(Beauty and the Beast)
Videoteca do Beto #119
Dirigido por Gary Trousdale e Kirk Wise.
Elenco: Vozes de Paige O’Hara, Bobby Benson, Richard White, Jerry Orbach, David Ogden Stiers, Angela Lansbury, Bradley Pierce, Rex Everhart, Jesse Corti, Hal Smith, Jo Anne Worley e Mary Kay Bergman.
Roteiro: Linda Woolverton, baseado em história de Roger Allens.
Produção: Don Hahn.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
A animação já fazia parte de um passado glorioso e distante quando os animadores da Disney injetaram ânimo no estúdio com “A Pequena Sereia”, que resgatava algumas das principais características das grandes animações. Baseado numa fábula e embalado pelo sucesso das músicas de Alan Menken, o longa preparou o terreno para que novas obras marcantes surgissem. E a primeira delas foi “A Bela e a Fera”, que também conta com a inspiração dos animadores e as canções de Menken para nos contar uma história encantadora, resgatando definitivamente a aura mágica dos filmes da era de ouro da Disney.
Inspirado no conto de fadas de Roger Allens, “A Bela e a Fera” conta a história de Bela (voz de Paige O’Hara), uma garota entediada com a vida provinciana de uma pequena cidade francesa, onde vive também o galã Gastón (voz de Richard White) que, apesar de derreter os corações das outras meninas, não consegue conquistá-la com seu jeito grosseiro. Seu pai Maurice (Rex Everhart) viaja para expor uma de suas invenções e acaba preso num castelo onde vive uma temível Fera (voz de Bobby Benson), que precisa encontrar o verdadeiro amor e ser correspondido para quebrar um feitiço e voltar a ser príncipe. A oportunidade surge quando, em troca da liberdade do pai, Bela aceita ficar presa no castelo.
Apostando nas características clássicas das animações Disney, “A Bela e a Fera” surge imponente ainda em sua introdução, quando uma narração envolvente nos conta a história do príncipe transformado em Fera enquanto vemos um belo vitral que retrata o ocorrido, prendendo nossa atenção imediatamente. Assim como o conto que o inspirou, o roteiro de Linda Woolverton aborda o tema da beleza interior de forma singela, tocando o coração da platéia com a mensagem de que o verdadeiro amor enxerga além das aparências, criando ainda uma galeria interessante de personagens, desde a destemida protagonista, passando por seu atrapalhado pai, pelo fortão Gastón e seu fiel parceiro LeFou (voz de Jesse Corti) e pelos encantadores objetos que habitam o amaldiçoado castelo. Com um roteiro enxuto, os diretores Gary Trousdale e Kirk Wise, auxiliados pela montagem de John Carnochan, empregam um ritmo dinâmico, evitando fugir do fio condutor da narrativa, que é a relação entre Bela e a Fera. Por isso, as cenas envolvendo Gastón na pequena vila acertadamente ocupam pouco espaço na narrativa.
Auxiliados pela direção de arte de Brian McEntee, os talentosos animadores criam lindos cenários, o que confere ao longa um visual esplêndido, repleto de cores e belas paisagens. Entre tantos locais de destaque, vale citar a charmosa cidade criada no interior da França e o sombrio castelo em que vive a Fera, com sua arquitetura gótica e seus imponentes cômodos. Além dos cenários, os próprios personagens mantêm a qualidade da animação, com Bela, por exemplo, seguindo o padrão das princesas Disney com suas bochechas rosadas e rosto angelical. E se os traços parecem simples, vale lembrar que a maioria dos desenhos foi feita no estilo tradicional, com tinta e papel e à mão, com apenas algumas seqüências sendo feitas com auxilio de tecnologia digital. O capricho nos detalhes torna tudo ainda mais real e faz o espectador imergir na história, e os animadores aproveitam a oportunidade para criar pequenos momentos geniais, como quando a vela de Lumiere (voz de Jerry Orbach) derrete diante de uma tocha e dá a sensação de que ele está suando frio.
Com uma equipe talentosa nas mãos, os diretores Gary Trousdale e Kirk Wise aproveitam para criar belos planos, como aquele que destaca a biblioteca do castelo ou os planos gerais que apresentam a fortaleza da Fera. Vale citar também o primeiro jantar de Bela no castelo, que é um espetáculo grandioso de música, luzes e cores, embalado pelo charme francês na hora de servir e pela ótima “Be Our Guest”. Este espetáculo de cores em muitos momentos tem função narrativa, como quando Gastón canta na taverna e a cor vermelha que predomina na tela reforça a aura demoníaca do vilão. Repare também a harmonia entre a roupa rosa de Bela e a cortina no café da manhã, simbolizando que ela estava se adaptando ao castelo, algo reforçado também pela própria fotografia, que se torna mais colorida e cheia de vida, com mais cenas diurnas que antes.
Como na maioria das animações, o som também é muito bom, algo notável, por exemplo, quando o cavalo de Maurice se assusta durante uma tempestade, onde percebemos cada detalhe, desde a cavalgada assustada do animal até os raios e a própria água que toca o chão. Praticamente incessante, a trilha sonora do ótimo Alan Menken recheia a narrativa com músicas envolventes, que colaboram para o andamento da trama e funcionam como uma espécie de número musical, assim como acontece nas peças de teatro da Broadway, de onde vieram alguns dos dubladores, como a própria Paige O’Hara. Entre tantas boas canções, vale destacar a citada “Be Our Guest”, “Belle”, que nos apresenta os personagens, “Something There”, que embala o momento em que Bela começa a se apaixonar pela Fera, e a música tema “Beauty and the Beast”, cantada por Angela Lansbury na mais linda cena do longa.
Um misto de touro e cão, a Fera surge assustadora, com sua voz imponente e olhar ameaçador, ainda que os objetos que vivem no castelo confiram certa magia ao local. Com temperamento explosivo, ela tem dificuldade em seu primeiro contato com Bela, o que, apesar de clichê, funciona perfeitamente e soa verdadeiro, já que uma aproximação rápida entre eles seria totalmente artificial. E apesar da aparência nada agradável, ao longo da narrativa o espectador cria empatia pelo personagem, após acompanhar seu sofrimento na sombria ala oeste, que guarda seu segredo e a rosa com as últimas pétalas de esperança. E neste local também que Bela verá parte de seu rosto humano num quadro rasgado, talvez sem entender bem do que se trata, pois jamais ela fica sabendo da história do feitiço. Ainda quando mal se entendiam, os dois brigam e ela foge em disparada pela floresta, sendo atacada por lobos. Após ser salva, Bela faz curativos na Fera com a lareira ao fundo, num plano simbólico que representa o momento em que a chama da paixão começa a nascer na garota. Deste momento em diante, a atmosfera sombria deixa a narrativa e o romance passa a tomar conta da tela.
Seguindo o perfil do vilão tradicional com suas roupas vermelhas que reforçam a aura vil do personagem, o forte Gastón é a paixão das moças da cidade, mas não consegue encantar Bela, uma garota culta, interessada em literatura e que está longe de compartilhar a idéia de mulher ideal do “macho” Gastón. Em sua concepção, a mulher ideal é aquela que adoraria fazer comida e massagear seus pés após seu retorno das caçadas, o que, obviamente, não passa pela cabeça da protagonista. O que Bela deseja é ser bem tratada, algo que acontece no local mais improvável. É no castelo que ela encontrará gentileza, primeiro através dos adoráveis objetos com vida, que se tornam ainda mais encantadores graças ao charme francês, tão bem representado pelo relógio Cogsworth (voz de David Ogden Stiers) e pelo candelabro Lumiere, sempre preocupados em prestar um serviço de primeira – com toques leves de acordeão, a própria trilha sonora que os acompanha servindo a moça reforça a origem francesa dos personagens. E após se estranharem, é da hostil Fera que Bela receberá o tratamento que procura, sendo respeitada e reforçando o tema principal da narrativa, de que a verdadeira beleza está no interior.
Entre os momentos marcantes do casal, um merece destaque especial. Obviamente, me refiro à linda cena do jantar, seguida pela dança do casal com a música tema ao fundo. Com a ajuda de computadores, os travellings que passeiam pelo imponente salão, como aquele que inicia no lustre e vai até eles, a noite estrelada e a perfeita harmonia do casal fazem desta cena um momento marcante. Infelizmente, logo após a linda dança, Bela sente falta do pai e decide abandonar o castelo, num anticlímax que levará ao confronto entre Gastón e a Fera, além de servir como obstáculo final à concretização do amor do casal. Presa por Gastón junto com seu pai dentro de casa, ela acompanha o povo marchando para o castelo na chuva, com tochas na mão e gritos, em outra seqüência marcante, com seu visual belo e assustador, assim como é sombrio o esperado confronto entre Gastón e a Fera, que acontece à noite, sob chuva e raios e sob o olhar atento da protagonista, que consegue escapar de casa e chegar ao local.
Após a sangrenta batalha, a Fera surge praticamente morta e arranca lágrimas do espectador, num sintoma claro de que aquele romance nos conquistou. E enquanto a chuva cai, a Fera é transformada em príncipe através das palavras de amor de Bela, num final perfeito e feliz, tradicional das animações Disney e dos contos de fadas. Além disso, o espectador mata a curiosidade ao ver personagens adoráveis como Lumiere, Cogsworth e a Sra. Potts, agora como humanos, acompanhando a dança de Bela e seu príncipe. Por tudo isto, saímos com uma enorme sensação de felicidade, também porque acompanhamos uma animação que em nada deve aos grandes clássicos da Disney.
Embalado por lindas canções, “A Bela e a Fera” atinge o coração do espectador de maneira simples e eficiente, captando com competência a essência do conto de fadas que o inspirou. Com um visual lindo e personagens cativantes, foi o responsável pela restauração definitiva do tradicional departamento de animações da Disney, conseguindo levar prêmios importantes, além de uma inédita indicação ao Oscar de Melhor Filme. Por tudo isto, o longa merecidamente fez história.
Texto publicado em 02 de Novembro de 2011 por Roberto Siqueira