FANTASIA 2000 (1999)

(Fantasia/2000)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #227

Dirigido por James Algar, Gaëtan Brizzi, Paul Brizzi, Hendel Butoy, Francis Glebas, Eric Goldberg e Pixote Hunt.

Elenco: Leopold Stokowski, Ralph Grierson, Steve Martin, Itzhak Perlman, Quincy Jones, Bette Midler, James Earl Jones, Angela Lansbury. Vozes de Kathleen Battle, Wayne Allwine e Frank Welker.

Roteiro: Irene Mecchi e David Reynolds, baseado em histórias de Eric Goldberg, Joe Grant, Perce Pearce, Carl Fallberg, Gaëtan Brizzi, Paul Brizzi, Brenda Chapman e argumento de Elena Driskill.

Produção: Donald W. Ernst.

Fantasia 2000[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Prestes a completar 60 anos do lançamento de uma de suas obras mais ousadas, a Disney resolveu se auto homenagear e lançou uma nova versão do clássico “Fantasia”, de 1940, agora repaginado e com novas canções. Mais curto e menos inspirado que o original, o novo trabalho mantém características essenciais do primeiro filme, com animações interessantes e uma boa seleção de canções, mas perde por manter aspectos narrativos já desatualizados e que, tantos anos depois, soam totalmente desnecessários.

Novamente trabalhando na ideia corajosa de misturar música clássica com animação, “Fantasia 2000” infelizmente também mantém as irritantes participações de atores e atrizes entre os clipes, que nada agregam e ainda representam uma frustrante quebra no ritmo da narrativa. Se em 1940 estas interrupções eram necessárias para explicar o conceito do longa à uma plateia ainda desacostumada com aquilo, nos anos 90 essa explicação já não era mais necessária (ou não deveria ser). Assim, somos obrigados a acompanhar as piadas sem graça de Steve Martin, por exemplo, ou a participação de um claramente deslocado James Earl Jones – a eterna voz de Darth Vader. Curiosamente, a única intervenção que funciona é justamente aquela que não envolve seres humanos, cabendo a Mickey e Donald estrelarem a única sequência engraçadinha entre os clipes.

“Fantasia 2000” começa relembrando a obra de 1940 e seu primeiro clipe chamado “Sinfonia n.º 5” também faz alusão ao longa original, já que, assim como a primeira sequência de “Fantasia”, aqui temos um festival de imagens abstratas, desta vez acompanhadas pela bela música de Bethoween. A sequência dirigida por Pixote Hunt funciona exatamente como “Toccata and Fugue in D Minor” no primeiro filme, introduzindo o conceito sem grandes experimentos, sendo o segmento menos envolvente do filme.

Já o segundo clipe eleva substancialmente o nível de “Fantasia 2000” ao trazer um segmento envolvente narrativamente e impactante visualmente. Ao som da música de Ottorino Respighi, “Pinheiros de Roma” nos traz a triste história de uma baleia que se perde da mãe, contada através de uma animação impecável em 3D (aliás, o primeiro segmento da Disney feito todo em 3D). O visual deslumbrante da vida marinha surge em tons menos coloridos e sem vida, reforçando a frieza do gélido local através dos tons azulados e transformando até mesmo a aurora boreal em algo melancólico, transmitindo o sentimento da pobre jovem baleia que se perde da família até finalmente reencontrá-la. Momentos surreais com baleias voando e bailando diante do céu estrelado complementam o belo segmento dirigido por Hendel Butoy.

O terceiro segmento, dirigido por Eric Goldberg, representa um retrocesso não apenas visualmente, como também narrativamente. Com linhas mais simples em 2D, a ideia é representar a vida de trabalhadores na Nova York dos anos 30, com destaque para os operários de uma obra em construção. Apesar da interessante dinâmica entre as diferentes profissões e da abordagem até divertida, “Rapsódia em Azul” acaba resultando num segmento menos envolvente que o anterior e talvez funcionasse melhor se surgisse antes de “Pinheiros de Roma”.

Sinfonia n.º 5Rapsódia em AzulConcerto de Piano No 2

Mantendo a gangorra de “Fantasia 2000”, o quarto segmento é muito mais interessante. Também dirigido por Hendel Butoy (parece que ele deveria ter dirigido todo o longa, não?), “Concerto de Piano No 2” traz o clássico de Hans Christian Andersen “O Soldadinho de Chumbo” ao som da música de Dmitri Shostakovich que, obviamente, dá nome ao clipe. Mais moderno em termos narrativos, o clipe traz um soldado que se apaixona por uma bela boneca de porcelana dançarina e desperta o ciúme de um palhaço. Aqui vale notar como o visual representa muito bem os sentimentos dos personagens, com os tons vermelhos e a música acelerada representando a fúria do palhaço, enquanto o visual assustador e opressivo no esgoto demonstra a angústia do pobre soldado. O caso de amor entre o soldado de chumbo e a boneca de porcelana terá um final feliz, mas não sem passar por momentos de adrenalina que são muito bem representados na música de Shostakovich.

O próximo segmento representa o bem vindo alívio cômico após a passagem anterior. Inspirado na música de Camille Saint-Saëns, “O Carnaval dos Animais” diverte ao trazer um flamingo brincando com um ioiô e irritando os demais, mas assim como o outro segmento dirigido por Eric Goldberg, não figura entre os destaques do longa. Em seguida, “Fantasia 2000” resgata uma das melhores sequências do longa original, estrelada pelo personagem mais famoso da Disney. Dirigida por James Algar, “O Aprendiz de Feiticeiro” continua um segmento poderoso, embalado pela música clássica de Paul Dukas e repleto de momentos marcantes, como a assustadora multiplicação das vassouras e aquele que traz Mickey empolgado brincando com seus novos poderes.

O Carnaval dos AnimaisAprendiz de FeiticeiroPompa e circunstância

Dirigido por Francis Glebas, “Pompa e circunstância” traz a famosa música clássica embalando uma bela história envolvendo o pato Donald numa jornada na arca de Noé, onde se desencontra da amada Margarida e passa por diversos obstáculos até finalmente reencontrá-la. Visualmente muito interessante, o segmento nos prepara para o fechamento de “Fantasia 2000” de maneira convincente, equilibrando momentos de humor com outro de apelo emocional. No entanto, é o segmento “O Pássaro de Fogo” que concorre com “Pinheiros de Roma” pela posição de melhor sequência do filme. Inspirado em um conto russo e acompanhado pela composição homônima de Igor Stravinski, este número de encerramento impressiona pelo visual arrebatador, iniciando na melancólica sequência em que vemos o espírito da primavera percorrendo o campo tentando trazer vida até encontrar um vulcão adormecido, passando pelos tons vermelhos que trazem o vulcão acordando e destruindo tudo ao seu redor e finalizando na bela calmaria quando finalmente o espírito consegue devolver as cores ao local, numa bela sequência que vincula a passagem das estações à vida, a morte e a ressurreição.

E se o último segmento representa a renovação e a esperança que ela traz, “Fantasia 2000” também se sai bem como o novo representante de uma ideia muito interessante, num festival de cores e sensações ainda eficiente, mas sem a magia do original. Nem precisava tanto.

Fantasia 2000 foto 2Texto publicado em 19 de Abril de 2016 por Roberto Siqueira

CONAN – O BÁRBARO (1982)

(Conan the Barbarian)

3 Estrelas 

Videoteca do Beto #158

Dirigido por John Milius.

Elenco: Arnold Schwarzenegger, James Earl Jones, Max von Sydow, Gerry Lopez, Sandahl Bergman, Mako, Ben Davidson, Cassandra Gava, Valérie Quennessen e William Smith.

Roteiro: John Milius e Oliver Stone, baseado em história de Robert E. Howard.

Produção: Raffaella De Laurentiis e Buzz Feitshans.

Conan - O Bárbaro[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Inspirado no bem sucedido personagem criado por Robert E. Howard em 1932 (que se tornaria um herói dos quadrinhos da Marvel nos anos 70), “Conan – O Bárbaro” ficou conhecido por revelar ao mundo um dos grandes astros do cinema de ação daquela década: Arnold Schwarzenegger. Apostando na violência gráfica e na natureza mística de sua história, o longa dirigido por John Milius alcançou grande sucesso, passando a fazer parte da memória afetiva de muitos jovens daquela geração. Entretanto, o tempo foi cruel com o filme que, revisto hoje, parece bastante datado, ainda que consiga sobreviver como uma aventura minimamente interessante.

Adaptado pelo próprio Milius ao lado de Oliver Stone, o roteiro baseado na história de Howard nos apresenta Conan (Arnold Schwarzenegger) ainda jovem, quando este acompanha sua aldeia ser atacada por um terrível feiticeiro chamado Thulsa Doom (James Earl Jones) que, impiedoso, assassina os pais do garoto na frente dele. Preso e forçado ao trabalho escravo, Conan acaba desenvolvendo sua força física e, após conquistar a liberdade, parte em busca de vingança, cruzando pelo caminho com os ladrões Subotai (Gerry Lopez) e Valeria (Sandahl Bergman). Juntos, eles terão ainda que resgatar a filha do Rei Osric (o sempre ótimo Max von Sydow), que, atraída pela filosofia de Doom, acabou juntando-se aos seguidores dele.

Através de uma estranha narração que só faz sentido na metade do filme quando o feiticeiro interpretado por Mako entra em cena, somos apresentados ao violento passado do protagonista ainda nos minutos iniciais de “Conan – O Bárbaro”, evidenciando desde então que seu desejo de vingança será o fio condutor da narrativa. Em seguida, um belo plano geral nos leva ao local onde Conan passará a infância fazendo trabalhos forçados e, durante este trabalho, uma elipse interessante avança muitos anos na narrativa e nos traz Conan já adulto e na pele de Schwarzenegger. Enquanto acompanhamos sua consolidação como guerreiro através de sangrentas lutas numa arena, presenciamos também a formação de sua personalidade bruta e selvagem, tão essencial para o sucesso do personagem.

Trabalhos forçadosElipse interessanteConan já adultoEstreando como protagonista no cinema num papel talhado para ele, Schwarzenegger fala muito pouco e aposta na força física para ter sucesso – algo que o diretor explora muito bem em diversos planos que realçam a forma física do ator. Aliás, é impressionante como o corpo humano é explorado e valorizado em “Conan – O Bárbaro”, com planos que buscam realçar a força dos homens e a sensualidade das mulheres, que, aliás, surgem em profusão durante uma narrativa que poderia facilmente pender para uma abordagem machista devido ao seu universo calcado na força, numa transposição fiel ao estilo violento e lascivo dos quadrinhos.

Forma física do atorCorpo humano é exploradoSensualidade das mulheresVoltando ao protagonista, Conan é a antítese do herói convencional. Mulherengo, briguento e beberrão, o personagem poderia facilmente se afastar do espectador, mas sua introdução trágica e o inegável carisma do ator colaboram para aproximá-lo da plateia. Movido pelo desejo de vingança, Conan sequer consegue manter-se junto à única pessoa que demonstra afeto por ele, deixando Valeria para trás na primeira oportunidade que aparece. Valeria que é interpretada por uma Sandahl Bergman que, mesmo sem possuir grande talento, tem a melhor atuação de “Conan”, conferindo alguma profundidade a sua personagem. Já o unidimensional Thulsa Doom mais parece uma caricatura, mas garante bons momentos graças à imponência de James Earl Jones. Surgindo com uma peruca ridícula que deve envergonhá-lo até hoje, Jones aposta em seu olhar penetrante para criar um vilão com forte presença, que carrega ainda um simbolismo mais do que apropriado ao utilizar serpentes em seu templo do pecado.

Mulherengo, briguento e beberrãoValeriaVilão com forte presençaRealçando esta aura demoníaca através dos tons em vermelho na chegada dos heróis ao impressionante interior do templo de Thulsa Doom (design de produção de Ron Cobb), a fotografia de Duke Callaghan não tem uma identidade, criando um visual que oscila bastante durante a narrativa, passando pelo branco da neve no início, os tons áridos do segundo ato e pelo visual multicolorido do confronto dentro do templo. Aliás, os confrontos também surgem confusos graças a constante troca de planos de Milius e seu montador C. Timothy O’Meara, que ainda pecam ao criar uma batalha pouco vibrante quando Thulsa Doom parte para resgatar a princesa interpretada por Valérie Quennessen, já próximo ao ato final. E nem mesmo a trilha sonora quase incessante de Basil Poledouris serve para conferir mais dinamismo às batalhas, ainda que emule o som de uma marcha na primeira delas. No fim das contas, se a trilha sonora não tem grande destaque, também não compromete.

Interior do templo de Thulsa DoomBranco da neveVisual multicoloridoAo menos, Milius acertadamente abusa da violência gráfica para conferir maior realismo a narrativa, o que é bem coerente com aquele universo povoado por personagens selvagens. Neste sentido, “Conan – O Bárbaro” obtém sucesso, ainda que seu visual tenha sido sabotado ao longo dos anos e hoje soe extremamente datado (de tão vermelho, o sangue mais parece suco). Não são poucos os momentos em que Milius faz questão de mostrar os resultados violentos das ações dos personagens, começando pelo ataque aos pais de Conan, passando por suas lutas na arena e terminando nos confrontos com os seguidores de Thulsa Doom dentro do templo e ao ar livre, além é claro da sumária execução do vilão (com direito a cabeça rolando escadaria abaixo de uma maneira que nem mesmo Mel Gibson botaria defeito).

Ataque aos pais de ConanConfrontos com os seguidores de Thulsa DoomSumária execuçãoPor vezes bem humorado, “Conan – O Bárbaro” traz ainda diversos personagens estranhos, como a feiticeira (Cassandra Gava) que vive uma noite de sexo com o protagonista numa cabana e desaparece em seguida, que serve também para inserir pela primeira vez os elementos místicos tão presentes na narrativa. Só que tanto este momento como a cena em que espíritos surgem para levar Conan e provocam a ira de Valeria servem para atestar o quanto os efeitos visuais hoje soam ultrapassados, evidenciando os problemas orçamentários da produção. Da mesma forma, ainda que as roupas feitas de restos de animais sejam coerentes com a natureza selvagem dos personagens (figurinos de John Bloomfield), elas também não envelheceram bem. E é justamente este aspecto que enfraquece um pouco um longa que depende do impacto visual. Repare, por exemplo, como a serpente gigante soa artificial com seus movimentos falsos ou como a maquiagem também não convence quando Conan é preso numa árvore e é ferido por pássaros. Ao menos, estes deslizes conferem uma saudosista aura trash ao filme.

FeiticeiraEspíritos surgem para levar ConanRoupas feitas de restos de animaisAinda assim, o diretor consegue criar bons momentos, como a tensa sequência do roubo do olho da serpente ou a triste morte de Valeria, que culmina no belo plano do altar com o corpo dela em chamas. E finalmente, Milius aposta na câmera lenta e na força das imagens para transmitir emoção no simbólico final, criando planos interessantes como àquele que mostra as pessoas jogando as tochas na água e abandonando a seita de Thulsa Doom.

Roubo do olho da serpenteAltar com o corpo dela em chamasTochas na águaApostando na bem sucedida mistura de violência, misticismo e humor negro, “Conan – O Bárbaro” funciona como uma aventura calcada no desejo de vingança de seu protagonista, dando vida a um cruel universo fantástico de maneira leve e divertida, ainda que visualmente o resultado tenha sido muito comprometido com o passar do tempo. Entretanto, se o aspecto visual hoje deixa a desejar, sua narrativa continua envolvente. E isto, evolução tecnológica alguma poderá mudar.

Conan - O Bárbaro foto 2Texto publicado em 07 de Fevereiro de 2013 por Roberto Siqueira

O REI LEÃO (1994)

(The Lion King)

 

 

Filmes em Geral #52

Videoteca do Beto #150 (Filme comprado após ter a crítica divulgada no site e transferido para a Videoteca em 06 de Janeiro de 2013)

Dirigido por Roger Allers e Rob Minkoff.

Elenco: Matthew Broderick, Rowan Atkinson, Whoopi Goldberg, Jeremy Irons, Nathan Lane, Niketa Calame, Jim Cummings, Robert Guillaume, James Earl Jones, Moira Kelly, Zoe Leader, Cheech Marin, Ernie Sabella, Madge Sinclair e Jonathan Taylor Thomas.

Roteiro: Irene Mecchi, Jonathan Roberts e Linda Woolverton, baseado em história de Jim Capobianco, Lorna Cook, Thom Enriquez, Andy Gaskill, Francis Glebas, Ed Gombert, Kevin Harkey, Barry Johnson, Mark Kausler, Jorgen Klubien, Larry Leker, Ricki Maki e Burny.

Produção: Don Hahn.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apesar de alguns tropeços ao longo de sua história, os estúdios Disney se especializaram em produzir animações de grande qualidade, que utilizam uma estrutura narrativa simples e o talento de seus animadores para deixar mensagens marcantes tanto para crianças como para adultos. Mas existem alguns momentos em que este trabalho em conjunto se supera e alcança a perfeição, entregando filmes capazes de marcar gerações, como é o caso deste lindo “O Rei Leão”, que consegue narrar uma história vigorosa, utilizando como pano de fundo a deslumbrante paisagem da selva africana para ensinar valores fundamentais de maneira tocante. Em outras palavras, trata-se de um filme belo tematicamente e deslumbrante visualmente. Em resumo, uma obra-prima.

O rei leão Mufasa (voz de James Earl Jones) apresenta seu filhote Simba (voz de Matthew Broderick) aos animais do reino, provocando a ira de seu invejoso irmão Scar (voz de Jeremy Irons), que arquiteta um plano cruel na busca pelo trono. Aproveitando a inocência e a curiosidade do pequeno Simba, Scar consegue colocar em prática seu plano, mas, com o passar do tempo e a ajuda do astuto macaco Rafiki (voz de Robert Guillaume), Simba volta para ocupar o seu lugar de direito.

Por razões óbvias, a selva africana é um local dos sonhos para animadores, que podem criar (ou reproduzir) cenários capazes de tirar o fôlego de qualquer um. Felizmente, a equipe da Disney não perdeu a oportunidade, permitindo aos diretores Roger Allers e Rob Minkoff viajarem pelos belíssimos cenários, nos levando por deslumbrantes paisagens e, auxiliados pela excelente trilha sonora de Hans Zimmer (que remete aos sons típicos da África), nos ambientando ao local onde se passará à narrativa. Na realidade, o trabalho de criação de cenários e o som – que, por exemplo, permite distinguir nitidamente gotas da chuva, raios e os ruídos de cada animal – fazem mais do que ambientar o espectador, conseguindo uma verdadeira imersão no universo de “O Rei Leão”. Impressiona também a fidelidade com que a narrativa recria os hábitos dos animais, como quando Scar diz que “é função das leoas trazerem comida para o bando”, assim como os animadores retratam com perfeição os movimentos dos leões, como quando Simba caminha de um lado para o outro pensativo, da mesma forma que um leão real faria. Repare ainda como os movimentos felinos de caça são idênticos à realidade, assim como o movimento de praticamente todos os animais, reforçando a qualidade do trabalho dos animadores. Captando este visual rico e cheio de cores com competência, Allers e Minkoff criam planos belíssimos, que soam como um verdadeiro deleite visual, seja na chuva, seja no sol, fazendo com que diversos momentos do longa mais pareçam um quadro vivo. E até mesmo os locais mais sombrios têm sua beleza, como o obscuro cemitério dos elefantes, apresentado lentamente ao espectador através de um zoom e habitado pelas cinzentas hienas, que criam um contraste interessante com os pardos leões. Aliás, não são poucos os momentos em que um movimento de câmera nos revela algo deslumbrante, como nos elegantes travellings que passeiam pela selva, ou algo importante para a narrativa, como quando somos apresentados às centenas de gnus que pastam no monte próximo ao local onde Simba se encontra. Quando os gnus aparecem na tela, o espectador sente o perigo e praticamente prevê a tragédia – ainda que neste momento esteja mais preocupado com Simba do que com Mufasa -, que se consumará na impressionante cena do estouro dos gnus.

Mantendo a tradição Disney, a trama é interrompida algumas vezes por canções diegéticas que tem alguma função narrativa, como quando Timão e Pumba apresentam sua filosofia “Hakuna Matata”, no momento mais leve do filme, que aproveita para fazer a transição do jovem Simba para o Simba adulto. Aliás, já que citei a divertida dupla, vale ressaltar que a narrativa é preenchida por diversos personagens coadjuvantes fascinantes, como o sábio macaco Rafiki, o fiel Zazu e os próprios Timão e Pumba, que surgem após o momento mais intenso dramaticamente, funcionando como um alívio cômico perfeito. E ainda que seja o vilão, Scar, com sua juba preta, não deixa de ser um personagem interessante, amargurado por ser relegado ao segundo plano diante do poderoso irmão e seu legítimo herdeiro, o que o leva a arquitetar um plano diabólico, revelado num número musical sombrio, quando ele canta para as hienas – repare como a fotografia migra de tons esverdeados para o amarelo e, finalmente, para o vermelho, o que é coerente com as intenções demoníacas do invejoso leão.

Auxiliados pela montagem de Tom Finan, a dupla de diretores acertadamente investe boa parte da narrativa na relação entre Simba e Mufasa, estabelecendo a importância da figura paterna na formação do caráter daquele jovem. Além disso, Finan cria elegantes transições entre planos, como quando Rafiki está sentado e reflexivo durante a posse de Scar e, no plano seguinte, aparece dormindo numa árvore, assim como a imagem de Simba numa pedra se transforma no próprio leão, agora deitado e dormindo no deserto. Escrito por Irene Mecchi, Jonathan Roberts e Linda Woolverton, “O Rei Leão” aborda temas fortes e universais, como o amor, a inveja e a morte – este último de maneira profunda e tocante. Desde o seu nascimento, Simba é festejado e reverenciado pelos outros animais. Mas, como seu pai lhe ensinaria a seguir, ser rei não era uma tarefa tão simples assim. E é justamente nos ensinamentos de Mufasa que reside a grande mensagem do longa, ao abordar o chamado “ciclo da vida” e a natureza finita de todos nós. Num destes diálogos, Mufasa explica para seu filhote que da mesma forma que eles se alimentam de antílopes, um dia eles morreriam, virariam grama e serviriam de alimento para estes mesmos animais, num exemplo interessante da vida selvagem, onde todos são importantes no equilíbrio do ecossistema. Em outro momento, o sábio Mufasa ensina ao filho que “o tempo de um reinado se levanta e se põe como o sol”, numa bela metáfora para a própria vida – que serve também para preparar o espectador para a perda de Mufasa. Da mesma forma que viemos para o mundo, um dia partiremos, deixando o lugar para outro ser, que dará continuidade à nossa espécie. Nossos antepassados tiveram o seu tempo, depois vieram nossos pais e, finalmente, a nossa geração, que será sucedida pela dos nossos filhos e assim por diante. A lição, forte e direta, cai como uma bomba nos jovens espectadores (e afirmo isto porque assisti ao filme pela primeira vez com 13 anos de idade e lembro muito bem o quanto fiquei impressionado). Um dia, mais cedo ou mais tarde, teremos que assumir responsabilidades e ser como nossos pais.

Para que esta mensagem marcante funcione, é vital que a relação entre pai e filho conquiste a platéia, e felizmente o roteiro trata esta questão com carinho, criando um vinculo excepcional entre Mufasa e Simba. Desde os primeiros momentos, o pai pacientemente ensina tudo ao filho, sempre com muito carinho e amor, preparando seu pequeno para a vida. E mesmo quando precisa ser enérgico, Mufasa é sábio na condução da situação, como quando salva Simba no cemitério e pede para Zazu acompanhar Nala enquanto ele ensinaria uma lição ao filho. Misturando autoridade e amor, Mufasa transita do recado claro sobre os perigos da atitude de Simba para a brincadeira descontraída, numa cena linda e marcante. É nesta cena também que Mufasa fala sobre as estrelas e os reis, num diálogo que refletirá em outra cena emocionante, quando Simba, deitado na grama ao lado de Timão e Pumba, olha para as estrelas e lembra o pai (e observe como no momento em que Mufasa fala com o filho, o zoom out diminui os personagens em cena, refletindo a aflição de Simba ao pensar que um dia perderia seu pai). Assustado, o garoto encontra conforto em outra frase marcante de seu velho, que lhe ensina o quanto aquele sentimento era normal: “Os reis também têm medo”.

Conduzida com muita energia, a triste cena da morte de Mufasa provocará a fuga de Simba, impulsionado pelos gritos de seu tio Scar, que lhe aconselha a fugir, segundos antes de ordenar sua morte. Mas o jovem leão tinha o sangue dos grandes e consegue escapar, fugindo para a savana, num plano belíssimo onde podemos ver as hienas observando o pequeno leão que se perde no horizonte. E após viver bons momentos ao lado de Timão e Pumba, Simba, agora um leão adulto, reencontra sua amiga Nala quando ela pula em cima dele durante uma caçada, numa interessante rima narrativa que remete a “Bambi”, onde o personagem principal também reencontrava sua amada da mesma maneira que a conhecera na infância. Embalados pela bela “Can you feel the Love tonight”, Simba e Nala se apaixonam, só que a paixão não seria suficiente para levar o leão de volta ao seu lugar. Cabe então ao macaco Rafiki a árdua missão de convencê-lo, algo que ele consegue de maneira marcante, provando para Simba que Mufasa estava vivo. Simba, empolgado com a notícia, corre para o local apontado pelo macaco e vê, no reflexo da água, sua própria imagem, compreendendo que uma parte de seu pai existia dentro dele agora – confesso que, após esta bela cena, pensei imediatamente na frase “ter um filho é uma maneira de continuar vivo” e me emocionei. Ainda sentindo-se culpado pela morte do pai e demonstrando grande carência afetiva, Simba finalmente compreende seu lugar no ciclo da vida e decide voltar.

Chegamos então ao esperado confronto final entre “vilão” e “mocinho”, onde, após reencontrar o tio, Simba se vê na mesma situação em que seu pai morreu e descobre a verdade sobre a morte dele (repare novamente no tom vermelho da fotografia, que cria uma atmosfera tensa e violenta, remetendo ao sangue, à própria raiva de Simba e ao seu desejo de matar o tio). Buscando forças após a bombástica revelação, Simba manda o tio pelos ares, dando às hienas a oportunidade de se vingar de Scar, num exemplo claro da famosa lei da selva. E então, Simba assume seu posto, na mesma pedra em que foi apresentado aos outros animais e onde apresentará o seu filhote, que, da mesma maneira, dará seqüência ao ciclo da vida.

Com grandes ensinamentos, um visual rico e uma mensagem marcante, “O Rei Leão” é um lindo filme, capaz de emocionar sem ser melodramático. De maneira simples e direta, ensina valores importantes, conquistando o espectador com seus personagens graciosos e seu interessante conceito de continuidade da vida e inevitabilidade da morte. E já que a morte é inevitável, nada melhor do que aproveitar a vida da melhor maneira possível, amando, sendo amado, e assistindo a grandes filmes como este. Hakuna Matata!

Texto publicado em 09 de Abril de 2011 por Roberto Siqueira

STAR WARS EPISÓDIO VI: O RETORNO DE JEDI (1983)

(Star Wars: Episode VI – The Return of the Jedi)

 

Videoteca do Beto #71

Dirigido por Richard Marquand.

Elenco: Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher, Billy Dee Williams, Alec Guinness, Anthony Daniels, Kenny Baker, Peter Mayhew, Sebastian Shaw, David Prowse, James Earl Jones, Ian McDiarmid, Frank Oz e Michael Pennington.

Roteiro: George Lucas e Lawrence Kasdan, baseado em história de George Lucas.

Produção: Howard G. Kazanjian.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Visivelmente buscando agradar o público mais jovem e apostando alto nos resultados da bilheteria, “Star Wars Episódio VI: O Retorno de Jedi” só não é uma decepção porque consegue finalizar, ainda que sem grande brilho, a maravilhosa saga espacial de George Lucas. Infelizmente, investe numa narrativa leve, que escancara o apelo infanto-juvenil crescente na saga, e por isso jamais explora o potencial que o capítulo final da série realmente oferecia após o excepcional “O Império Contra-Ataca”.

O temível Darth Vader (David Prowse, voz de James Earl Jones), supervisionado de perto pelo poderoso Imperador (Ian McDiarmid), acompanha a construção da nova Estrela da Morte, uma estação que será capaz de aniquilar as tropas rebeldes do universo. Enquanto isso, Luke Skywalker (Mark Hamill) parte para libertar Han Solo (Harrison Ford), a princesa Leia (Carrie Fisher), R2D2 (Kenny Baker), 3-CPO (Anthony Daniels) e Chewbacca (Peter Mayhew) das mãos do cruel Jabba. Após a fuga, todos se envolvem numa batalha galáctica contra o império antes que este conclua a construção da Estrela da Morte.

Após o excelente segundo filme da série, que além de explorar com competência o potencial sombrio do universo Star Wars, apresentava ainda uma revelação empolgante, responsável por elevar a níveis insuportáveis a ansiedade dos fãs para o capítulo final, a saga espacial de George Lucas chegava ao seu capítulo final. Infelizmente, porém, todo o excelente trabalho feito no filme anterior não foi explorado em “O Retorno de Jedi”. Nitidamente, a série preferiu seguir pelo caminho mais lucrativo, adotando uma narrativa mais leve na tentativa de atrair o público jovem (responsável pelas grandes bilheterias da época). Sendo assim, não faltam cenas que abusam do bom humor, o que contrasta diretamente com o tom pessimista de “O Império Contra-Ataca”, como podemos perceber na humorada cena do ritual em que 3-CPO é declarado uma divindade e se recusa a salvar seus amigos da fogueira, quando o mesmo 3-CPO diz para R2D2 que “não é hora para heroísmo” na batalha no planeta dos ewoks ou quando Han grita “consegui!” somente para ver a porta se fechar na sua cara em seguida. Além disso, Lucas infantiliza de vez a série ao inserir na narrativa os ewoks, uma espécie de ursinhos de pelúcia sem a menor graça (ele já havia feito algo parecido ao inserir anões peludos em “THX 1138”, seu filme de estréia). Por outro lado, o roteiro, baseado em história de George Lucas e escrito pelo próprio Lucas, auxiliado por Lawrence Kasdan, apresenta interessantes rimas narrativas com os filmes anteriores, como quando Han diz para Leia “eu te amo” e recebe um “eu sei” como resposta e quando Luke corta a mão de Darth Vader na batalha de sabres de luz.

Todos estes problemas de roteiro poderiam ser amenizados nas mãos de um grande diretor. Só que “grande diretor” não é uma definição adequada para Richard Marquand. Apesar de acertar a mão nas cenas que exigem mais ação, como as batalhas no espaço e no planeta dos ewoks, o diretor erra na condução da narrativa ao estender demais o resgate de Han Solo, prejudicando a seqüência mais interessante do longa, que é o ataque à Estrela da Morte e o esperado confronto final entre o império e os rebeldes. Além disso, Marquand também prefere preservar o tom leve da narrativa, evitando nos chocar, por exemplo, quando não mostra o resultado do ataque feroz do monstro criado por Jabba contra uma vítima indefesa que cai em seu covil por acidente, o que por conseqüência, enfraquece este vilão diante do espectador quando Luke o enfrenta no mesmo local. Ainda assim, o diretor tem seus acertos, como quando diminui o comandante em cena, após bronca de Vader por causa do atraso na construção da nova Estrela da Morte, ilustrando sua impotência diante do grande vilão. Marquand também acerta ao nos colocar sob o ponto de vista de Luke e Leia na empolgante seqüência da perseguição em alta velocidade na floresta a bordo das motos voadoras. E finalmente, o diretor merece crédito também pela condução do esperado confronto entre Darth Vader e Luke Skywalker, numa seqüência carregada de tensão, até pelo arco dramático vivido pela dupla.

Mas se apresenta problemas de roteiro e direção, não podemos dizer o mesmo quando falamos dos aspectos técnicos de “O Retorno de Jedi”. Mantendo a tradição da série, os efeitos visuais da Industrial Light & Magic são excelentes, como podemos notar quando as naves sobrevoam o deserto e, principalmente, nas batalhas no espaço. A fotografia de Alan Hume adota cores vivas, refletindo o tom alegre da narrativa, mas acerta no tom sombrio das cenas que se passam dentro da Estrela da Morte e também no palácio de Jabba. Aliás, os diversos monstros do palácio de Jabba, incluindo o próprio vilão, são bastante realistas para a época, o que reforça a qualidade dos aspectos visuais do longa, perceptível também na interessante cidade dos ewoks, com casas e passarelas dispostas nas árvores. Vale notar ainda como a roupa vermelha dos guardas na chegada do Imperador à Estrela da Morte remete ao aspecto demoníaco daquele vilão poderoso. Não é à toa também que Luke está todo de preto no confronto final com seu pai, ilustrando visualmente o conflito interno que o personagem estava vivendo. Estes pequenos detalhes demonstram o bom trabalho de Aggie Guerard Rodgers e Nilo Rodis-Jamero, responsáveis pelos figurinos. Também se destaca a bela direção de arte de Fred Hole e James L. Schoppe, que capricha no visual interno e externo das naves, no palácio de Jabba e, principalmente, no belíssimo visual dos diversos planetas em festa após a derrota do império e a libertação da galáxia. O som e a trilha sonora também são espetaculares. A trilha de John Williams mantém a marcante música tema da série e suas empolgantes variações, enquanto o som se destaca nas cenas no espaço, com as naves cortando a galáxia, e no duelo entre Luke e Vader, onde podemos distinguir perfeitamente o ruído dos sabres de luz e a voz dos personagens. A montagem de Sean Barton, Duwayne Dunham e Marcia Lucas tem papel fundamental no sucesso das cenas de batalha, mantendo a dinâmica entre os planos sem confundir o espectador, além de alternar entre as duas batalhas (no espaço e no planeta) num ritmo dinâmico e que consegue manter as duas seqüências interessantes.

Interessantes também são os icônicos personagens da série Star Wars, novamente interpretados com competência por todo o elenco. E mais uma vez o destaque fica para Harrison Ford na pele de Han Solo. Observe, por exemplo, a reação irônica de Han quando Luke diz que vai salvá-los no deserto ou sua cara de decepção quando Leia diz que sente a presença de Luke após a destruição da Estrela da Morte. Leia, novamente interpretada por Carrie Fisher, que finalmente assume seu amor por Han quando parte para resgatá-lo no planeta Tatooine. E ainda que não tenha o peso da revelação bombástica de “O Império Contra-Ataca”, até por que os momentos que a precedem apontam claramente para esta possibilidade, a revelação de Yoda sobre Leia pode provocar alguma surpresa no espectador. Da mesma forma, a revelação de Luke para Leia não provoca um choque tão grande na moça, que reage com naturalidade, como se já imaginasse tudo aquilo. Em compensação, quando Luke se retira e Han se aproxima, Fisher demonstra com competência o conflito de sentimentos da personagem. Darth Vader está novamente sombrio, muito por causa da poderosa voz de James Earl Jones e do visual caprichado do personagem. Quem também está bastante sombrio é Ian McDiarmid como o Imperador, se destacando na conversa que tem com Luke, com expressões faciais que buscam intimidar o jovem Jedi. E finalmente chegamos ao grande herói da série Star Wars, interpretado com carisma por Mark Hamill. Logo em sua chegada ao palácio de Jabba, Luke demonstra seu poder, agora já treinado como um cavaleiro Jedi, ainda que para se tornar um verdadeiro Jedi ele precisa derrotar Vader. Hamill demonstra bem a confiança de Luke, com o olhar determinado e a voz firme. Em outro momento, quando Yoda confirma que Vader é seu pai, Luke reage com certa decepção e inconformismo, e esta reação é verossímil por causa da boa atuação de Hamill.

Se não entrega um resultado maravilhoso, “O Retorno de Jedi” pelo menos cumpre o que se espera do encerramento da série, ao concluir o arco dramático de Luke Skywalker e Darth Vader, quando o vilão se volta contra o Imperador para proteger seu filho e o mata. Anakin Skywalker estava de volta para o lado bom da “força” e o próprio aspecto visual do ex-vilão, quando Luke retira sua máscara, reflete isto. Seu rosto branco, embora desfigurado, ilustra a paz interior que ele agora sentia. Paz também sente o espectador ao ver o final feliz da série, mas assim como Darth Vader em seu momento final, os mais exigentes podem sentir um gosto amargo, porque após o sensacional segundo filme, este encerramento certamente se revela inferior à expectativa.

Embora entregue aquilo que se propõe a fazer e feche a trilogia de maneira satisfatória, “O Retorno de Jedi” não consegue repetir o excelente resultado de “O Império Contra-Ataca”, limitando-se a encerrar a narrativa de maneira burocrática e voltada para o público jovem. Ainda assim, ganha pontos importantes por representar o encerramento de uma história criativa, interessante e que marcou um momento importante na história do cinema mundial.

Texto publicado em 14 de Outubro de 2010 por Roberto Siqueira

STAR WARS EPISÓDIO V: O IMPÉRIO CONTRA-ATACA (1980)

(Star Wars: Episode V – The Empire Strikes Back)

 

Videoteca do Beto #70

Dirigido por Irvin Keshner.

Elenco: Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher, Billy Dee Williams, Alec Guinness, Anthony Daniels, Kenny Baker, David Prowse, Peter Mayhew, James Earl Jones (Darth Vader – voz), Frank Oz (Yoda – voz), Jeremy Bulloch e Clive Revill (Imperador Cos Palpatine – voz).

Roteiro: Leigh Brackett e Lawrence Kasdan, baseado em história de George Lucas.

Produção: Gary Kurtz.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Adotando um tom sensivelmente mais sombrio e desenvolvendo melhor os personagens que em “Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança”, George Lucas, que abriu mão até mesmo da direção para assumir a produção executiva e ter maior controle sobre a obra, entrega o melhor filme da trilogia neste maravilhoso “Star Wars Episódio V: O Império Contra-Ataca”, que além de ter uma narrativa ainda mais interessante, conta com uma revelação bombástica que abalou os alicerces de toda a trilogia e certamente fez muitos fãs saltarem das cadeiras nos cinemas de todo o mundo.

Comandadas pelo temível Darth Vader (David Prowse, voz de James Earl Jones), as forças do império atacam impiedosamente os membros da resistência que se encontram refugiados num planeta distante. Após conseguir escapar, os membros partem para o ponto de encontro, mas Luke Skywalker (Mark Hamill) decide alterar sua rota na tentativa de encontrar o mestre jedi Yoda (voz de Frank Oz), que poderá ensiná-lo a dominar “a força” e torná-lo um cavaleiro jedi. Ao mesmo tempo, Darth Vader parte em busca do rapaz com a intenção de convencê-lo a mudar para o lado negro da “força”.

Conforme planejado por George Lucas antes mesmo do início da trilogia, “Star Wars Episódio V: O Império Contra-Ataca” apresenta uma narrativa mais elaborada que seu antecessor, ao nos revelar outros aspectos e motivações daqueles interessantes personagens apresentados no primeiro filme. Sendo assim, algumas respostas vagamente respondidas anteriormente agora aparecem de maneira bastante clara, como os motivos do grande interesse de Vader por Skywalker e as razões pelas quais Kenobi (Alec Guinness) praticamente adota o jovem no início da jornada. Este aspecto da narrativa claramente ajuda os atores a explorarem ainda mais o potencial dramático de seus personagens e praticamente todos oferecem um desempenho memorável. Hamill, por exemplo, se sai muito bem na pele de Skywalker, demonstrando com exatidão a determinação daquele jovem na tentativa de se tornar um jedi, mas principalmente, sua obstinação em defender seus parceiros das forças do mal. O ator se destaca ainda nos momentos bem humorados, como quando Luke ganha um beijo de Leia na frente de Han Solo (Harrison Ford) e cruza os braços atrás da cabeça com um ar de satisfação. Já Harrison Ford confirma que é de longe o melhor ator do elenco, interpretando de maneira firme e determinada o simultaneamente durão e carismático Han Solo. Além disso, o ator se destaca naquela que é uma de suas maiores especialidades (o que ficaria claro na série “Indiana Jones”) ao provocar o riso de maneira natural, principalmente durante suas brigas com a princesa Leia. Leia que é novamente interpretada por Carrie Fisher, que demonstra empatia com Ford, apesar de não saber se quer mesmo ficar com Han ou Luke. Mudando para o lado negro da “força”, Darth Vader continua ameaçador, com sua capa preta e sua voz poderosa (voz de James Earl Jones) mantendo sua enorme capacidade de intimidar seus adversários. Sua crueldade aparece, por exemplo, quando mata sem hesitar um comandante que falhou numa missão. A partir dali, o espectador já sabe que pode esperar qualquer coisa deste temível vilão. E fechando os destaques do elenco, Alec Guinness novamente demonstra serenidade nas poucas aparições de Kenobi, Anthony Daniels garante os momentos de alivio cômico com as tiradas do robô C3PO e Frank Oz é o responsável pela marcante voz do mestre Yoda.

No comando de toda esta gente está Irvin Keshner, o homem escolhido por Lucas para tocar seu grande projeto. Felizmente, o diretor dá um verdadeiro show, especialmente nas sensacionais cenas no espaço, onde as naves cortam o universo em alta velocidade com a câmera acompanhando seu trajeto. Keshner nos leva por dentro de asteróides e em volta de planetas com incrível realismo, graças também ao excepcional trabalho de efeitos visuais da Industrial Light & Magic, além da montagem ágil de Paul Hirsch e Marcia Lucas, que aumenta o clima de urgência. Os montadores continuam utilizando os fades e as transições de imagens que remetem aos seriados de TV, mantendo o tom episódico da trilogia, apresentam um interessante raccord através da neve quando Luke e Han estão esperando resgate, mas se destacam mesmo nas cenas de perseguição no espaço, alternando com dinamismo entre os interessantes planos de Keshner. Nestas seqüências, vale prestar atenção também no incrível trabalho de som e efeitos sonoros, que nos permite identificar cada barulho de tiro, cada fala dita pelos personagens e o som das naves cortando o espaço. O som se destaca também na tensa seqüência do congelamento de Han, através do barulho das máquinas trabalhando. Voltando a Keshner, o diretor ainda utiliza a câmera para nos transmitir as sensações dos personagens, por exemplo, na cena em que Han, Leia, os robôs e Chewbacca (Peter Mayhew) sentem um tremor num suposto asteróide e descobrem, minutos depois, que na realidade estão dentro da barriga de um monstro espacial.

E se “O Império Contra-Ataca” nos transporta para lugares fascinantes, é porque a boa direção de Keshner conta também com o excelente apoio de sua equipe técnica. Além dos já citados fabulosos efeitos visuais da Industrial Light & Magic, merece destaque a direção de fotografia de Peter Suschitzky, que realça inicialmente cores frias (com muito gelo e neve na seqüência inicial) que gradualmente são alteradas para tons obscuros (com a predominância do preto), realçando o clima mais sombrio deste segundo filme. Os figurinos de John Mollo, além de criarem o visual marcante de Darth Vader, ajudam na ambientação do espectador ao universo “Star Wars”, através das roupas espaciais dos personagens. Obviamente, a direção de arte (créditos para Leslie Dilley, Harry Lange e Alan Tomkins) também colabora, ao criar o visual arrebatador de cidades incríveis, como aquela em que vive o divertido e ambíguo Lando Calrissian, interpretado com carisma por Billy Dee Williams. Finalmente, a trilha sonora marcante de John Williams está novamente presente, agora com uma variação interessante (e sombria) quando Darth Vader está em cena.

Escrito por Leigh Brackett e Lawrence Kasdan (baseado em história de George Lucas), o roteiro mostra logo na introdução seu tom obscuro, quando informa que as forças do império forçaram a fuga dos membros da resistência de seu planeta, contrariando o final alegre do primeiro filme. Além disso, introduz de maneira correta dois personagens importantes na narrativa. O primeiro (e menos importante deles) é o imperador Cos Palpatine (voz de Clive Revill), que dita às regras para Darth Vader e deixa claro sua importância somente pelo fato do grande vilão temê-lo e respeitá-lo. O segundo é o fascinante Yoda, uma espécie de guru espiritual que não aparenta ter a força que realmente tem. Seu aspecto físico provoca até mesmo um choque no espectador, que esperava, com base nas respeitosas menções anteriores ao seu nome, alguém imponente. Porém Yoda prova que a verdadeira força do ser humano está na mente e encanta o espectador durante o treinamento de Luke. E ao contrário de “Uma Nova Esperança”, desta vez o roteiro desenvolve muito bem os personagens, nos mostrando suas verdadeiras motivações e deixando claro que Vader e Skywalker são os dois lados da mesma força, numa interessante representação do bem e do mal existente no universo. Além disso, o arco dramático de Luke Skywalker finalmente se completa, no momento da bombástica revelação de Darth Vader, que explica uma série de situações insinuadas sutilmente até então. A importância do pai de Luke para Kenobi e para o universo fica clara e o jovem sabe, a partir daquele instante, que passará a viver um intenso conflito interior na busca da defesa do universo (e Hamill demonstra bem este choque na cena, auxiliado também pelo close de Keshner). Vale observar como toda a composição da cena aumenta ainda mais o impacto da revelação. Após um intenso duelo de sabres de luz (repare que até mesmo as cores das armas representam a luta entre o bem e o mal), os dois personagens, à beira de um abismo, discutem até que Vader, filmado em ângulo baixo para aumentar a sensação de poder, diz a famosa frase “Eu sou sei pai!”. Luke está em choque e o espectador também.

“Star Wars Episódio V: O Império Contra-Ataca” apresenta um momento histórico do cinema, parodiado inúmeras vezes desde então, que é capaz até hoje de chocar aqueles que jamais ouviram falar desta revelação. Com sua atmosfera sombria e seu final obscuro que, ao contrário do longa anterior, deixa o terreno preparado para sua continuação, George Lucas arrebatou de vez os corações cinéfilos e os deixou mais que ansiosos para acompanhar o encerramento desta verdadeira saga espacial.

Texto publicado em 12 de Outubro de 2010 por Roberto Siqueira

STAR WARS EPISÓDIO IV: UMA NOVA ESPERANÇA (1977)

(Star Wars: Episode IV – A New Hope)

 

Videoteca do Beto #69

Dirigido por George Lucas.

Elenco: Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher, Peter Cushing, Alec Guinness, Anthony Daniels, Kenny Baker, Peter Mayhew, David Prowse, Phil Brown, Shelagh Fraser, Alex McCrindle, Eddie Byrne e James Earl Jones (Darth Vader – Voz).

Roteiro: George Lucas.

Produção: Gary Kurtz.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Com uma narrativa simples, que serve de introdução ao complexo universo da trilogia Star Wars, efeitos especiais magníficos e personagens que personificam a eterna luta ente as forças do bem e do mal, “Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança” é o marco inicial de um momento histórico do cinema, quando os grandes estúdios perceberam a importância do público jovem e passaram a priorizar produções voltadas para este público. Mas ao contrário da maioria das produções contemporâneas, o longa dirigido por George Lucas exala criatividade, levando o espectador numa viagem inesquecível por cenários e personagens fascinantes.

O jovem Luke Skywalker (Mark Hamill) se vê envolvido numa verdadeira guerra intergaláctica quando seu tio (Phil Brown) compra os robôs C3PO (Anthony Daniels) e R2D2 (Kenny Baker) e encontra com eles uma mensagem da princesa Leia Organa (Carrie Fisher) para Obi-Wan Kenobi (Alec Guinness), alertando sobre os planos do poderoso império liderado pelo temível Darth Vader (David Prowse, voz de James Earl Jones). Luke e Kenobi se juntam então ao mercenário Han Solo (Harrison Ford) e ao feioso Chewbacca (Peter Mayhew) e partem para enfrentar as forças do mal.

“Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança” é uma grande aventura. Falar sobre ele hoje, mais de trinta anos após o seu lançamento, não é tarefa fácil, principalmente porque não é possível medir o tamanho de seu impacto na cultura cinematográfica com exatidão. Mas para se ter uma pequena idéia da importância do filme, basta dizer que a ópera espacial de George Lucas marca (ao lado de Tubarão, de seu amigo Spielberg) o inicio dos blockbusters, com sua narrativa ágil, voltada para o público jovem, repleta de efeitos especiais e muita ação. Mas ao contrário de muitos dos filmes atuais do gênero, a narrativa de “Uma Nova Esperança” é muito interessante e os efeitos especiais, ainda que impecáveis, não são um fim, mas apenas um meio utilizado para colaborar com o andamento da trama. “Uma Nova Esperança” é também o responsável por nos apresentar aos encantadores personagens do universo “Star Wars”. Alguns deles nos acompanharão por toda a trilogia, enquanto outros ficarão pelo caminho, mas é incrível notar como praticamente todos conseguem deixar sua marca na memória do espectador. Neste primeiro filme da trilogia, estes personagens não são plenamente desenvolvidos e, por isso, nós pouco sabemos sobre seu passado e suas motivações. Sabemos que a princesa Leia se rebela contra o império e que Darth Vader quer destruir determinado planeta, mas não sabemos por que o vilão deseja fazer aquilo. E qual a natureza da relação entre Kenobi e o pai de Skywalker? Algumas respostas até começam a aparecer de maneira sutil, mas o primeiro filme serve mesmo apenas como preparação para o restante da trilogia.

Ainda assim, os personagens de “Uma Nova Esperança” se destacam. A começar pelo vilão da história, provavelmente presente em quase todas as listas de grandes vilões da história do cinema. A caracterização de Darth Vader é perfeita, desde o figurino completamente preto (figurinos de John Mollo), passando pela voz firme e ameaçadora de James Earl Jones e terminando com seu sabre de luz vermelha, numa completa personificação do mal. Já Luke Skywalker é exatamente o oposto do vilão e seu figurino branco ajuda a reforçar esta idéia. Interpretado pelo carismático Mark Hamill, Luke é a força que equilibra o universo na eterna luta do bem contra o mal. Hamill demonstra muito bem a gradual transformação do personagem, inicialmente inocente, no grande herói da narrativa. No entanto, ainda que algumas dicas sejam dadas no primeiro filme, seu arco dramático só se completará mesmo no segundo filme (mas vamos deixar este assunto para a crítica de “O Império Contra-Ataca”). Já a princesa Leia, além de corajosa e determinada, demonstra um interessante conflito de sentimentos ao não saber se gosta mais de Han Solo ou de Luke Skywalker e Carrie Fisher demonstra este dilema com competência. Além disso, suas constantes discussões com Han servem como alívio cômico para a narrativa, desafogando a tensão em diversos momentos (e nestas cenas, Fisher consegue contracenar muito bem com o talentoso Harrison Ford). Ford, aliás, que aparece somente com quase uma hora de projeção, o que é suficiente para que ele roube a cena e demonstre todo seu talento, compondo um Han Solo egoísta, representando com exatidão o estereótipo do malandro, ao buscar sempre uma solução que melhor lhe convenha, independente de prejudicar os outros ou não. E finalmente, Alec Guinness demonstra segurança na pele do jedi Obi-Wan Kenobi, transmitindo muita segurança nos ensinamentos do veterano para o jovem Luke. Seu duelo de sabres de luz com Darth Vader é tenso, porém jamais alcança a intensidade de outro duelo similar que aconteceria no segundo filme da trilogia, não por causa do ator e sim por causa da carga dramática infinitamente maior no segundo duelo. Vale citar ainda os apaixonantes robôs C3PO e R2D2, interpretados por Anthony Daniels e Kenny Baker, além de Chewbacca, vivido por Peter Mayhew, cuja aparência assustadora é inversamente proporcional à bondade de seu coração.

Além dos fascinantes personagens, “Uma Nova Esperança” conta ainda com a empolgante trilha sonora de John Williams, tão marcante que até mesmo quem nunca assistiu ao filme é capaz de reconhecê-la. A fotografia de Gilbert Taylor destaca cores sem vida no planeta Tatooine, conferindo um visual árido, que reflete a vida dura daquelas pessoas constantemente ameaçadas pelo império. Por outro lado, quando a ação se passa na nave de Darth Vader, a fotografia sombria, que destaca o azul escuro e o preto, representa a maldade que paira sobre o local. Todo este cuidado com o aspecto visual é impressionante, desde as inúmeras criaturas que cruzam pela narrativa (como o perigoso Jabba) até as imponentes naves que cortam em alta velocidade o espaço sideral, atestando a qualidade dos sensacionais efeitos visuais da Industrial Light & Magic. E obviamente, as seqüências de perseguição e combate no espaço marcam alguns dos grandes momentos do longa, graças à condução segura e competente de George Lucas.

E chegamos então ao grande idealizador de “Star Wars”. O criativo cineasta pertence à geração que marcou o cinema norte-americano, no movimento que ficou conhecido como “nova Hollywood”. Mas ao contrário de Coppola e Scorsese, que seguiram outro caminho, preferindo filmes sombrios e personagens extremamente complexos, Lucas (assim como o amigo Spielberg) seguiu pelo caminho do chamado “cinema-pipoca”, voltado para o público jovem, mas que nem por isso subestima a inteligência de seu espectador. Neste primeiro episódio da velha trilogia, Lucas nos apresenta um visual esplêndido nas cenas espaciais, graças aos belos planos e enquadramentos do diretor. Repare também como quando Luke e Kenobi chegam numa vila para negociar com Han a utilização de uma nave, o plano geral de Lucas destaca o belo trabalho de direção de arte de Leslie Dilley e Norman Reynolds, que cria uma vila diferente e impressionante, repleta de detalhes em cada uma de suas imponentes construções. Lucas é responsável também pelo bom roteiro de “Uma Nova Esperança”, que além de conter interessantes reviravoltas, como quando Han inesperadamente retorna para ajudar Luke, faz pequenas menções ao pai de Skywalker, deixando claro o peso que sua ausência tem na vida do rapaz. A narrativa é coesa e muito bem conduzida pelo diretor, auxiliado também pela boa montagem do trio Richard Chew, Paul Hirsch e Marcia Lucas, que imprime um ritmo mais lento no primeiro ato, acelerando a partir do segundo e chegando ao clímax no terceiro, já num ritmo de tirar o fôlego bastante coerente com uma aventura. Colabora com esta sensação de urgência a câmera ágil de Lucas, especialmente nas batalhas espaciais, alternando, sem jamais soar confusa, entre os planos abertos que nos mostram as naves e os planos fechados que ilustram a tensão dos pilotos. A montagem utiliza ainda com freqüência o fade e a transição de imagens que se sobrepõem na tela, dando um ar episódico proposital à narrativa. O diretor queria que o filme se parecesse com os seriados norte-americanos e este efeito dá esta sensação. Talvez o único problema de “Uma Nova Esperança” seja o seu final pouco aberto à continuação, que não deixa a sensação de “quero mais” esperada para um primeiro filme de trilogia. Além disso, sua narrativa não consegue desenvolver os personagens completamente, mas este não chega a ser um problema, já que este desenvolvimento seria feito com maestria no segundo filme e foi planejado pelo diretor. Ainda assim, o longa consegue um resultado bastante satisfatório, se estabelecendo como uma aventura capaz de nos transportar para outro universo de maneira mais que eficiente.

Responsável por criar uma verdadeira legião de fãs e preparar o terreno para o maravilhoso “O Império Contra-Ataca”, “Star Wars, uma nova esperança” jamais alcança os níveis de tensão e o aspecto sombrio de sua seqüência, mas ainda assim consegue agradar o espectador ao nos apresentar personagens importantes, cenários magníficos e uma história capaz de prender a atenção com sua narrativa ágil, inteligente e bem conduzida. Assim como o poderoso ataque da estrela da morte, George Lucas deixou sua marca neste importante filme de estréia da trilogia “Star Wars”.

Texto publicado em 10 de Outubro de 2010 por Roberto Siqueira

CAMPO DOS SONHOS (1989)

(Field of Dreams)

 

Videoteca do Beto #59

Dirigido por Phil Alden Robinson.

Elenco: Kevin Costner, Amy Madigan, Gaby Hoffman, Ray Liotta, Timothy Busfield, James Earl Jones, Burt Lancaster, Frank Whaley, Dwier Brown, Fern Persons, Michael Milhoan, Steve Eastin, Charles Hoyes, Art LaFleur, Lee Garlington, Mike Nussbaum e James Andelin.

Roteiro: Phil Alden Robinson, baseado em livro de W.P. Kinsella.

Produção: Charles Gordon e Lawrence Gordon.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quão injusta é a morte? É triste pensar que jamais resolveremos algo que ficou pendente quando alguém nos deixa. Aquela bebida com um amigo depois do expediente, aquele churrasco com a família, aquela viagem tão sonhada, nada disto é possível se um dos participantes se vai. Pior ainda é quando estamos brigados, distantes ou com alguma situação mal resolvida. O remorso corrói aquele que fica, ainda que a recíproca fosse verdadeira numa situação inversa. A chance de reconciliar-se com o passado e realizar os sonhos é o tema deste belíssimo “Campo dos Sonhos”, dirigido por Phil Alden Robinson e que exemplifica perfeitamente como o cinema pode ser mágico. Quando os créditos começam a aparecer na tela, além de enxugar as inevitáveis lágrimas, o espectador pode tirar algumas lições, como aproveitar cada segundo da vida, fazer tudo que tiver vontade e não deixar nada pra depois. E principalmente, não se desentender com quem ama por besteiras.

O fazendeiro Ray Kinsella (Kevin Costner) caminha pelo seu milharal em Iowa quando ouve uma misteriosa voz que lhe diz “Se você construir, ele virá”. Após ter uma visão de um campo de beisebol no meio de suas plantações, ele entende que deverá construir este campo para que seu grande ídolo do beisebol no passado volte a jogar. O detalhe é que “Shoeless” Joe Jackson (Ray Liotta), o jogador em questão, está morto há muitos anos. Após construir o campo, a mágica acontece e Ray descobre que este local pode realizar muitos outros sonhos. Dentre eles, estaria algo que nem mesmo Ray poderia imaginar.

A trama de “Campo dos Sonhos” é simples. Homem de família estruturada, Ray vive muito bem com a esposa Annie (Amy Madigan) e a filha Karin (Gaby Hoffman). Na infância, foi criado pelo pai devido o falecimento de sua mãe e se acostumou a ouvir histórias sobre beisebol desde pequeno. O problema é que o beisebol se tornou algo como jogar o lixo na rua, como ele mesmo afirma. E então, na adolescência, Ray, após brigar com o pai, sai de casa dizendo que jamais respeitaria alguém cujo ídolo era um bandido. Ele se referia a “Shoeless” Joe Jackson, o ídolo de seu pai que foi suspenso por “entregar um campeonato”. Não houve tempo para reconciliação. Seu pai morreu antes que Ray se desculpasse. Já adulto e pai de família, Ray não esconde a mágoa por não ter acertado esta situação. É quando, no meio de seu milharal, uma misteriosa voz começa a mudar sua vida. A câmera se aproxima de Ray praticamente no mesmo nível do milharal e a voz surge como um sussurro no ouvido do protagonista e do espectador com as palavras “Se você construir, ele virá”. Um momento absolutamente marcante. Como podemos notar, não se trata de um longa apenas sobre beisebol. Por isso, mesmo que jamais tenha ouvido falar no esporte, o espectador pode ser completamente envolvido pela narrativa. Pense, por exemplo, nos seus grandes ídolos do esporte (seja ele futebol, voleibol ou outro qualquer) e entenderá o fascínio de Ray ao ver “Shoeless Joe” jogando em seu campo. Mérito da boa direção de Phil Alden Robinson, que conduz a narrativa com segurança e permite este envolvimento do espectador, criando ainda belos planos que exploram a imensidão dos milharais e lindos campos de Iowa, além do visual esplêndido nas cenas noturnas do iluminado campo de beisebol – graças também à boa direção de fotografia de John Lindley. Observe também como logo no início, o vídeo com imagens antigas e fotos introduz perfeitamente o espectador a trama, já dando pistas do problema de relacionamento entre Ray e seu pai. Ainda na parte técnica, a trilha sonora do ótimo James Horner tem um tom mágico, fabuloso, que se encaixa perfeitamente ao clima do filme. Além disso, conta com canções alegres e empolgantes que demonstram os sentimentos de Ray quando parte com sua perua Kombi em busca de Terence Mann (James Earl Jones).

Mas se na direção Robinson é competente com discrição, no roteiro seu grande trabalho é ainda mais notável. Além de mostrar a capacidade do esporte de marcar momentos de nossas vidas, o excelente roteiro, baseado em livro de W.P. Kinsella (qualquer semelhança não é mera coincidência), envolve o espectador de tal forma que este jamais questiona o que vê, deixando-se levar nesta viagem singular. Afinal de contas, “Campo dos Sonhos” não é um filme para entender lógica ou cientificamente, é um filme para sentir. E em seu último ato, desarma completamente as defesas do espectador e torna as lágrimas em algo inevitável. Seu ritmo delicioso e envolvente é mérito também da montagem de Ian Crafford, que além de ser direta, conta ainda com interessantes momentos, como a seqüência em que o plano do campo de beisebol coberto de neve indica a passagem do tempo antes da primeira aparição de “Shoeless” Joe. A cena que segue, aliás, é outro grande momento do longa, quando Karin interrompe a importante conversa sobre as finanças do casal para dizer “Papai, tem um homem no seu campo”. O espectador é levado pela narrativa sem saber muito bem pra onde, descobrindo depois que é para um final mágico e incrivelmente belo, um acerto de contas com o passado que leva a completa redenção de Ray. E apesar do grande tema central de “Campo dos Sonhos” ser revelado somente em seus minutos finais, podemos notar sua presença em diversos momentos da narrativa através de pequenos diálogos que remetem ao relacionamento entre Ray e seu pai, John Kinsella (Dwier Brown). Ray deixa claro, em conversas com Annie e Terence Man, a importância que sei pai teve em sua vida e a angústia que sentia por não ter conseguido se acertar com ele antes de sua partida. Além disso, ao dizer para Annie que tinha medo de estar ficando igual ao velho John, Ray ratifica que não desistiria da construção do campo, por mais absurda que pudesse parecer. Trata-se do dilema de qualquer ser humano que sente estar chegando a uma fase decisiva de sua vida sem ter realizado seus sonhos e desejos.

Seria essencial que o ator escolhido para viver Ray conquistasse a platéia e fizesse com que o espectador fosse cúmplice da busca do personagem, e Costner é muito competente nesta tarefa, graças à sua grande atuação e ao seu inegável carisma. Por isso, o espectador jamais questiona as atitudes de Ray, por mais absurdas e ilógicas que pareçam. Sua busca obstinada por algo que nem ele conseguia identificar com clareza comove e traz pra junto dele o espectador. O ator também mostra competência no timing cômico em diversos momentos, como quando sua mulher pergunta “se construir o que, quem virá?” e ele responde desapontado que “a voz não disse…” ou quando Annie questiona o que fazer caso a voz apareça enquanto ele está fora e ele responde ironicamente “pegue o recado”. A cumplicidade do casal, aliás, é essencial para o sucesso da narrativa e a dupla Costner/Amy Madigan se sai muito bem, demonstrando excelente química. Somente com o suporte de uma esposa como Annie um homem seria capaz de fazer o que Ray faz. Observe o sorriso de satisfação dele ao olhar para o campo assim que fica pronto e dizer “criei algo completamente ilógico”. Ele não desistiu de seu sonho, por mais absurdo que fosse, e se sentiu recompensado por isto. Madigan, por sua vez, se sai muito bem como a espontânea e confidente Annie, destacando-se na divertida discussão sobre livros numa escola, que serve também como uma crítica ao puritanismo. Quem também está bem é Ray Liotta no papel do lendário “Shoeless” Joe Jackson. Mantendo sempre um ar misterioso e ao mesmo tempo de deslumbramento, Liotta transmite perfeitamente a alegria do ex-jogador ao voltar a pisar num campo de beisebol, chegando a perguntar se ali era o paraíso. A cômica resposta de Ray “Não. É Iowa” será substituída no final por uma reflexão emocionada do fazendeiro, que ao ouvir seu pai dizer que o paraíso é o lugar onde os sonhos se realizam, enquanto vê sua esposa e filha brincando na varanda, responde “talvez aqui seja mesmo o paraíso”. James Earl Jones demonstra com competência a amargura de Terence Mann, um homem assombrado pela importância de seu passado diante de uma sociedade completamente diferente (e muito mais hipócrita). Sua revolta com os dias atuais fica clara quando grita para Ray “voltar aos anos sessenta”. O mundo é totalmente diferente pra ele hoje e o idealismo dos anos sessenta infelizmente não sobreviveu. A presença marcante de Earl Jones garante mais algumas seqüências de bom humor, como a “arma” de Ray ao invadir seu apartamento e a conversa dos dois antes de comprar um cachorro-quente. Sem falar na sua engraçada reação ao pensar o que diria para seu pai quando este anuncia seu desaparecimento no jornal. Completando o elenco, temos Burt Lancaster na pele do médico Moonlight Graham. Sua presença tem um tom mágico, reforçado pela nevoa que cai sobre a noite, pelo ar nostálgico dos carros antigos espalhados pelas ruas e até mesmo pelo anúncio de “O Poderoso Chefão” no cinema da cidade – o que é mérito também da boa direção de arte de Leslie McDonald. E a história do médico que quase foi jogador de beisebol é tocante, mostrando como às vezes, por mais que algo pareça ter dado errado, pode acabar sendo o melhor caminho. “Se eu tivesse sido médico por cinco minutos, isto sim teria sido uma tragédia filho”, diz ele, sem jamais negar o desejo frustrado de conseguir pelo menos uma rebatida como jogador de beisebol.

Quando Ray, já retornando pra casa, revela para Mann o motivo de sua mágoa com seu pai, fica claro para o espectador o quanto ele ainda sofre com a atitude intempestiva tomada na juventude. A morte de seu pai impediu sua reconciliação, e nas palavras sempre sábias de Terence Mann, “esta é sua penitência”. Mas felizmente, “Campo dos Sonhos” fala de redenção e reconciliação, e o acerto entre pai e filho acontece da forma mais inesperada e surpreendente possível. Ray, revoltado pelo fato de Mann ter sido convidado pelos jogadores a ir com eles para o misterioso milharal, questiona duramente seu ídolo “Shoeless” Joe e este responde: “É melhor ficar por aqui Ray”. O arrepio começa a subir nos espectadores mais atentos. Tudo indicava este final espetacular, de redenção. E Joe continua, dizendo “Se você construir… ele virá” e olha para o campo, onde vemos John Kinsella retirando a máscara e os acessórios. Então Ray, emocionado, desentala de sua garganta a frase “Quer jogar um pouco, pai?” e o choro é inevitável, independente do fato do espectador ter ou não perdido seus entes queridos. A mistura de sonho e realidade é perfeita, mexendo com sentimentos, elevando as emoções e desarmando completamente o espectador, que já não consegue mais pensar racionalmente sobre o que vê. O tema abordado, e principalmente, a forma como é abordado, supera pequenos detalhes. Obviamente, pessoas que já perderam os pais podem ter um impacto ainda maior nesta cena final, mas posso dizer – e aqui abro espaço para um comentário extremamente pessoal – que eu sempre me emociono demais nesta cena, e graças a Deus, tenho meus pais vivos.

Singelo e absolutamente tocante, “Campo dos Sonhos” é uma pérola, por vezes esquecida, que tem a incrível capacidade de fazer com que o espectador se envolva de tal forma com a narrativa que nada mais lhe importa. Muito bem dirigido e interpretado, é um filme mágico, que toca o lado mais sensível do ser humano, por mais frio que este possa ser. “Campo dos Sonhos” é mais que uma celebração do beisebol. É uma celebração do perdão, da reconciliação e da própria vida.

PS: Quando a jovem Karin diz que as pessoas viriam ver o campo de todos os lugares, estava inconscientemente fazendo uma profecia que transcende o filme, já que o “Campo dos Sonhos” em Iowa é visitado anualmente por milhares de fãs ainda nos dias de hoje.

Texto publicado em 26 de Julho de 2010 por Roberto Siqueira