilizando o interesse de Melanie por Mitch para nos prender durante todo o primeiro ato, distraindo a platéia enquanto prepara a chegada dos grandes vilões. Observe também como no início a fotografia de Robert Burks é mais leve e repleta de cenas diurnas, o que contrasta diretamente com o final sombrio e até mesmo com o segundo ato, onde a fotografia emprega cores mais frias, reforçadas pelos dias nublados e pelo maior número de cenas noturnas quando comparado ao primeiro ato.

Além da fotografia, a própria casa de Mitch se revela aconchegante inicialmente, tornando-se sombria e sufocante na parte final da narrativa, o que é mérito da boa direção de arte. Da mesma maneira, as roupas tristes de Lydia indicam sua melancolia ao ver o filho se envolvendo com Melanie, o que só é reforçado pela boa atuação de Jessica Tandy, que ilustra bem o incomodo da personagem em seu rosto aflito, como podemos notar numa conversa que ela tem com o filho na cozinha. É também através de uma conversa entre ela, Melanie e Mitch, que Lydia revela seu ciúme doentio pelo filho, inserindo na trama um dos temas caros ao diretor, a relação conturbada entre mãe e filho. Tandy se destaca ainda quando Lydia fala sobre o marido falecido na cama, demonstrando fraqueza e reforçando seu lado possessivo e protetor ao falar sobre o filho, além de escancarar o trauma pela morte do marido ao dizer para Mitch que tudo seria diferente “se o seu pai estivesse aqui”.

Por outro lado, se o romance entre Mitch e Melanie não empolga é porque Hedren não consegue empatia com Taylor, que até tem uma boa atuação, mas é claramente prejudicado pela companheira. Infelizmente, Tippi Hedren (a loira da vez de Hitchcock) tem uma atuação muito fraca e inexpressiva, representada especialmente nos momentos que exigem tensão, como quando ela reage “assustada” ao incêndio provocado pelos pássaros num posto – numa cena, aliás, muito mal montada por George Tomasini. Ao contrário de Hedren, Suzanne Pleshette se sai bem como Annie, revelando seu ciúme por Mitch numa conversa com Melanie (repare o zoom no rosto dela na hora que Melanie cita o nome dele), evidenciando seu antigo caso com ele. Por isso, quando a professora Annie pergunta se “surgiu algo inesperado” para que Melanie fique na cidade, a tensão do diálogo é notável, já que ambas tem interesse por Mitch, e isto é mérito da boa atuação de Pleshette, como acontece também quando Melanie aceita o convite para a festa de Cathy e Annie balança a cabeça negativamente, evidenciando seu descontentamento – e Hitchcock faz questão de ressaltar a reação dela na cena.

Mas apesar do elenco irregular, Hitchcock consegue criar momentos marcantes, como na excelente seqüência em que Melanie espera Cathy na escola, enquanto os pássaros vão pousando lentamente no brinquedo atrás dela. O silêncio da cena, quebrado apenas pelo canto das crianças, é essencial para torná-la ainda mais angustiante. Quando as crianças começam a sair, um plano assustador revela a quantidade de pássaros que cercaram a escola, forçando as crianças a fugir em disparada – repare que no momento em que elas começam a correr, Hitchcock foca os pássaros, dando a exata noção da importância do som naquele instante, afinal, é o som dos passos que chama a atenção deles. Esta perseguição, no entanto, é um dos momentos em que os efeitos visuais hoje soam datados. Ainda assim, Hitchcock cria um plano fantástico no inicio da corrida, onde vemos as crianças saindo em disparada e os pássaros surgindo atrás da escola. Outro plano marcante é o que revela a morte de Annie, com o exterior da casa completamente tomado pelos pássaros e Cathy escondida lá dentro. Ao sair deste ambiente assustador, Hitchcock emprega um plano subjetivo, que nos coloca na mesma posição dos personagens enquanto deixam aquele local hostil. Vale destacar ainda nesta cena a boa atuação da garota Veronica Cartwright, que convence com o choro sentido de Cathy.

A narrativa chega ao clímax quando Mitch, Lydia, Cathy e Melanie estão trancados na agora sombria casa dos Brenner, encurralados pelos pássaros e em absoluto silêncio. Este silêncio será quebrado somente pelo inicio do ataque, numa cena eletrizante, acentuada pela queda da energia, que torna o ambiente ainda mais sombrio. E após reencontrar os pássaros no alto da casa, todos eles sairão dali durante a calmaria dos animais, num final tenso e impressionante, com o carro deixando a casa e as centenas de pássaros lentamente para trás. É no conflito entre a lógica e o inexplicável, no confronto misterioso entre o homem e a natureza, que reside o componente mais atraente da narrativa. Existem interpretações distintas, como a teoria que defende o ataque dos pássaros como um simbolismo para o ciúme doentio de Lydia pelo filho (o único homem em sua vida) e até mesmo uma teoria que enxerga a fúria da natureza como uma punição à ousadia de Melanie de ir atrás de um homem explicitamente, explicada em detalhes no livro “Os Pássaros”, de Camille Paglia. Mas, como afirmei, entendo que este mistério a respeito da natureza dos ataques é benéfico, abrindo possibilidades diversas de interpretações.

Ainda que tenha problemas, especialmente por causa de Tippi Hedren e alguns efeitos hoje datados, “Os Pássaros” cumpre muito bem sua função e assusta ao transformar um animal inofensivo num predador feroz, capaz de caçar os seres humanos como se fossem alimentos para seus filhotes. Com grandes cenas e uma narrativa envolvente, Hitchcock entrega mais um bom filme, já na fase final de sua gloriosa carreira.

Texto publicado em 13 de Junho de 2011 por Roberto Siqueira

4 comentários sobre “OS PÁSSAROS (1963)

  1. César 2 abril, 2013 / 6:39 pm

    Gosto muito deste filme. Havia assistido em VHS há muitos anos atrás. Semana passada consegui baixar o filme e matei a saudade. Só não gostei do final, subjetivo demais. Prefiro finais objetivos. Mesmo assim o filme é ótimo. Cenário, trama, vale a pena.

    Curtir

    • Roberto Siqueira 10 maio, 2013 / 10:43 pm

      Obrigado pelo comentário César.
      Eu já adoro os finais subjetivos.
      Abraço.

      Curtir

  2. Anônimo 13 julho, 2012 / 11:15 am

    e possina tvvel passar este filme de novo faz muito tempo que eu assisti

    Curtir

    • Roberto Siqueira 28 julho, 2012 / 3:48 pm

      Mais fácil alugar.
      Abraço.

      Curtir

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.