DONNIE DARKO (2001)

(Donnie Darko)

 

 

Videoteca do Beto #246

Dirigido por Richard Kelly.

Elenco: Jake Gyllenhaal, Holmes Osborne, Maggie Gyllenhaal, Daveigh Chase, Mary McDonnell, James Duval, Arthur Taxier, Patrick Swayze, Beth Grant, Drew Barrymore, Jena Malone, Katharine Ross, Seth Rogen, Noah Wyle, Ashley Tisdale, Patience Cleveland e Lee Weaver.

Roteiro: Richard Kelly.

Produção: Adam Fields, Nancy Juvonen e Sean McKittrick.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Pode um filme que envolve pontes de Einstein-Rosen e a filosofia da viagem no tempo ser, em última instância, um estudo sobre sentimentos? É claro que sim. Ainda que o enigmático terceiro ato abra espaço para discussões filosóficas e científicas intermináveis que permitem ao espectador se deliciar criando teorias e debatendo sobre o significado de tudo aquilo, o fato é que o cult “Donnie Darko” ancora sua excepcional estrutura narrativa em sentimentos extremamente humanos, que, por sua vez, não deixam de ser um mistério tão fascinante quanto buracos de minhoca.

Escrito e dirigido por Richard Kelly, “Donnie Darko” tem início quando o personagem título, após uma discussão familiar no jantar, escapa milagrosamente da morte ao ouvir a orientação de um misterioso coelho gigante e sair de sua casa instantes antes de uma turbina de avião destruir completamente o seu quarto. À partir daí, ele passa a seguir as instruções do coelho que afirma que o mundo acabará em 28 dias e provocar o caos na escola em que estuda, ao mesmo tempo em que se apaixona pela nova aluna Gretchen (Jena Malone) e desafia o famoso Jim Cunningham (Patrick Swayze).

Estruturado como um quebra-cabeças que envolve conceitos complexos sobre viagem no tempo, o impecável roteiro de “Donnie Darko” jamais se entrega a soluções fáceis e mastigadas, preferindo jogar pistas ao longo da narrativa para que o próprio espectador procure formular suas teorias quando o terceiro ato jogar uma enorme interrogação em sua mente. Normalmente, filmes que ousam não entregar tudo mastigado sofrem preconceito por parte de espectadores acostumados a narrativas que explicam cada ponta solta do roteiro, mas curiosamente o longa de Richard Kelly conseguiu driblar este efeito e ganhar muitos fãs após seu fracasso nas bilheterias, justamente por que a força da narrativa vai além do aspecto científico (o que por si só já garantiria um bom filme), permeando aquele universo recheado de esquisitices e acontecimentos estranhos com sentimentos universais e de fácil identificação, o que ajuda a criar empatia.

A abertura envolta em mistério e que beira o onírico em que o garoto desce uma estrada sinuosa numa montanha já dá o tom da narrativa, passando por um primeiro ato dominado por cenas que refletem o estado de espírito do protagonista, deslocado tanto na escola quanto em sua própria família, algo refletido também nas roupas azuis que ele veste durante boa parte do filme e que simbolizam sua melancolia – o que é mérito dos figurinos de April Ferry, que também acerta na caracterização bizarra do gigante coelho que atormenta Donnie, criando um personagem icônico. Na medida em que Donnie Darko cumpre as orientações e avança no plano de Frank (James Duval), a fotografia de Steven Poster passa a adotar cores mais vivas e quentes, especialmente após o surgimento de Gretchen. Esta oscilação entre cenas mais sombrias e quentes reflete também a instabilidade emocional de Donnie, o que ajuda a criar uma atmosfera passivo-agressiva que casa muito bem com sua personalidade.

Esta atmosfera é reforçada pela maravilhosa trilha sonora de Michael Andrews, que pontua boa parte das cenas com composições melancólicas, mas intercala com deliciosas músicas populares da “new wave” que marcou os anos 80, que costumam trazer um misto de sentimentos alegres e tristes, o que é muito coerente com a proposta da narrativa – destaque para a sequência que apresenta praticamente todos os personagens importantes da escola embalada por “Head Over Heels”, do Tears for Fears, e que sem necessitar de palavras já evidencia características marcantes de suas personalidades e das relações entre eles. Da mesma forma, a montagem de Sam Bauer e Eric Strand alterna bem entre momentos empolgantes como os embates entre Donnie e professores na escola, os sinistros encontros com Frank e momentos mais calmos, ainda que igualmente interessantes, como a discussão dele com os amigos sobre os Smurfs.

Demonstrando domínio completo sobre a narrativa, Richard Kelly reforça a sensação de desconforto no espectador através da escolha de planos estranhos, como aquele que mostra o ônibus escolar na vertical, o que, aliado aos efeitos especiais que dão vida às alucinações de Donnie – como aquela que simboliza uma espécie de buraco de minhoca que indica o caminho que as pessoas seguirão nos segundos seguintes –, também serve para transmitir a inquietação da mente dele. O diretor é hábil ainda ao utilizar planos fechados que valorizam as excelentes atuações de seu elenco – especialmente de Jake Gyllenhaal, que discutiremos mais adiante. Antes disso, porém, vale ressaltar o bom trabalho de todo o elenco de apoio, a começar por Maggie Gyllenhaal, que compõe Elizabeth como uma irmã distante, que deixa claro os conflitos que tem com Donnie logo no início, mas que não hesita em demonstrar orgulho numa conversa com uma amiga em que comenta um confronto do irmão com uma professora na escola.

Da mesma forma, Mary McDonnell faz de Rose Darko uma mãe compreensiva, centrada e que demonstra compaixão pelo filho ao mesmo tempo em que sofre diante da condição psiquiátrica dele. Drew Barrymore, por sua vez, transmite a frustração da professora Karen naquele ambiente conservador, enxergando o potencial de alunos como Donnie e tendo a firmeza e coragem de questionar o sistema educacional ultrapassado e a falta de capacidade de se comunicar com os jovens daquela escola, ainda que isto custe seu emprego. Este questionamento dela, aliás, toca diretamente num dos temas centrais da narrativa.

Afinal, a hipocrisia da parcela conservadora da sociedade e a dificuldade que esta tem em aceitar o progresso e a complexidade dos sentimentos humanos são simbolizadas perfeitamente em personagens como Beth Grant, interpretada de maneira quase caricata por Kitty Farmer em momentos como quando expõe sua ignorância na discussão sobre livros numa reunião com outros pais e professores, além é claro de Jim Cunningham, o charlatão vivido por Patrick Swayze que protagoniza uma quente discussão com Donnie e que tem sua máscara retirada quando um incêndio em sua casa leva os policiais a descobrirem seu criminoso envolvimento com pornografia infantil. Ambos personificam um grupo enorme de pessoas que ainda hoje enxergam um mundo binário onde é possível classificar pessoas como boas ou más, ignorando toda a gama complexa de sentimentos, emoções, motivações e condições peculiares que nos tornam humanos. Fechando os destaques do elenco secundário, Jena Malone cria uma Gretchen graciosa e igualmente deslocada que sofre por razões diferentes de Donnie e, justamente por este sentimento de não pertencimento, combina perfeitamente com o rapaz.

Os problemas de Donnie Darko ficam evidentes logo no jantar que antecede o acidente, no qual Jake Gyllenhaal já demonstra claramente a insatisfação dele com sua família, ainda que, neste momento, não seja possível identificar ainda sua forte oscilação de humor. No entanto, assim que Frank surge, notamos facilmente as alterações vocais e faciais do psicótico protagonista, que aparece agora com um olhar penetrante, dominado por uma espécie de alucinação que transforma seu comportamento, quase como num transe para um mundo paralelo (olha a dica aí). Gyllenhaal demonstra talento ainda em pequenos detalhes da composição do personagem, como o lento caminhar enquanto sonâmbulo ou a tímida conversa inicial com Gretchen, na qual ambos parecem desconfortáveis, ainda que seja notável a empatia entre eles.

Da mesma forma, ele consegue transmitir bem a tensão sexual natural desta fase da adolescência em cenas como a conversa com a terapeuta em que conta sobre a viagem no tempo. Inteligente, questionador e cético quanto à religião, Donnie demonstra fascínio pela ciência e pelo tema viagem no tempo, mas é seu medo diante da solidão e da morte que evidencia sua principal característica: a melancolia. Ao ouvir que “toda criatura morre sozinha”, ele logo se apressa em dizer que não quer estar sozinho, demonstrando uma insegurança emocional que nada mais é que uma condição natural do ser humano, que pode ficar ainda mais latente em pessoas que tentam encontrar explicações lógicas para os mistérios da vida e não buscam conforto em alguma fé qualquer que simplifique a visão da natureza humana e seu papel no universo.

O que nos traz de volta ao sentimento mencionado anteriormente de desconforto causado no espectador que busca explicações mastigadas para os acontecimentos da narrativa. Assim como Donnie, cabe ao espectador não se ancorar em soluções fáceis e buscar aprofundar-se nos conceitos apresentados ao longo do filme para tentar encaixar as peças e compreender a complexidade de “Donnie Darko”. Se por um lado a condição de esquizofrênico paranoico dele poderia facilmente explicar boa parte das alucinações que vemos ao longo da narrativa, por outro o livro de Roberta Sparrow (Patience Cleveland), a menção à “De volta para o futuro”, as conversas com o professor Kenneth Monnitoff (Noah Wyle) e os efeitos visuais que evidenciam o buraco de minhoca no ato final indicam outro caminho para solucionar o enigma que se forma na cabeça do espectador no terceiro ato.

A morte de Gretchen em frente a casa de Roberta Sparrow associada ao surgimento de Frank vestido de coelho e o tiro que ele leva no olho esclarecem parte dos mistérios, levando a conclusão da narrativa em que Donnie desta vez é morto pela turbina, que irá abrir o leque de possibilidades de interpretação. Fica evidente, no entanto, que a viagem no tempo é a chave para solucionar a equação, ainda que você possa até mesmo argumentar que tudo não passa de sonhos do protagonista e dos outros personagens, já que os acontecimentos bizarros que se iniciam na queda da turbina surgem após ele ir para a cama (e a letra de “Mad World” que acompanha todos atormentados, como se despertassem de pesadelos, pode induzir a esta interpretação em seu refrão). Aliás, existem outras interpretações muito interessantes na internet como a de Rolandinho, que você pode acessar aqui.

No entanto, a interpretação que mais me agrada é a leitura convencional do artefato que viaja pelo buraco de minhoca após uma anomalia criar um universo tangente, cabendo ao receptor (no caso, Donnie Darko) a missão de corrigir o erro. Segundo esta teoria descrita no livro de Sparrow, ele tem então os 28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos citados por Frank na conversa inicial deles para evitar o colapso do universo primário ao enviar de volta o artefato duplicado no universo tangente (neste caso, a turbina). O livro também explica conceitos como os manipulados mortos (Frank e Gretchen, que ganham o poder de viajar no tempo) e os manipulados vivos (todos os outros personagens que ajudam o receptor a cumprir sua missão), o domínio de Donnie sobre elementos como o fogo (o incêndio na casa de Jim) e a água (a inundação da escola), sua força descomunal (quando enfia o machado numa estátua) e a telecinesia (quando envia a turbina pelo buraco de minhoca no ato final). Além disso, são várias as dicas ao longo do filme que reforçam esta leitura, como quando Donnie afirma que a destruição é uma forma de criação (destruir aquele universo ajudaria a criar um futuro no universo primário), quando ele questiona Gretchen o que a faz pensar que ele não é um super-herói (afinal, naquele universo ele tem superpoderes) ou quando ele deixa o cinema e no letreiro temos “A Última Tentação de Cristo”, (cuidado, SPOILERS!) outro filme que aborda um universo paralelo, neste caso, criado na mente do protagonista.

Ao atingir seu objetivo, Donnie arquiteta também sua própria morte no universo primário, salvando Gretchen e todos os outros que morreram no universo tangente. A teoria explica ainda por que vários personagens de certa forma sentem os acontecimentos do universo tangente na bela sequência citada anteriormente que os mostra sofrendo e reforça de maneira tocante o sentimento que domina a narrativa, embalada pela bela “Mad World”, que tem total conexão com o tema do filme. Além disso, fica mais fácil compreender o medo de Donnie da solidão e da morte, sua obsessão pelo tema viagem no tempo, sua melancolia e até mesmo sua tensão sexual, afinal, ele sentia que não teria muito tempo de vida. Como fica claro naquele diálogo com Gretchen, ele, talvez de maneira inconsciente, sabia que era um tipo estranho de super-herói messiânico, fadado a entregar a vida para salvar todos os outros presentes no universo primário – o que, aliás, novamente remete à visão religiosa da missão de Jesus Cristo.

Portanto, por mais que seja extremamente instigante estudar os complexos conceitos da filosofia da viagem no tempo, formular interpretações e tentar conectar as pontas soltas de “Donnie Darko” (e sim, é muito divertido e estimulante fazer isso), o fato é que os sentimentos nada binários abordados ao longo da narrativa são igualmente complexos e merecedores de serem estudados, com a diferença de que eles não demandam grande esforço do espectador para se identificar com aquilo.

Texto publicado em 31 de Julho de 2020 por Roberto Siqueira

A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM (1967)

(The Graduate)

 

Videoteca do Beto #41

Dirigido por Mike Nichols.

Elenco: Anne Bancroft, Dustin Hoffman, Katharine Ross, William Daniels, Murray Hamilton, Elizabeth Wilson, Brian Avery, Walter Brooke, Norman Fell, Alice Ghostley e Richard Dreyfuss.

Roteiro: Calder Willingham e Buck Henry, baseado em livro de Charles Webb.

Produção: Mike Nichols e Lawrence Turman.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

O momento de transição da juventude para a vida adulta é o fio condutor desta deliciosa e importante comédia dirigida por Mike Nichols, que teve papel fundamental na história do cinema na época de seu lançamento ao abordar um tema corajoso para o período. Extremamente bem conduzido por Nichols, “A primeira noite de um homem” ainda foi responsável pelo lançamento de uma dos grandes atores de Hollywood, o talentoso Dustin Hoffman, se estabelecendo como uma comédia de humor refinado, capaz de causar grande empatia com o público em geral.

Após se formar na faculdade, Benjamin Braddock (Dustin Hoffman) retorna para casa, completamente indeciso quanto ao seu futuro. Em meio à festa de recepção, uma amiga de meia-idade de seus pais (Anne Bancroft) pede para que o garoto a leve pra casa, somente para seduzi-lo assim que eles chegam à residência. Os problemas só aumentam quando Benjamin se interessa pela filha dela, a bela Elaine Robinson (Katharine Ross).

Para entender corretamente o papel histórico de “A primeira noite de um homem” é preciso contextualizar seu lançamento. O cinema vivia em 1967 o fim da era dos grandes estúdios. O público ansiava por filmes mais baratos, que retratassem a realidade e focassem em personagens de carne e osso, ao invés dos politicamente corretos seres humanos da era anterior de Hollywood. Ou seja, personagens que tivessem dúvidas, dilemas e que enfrentassem dificuldades, o que causaria a empatia e a identificação com o espectador. E o longa de Mike Nichols atendia perfeitamente este anseio geral. O roteiro inventivo de Calder Willingham e Buck Henry (baseado em livro de Charles Webb) explora muito bem os inúmeros problemas criados pelo envolvimento entre o jovem Benjamin e a Sra. Robinson, provocando diversas situações inusitadas. Aproveita ainda as inúmeras possibilidades que a situação oferece para fazer excelentes piadas, como quando a Sra. Robinson pergunta se Benjamin não se esqueceu de nada e ele responde que gostaria de agradecê-la pelo que está fazendo, somente para ouvir em seguida: “O número do quarto. Eu preciso saber”. Existem muitos outros momentos bem humorados que vale a pena citar, como a cena em que Elaine sugere o Hotel Taft e Benjamin quase bate o carro, seguida pela engraçada seqüência em que os funcionários do Hotel cumprimentam o rapaz (“Olá Sr. Gladstone!”). Além disso, o roteiro aborda um tema comum à maioria dos jovens: a dúvida e o medo que sentimos quando deixamos os estudos para finalmente entrar na vida adulta. Pra completar, a empatia que o filme provoca no público se consolida através da deliciosa trilha sonora de Dave Grusin e Paul Simon, repleta de músicas leves e marcantes, que chegam até mesmo a ter um tom melancólico.

Entre o elenco, vale destacar a maravilhosa atuação de Dustin Hoffman. Na época com trinta anos, mas vivendo um personagem com vinte e um, Hoffman demonstra muito bem o nervosismo e a tensão de Benjamin através da respiração ofegante e do olhar nunca fixo. Repare sua empolgação quando ouve a Sra. Robinson contar que Elaine foi concebida em um Ford (“Um Ford!”). Anne Bancroft também tem uma excelente atuação como a madura e decidida Sra. Robinson. Ciente da inexperiência do rapaz, ela não economiza nos artifícios para seduzi-lo e consegue o que deseja. Vale observar a perfeita composição da personagem, através da sexy voz rouca, dos olhares nada tímidos e dos sensuais movimentos femininos, como as passadas de mão no cabelo. Fechando os destaques principais, Katharine Ross vive Elaine com bastante charme, além de transmitir com competência o dilema vivido pela garota, que ama Benjamin, mas não sabe como lidar com a estranha situação que o relacionamento envolve. Vale citar ainda Murray Hamilton como o inocente Sr. Robinson, que leva muito tempo até perceber o caso existente entre sua esposa e o jovem rapaz, comprometendo (como era de se esperar) a intenção das duas famílias de casar Benjamin e Elaine.

Tecnicamente, “A primeira noite de um homem” também é bastante eficiente. A começar pela direção de fotografia de Robert Surtees, que reflete o estado psicológico de Benjamin, por exemplo, quando está em paz consigo mesmo na piscina, através de um visual colorido e iluminado, onde os raios do sol refletem na água e transmitem uma sensação de tranqüilidade, que era exatamente o que ele sentia no momento. Sam O’Steen, por sua vez, quase rouba a cena com sua espetacular montagem, que cria momentos absolutamente inesquecíveis, como os vários clipes que aparecem durante o longa, além da interessante transição da piscina para o quarto de Hotel onde Benjamin está com a Sra. Robinson, que demonstra a passagem de muitos meses na vida deles (“Nos encontramos há meses e nunca conversamos”). Quando Benjamin vive sua primeira experiência sexual, o belo clipe e a linda trilha sonora simbolizam muito bem este importante momento na vida daquele jovem. Em seguida, o close em seu olhar fixo para a TV confirma: aquele é um momento de extrema satisfação e realização pessoal.

E finalmente chegamos ao grande destaque do longa. A impecável direção de Mike Nichols é perceptível logo nas primeiras cenas, quando o diretor utiliza muitos closes no rosto de Hoffman e dos convidados, demonstrando como o rapaz se sentia intimidado naquele ambiente, sufocado pelas pessoas à sua volta. Na casa dos Robinson, Nichols cria o plano em que Benjamin diz célebre frase “Sra. Robinson, você está tentando me seduzir!”, e a concepção visual da cena é perfeita, com as pernas dela envolvendo o rapaz completamente, como se estivesse arrastando-o para sua armadilha sexual. Mas a criatividade de Nichols não para por aí. Observe a forma criativa com que o diretor nos mostra as sensações de Benjamin quando está com a roupa de mergulhador, até mesmo contando com o som para indicar a respiração dele, claramente embaraçado com a situação. Repare sua inteligência ao compor o plano em que Benjamin conta a verdade para Elaine, onde tudo é indicado através dos olhares, sem a necessidade de dizer qualquer palavra. Em outro momento, quando Benjamin vai até a universidade atrás de Elaine, o zoom out o diminui em cena, demonstrando visualmente sua fraqueza naquele instante, além de indicar o quanto ele estava perdido no meio daquelas pessoas. Novamente o momento é acompanhado de um belo clipe e de uma linda canção. Mais adiante, Nichols reforça sua criatividade no plano em que observamos a angústia de Elaine ao perceber que Benjamin, em segundo plano e do lado de fora do ônibus, corre para alcançá-la. Finalmente, repare como o diretor ilustra sensações e sentimentos através de pequenos detalhes, como no momento em que Benjamin está se barbeando e faz uma pequena pausa com uma pergunta de sua mãe, demonstrando seu desconforto com aquela situação. Esta percepção do diretor se torna ainda mais evidente nos momentos de tristeza de Benjamin, quando o rapaz procura olhar para o aquário, como se fosse um daqueles peixes, triste por estar preso em uma situação sem saída. Curiosamente, nos momentos felizes ele normalmente está relaxado dentro da piscina, como se Benjamin estivesse se adaptando à nova realidade e se conformando com ela.

O final engraçado e alto astral fecha muito bem esta comédia leve que aborda um tema corajoso para a época, onde os filmes não costumavam demonstrar os problemas normalmente enfrentados pelas pessoas. A sensação de bem estar predomina no espectador, que acompanha o drama do jovem garoto e sofre junto com ele até o alegre desfecho da narrativa. Mérito da excelente direção de Nichols, das ótimas atuações do elenco e do belo roteiro. Por tudo isso, adicionado ainda ao contexto histórico e a importância que teve em seu lançamento, “A primeira noite de um homem” se confirma como uma deliciosa comédia, extremamente inteligente e agradavelmente próxima da realidade.

Texto publicado em 31 de Janeiro de 2010 por Roberto Siqueira

BUTCH CASSIDY (1969)

(Butch Cassidy and the Sundance Kid) 

 

Videoteca do Beto #17

Dirigido por George Roy Hill.

Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Katharine Ross, Strother Martin, Henry Jones, Jeff Corey, George Furth, Cloris Leachman, Ted Cassidy, Kenneth Mars e Donelly Rhodes. 

Roteiro: William Goldman.

Produção: John Foreman.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Extremamente alegre e divertido, a história da simpática e entrosada dupla de famosos bandidos do velho oeste norte-americano conquista pela leveza e inteligência que é contada. Recheada de diálogos deliciosos e cenas memoráveis, conta também com uma atuação marcante da dupla principal, além das belíssimas imagens captadas com competência pela câmera de George Roy Hill.

Butch Cassidy (Paul Newman) e Sundance Kid (Robert Redford) são dois amigos inseparáveis que lideram o Bando do Buraco na Parede e vivem de assaltar trens e bancos. Após escapar da perseguição implacável de um grupo formado pelo dono de uma poderosa companhia de trens, decidem mudar-se para a Bolívia, acompanhados de Etta (Katharine Ross), a namorada de Sundance. Quando chegam ao país sul-americano, descobrem que a vida não será tão fácil como imaginavam.

Logo na introdução dos personagens, durante um jogo de cartas no bar, percebemos o quanto a dupla de ladrões é respeitada no velho oeste, quando somente ao ouvir o nome de um deles, o adversário, durão até então, muda completamente de idéia e permite que a dupla leve o dinheiro. Esta cena, aliás, conclui a bela seqüência inicial do filme, feita com imagens antigas, em tom sépia, ocupando somente a metade esquerda da tela, enquanto os créditos são apresentados no lado direito. As imagens velhas e o som ao fundo dão à sensação de estar vendo um arquivo, como se fosse um jornal relatando os roubos de trem da gangue do buraco na parede. Em seguida, a fotografia (Direção de Conrad L. Hall) muda sutilmente para imagens coloridas, explorando ao máximo as lindas paisagens da região. Não são poucas as cenas em que salta aos olhos a beleza natural do local, como nas cachoeiras ou na fuga a cavalo da dupla. Mas não são apenas as paisagens que mostram a qualidade da boa direção de George Roy Hill. Observe como ele também faz interessantes movimentos de câmera, como no travelling que vai desde o Xerife (Jeff Corey) discursando para as pessoas sobre os assaltos do grupo até chegar ao ponto de vista de Butch e Sundance numa sacada, bem próxima dali. Posteriormente, vamos descobrir que o xerife e a dupla tem uma relação mais próxima do que imaginamos. Quando a dupla está de partida para a Bolívia, Hill cria um plano em close da bicicleta abandonada, simbolizando o fim da alegria na vida deles. Aquela bicicleta marcou um momento extremamente alegre do trio e agora é o gancho para uma mudança radical, demonstrada através de outro vídeo em tom sépia, desta vez com fotografias que aparentam antigas, embaladas por outra música ao fundo, mostrando o que aconteceu no período da viagem.

A citada cena da bicicleta nos apresenta também a linda canção “Raindrops Keep Fallin’ on My Head”, tão leve e deliciosa quanto o filme. Este momento em particular mostra como o cinema pode alcançar momentos únicos, com a mistura de imagens e som criando cenas de uma beleza magnífica na tela. Vemos os raios do sol passando entre o vão da madeira e a dupla Butch e Etta andando de bicicleta, num momento de extrema felicidade, que é praticamente palpável ao espectador. A trilha sonora, aliás, é um ponto de destaque no longa, pontuando momentos da narrativa. Além da bela canção, observe como no vídeo montado com fotos durante a viagem para a Bolívia a trilha inicia alegre e depois altera para um tom melancólico, indicando que o trio jamais voltaria a ser feliz como antes. Em outro momento, durante um assalto de Etta e Kid a um banco boliviano, a trilha acompanha exatamente o ritmo da cena, tornando-a ainda mais bem humorada. O filme, aliás, tem um humor refinado e bastante agradável, que casou muito bem com a simpática dupla de ladrões, facilitando a empatia com o público. Como exemplo de cenas divertidas, podemos citar aquela em que Woodcock (George Furth) não quer abrir o trem, o “tenso” primeiro encontro entre Kid e Etta, a hilária chegada à Bolívia e os problemas que Butch e Sundance enfrentam com o idioma espanhol.

É claro que para que tudo isto tivesse sucesso, seria necessária uma dupla de atores de talento. E felizmente este é o caso. Paul Newman está muito bem como o extremamente simpático Butch e Robert Redford é o parceiro perfeito, como o cínico Sundance. O entrosamento dos dois é essencial para o sucesso do longa. Juntos, formaram uma dupla graciosa e cativante. São muitas as cenas memoráveis, como o rosto de raiva de Redford antes de pular no rio, mostrando que ele, mesmo contrariado, seguia as idéias do amigo ou o engraçado momento em que demonstra com clareza sua surpresa e revolta ao descobrir que Butch não sabe falar espanhol tão bem quanto dizia. Finalmente, Katharine Ross interpreta com muito charme a apaixonada Etta, que larga sua profissão e sua vida pra trás para seguir os passos de Sundance, com a condição de não testemunhar a morte do amado. Quando decide voltar para os Estados Unidos, é por perceber que, por não conseguir largar aquela vida, a dupla está próxima de seu fim. As boas atuações do elenco deram ainda mais vida ao bom roteiro de William Goldman, repleto de diálogos maravilhosos e divertidos. Observe a franca conversa entre Butch e Woodcock, no segundo roubo de trem da Union Pacific. Os dois sabem que cada um está defendendo o seu lado e tratam a questão da forma mais direta possível, numa situação inusitada em se tratando de um assalto. Quando tentam escapar do grupo que os persegue implacavelmente, fugindo em um único cavalo e enviando o outro para despistá-los, Butch pergunta: “E se eles não seguirem o cavalo?”, e Kid responde: “Você é o cérebro Butch, vai pensar em algo”, demonstrando que Kid era habilidoso com a arma na mão, mas pouco se importava em utilizar o cérebro, deixando tudo com Cassidy. Outros trechos interessantes e divertidos que podemos citar são: “Se Hermann me pagasse o que ele gasta para me fazer parar de roubar, eu parava de roubar!”, “Quem sou eu, Smith ou Jones?”, dita na porta de um banco boliviano e a pergunta do general do exército boliviano indignado: “Dois homens??”, claramente espantado, já que o efetivo que trouxe era suficiente para uma guerra.

A discussão da dupla encurralada, cheia de brincadeiras irônicas, que acontece após o sensacional tiroteio contra os bolivianos, nos leva ao triste e coerente final. Os românticos e divertidos bandidos falam até com certa inocência de ir para a Austrália depois que saírem dali, mas no fundo já sabiam que aquele era o último momento deles. O elegante plano final nos poupa de ver o que o som nos indica e a cativante dupla de bandidos chega ao fim. Recheado de bom humor e com muito da áurea leve de sua época, “Butch Cassidy” é um western diferente, divertido e bastante agradável de assistir. Suas belas imagens, o delicioso roteiro e a talentosa dupla formada por Paul Newman e Robert Redford fazem deste filme uma maravilhosa experiência, conseguindo tornar graciosa a vida de dois bandidos e mostrando que o velho oeste tem mesmo um charme indiscutível na tela do cinema.

Texto publicado em 19 de Novembro de 2009 por Roberto Siqueira