FANTASIA 2000 (1999)

(Fantasia/2000)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #227

Dirigido por James Algar, Gaëtan Brizzi, Paul Brizzi, Hendel Butoy, Francis Glebas, Eric Goldberg e Pixote Hunt.

Elenco: Leopold Stokowski, Ralph Grierson, Steve Martin, Itzhak Perlman, Quincy Jones, Bette Midler, James Earl Jones, Angela Lansbury. Vozes de Kathleen Battle, Wayne Allwine e Frank Welker.

Roteiro: Irene Mecchi e David Reynolds, baseado em histórias de Eric Goldberg, Joe Grant, Perce Pearce, Carl Fallberg, Gaëtan Brizzi, Paul Brizzi, Brenda Chapman e argumento de Elena Driskill.

Produção: Donald W. Ernst.

Fantasia 2000[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Prestes a completar 60 anos do lançamento de uma de suas obras mais ousadas, a Disney resolveu se auto homenagear e lançou uma nova versão do clássico “Fantasia”, de 1940, agora repaginado e com novas canções. Mais curto e menos inspirado que o original, o novo trabalho mantém características essenciais do primeiro filme, com animações interessantes e uma boa seleção de canções, mas perde por manter aspectos narrativos já desatualizados e que, tantos anos depois, soam totalmente desnecessários.

Novamente trabalhando na ideia corajosa de misturar música clássica com animação, “Fantasia 2000” infelizmente também mantém as irritantes participações de atores e atrizes entre os clipes, que nada agregam e ainda representam uma frustrante quebra no ritmo da narrativa. Se em 1940 estas interrupções eram necessárias para explicar o conceito do longa à uma plateia ainda desacostumada com aquilo, nos anos 90 essa explicação já não era mais necessária (ou não deveria ser). Assim, somos obrigados a acompanhar as piadas sem graça de Steve Martin, por exemplo, ou a participação de um claramente deslocado James Earl Jones – a eterna voz de Darth Vader. Curiosamente, a única intervenção que funciona é justamente aquela que não envolve seres humanos, cabendo a Mickey e Donald estrelarem a única sequência engraçadinha entre os clipes.

“Fantasia 2000” começa relembrando a obra de 1940 e seu primeiro clipe chamado “Sinfonia n.º 5” também faz alusão ao longa original, já que, assim como a primeira sequência de “Fantasia”, aqui temos um festival de imagens abstratas, desta vez acompanhadas pela bela música de Bethoween. A sequência dirigida por Pixote Hunt funciona exatamente como “Toccata and Fugue in D Minor” no primeiro filme, introduzindo o conceito sem grandes experimentos, sendo o segmento menos envolvente do filme.

Já o segundo clipe eleva substancialmente o nível de “Fantasia 2000” ao trazer um segmento envolvente narrativamente e impactante visualmente. Ao som da música de Ottorino Respighi, “Pinheiros de Roma” nos traz a triste história de uma baleia que se perde da mãe, contada através de uma animação impecável em 3D (aliás, o primeiro segmento da Disney feito todo em 3D). O visual deslumbrante da vida marinha surge em tons menos coloridos e sem vida, reforçando a frieza do gélido local através dos tons azulados e transformando até mesmo a aurora boreal em algo melancólico, transmitindo o sentimento da pobre jovem baleia que se perde da família até finalmente reencontrá-la. Momentos surreais com baleias voando e bailando diante do céu estrelado complementam o belo segmento dirigido por Hendel Butoy.

O terceiro segmento, dirigido por Eric Goldberg, representa um retrocesso não apenas visualmente, como também narrativamente. Com linhas mais simples em 2D, a ideia é representar a vida de trabalhadores na Nova York dos anos 30, com destaque para os operários de uma obra em construção. Apesar da interessante dinâmica entre as diferentes profissões e da abordagem até divertida, “Rapsódia em Azul” acaba resultando num segmento menos envolvente que o anterior e talvez funcionasse melhor se surgisse antes de “Pinheiros de Roma”.

Sinfonia n.º 5Rapsódia em AzulConcerto de Piano No 2

Mantendo a gangorra de “Fantasia 2000”, o quarto segmento é muito mais interessante. Também dirigido por Hendel Butoy (parece que ele deveria ter dirigido todo o longa, não?), “Concerto de Piano No 2” traz o clássico de Hans Christian Andersen “O Soldadinho de Chumbo” ao som da música de Dmitri Shostakovich que, obviamente, dá nome ao clipe. Mais moderno em termos narrativos, o clipe traz um soldado que se apaixona por uma bela boneca de porcelana dançarina e desperta o ciúme de um palhaço. Aqui vale notar como o visual representa muito bem os sentimentos dos personagens, com os tons vermelhos e a música acelerada representando a fúria do palhaço, enquanto o visual assustador e opressivo no esgoto demonstra a angústia do pobre soldado. O caso de amor entre o soldado de chumbo e a boneca de porcelana terá um final feliz, mas não sem passar por momentos de adrenalina que são muito bem representados na música de Shostakovich.

O próximo segmento representa o bem vindo alívio cômico após a passagem anterior. Inspirado na música de Camille Saint-Saëns, “O Carnaval dos Animais” diverte ao trazer um flamingo brincando com um ioiô e irritando os demais, mas assim como o outro segmento dirigido por Eric Goldberg, não figura entre os destaques do longa. Em seguida, “Fantasia 2000” resgata uma das melhores sequências do longa original, estrelada pelo personagem mais famoso da Disney. Dirigida por James Algar, “O Aprendiz de Feiticeiro” continua um segmento poderoso, embalado pela música clássica de Paul Dukas e repleto de momentos marcantes, como a assustadora multiplicação das vassouras e aquele que traz Mickey empolgado brincando com seus novos poderes.

O Carnaval dos AnimaisAprendiz de FeiticeiroPompa e circunstância

Dirigido por Francis Glebas, “Pompa e circunstância” traz a famosa música clássica embalando uma bela história envolvendo o pato Donald numa jornada na arca de Noé, onde se desencontra da amada Margarida e passa por diversos obstáculos até finalmente reencontrá-la. Visualmente muito interessante, o segmento nos prepara para o fechamento de “Fantasia 2000” de maneira convincente, equilibrando momentos de humor com outro de apelo emocional. No entanto, é o segmento “O Pássaro de Fogo” que concorre com “Pinheiros de Roma” pela posição de melhor sequência do filme. Inspirado em um conto russo e acompanhado pela composição homônima de Igor Stravinski, este número de encerramento impressiona pelo visual arrebatador, iniciando na melancólica sequência em que vemos o espírito da primavera percorrendo o campo tentando trazer vida até encontrar um vulcão adormecido, passando pelos tons vermelhos que trazem o vulcão acordando e destruindo tudo ao seu redor e finalizando na bela calmaria quando finalmente o espírito consegue devolver as cores ao local, numa bela sequência que vincula a passagem das estações à vida, a morte e a ressurreição.

E se o último segmento representa a renovação e a esperança que ela traz, “Fantasia 2000” também se sai bem como o novo representante de uma ideia muito interessante, num festival de cores e sensações ainda eficiente, mas sem a magia do original. Nem precisava tanto.

Fantasia 2000 foto 2Texto publicado em 19 de Abril de 2016 por Roberto Siqueira

A BELA E A FERA (1991)

(Beauty and the Beast)

 

Videoteca do Beto #119

Dirigido por Gary Trousdale e Kirk Wise.

Elenco: Vozes de Paige O’Hara, Bobby Benson, Richard White, Jerry Orbach, David Ogden Stiers, Angela Lansbury, Bradley Pierce, Rex Everhart, Jesse Corti, Hal Smith, Jo Anne Worley e Mary Kay Bergman.

Roteiro: Linda Woolverton, baseado em história de Roger Allens.

Produção: Don Hahn.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A animação já fazia parte de um passado glorioso e distante quando os animadores da Disney injetaram ânimo no estúdio com “A Pequena Sereia”, que resgatava algumas das principais características das grandes animações. Baseado numa fábula e embalado pelo sucesso das músicas de Alan Menken, o longa preparou o terreno para que novas obras marcantes surgissem. E a primeira delas foi “A Bela e a Fera”, que também conta com a inspiração dos animadores e as canções de Menken para nos contar uma história encantadora, resgatando definitivamente a aura mágica dos filmes da era de ouro da Disney.

Inspirado no conto de fadas de Roger Allens, “A Bela e a Fera” conta a história de Bela (voz de Paige O’Hara), uma garota entediada com a vida provinciana de uma pequena cidade francesa, onde vive também o galã Gastón (voz de Richard White) que, apesar de derreter os corações das outras meninas, não consegue conquistá-la com seu jeito grosseiro. Seu pai Maurice (Rex Everhart) viaja para expor uma de suas invenções e acaba preso num castelo onde vive uma temível Fera (voz de Bobby Benson), que precisa encontrar o verdadeiro amor e ser correspondido para quebrar um feitiço e voltar a ser príncipe. A oportunidade surge quando, em troca da liberdade do pai, Bela aceita ficar presa no castelo.

Apostando nas características clássicas das animações Disney, “A Bela e a Fera” surge imponente ainda em sua introdução, quando uma narração envolvente nos conta a história do príncipe transformado em Fera enquanto vemos um belo vitral que retrata o ocorrido, prendendo nossa atenção imediatamente. Assim como o conto que o inspirou, o roteiro de Linda Woolverton aborda o tema da beleza interior de forma singela, tocando o coração da platéia com a mensagem de que o verdadeiro amor enxerga além das aparências, criando ainda uma galeria interessante de personagens, desde a destemida protagonista, passando por seu atrapalhado pai, pelo fortão Gastón e seu fiel parceiro LeFou (voz de Jesse Corti) e pelos encantadores objetos que habitam o amaldiçoado castelo. Com um roteiro enxuto, os diretores Gary Trousdale e Kirk Wise, auxiliados pela montagem de John Carnochan, empregam um ritmo dinâmico, evitando fugir do fio condutor da narrativa, que é a relação entre Bela e a Fera. Por isso, as cenas envolvendo Gastón na pequena vila acertadamente ocupam pouco espaço na narrativa.

Auxiliados pela direção de arte de Brian McEntee, os talentosos animadores criam lindos cenários, o que confere ao longa um visual esplêndido, repleto de cores e belas paisagens. Entre tantos locais de destaque, vale citar a charmosa cidade criada no interior da França e o sombrio castelo em que vive a Fera, com sua arquitetura gótica e seus imponentes cômodos. Além dos cenários, os próprios personagens mantêm a qualidade da animação, com Bela, por exemplo, seguindo o padrão das princesas Disney com suas bochechas rosadas e rosto angelical. E se os traços parecem simples, vale lembrar que a maioria dos desenhos foi feita no estilo tradicional, com tinta e papel e à mão, com apenas algumas seqüências sendo feitas com auxilio de tecnologia digital. O capricho nos detalhes torna tudo ainda mais real e faz o espectador imergir na história, e os animadores aproveitam a oportunidade para criar pequenos momentos geniais, como quando a vela de Lumiere (voz de Jerry Orbach) derrete diante de uma tocha e dá a sensação de que ele está suando frio.

Com uma equipe talentosa nas mãos, os diretores Gary Trousdale e Kirk Wise aproveitam para criar belos planos, como aquele que destaca a biblioteca do castelo ou os planos gerais que apresentam a fortaleza da Fera. Vale citar também o primeiro jantar de Bela no castelo, que é um espetáculo grandioso de música, luzes e cores, embalado pelo charme francês na hora de servir e pela ótima “Be Our Guest”. Este espetáculo de cores em muitos momentos tem função narrativa, como quando Gastón canta na taverna e a cor vermelha que predomina na tela reforça a aura demoníaca do vilão. Repare também a harmonia entre a roupa rosa de Bela e a cortina no café da manhã, simbolizando que ela estava se adaptando ao castelo, algo reforçado também pela própria fotografia, que se torna mais colorida e cheia de vida, com mais cenas diurnas que antes.

Como na maioria das animações, o som também é muito bom, algo notável, por exemplo, quando o cavalo de Maurice se assusta durante uma tempestade, onde percebemos cada detalhe, desde a cavalgada assustada do animal até os raios e a própria água que toca o chão. Praticamente incessante, a trilha sonora do ótimo Alan Menken recheia a narrativa com músicas envolventes, que colaboram para o andamento da trama e funcionam como uma espécie de número musical, assim como acontece nas peças de teatro da Broadway, de onde vieram alguns dos dubladores, como a própria Paige O’Hara. Entre tantas boas canções, vale destacar a citada “Be Our Guest”, “Belle”, que nos apresenta os personagens, “Something There”, que embala o momento em que Bela começa a se apaixonar pela Fera, e a música tema “Beauty and the Beast”, cantada por Angela Lansbury na mais linda cena do longa.

Um misto de touro e cão, a Fera surge assustadora, com sua voz imponente e olhar ameaçador, ainda que os objetos que vivem no castelo confiram certa magia ao local. Com temperamento explosivo, ela tem dificuldade em seu primeiro contato com Bela, o que, apesar de clichê, funciona perfeitamente e soa verdadeiro, já que uma aproximação rápida entre eles seria totalmente artificial. E apesar da aparência nada agradável, ao longo da narrativa o espectador cria empatia pelo personagem, após acompanhar seu sofrimento na sombria ala oeste, que guarda seu segredo e a rosa com as últimas pétalas de esperança. E neste local também que Bela verá parte de seu rosto humano num quadro rasgado, talvez sem entender bem do que se trata, pois jamais ela fica sabendo da história do feitiço. Ainda quando mal se entendiam, os dois brigam e ela foge em disparada pela floresta, sendo atacada por lobos. Após ser salva, Bela faz curativos na Fera com a lareira ao fundo, num plano simbólico que representa o momento em que a chama da paixão começa a nascer na garota. Deste momento em diante, a atmosfera sombria deixa a narrativa e o romance passa a tomar conta da tela.

Seguindo o perfil do vilão tradicional com suas roupas vermelhas que reforçam a aura vil do personagem, o forte Gastón é a paixão das moças da cidade, mas não consegue encantar Bela, uma garota culta, interessada em literatura e que está longe de compartilhar a idéia de mulher ideal do “macho” Gastón. Em sua concepção, a mulher ideal é aquela que adoraria fazer comida e massagear seus pés após seu retorno das caçadas, o que, obviamente, não passa pela cabeça da protagonista. O que Bela deseja é ser bem tratada, algo que acontece no local mais improvável. É no castelo que ela encontrará gentileza, primeiro através dos adoráveis objetos com vida, que se tornam ainda mais encantadores graças ao charme francês, tão bem representado pelo relógio Cogsworth (voz de David Ogden Stiers) e pelo candelabro Lumiere, sempre preocupados em prestar um serviço de primeira – com toques leves de acordeão, a própria trilha sonora que os acompanha servindo a moça reforça a origem francesa dos personagens. E após se estranharem, é da hostil Fera que Bela receberá o tratamento que procura, sendo respeitada e reforçando o tema principal da narrativa, de que a verdadeira beleza está no interior.

Entre os momentos marcantes do casal, um merece destaque especial. Obviamente, me refiro à linda cena do jantar, seguida pela dança do casal com a música tema ao fundo. Com a ajuda de computadores, os travellings que passeiam pelo imponente salão, como aquele que inicia no lustre e vai até eles, a noite estrelada e a perfeita harmonia do casal fazem desta cena um momento marcante. Infelizmente, logo após a linda dança, Bela sente falta do pai e decide abandonar o castelo, num anticlímax que levará ao confronto entre Gastón e a Fera, além de servir como obstáculo final à concretização do amor do casal. Presa por Gastón junto com seu pai dentro de casa, ela acompanha o povo marchando para o castelo na chuva, com tochas na mão e gritos, em outra seqüência marcante, com seu visual belo e assustador, assim como é sombrio o esperado confronto entre Gastón e a Fera, que acontece à noite, sob chuva e raios e sob o olhar atento da protagonista, que consegue escapar de casa e chegar ao local.

Após a sangrenta batalha, a Fera surge praticamente morta e arranca lágrimas do espectador, num sintoma claro de que aquele romance nos conquistou. E enquanto a chuva cai, a Fera é transformada em príncipe através das palavras de amor de Bela, num final perfeito e feliz, tradicional das animações Disney e dos contos de fadas. Além disso, o espectador mata a curiosidade ao ver personagens adoráveis como Lumiere, Cogsworth e a Sra. Potts, agora como humanos, acompanhando a dança de Bela e seu príncipe. Por tudo isto, saímos com uma enorme sensação de felicidade, também porque acompanhamos uma animação que em nada deve aos grandes clássicos da Disney.

Embalado por lindas canções, “A Bela e a Fera” atinge o coração do espectador de maneira simples e eficiente, captando com competência a essência do conto de fadas que o inspirou. Com um visual lindo e personagens cativantes, foi o responsável pela restauração definitiva do tradicional departamento de animações da Disney, conseguindo levar prêmios importantes, além de uma inédita indicação ao Oscar de Melhor Filme. Por tudo isto, o longa merecidamente fez história.

Texto publicado em 02 de Novembro de 2011 por Roberto Siqueira