TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE (1976)

(All the President’s Men)

5-estrelas

 

obra-prima

 

Videoteca do Beto #211

Dirigido por Alan J. Pakula.

Elenco: Robert Redford, Dustin Hoffman, Jason Robards, Martin Balsam, Jack Warden, Hal Holbrook, Jane Alexander, Meredith Baxter e James Karen.

Roteiro: William Goldman, baseado em livro de Carl Bernstein e Bob Woodward.

Produção: Walter Coblenz.

Todos os Homens do Presidente[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

No dia 18 de Junho de 1972, o jornal Washington Post estampou em sua capa o assalto ocorrido na noite anterior à sede do Partido Democrata no hotel Watergate, que levou os cinco homens presentes a julgamento. A investigação que se seguiu levou a descoberta de um dos maiores crimes políticos da história dos Estados Unidos, culminando na renúncia do então presidente Richard Nixon, já em 09 de Agosto de 1974. Coube então a Alan J. Pakula a missão de transpor para as telonas o histórico processo de investigação. Com a ajuda de um elenco competente e a forte colaboração do influente Robert Redford, o diretor realizou seu maior trabalho atrás das câmeras, uma verdadeira obra-prima do cinema que ainda hoje serve como aula de jornalismo investigativo.

Adaptado por William Goldman com base no livro dos jornalistas do Washington Post diretamente envolvidos no caso Carl Bernstein e Bob Woodward (que aqui são interpretados por Dustin Hoffman e Robert Redford respectivamente), “Todos os Homens do Presidente” acompanha todo o processo investigativo desde a manhã seguinte ao assalto a Watergate ainda durante a campanha presidencial dos Estados Unidos em 1972 até a publicação da matéria que levaria o então presidente Nixon a renúncia. Condensar num filme de pouco mais de duas horas uma investigação envolvendo dezenas de pessoas e diversos diálogos reveladores sem ser maçante não é uma tarefa fácil, mas o trabalho de Goldman é digno de nota, não apenas por ser fiel aos acontecimentos, mas também por evitar que o espectador se perca diante de tantas informações. Com este excelente roteiro em mãos, restou a Alan J. Pakula a tarefa de dar vida ao material e o diretor se saiu maravilhosamente bem.

Baseando a narrativa no trabalho dos jornalistas, Pakula e seu montador Robert L. Wolfe imprimem um ritmo ágil que se revela essencial para manter o espectador envolvido no processo investigativo, colocando-nos na posição de investigadores ao lado de Bernstein e Woodward. Para auxiliar nesta aproximação entre a plateia e os jornalistas, Pakula utiliza a câmera muitas vezes próxima dos atores, nos permitindo praticamente sentir o que eles sentem e, ao compartilhar conosco o trabalho tanto no escritório quanto em suas residências, o diretor também faz com que o espectador processe as informações e se sinta parte da investigação. Observe, por exemplo, como na sequência em que eles buscam sem sucesso documentos que comprovem certa conexão dentro da Biblioteca Nacional, a câmera se afasta e diminui os personagens em cena, transmitindo a sensação de impotência de ambos naquele instante específico.

Por outro lado, sempre que eles conseguem alguma informação nova ou estão no meio de um diálogo importante, a câmera se movimenta com agilidade, transmitindo a empolgação dos personagens e o senso de urgência destes momentos, especialmente através dos travellings que acompanham Bernstein e Woodward correndo pela redação do Washington Post, servindo ainda para nos apresentar ao grande número de jornalistas presentes no local, o que realça o tamanho do feito da dupla principal, já que para encabeçar aquela importante investigação, eles tiveram que superar diversos concorrentes até mesmo mais experientes.

Câmera muitas vezes próxima dos atoresBiblioteca NacionalBernstein e Woodward correndo pela redaçãoA redação do Washington Post, aliás, realça o excepcional design de produção de George Jenkins, que além de reconstituir o local com precisão, ainda reflete através da profundidade de suas linhas retas e de seu ambiente amplo e caótico o universo de informações que os personagens estavam mergulhando (algo perfeitamente ilustrado também no plano plongè na biblioteca acima mencionado), servindo também para realçar traços da personalidade dos protagonistas. Repare, por exemplo, como as anotações de Woodward, ainda que desorganizadas, transmitem sua sede por informações relevantes e sua maneira de organizar o raciocínio, contrapondo-se muito bem ao comportamento mais atirado de Bernstein, que utiliza métodos mais agressivos para obter o que deseja, como quando engana uma secretária para conseguir falar com determinado personagem.

Redação do Washington PostAnotações de WoodwardMétodos mais agressivosEstabelecendo uma excelente dinâmica entre eles, Redford e Hoffman dão um show de interpretação, transmitindo a importância de cada informação obtida através de suas reações, realçadas pela câmera de Pakula – repare, por exemplo, o close no rosto de Redford durante o diálogo com Dahlberg, que se confirmaria como um importante passo na investigação, assim como ocorre com Bernstein já no ato final quando através de uma inteligente sacada ele arranca uma confirmação de uma fonte sem necessitar de uma palavra sequer.

Aliás, os dois exibem um verdadeiro arsenal de técnicas investigativas que se demonstram eficientes ao conseguir as informações desejadas sem, para isto, colocar os informantes em posição muito desconfortável. É óbvio que vez por outra é necessário jogar alguém contra a parede, mas este processo é sempre feito de maneira ética e sagaz pela dupla, como quando conseguem a ajuda de uma colega de redação, mesmo com Woodward se recusando a forçar a garota a dizer o que não queria – e a atuação de Lindsay Crouse neste instante é tocante, transmitindo o quão dolorido seria aquele ato pra ela somente através de sua expressão ao ouvir a proposta dos colegas. Trazendo uma verdadeira lição de jornalismo, os repórteres obtêm informações muitas vezes sem necessitar de declarações explícitas, trabalhando nas entrelinhas e, o que é mais importante, checando cada informação duas ou três vezes antes de publicar a matéria.

Vestidos em ternos sóbrios que transmitem a seriedade da dupla (figurinos de Bernie Pollack), Bernstein e Woodward se complementam num trabalho em equipe eficiente que abre espaço para opiniões divergentes, mas sempre com respeito pela posição contrária. Este é, aliás, o clima que predomina também na redação do Washington Post, liderada pelo excelente Jason Robards, que se destaca como o chefe Bradlee, mostrando-se um líder de verdade ao apoiar seus repórteres nos momentos mais difíceis e extrair o máximo deles durante a investigação, recusando-se a divulgar matérias quando entende faltar sustentação e, por outro lado, enfrentando a fúria dos poderosos quando acha que o material tem base suficiente para chegar ao público. Tomando a frente nas reuniões de pauta, Robards se destaca num elenco que conta ainda com atores talentosos como Martin Balsam, Jack Warden e Hal Holbrook, além é claro de Jane Alexander, que protagoniza uma das melhores cenas do longa ao lentamente ceder informações para Bernstein e escancarar a ameaça por trás daquilo tudo, num diálogo intenso e tocante ocorrido dentro da casa dela.

Ajuda de uma colega de redaçãoChefe BradleeDiálogo intenso e tocanteTambém dentro de uma residência, desta vez o apartamento de Woodward, ocorre outro momento interessante quando, para evitar ser ouvido pelo grampo instalado no local, Bernstein aumenta o volume da música, numa das raras ocasiões em que a discreta trilha sonora de David Shire chama a atenção, desta vez utilizando o som diegético e não sua composição minimalista. Nada discreta, porém, é a forma como o mestre Gordon Willis fotografa “Todos os Homens do Presidente”, abusando de momentos extremamente sombrios que contrastam com o visual mais claro da redação do jornal, simbolizando que ali revelações obscuras viriam à tona. Repare também como o uso das sombras torna ainda mais tensa à sequência do assalto à sede do Comitê Nacional Democrata em Watergate, conduzida com precisão pelo diretor. Da mesma forma, as citadas cenas chave dentro das residências surgem predominadas pelas sombras, assim como as conversas no estacionamento de um shopping entre Woodward e o misterioso “Garganta Profunda” (interpretado pelo ótimo Hal Holbrook), que mal pode ser identificado com seu rosto quase completamente imerso na escuridão.

Revelações obscuras viriam à tonaGarganta ProfundaPresidente NixonUtilizando ainda imagens de arquivo do presidente Nixon para conferir mais realismo a narrativa, Willis e Pakula conseguem transmitir o tom de seriedade que a história pedia ao ser levada às telas pouquíssimo tempo depois do ocorrido. Diante da sensibilidade do tema e da proximidade do fato, uma abordagem incorreta poderia afundar a carreira dos envolvidos, mas felizmente não foi o que aconteceu. Numa imagem que ilustra perfeitamente a força do chamado Quarto Poder, o plano final com Woodward e Bernstein escrevendo a matéria enquanto o reeleito Nixon faz sua declaração na televisão é sensacional, registrando a ironia de um instante em que o homem mais poderoso do país era glorificado enquanto dois jornalistas de um jornal nem tão importante trabalhavam duro na matéria que iria desmascará-lo pouco tempo depois.

Com sua narrativa envolvente, atuações competentes e a segura direção de Pakula, “Todos os Homens do Presidente” é uma obra-prima que não deveria servir apenas como aula de jornalismo investigativo. O longa estrelado por Redford e Hoffman é, na verdade, uma verdadeira aula de cinema.

Todos os Homens do Presidente - foto 2Texto publicado em 26 de Julho de 2015 por Roberto Siqueira

GENTE COMO A GENTE (1980)

(Ordinary People)

4 Estrelas 

Filmes em Geral #103

Vencedores do Oscar #1980

Dirigido por Robert Redford.

Elenco: Donald Sutherland, Timothy Hutton, Mary Tyler Moore, Elizabeth McGovern, M. Emmet Walsh, Judd Hirsch e Dinah Manoff.

Roteiro: Judith Guest e Alvin Sargent.

Produção: Ronald L. Schwary.

Gente como a Gente[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Assim como aconteceu com “Como era verde meu vale”, “Gente como a Gente” ficou marcado por vencer um filme melhor na cerimônia do Oscar, ganhando a antipatia de muitos cinéfilos com o passar dos anos. Só que, enquanto o longa dirigido por John Ford está longe de ser um grande filme, o drama dirigido por Robert Redford ao menos é bastante competente, ainda que seja inferior à obra-prima “Touro Indomável”, que realmente deveria vencer o premio daquele ano. Nem por isso, é justo desmerecer o bom trabalho realizado neste filme humano, recheado com ótimas atuações e dirigido com tanta simplicidade e talento.

Escrito por Judith Guest e Alvin Sargent, “Gente como a Gente” nos apresenta o triste cotidiano da família Jarrett após a morte do filho mais velho do casal Calvin (Donald Sutherland) e Beth (Mary Tyler Moore) afetar profundamente a vida deles, especialmente a do caçula Conrad (Timothy Hutton), que presenciou o acidente fatal do irmão e, sentindo-se culpado, chegou a tentar o suicídio. Convencido pelo pai a procurar tratamento psicológico com o Dr. Berger (Judd Hirsch), o jovem tenta superar os traumas do passado, mas o processo acaba sendo doloroso não apenas para ele, mas para toda sua família.

Repleto de diálogos carregados de mágoa, “Gente como a Gente” já inicia num tom melancólico, expressado pelas ruas cobertas de folhas secas numa típica tarde de Outono que surgem embaladas pela bela trilha sonora instrumental orquestrada por Jack Hayes e composta por Marvin Hamlisch. Desde então, Robert Redford deixa evidente que apostará numa abordagem discreta, evitando chamar mais a atenção para si do que para a alta carga dramática da narrativa. Seguro atrás das câmeras como costuma ser na frente delas, o diretor conduz o filme com simplicidade e elegância, apostando em planos médios e closes que realçam as atuações, evitando invencionismos desnecessários para o desenvolvimento de uma narrativa baseada nos diálogos. Nem por isso, Redford deixa de imprimir um estilo próprio, que curiosamente remete ao seu estilo sutil e minimalista de atuar. Observe, por exemplo, como durante uma festa dos amigos de Beth, Redford conta com seu montador Jeff Kanew para alternar entre os planos, empregando closes que demonstram o teor artificial das conversas e ainda criam a atmosfera maçante pretendida pelo diretor.

Visualmente, Redford também sabe explorar o bom trabalho de sua equipe técnica, a começar pela fotografia de John Bailey, que começa “Gente como a Gente” apostando numa paleta dessaturada que, por sua vez, realça as cores sem vida dos figurinos de Bernie Pollack como o bege e o azul marinho. Com a evolução da narrativa e dos problemas de Conrad, as sombras e as cenas noturnas passam a predominar (especialmente nas sessões no psiquiatra), ilustrando a agonia do garoto, representada também no escritório sufocante e bagunçado do Dr. Berger – o que é mérito do design de produção de Phillip Bennett e J. Michael Riva. Observe, por exemplo, como quando ele fala sobre a mãe, a fotografia investe pesado nas sombras e torna o escritório num local obscuro – num momento, aliás, em que o leve movimento de câmera de Redford nos aproxima com elegância do rosto de Conrad e evidencia sua tristeza.

Mas se evita exibicionismos na movimentação de sua câmera, Redford demonstra muita habilidade na direção de atores, extraindo atuações que evitam transformar aqueles personagens em caricaturas unidimensionais. Inicialmente, somos apresentados ao cotidiano daquela família comum e, com o passar do tempo, percebemos que existe um conflito ali. Só que estas descobertas acontecem lentamente. Primeiro, fica evidente que Conrad tem problemas, principalmente pela forma como é tratado por seu preocupado pai. Contudo, a razão desta preocupação surge apenas quando o garoto aceita procurar um psiquiatra e decide falar abertamente sobre sua tentativa de suicídio, motivada pela traumatizante morte do irmão que o atormenta todos os dias. Em seguida, percebemos um atrito na relação dele com a mãe, que pouco a pouco vai sendo escancarado, conforme ele toma coragem para enfrentar a situação. Por vezes, Beth e Conrad mais parecem estranhos, tamanha a frieza com que se relacionam.

Demonstrando mais dificuldade para aceitar a perda de um filho e compreender o outro, Beth por vezes chega a irritar com seu jeito egoísta de lidar com os problemas – e a composição cuidadosa de Mary Tyler Moore transmite a sensação de que ela preferia que o filho mais velho tivesse sobrevivido sem que ela jamais diga isto claramente. Mas, nos momentos em que explode e escancara seu sofrimento pela perda do primogênito, Beth se torna mais humana e se aproxima um pouco mais da plateia, o que é ótimo justamente por evitar que ela se torne uma personagem rasa e unidimensional, que poderia facilmente afastar o espectador, ainda mais diante da postura pacificadora do marido dela. Compondo Calvin com uma estranha mistura de carisma e apatia, Donald Sutherland se sai bem como o pai protetor e preocupado que não sabe o que fazer para manter o equilíbrio emocional de uma família afetada por uma tragédia, algo que fica ainda mais evidente pela maneira confusa e nervosa que ele se comporta diante do Dr. Berger.

Sofrimento pela perda do primogênitoMistura de carisma e apatiaJovem amarguradoA razão de tanta preocupação é Conrad. Assumindo o papel mais difícil de “Gente como a Gente”, Timothy Hutton transmite muito bem a insegurança e a ansiedade daquele jovem amargurado, movimentando-se constantemente, evitando olhar diretamente para as pessoas e alterando o tom de voz sempre que se sente intimidado. Bastante instável emocionalmente – como atesta a cena no McDonald´s -, Conrad raramente consegue encontrar a paz e nem mesmo a pratica de um esporte como a natação serve para aliviar a pressão psicológica que ele mesmo se impôs. Inseguro ao ponto de treinar antes de ligar para uma garota, Conrad transmite a constante sensação de que está prestes a desistir da vida, o que é mérito da cuidadosa composição do ator. Hutton se destaca ainda na tocante conversa com o Dr. Berger após a morte da amiga Karen (Dinah Manoff), que ilustra o quanto Conrad se culpa pela morte do irmão.

Firme e direto, Judd Hirsch cria um Dr. Berger bastante seguro, que sabe tratar Conrad como adulto e evita a todo custo fazer com que ele se sinta vítima, mesmo que, para isso, precise recorrer a uma frieza desconcertante que por vezes parece até carregada com requintes de crueldade. Por outro lado, a doçura é representada pela simpática e bela Jeannine, interpretada por Elizabeth McGovern como uma garota simultaneamente atirada e compreensiva, que consegue alegrar e acalmar a vida de Conrad sempre que aparece. No entanto, a chave para compreender melhor a mente do rapaz está na outra moça que surge em seu caminho.

Conversa com o Dr. BergerDr. Berger bastante seguroSimpática e bela JeannineApresentada durante a dolorida conversa ocorrida dentro de um restaurante, a Karen de Dinah Manoff representa um ponto de apoio psicológico para Conrad, um exemplo vivo de que é possível superar o trauma e viver bem, ainda que a garota eventualmente deixe transparecer alguma tristeza – e o diálogo entre eles deixa claro que estamos acompanhando duas pessoas muito sofridas que tentam disfarçar a dor da melhor maneira possível. Mesmo distante, Karen faz com que Conrad se sinta melhor somente por saber que ela está bem e isto é essencial para que o espectador compreenda porque o garoto perde totalmente o equilíbrio quando, já no terceiro ato, ouve a trágica notícia do suicídio da garota.

A dificuldade para compreender o outro é justamente a razão pela qual a família Jarrett tanto sofre. Por isso, os diálogos entre eles escondem sob aquela carcaça polida e formal uma alta carga de tensão e parecem sempre prestes a provocar uma discussão, ainda que seja por um motivo aparentemente fútil, como na emblemática cena da foto de família que escancara os problemas entre mãe e filho ou na pesada discussão também entre eles na véspera do Natal. Estes duelos verbais são o ponto alto de “Gente como a Gente”. Mas existem outros diálogos marcantes, como aquele em que um amigo diz para Calvin que “cedo ou tarde eles se vão”, relembrando a dura realidade que qualquer pai tem dificuldade para encarar.

A perda de um filho é certamente um trauma quase impossível de superar. Assim, quando Calvin, mergulhado nas leves sombras do alvorecer, decide expor para Beth sua insatisfação diante da postura fria dela com seu filho, sabemos que aquela atitude pode jogar a última pá de cal naquela relação já deteriorada. No entanto, a saída dela de casa nos leva a sensível conversa entre pai e filho que, mesmo num tom agridoce, encerra bem este drama humano e belo.

Comandando uma história pesada que poderia facilmente cair no melodrama barato, Robert Redford demonstrou maturidade e competência suficientes para extrair grandes atuações de seu elenco e fazer deste “Gente como a Gente” um filme bastante respeitável.

Gente como a Gente foto 2Texto publicado em 22 de Fevereiro de 2013 por Roberto Siqueira

GOLPE DE MESTRE (1973)

(The Sting)

 

Videoteca do Beto #55

Vencedores do Oscar #1973

Dirigido por George Roy Hill.

Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Robert Shaw, Charles Durning, Ray Walston, Eileen Brenann, Harold Gould, John Heffernan, Dana Elcar, Jack Kehoe, Dimitra Arliss e Robert Earl Jones.

Roteiro: David W. Maurer e David S. Ward.

Produção: Tony Bill, Julia Phillips e Michael Phillips.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quatro anos depois do sucesso “Butch Cassidy”, Paul Newman e Robert Redford voltaram a se reunir sob a direção de George Roy Hill para realizar este delicioso “Golpe de Mestre”, que conta com um roteiro primoroso e uma reconstituição de época impecável para narrar a interessante e divertida história de dois golpistas nos anos trinta.

Dois vigaristas dão um golpe num capanga de um importante chefe de quadrilha de Nova York, embolsando uma alta quantia em dinheiro que garantiria a aposentadoria de um deles. Não demora muito até que a reação chegue e, a pedido do “chefão” Doyle Lonnegan (Robert Shaw), um dos golpistas, conhecido como Luther Coleman (Robert Earl Jones), é assassinado. Johnny Hooker (Robert Redford), o outro golpista, consegue fugir e, seguindo o conselho do falecido Coleman, entra em contato com o experiente vigarista Henry Gondorff (Paul Newman), com quem arquiteta um gigantesco golpe contra o mafioso Lonnegan.

A seqüência de abertura de “Golpe de Mestre” dá o tom da narrativa, através da bem orquestrada simulação de um assalto, que resulta no primeiro golpe aplicado pelos vigaristas Luther e Hooker. Esta cena servirá também como base para todo o desenrolar da trama, que será contada através da divisão de capítulos, com transições como fade, zoom e páginas, garantindo uma característica de conto ou fábula ao longa e revelando o bom trabalho de montagem de William Reynolds, que além disso, ainda confere um ritmo delicioso à narrativa. O longa conta ainda com um excelente trabalho técnico, responsável pelo belíssimo visual. O conjunto formado pelos impecáveis figurinos de Edith Head, a excepcional Direção de Arte de Henry Bumstead e a fotografia dessaturada (Direção de Robert Surtees) criam uma reconstituição de época incrivelmente realista, ambientando perfeitamente o espectador à trama. Observe, por exemplo, os carros nas ruas de Nova York, a fachada das lojas e até mesmo os trajes utilizados pelos jogadores para notar como o trabalho técnico é irretocável. O diretor de fotografia Robert Surtees cria ainda um visual interessante nos ambientes internos, constantemente utilizando a sombra dos chapéus para encobrir o rosto dos personagens e usando o contraste luz e sombras de forma muito elegante. Finalmente, a ótima trilha sonora de Scott Joplin apresenta deliciosas canções e ainda utiliza o piano para compor divertidas melodias durante os jogos, o que reforça o clima leve e descontraído do longa.

A direção de George Roy Hill é segura e até mesmo discreta, apesar da freqüente utilização do zoom, como na espetacular jogada final de Gondorff durante o pôquer ou quando ele observa da janela a chegada de Lonnegan ao bar. Hill demonstra competência também na condução dos principais momentos do longa, como as cenas de pôquer, a falsa narração da corrida de cavalos e a perseguição de Snyder (Charles Durning) à Hooker. Outra seqüência muito bem dirigida é a fuga de Hooker do bar, que termina com o sugestivo plano da tampa do bueiro, indicando o esconderijo de emergência do rapaz. Finalmente, o diretor faz um interessante movimento de câmera que sai do quarto de Gondorff, corta para o quarto de Hooker e termina com o plano da misteriosa luva preta, que terá fundamental importância momentos depois, em outra cena surpreendente que termina com a morte de Loretta Salino (Dimitra Arliss).

Mas apesar da boa direção de George Roy Hill, o principal responsável pelo sucesso de “Golpe de Mestre” é o excepcional roteiro de David W. Maurer e David S. Ward. Inteligente e com ótimas reviravoltas, o delicioso texto da dupla prende a atenção do espectador e permite observar pacientemente como os dois vigaristas arquitetam cuidadosamente o grande golpe final. Mas ainda que seja interessante observar este aspecto da narrativa, para que ela funcionasse perfeitamente seria necessário algum tipo de ameaça ao plano. E a dupla Maurer e Ward insere este elemento na trama de forma muito inteligente, através do tenente William Snyder, interpretado corretamente por Charles Durning e que é o responsável pelo desequilíbrio da equação. Personagem chave para o sucesso da trama, Snyder é o responsável pelo temor gerado no espectador durante boa parte da narrativa – assim como sua participação é fundamental na espetacular seqüência final do longa, que reserva a maior e mais agradável surpresa do roteiro.

E que surpresas seriam estas? “Golpe de Mestre” é repleto de cenas em que o espectador é levado a acreditar que está vendo algo, somente para alguns minutos depois descobrir que foi enganado. E mesmo assim, jamais sabemos o que vai acontecer na próxima cena, graças à criatividade do roteiro e às ótimas interpretações do elenco, que tornam verossímeis personagens que poderiam soar cartunescos ou completamente irreais. Interpretado com muito carisma pelo ótimo Paul Newman, Gondorff, por exemplo, é um golpista experiente, que sabe cada passo necessário para alcançar seu objetivo. Extremamente irônico (repare como ele provoca o adversário durante o jogo de pôquer), Gondorff caminha com segurança pelo perigoso caminho que escolheu para viver e acreditamos nos ideais do personagem, por mais sem caráter que suas atitudes possam parecer. Já Robert Redford interpreta com competência o astuto Hooker, que apesar de sua esperteza, freqüentemente corre grande perigo durante suas escapadas. Observe, por exemplo, como Redford transmite muito bem a apreensão de Hooker dentro do quarto, momentos antes de supostamente trair o parceiro e entregá-lo aos federais. Após o surpreendente final, entendemos que sua apreensão pode ser interpretada como fruto da ansiedade pela resolução do plano (que aconteceria no dia seguinte) ou pela solidão do personagem, algo que fica claro quando este procura companhia para passar a noite. Mas inteligentemente, no momento em que vemos o personagem apreensivo, somos levados a pensar que ele realmente entregaria o parceiro, graças também à boa interpretação do ator. A química da dupla, aliás, é essencial para a empatia do público, pois mesmo sendo dois trapaceiros e golpistas, nos identificamos com os personagens graças às simpáticas atuações de Newman e Redford. Vale citar também a impressionante habilidade de Gondorff com as cartas na mão, notável quando as embaralha e sempre mostra o Às de Espadas. Fechando o elenco, além do já citado e importante personagem de Charles Durning, temos Robert Shaw, que vive o mal-humorado chefe da máfia Doyle Lonnegan. Determinado a recuperar o dinheiro que perdeu para os vigaristas (e mais do que isso, manter o respeito pelo seu nome), ele não mede esforços na caça ao astuto Hooker, raramente encontrando espaço para sorrisos e brincadeiras em seu cotidiano. Shaw é competente ao transmitir muito bem esta irritação constante do personagem, como podemos notar durante o jogo de pôquer no trem ou nas seguidas vezes em que ele entra para apostar na corrida de cavalos. Mesmo ganhando o prêmio, o homem é incapaz de sorrir, sempre mantendo um ar de desconfiado – o que não impede que ele sofra o incrível golpe no final.

Quando a última faceta do “golpe de mestre” é revelada ao espectador, sentimos uma gostosa mistura de desorientação e euforia. Apesar de acompanhar o engenhoso planejamento e a meticulosa execução do plano, descobrimos que um detalhe essencial foi ocultado e percebemos que a intenção era exatamente esta. O fato de não revelar propositalmente uma parte vital do golpe faz com que o espectador tema pelo futuro dos personagens, se envolva ainda mais com a trama e se surpreenda com o delicioso final. É como testemunhar um passe de mágica, com a diferença de que descobrimos os detalhes do truque segundos depois de sua execução.

Leve e descontraído, “Golpe de Mestre” soa como um delicioso truque que consegue ao mesmo tempo enganar e agradar ao espectador. Produzido numa época em que o termo “diversão sem compromisso” tinha outro significado, oposto às explosões e a ação frenética recheada de clichês narrativos dos dias de hoje, seu excelente roteiro, aliado às simpáticas interpretações, garante a diversão do espectador.

Texto publicado em 25 de Abril de 2010 por Roberto Siqueira

ENTRE DOIS AMORES (1985)

(Out of Africa)

 

Videoteca do Beto #34

Vencedores do Oscar #1985

Dirigido por Sydney Pollack.

Elenco: Meryl Streep, Robert Redford, Klaus Maria Brandauer, Michael Kitchen, Joseph Thiaka, Stephen Kinyanjui, Michael Gough, Suzanna Hamilton, Rachel Kempson, Graham Crowden, Leslie Phillips, Shane Rimmer, Mike Bugara, Job Seda e Mohammed Umar.

Roteiro: Kurt Luedtke, baseado nas memórias de Isak Dinesen.

Produção: Sydney Pollack.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A história real de um romance vivido no Quênia entre uma dinamarquesa da alta classe social e um solitário caçador inglês embala este belo filme dirigido por Sydney Pollack. Baseado nas memórias de Isak Dinesen (no filme a baronesa Karen Blixen-Finecke), “Entre dois amores” retrata muito bem como duas pessoas podem se amar, mesmo tendo enormes diferenças entre si. Mostra também como, por outro lado, estas mesmas diferenças podem prejudicar uma relação que tinha tudo para dar certo.

Karen Blixen (Meryl Streep) é uma rica dinamarquesa que decide morar em uma fazenda no Quênia com o barão Bror Blixen-Finecke (Klaus Maria Brandauer), com quem se casou por conveniência para desfrutar dos benefícios que o casamento lhe garantiria em sua família. O problema é que este casamento entre amigos não é o suficiente para segurar Bror, que simplesmente não consegue viver na fazenda, saindo para caçar constantemente. Pra piorar a situação, pouco tempo depois o barão decide participar da guerra. Sozinha, Karen trabalha pra tocar a vida na fazenda e se adaptar ao novo lar. A situação começa a mudar quando conhece o aventureiro aristocrata inglês Denys Finch Hatton (Robert Redford), por quem se apaixona e tem uma relação amorosa que marca sua vida para sempre.

“Entre dois amores” é um festival de lindas imagens. Os belos planos que exploram a beleza da região, acompanhados de elegantes movimentos de câmera e travellings que sobrevoam as lindas paisagens, são capazes de tirar o fôlego do espectador. O diretor Sydney Pollack – sempre com enquadramentos perfeitos que poderiam se transformar em lindos quadros – apresenta uma direção segura e competente também nas raras seqüências de ação, como nas caçadas em meio à savana africana. Mas Pollack deixa claro que a África (neste caso o Quênia) não é feita somente de belezas naturais, contrapondo com precisão o luxo dos britânicos à miséria dos africanos logo na chegada de Karen ao local, graças ao excelente trabalho de direção de arte do trio Colin Grimes, Cliff Robinson e Herbert Westbrook e aos figurinos de Milena Canonero. Além disso, Pollack consegue criar momentos de incrível realismo e tensão em todas às vezes que envolve os temíveis leões, criando cenas fantásticas e incrivelmente bem montadas. A primeira cena em que uma leoa aparece, colocando a vida de Karen em perigo, é capaz de causar um frio na espinha do espectador. Por outro lado, o diretor também demonstra sensibilidade e capricha nas cenas românticas, com destaque para o primeiro vôo de Denys e Karen, a mais bela cena do filme. Um momento sublime, repleto de imagens de tirar o fôlego, acompanhado pela lenta e linda trilha sonora de John Barry. As imagens não necessitam de palavras para criar um espetáculo visual de primeira grandeza.

Complementando a excelente direção de Pollack, destaca-se o belo trabalho de montagem (crédito para Pembroke J. Herring, Sheldon Kahn, Fredric Steinkamp e William Steinkamp), perceptível no clipe em que Karen conta histórias pela primeira vez, onde o fogo da vela e da fogueira simboliza a passagem do tempo, mostrando também a capacidade de prender a atenção dos visitantes que ela tem. Outra transição interessante acontece quando Karen sabe da doença de Berkeley (Michael Kitchen) e na cena seguinte já vemos o enterro dele. A montagem também confere um ritmo lento, porém agradável à narrativa, o que é essencial num épico de longa duração. Interessante notar como os momentos ao lado de Denys parecem passar mais rápido que os demais, o que se revela bastante coerente, já que a estória é narrada sob o ponto de vista de Karen, obviamente entediada quando distante dele.

A cena em que Karen corre perigo diante de uma leoa marca também o momento de seu reencontro com Denys já no Quênia, após terem se conhecido durante a viagem de trem. O bom roteiro de Kurt Luedtke constrói lentamente o romance entre eles, desenvolvendo com calma os personagens e conferindo consistência para o ponto alto das atuações de Streep e Redford, quando finalmente os conflitos aparecem. Neste momento, suas motivações ficam claras para o espectador, pois sabemos que ela quer um casamento oficial, ao passo que ele deseja “apenas” ser feliz com ela, sem assinar papel e se prender às responsabilidades. “Eu viveria a vida inteira com alguém. Um dia de cada vez.”, explica Denys. Luedtke também acerta ao respeitar a cultura dos nativos africanos, mostrando sua resistência aos costumes ingleses e o sentido de liberdade existente nas tribos da região (especialmente os Masai), notável quando Denys diz que eles não pensam no futuro, vivem somente o presente. Por isso, se são presos morrem. Não conseguem pensar que um dia sairão da prisão. Outra sutileza do roteiro aparece na belíssima resposta de Denys ao Barão (“Devia ter perguntado antes Denys”. “Eu perguntei, ela disse sim”), que obviamente se referia à autorização dele para que Denys ficasse com Karen. A resposta diz muito sobre o personagem, que não entende que as pessoas pertençam a alguém. Em sua visão, todos são livres.

Denys, aliás, é um personagem fascinante, interpretado com competência por Redford, que oferece uma atuação sem excessos, coerente com o simples e idealista aventureiro. Inicialmente, ele parece não dar muita bola para Karen, o que só serve para chamar ainda mais a atenção dela. Por outro lado, a presenteia com uma caneta e uma bússola, o que dá sinais de seu possível interesse. Exímio caçador e profundo conhecedor da região, Denys é um homem livre, que sente prazer nas coisas simples da vida, como uma noite estrelada ou a paisagem das savanas. Seu jeito de viver passa a sensação de que jamais deixaria de fazer algo que gosta para ficar com Karen. Este, pelo menos, é o pensamento dela, o que não a encoraja largar o casamento de fachada, pois se sente insegura. Entretanto, ele é responsável pelos momentos mais marcantes da vida dela. Redford também se sai bem nos momentos cômicos, como nas duas cenas em que brinca com a palavra “Xô” dita por Karen. Klaus Maria Brandauer convence como o Barão Bror Blixen-Finecke, deixando sempre claro que realmente é casado por conveniência, traindo a esposa constantemente e sem fazer questão de esconder isto dela. Sua sinceridade é espantosa, mas como ela mesma propôs o “acordo”, não faria sentido reclamar. E finalmente, Meryl Streep confirma seu enorme talento, numa atuação marcante (repare o perfeito sotaque britânico). Seu casamento de conveniência começa a fazê-la infeliz e sua obrigação de tomar as rédeas da fazenda transforma Karen numa mulher forte, porém extremamente carente afetivamente. Ao conhecer Denys, seu coração balança. Ela sonha viver ao lado dele, mas infelizmente Denys não é este tipo de homem. Curiosamente, ele também não se adapta à vida na fazenda, mas diferentemente de Bror, demonstra carinho quando está com Karen. Durante uma festa de ano novo, o primeiro embate entre a ambição de Karen e a simplicidade de Denys acontece, assim como o primeiro beijo. Posteriormente, a realista discussão na fazenda entre o casal, a respeito do casamento e do compromisso que ele traz, mostra a filosofia do aventureiro em oposição à necessidade dela de sentir que o possui. Ela nunca o teve da forma que queria, mas sempre teve o seu amor e carinho. O problema é que Karen gostava de se sentir segura, como se um papel de casamento fosse garantir que Denys era dela. Ele era dela de fato, mas porque queria, e não porque um papel o obrigava. Só que Karen não entendia desta forma.

O triste e belo final da história é também uma lição. Karen foi forte o suficiente para se adaptar em um país totalmente diferente de seu local de origem. Conheceu pessoas maravilhosas, demonstrou seu lado mais nobre ao se preocupar em deixar seus empregados com algum lugar para viver, mas fracassou na tentativa de compreender o homem que mais amou na vida. Por outro lado, Karen viveu ao lado dele seus momentos mais marcantes, e com certeza, também marcou a vida dele, como Denys deixa claro ao dizer que ela fez sua vida solitária perder a graça.

Contando com duas grandes atuações, “Entre dois amores” capta com precisão a experiência de duas pessoas que se apaixonam lentamente, vivem esta imensa paixão, mas jamais conseguem compreender a natureza um do outro. Lindamente fotografado e dirigido com competência, seu ritmo lento parece prolongar sua duração, mas esta impressão é amenizada pelas lindas paisagens e a bela história de amor que narra. Por isso, se estabelece como um filme sensível, poético e inegavelmente belo.

Texto publicado em 07 de Janeiro de 2010 por Roberto Siqueira

BUTCH CASSIDY (1969)

(Butch Cassidy and the Sundance Kid) 

 

Videoteca do Beto #17

Dirigido por George Roy Hill.

Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Katharine Ross, Strother Martin, Henry Jones, Jeff Corey, George Furth, Cloris Leachman, Ted Cassidy, Kenneth Mars e Donelly Rhodes. 

Roteiro: William Goldman.

Produção: John Foreman.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Extremamente alegre e divertido, a história da simpática e entrosada dupla de famosos bandidos do velho oeste norte-americano conquista pela leveza e inteligência que é contada. Recheada de diálogos deliciosos e cenas memoráveis, conta também com uma atuação marcante da dupla principal, além das belíssimas imagens captadas com competência pela câmera de George Roy Hill.

Butch Cassidy (Paul Newman) e Sundance Kid (Robert Redford) são dois amigos inseparáveis que lideram o Bando do Buraco na Parede e vivem de assaltar trens e bancos. Após escapar da perseguição implacável de um grupo formado pelo dono de uma poderosa companhia de trens, decidem mudar-se para a Bolívia, acompanhados de Etta (Katharine Ross), a namorada de Sundance. Quando chegam ao país sul-americano, descobrem que a vida não será tão fácil como imaginavam.

Logo na introdução dos personagens, durante um jogo de cartas no bar, percebemos o quanto a dupla de ladrões é respeitada no velho oeste, quando somente ao ouvir o nome de um deles, o adversário, durão até então, muda completamente de idéia e permite que a dupla leve o dinheiro. Esta cena, aliás, conclui a bela seqüência inicial do filme, feita com imagens antigas, em tom sépia, ocupando somente a metade esquerda da tela, enquanto os créditos são apresentados no lado direito. As imagens velhas e o som ao fundo dão à sensação de estar vendo um arquivo, como se fosse um jornal relatando os roubos de trem da gangue do buraco na parede. Em seguida, a fotografia (Direção de Conrad L. Hall) muda sutilmente para imagens coloridas, explorando ao máximo as lindas paisagens da região. Não são poucas as cenas em que salta aos olhos a beleza natural do local, como nas cachoeiras ou na fuga a cavalo da dupla. Mas não são apenas as paisagens que mostram a qualidade da boa direção de George Roy Hill. Observe como ele também faz interessantes movimentos de câmera, como no travelling que vai desde o Xerife (Jeff Corey) discursando para as pessoas sobre os assaltos do grupo até chegar ao ponto de vista de Butch e Sundance numa sacada, bem próxima dali. Posteriormente, vamos descobrir que o xerife e a dupla tem uma relação mais próxima do que imaginamos. Quando a dupla está de partida para a Bolívia, Hill cria um plano em close da bicicleta abandonada, simbolizando o fim da alegria na vida deles. Aquela bicicleta marcou um momento extremamente alegre do trio e agora é o gancho para uma mudança radical, demonstrada através de outro vídeo em tom sépia, desta vez com fotografias que aparentam antigas, embaladas por outra música ao fundo, mostrando o que aconteceu no período da viagem.

A citada cena da bicicleta nos apresenta também a linda canção “Raindrops Keep Fallin’ on My Head”, tão leve e deliciosa quanto o filme. Este momento em particular mostra como o cinema pode alcançar momentos únicos, com a mistura de imagens e som criando cenas de uma beleza magnífica na tela. Vemos os raios do sol passando entre o vão da madeira e a dupla Butch e Etta andando de bicicleta, num momento de extrema felicidade, que é praticamente palpável ao espectador. A trilha sonora, aliás, é um ponto de destaque no longa, pontuando momentos da narrativa. Além da bela canção, observe como no vídeo montado com fotos durante a viagem para a Bolívia a trilha inicia alegre e depois altera para um tom melancólico, indicando que o trio jamais voltaria a ser feliz como antes. Em outro momento, durante um assalto de Etta e Kid a um banco boliviano, a trilha acompanha exatamente o ritmo da cena, tornando-a ainda mais bem humorada. O filme, aliás, tem um humor refinado e bastante agradável, que casou muito bem com a simpática dupla de ladrões, facilitando a empatia com o público. Como exemplo de cenas divertidas, podemos citar aquela em que Woodcock (George Furth) não quer abrir o trem, o “tenso” primeiro encontro entre Kid e Etta, a hilária chegada à Bolívia e os problemas que Butch e Sundance enfrentam com o idioma espanhol.

É claro que para que tudo isto tivesse sucesso, seria necessária uma dupla de atores de talento. E felizmente este é o caso. Paul Newman está muito bem como o extremamente simpático Butch e Robert Redford é o parceiro perfeito, como o cínico Sundance. O entrosamento dos dois é essencial para o sucesso do longa. Juntos, formaram uma dupla graciosa e cativante. São muitas as cenas memoráveis, como o rosto de raiva de Redford antes de pular no rio, mostrando que ele, mesmo contrariado, seguia as idéias do amigo ou o engraçado momento em que demonstra com clareza sua surpresa e revolta ao descobrir que Butch não sabe falar espanhol tão bem quanto dizia. Finalmente, Katharine Ross interpreta com muito charme a apaixonada Etta, que larga sua profissão e sua vida pra trás para seguir os passos de Sundance, com a condição de não testemunhar a morte do amado. Quando decide voltar para os Estados Unidos, é por perceber que, por não conseguir largar aquela vida, a dupla está próxima de seu fim. As boas atuações do elenco deram ainda mais vida ao bom roteiro de William Goldman, repleto de diálogos maravilhosos e divertidos. Observe a franca conversa entre Butch e Woodcock, no segundo roubo de trem da Union Pacific. Os dois sabem que cada um está defendendo o seu lado e tratam a questão da forma mais direta possível, numa situação inusitada em se tratando de um assalto. Quando tentam escapar do grupo que os persegue implacavelmente, fugindo em um único cavalo e enviando o outro para despistá-los, Butch pergunta: “E se eles não seguirem o cavalo?”, e Kid responde: “Você é o cérebro Butch, vai pensar em algo”, demonstrando que Kid era habilidoso com a arma na mão, mas pouco se importava em utilizar o cérebro, deixando tudo com Cassidy. Outros trechos interessantes e divertidos que podemos citar são: “Se Hermann me pagasse o que ele gasta para me fazer parar de roubar, eu parava de roubar!”, “Quem sou eu, Smith ou Jones?”, dita na porta de um banco boliviano e a pergunta do general do exército boliviano indignado: “Dois homens??”, claramente espantado, já que o efetivo que trouxe era suficiente para uma guerra.

A discussão da dupla encurralada, cheia de brincadeiras irônicas, que acontece após o sensacional tiroteio contra os bolivianos, nos leva ao triste e coerente final. Os românticos e divertidos bandidos falam até com certa inocência de ir para a Austrália depois que saírem dali, mas no fundo já sabiam que aquele era o último momento deles. O elegante plano final nos poupa de ver o que o som nos indica e a cativante dupla de bandidos chega ao fim. Recheado de bom humor e com muito da áurea leve de sua época, “Butch Cassidy” é um western diferente, divertido e bastante agradável de assistir. Suas belas imagens, o delicioso roteiro e a talentosa dupla formada por Paul Newman e Robert Redford fazem deste filme uma maravilhosa experiência, conseguindo tornar graciosa a vida de dois bandidos e mostrando que o velho oeste tem mesmo um charme indiscutível na tela do cinema.

Texto publicado em 19 de Novembro de 2009 por Roberto Siqueira