FORMIGUINHAZ (1998)

(Antz)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #184

Dirigido por Eric Darnell e Tim Johnson.

Elenco: Vozes de Woody Allen, Sharon Stone, Gene Hackman, Sylvester Stallone, Danny Glover, Jennifer Lopez, Anne Bancroft, Dan Aykroyd, Christopher Walken, Paul Mazursky, Jane Curtin e John Mahoney.

Roteiro: Chris Weitz, Paul Weitz e Todd Alcott.

Produção: Brad Lewis, Aron Warner e Patty Wooton.

Formiguinhaz[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Centrado num personagem desconfortável com sua posição na sociedade, questionador e até mesmo um pouco neurótico, “Formiguinhaz” poderia tranquilamente ter sido escrito por Woody Allen. Sendo assim, nada mais natural do que escolhê-lo para dublar a voz do protagonista, numa escolha não apenas inteligente, mas vital para que a narrativa funcione tão bem. Apostando ainda em outros astros e na qualidade da animação, a Dreamworks acertou em cheio nesta aventura divertida que, de quebra, ainda provoca reflexões interessantes no espectador.

Escrito pelo trio Chris Weitz, Paul Weitz e Todd Alcott, “Formiguinhaz” nos traz o cotidiano de um formigueiro a partir do ponto de vista de Z (Woody Allen), uma formiga operária que passa a questionar a falta de individualidade de seus semelhantes dentro da Colônia, chamando a atenção da bela princesa Bala (Sharon Stone) e gerando desconforto no general Mandíbula (Gene Hackman), que comanda o exército onde atua Weaver (Sylvester Stallone), um grande amigo de Z.

A imagem de abertura de “Formiguinhaz” emula o skyline de Nova York, revelando segundo depois que na verdade estamos vendo o contorno das folhas que enfeitam o exterior do formigueiro onde se encontra o protagonista, revelado num interessante movimento de câmera que vai ao seu encontro dentro do formigueiro. A simples menção à cidade, seguida pelo tom pessimista do monólogo de Z deitado num divã, deixa claro para o cinéfilo mais ligado que este é um filme com a cara de Woody Allen.

Esta sensação é reforçada pelas constantes reflexões do personagem sobre pensamentos já arraigados em seu povo, como o de que o indivíduo tenha que ser sacrificado em prol da Colônia, além é claro dos interessantes diálogos que se tornam ainda mais atraentes graças à maneira com que as vozes famosas do elenco se entregam aos seus respectivos papéis. Conferindo às formigas rostos que remetem diretamente aos seus dubladores sem jamais perder os traços cartunescos, os animadores da Dreamworks realizam um excelente trabalho, criando ainda ambientes impressionantes dentro e fora do formigueiro que nos sugam pra dentro da narrativa.

Skyline de Nova YorkDeitado num divãIntelectual complexadoÉ interessante notar também como cada personagem adota a persona cinematográfica do astro por trás dele. Assim, temos Woody Allen na pele de um intelectual complexado, Sharon Stone como a bela que rouba o coração do protagonista, Stallone como o fortão camarada e Hackman como o general viril e cruel, além das pequenas participações de Danny Glover como um soldado amigável, Jennifer Lopez como a sensual Azteca e Anne Bancroft como a sábia Rainha – Dan Aykroyd como a abelha Chip e Christopher Walken dublando o Coronel Cutter completam os destaques do elenco.

A belaFortão camaradaGeneral viril e cruelEstabelecendo muito bem a geografia do impressionante formigueiro concebido pelo design de produção de John Bell através de movimentos de câmera elegantes, os diretores Eric Darnell e Tim Johnson exploram muito bem aquele universo, aproveitando também o ambiente externo para criar lindos planos, como durante a marcha das formigas rumo ao combate e na fuga de Z e Bala. Por outro lado, este próprio combate nos traz uma triste e forte imagem dos corpos caídos no campo de batalha, realçada pelo plano distante e silencioso dos diretores e pela fotografia totalmente sem vida. Fotografia que investe numa paleta sem muita variação de cores dentro do formigueiro para sinalizar a vida sem graça de Z ali, provocando um forte contraste com o mundo colorido que ele encontra fora da Colônia.

Impressionante formigueiroCorpos caídos no campo de batalhaMundo coloridoFinalmente, é interessante notar a bela e sutil homenagem prestada pelos diretores no quase beijo entre Z e Bala, através de um recurso técnico muito utilizado pelas atrizes da época de ouro do cinema. Trata-se do soft focus, uma distorção na lente que embaça levemente a imagem e não nos permite ver as imperfeições no rosto dela quando a câmera se aproxima, exatamente como ocorria no passado.

Outro aspecto técnico que merece destaque é o som. Observe, por exemplo, como o ótimo design de som ilustra perfeitamente o forte impacto que os pés de um ser humano provocam naquele universo, ampliando consideravelmente o volume quando ele se movimenta por ali. Já a trilha sonora também remete aos filmes de Woody Allen ao inserir um toque de jazz, mas também traz composições instrumentais interessantes, como a marcha triunfal que acompanha os soldados indo pra guerra ou a música acelerada que anuncia a presença humana em “Insetopia”.

Mas o que chama mesmo a atenção em “Formiguinhaz” são as reflexões que a narrativa provoca. Tomemos como exemplo o instante em que os operários, já inspirados por Z, questionam o trabalho e iniciam uma revolta, sendo rapidamente contidos por um discurso inflamado do general Mandíbula, numa abordagem corajosa e adulta que toca em feridas profundas da humanidade, como o nazismo, o fascismo e todos os regimes autoritários que já existiram e/ou ainda existem em nossa sociedade, provando como o povo pode facilmente ser manipulado quando não consegue pensar por si mesmo. Este ideal opressor fica ainda mais evidente no discurso em que o General fala sobre limpeza, afirmando que os mais fortes superariam os mais fracos e eliminariam o mal da Colônia. Somente este aspecto já seria suficiente para garantir pontos ao longa.

Quase beijoDiscurso inflamadoSequência final empolganteA sequência final eficiente e empolgante prende o espectador na cadeira e o último plano, além de trazer uma elegante rima narrativa com a abertura, ainda nos revela o skyline da verdadeira Nova York ao fundo e em primeiro plano o Central Park, que descobrimos ser o local onde se passa toda a narrativa. Mais Woody Allen que isso, impossível.

Apostando na temática favorita de Woody Allen, “Formiguinhaz” é uma aventura divertida, recheada de personagens carismáticos e que traz ainda reflexões interessantes provocadas pelo pensamento questionador de seu protagonista. Deslocado, inquieto e inconformado com sua posição na sociedade em que está inserido, Z pode até não ter sido criado por Woody Allen, mas se tivesse ele certamente não seria muito diferente.

Formiguinhaz foto 2Texto publicado em 10 de Fevereiro de 2014 por Roberto Siqueira

A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM (1967)

(The Graduate)

 

Videoteca do Beto #41

Dirigido por Mike Nichols.

Elenco: Anne Bancroft, Dustin Hoffman, Katharine Ross, William Daniels, Murray Hamilton, Elizabeth Wilson, Brian Avery, Walter Brooke, Norman Fell, Alice Ghostley e Richard Dreyfuss.

Roteiro: Calder Willingham e Buck Henry, baseado em livro de Charles Webb.

Produção: Mike Nichols e Lawrence Turman.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

O momento de transição da juventude para a vida adulta é o fio condutor desta deliciosa e importante comédia dirigida por Mike Nichols, que teve papel fundamental na história do cinema na época de seu lançamento ao abordar um tema corajoso para o período. Extremamente bem conduzido por Nichols, “A primeira noite de um homem” ainda foi responsável pelo lançamento de uma dos grandes atores de Hollywood, o talentoso Dustin Hoffman, se estabelecendo como uma comédia de humor refinado, capaz de causar grande empatia com o público em geral.

Após se formar na faculdade, Benjamin Braddock (Dustin Hoffman) retorna para casa, completamente indeciso quanto ao seu futuro. Em meio à festa de recepção, uma amiga de meia-idade de seus pais (Anne Bancroft) pede para que o garoto a leve pra casa, somente para seduzi-lo assim que eles chegam à residência. Os problemas só aumentam quando Benjamin se interessa pela filha dela, a bela Elaine Robinson (Katharine Ross).

Para entender corretamente o papel histórico de “A primeira noite de um homem” é preciso contextualizar seu lançamento. O cinema vivia em 1967 o fim da era dos grandes estúdios. O público ansiava por filmes mais baratos, que retratassem a realidade e focassem em personagens de carne e osso, ao invés dos politicamente corretos seres humanos da era anterior de Hollywood. Ou seja, personagens que tivessem dúvidas, dilemas e que enfrentassem dificuldades, o que causaria a empatia e a identificação com o espectador. E o longa de Mike Nichols atendia perfeitamente este anseio geral. O roteiro inventivo de Calder Willingham e Buck Henry (baseado em livro de Charles Webb) explora muito bem os inúmeros problemas criados pelo envolvimento entre o jovem Benjamin e a Sra. Robinson, provocando diversas situações inusitadas. Aproveita ainda as inúmeras possibilidades que a situação oferece para fazer excelentes piadas, como quando a Sra. Robinson pergunta se Benjamin não se esqueceu de nada e ele responde que gostaria de agradecê-la pelo que está fazendo, somente para ouvir em seguida: “O número do quarto. Eu preciso saber”. Existem muitos outros momentos bem humorados que vale a pena citar, como a cena em que Elaine sugere o Hotel Taft e Benjamin quase bate o carro, seguida pela engraçada seqüência em que os funcionários do Hotel cumprimentam o rapaz (“Olá Sr. Gladstone!”). Além disso, o roteiro aborda um tema comum à maioria dos jovens: a dúvida e o medo que sentimos quando deixamos os estudos para finalmente entrar na vida adulta. Pra completar, a empatia que o filme provoca no público se consolida através da deliciosa trilha sonora de Dave Grusin e Paul Simon, repleta de músicas leves e marcantes, que chegam até mesmo a ter um tom melancólico.

Entre o elenco, vale destacar a maravilhosa atuação de Dustin Hoffman. Na época com trinta anos, mas vivendo um personagem com vinte e um, Hoffman demonstra muito bem o nervosismo e a tensão de Benjamin através da respiração ofegante e do olhar nunca fixo. Repare sua empolgação quando ouve a Sra. Robinson contar que Elaine foi concebida em um Ford (“Um Ford!”). Anne Bancroft também tem uma excelente atuação como a madura e decidida Sra. Robinson. Ciente da inexperiência do rapaz, ela não economiza nos artifícios para seduzi-lo e consegue o que deseja. Vale observar a perfeita composição da personagem, através da sexy voz rouca, dos olhares nada tímidos e dos sensuais movimentos femininos, como as passadas de mão no cabelo. Fechando os destaques principais, Katharine Ross vive Elaine com bastante charme, além de transmitir com competência o dilema vivido pela garota, que ama Benjamin, mas não sabe como lidar com a estranha situação que o relacionamento envolve. Vale citar ainda Murray Hamilton como o inocente Sr. Robinson, que leva muito tempo até perceber o caso existente entre sua esposa e o jovem rapaz, comprometendo (como era de se esperar) a intenção das duas famílias de casar Benjamin e Elaine.

Tecnicamente, “A primeira noite de um homem” também é bastante eficiente. A começar pela direção de fotografia de Robert Surtees, que reflete o estado psicológico de Benjamin, por exemplo, quando está em paz consigo mesmo na piscina, através de um visual colorido e iluminado, onde os raios do sol refletem na água e transmitem uma sensação de tranqüilidade, que era exatamente o que ele sentia no momento. Sam O’Steen, por sua vez, quase rouba a cena com sua espetacular montagem, que cria momentos absolutamente inesquecíveis, como os vários clipes que aparecem durante o longa, além da interessante transição da piscina para o quarto de Hotel onde Benjamin está com a Sra. Robinson, que demonstra a passagem de muitos meses na vida deles (“Nos encontramos há meses e nunca conversamos”). Quando Benjamin vive sua primeira experiência sexual, o belo clipe e a linda trilha sonora simbolizam muito bem este importante momento na vida daquele jovem. Em seguida, o close em seu olhar fixo para a TV confirma: aquele é um momento de extrema satisfação e realização pessoal.

E finalmente chegamos ao grande destaque do longa. A impecável direção de Mike Nichols é perceptível logo nas primeiras cenas, quando o diretor utiliza muitos closes no rosto de Hoffman e dos convidados, demonstrando como o rapaz se sentia intimidado naquele ambiente, sufocado pelas pessoas à sua volta. Na casa dos Robinson, Nichols cria o plano em que Benjamin diz célebre frase “Sra. Robinson, você está tentando me seduzir!”, e a concepção visual da cena é perfeita, com as pernas dela envolvendo o rapaz completamente, como se estivesse arrastando-o para sua armadilha sexual. Mas a criatividade de Nichols não para por aí. Observe a forma criativa com que o diretor nos mostra as sensações de Benjamin quando está com a roupa de mergulhador, até mesmo contando com o som para indicar a respiração dele, claramente embaraçado com a situação. Repare sua inteligência ao compor o plano em que Benjamin conta a verdade para Elaine, onde tudo é indicado através dos olhares, sem a necessidade de dizer qualquer palavra. Em outro momento, quando Benjamin vai até a universidade atrás de Elaine, o zoom out o diminui em cena, demonstrando visualmente sua fraqueza naquele instante, além de indicar o quanto ele estava perdido no meio daquelas pessoas. Novamente o momento é acompanhado de um belo clipe e de uma linda canção. Mais adiante, Nichols reforça sua criatividade no plano em que observamos a angústia de Elaine ao perceber que Benjamin, em segundo plano e do lado de fora do ônibus, corre para alcançá-la. Finalmente, repare como o diretor ilustra sensações e sentimentos através de pequenos detalhes, como no momento em que Benjamin está se barbeando e faz uma pequena pausa com uma pergunta de sua mãe, demonstrando seu desconforto com aquela situação. Esta percepção do diretor se torna ainda mais evidente nos momentos de tristeza de Benjamin, quando o rapaz procura olhar para o aquário, como se fosse um daqueles peixes, triste por estar preso em uma situação sem saída. Curiosamente, nos momentos felizes ele normalmente está relaxado dentro da piscina, como se Benjamin estivesse se adaptando à nova realidade e se conformando com ela.

O final engraçado e alto astral fecha muito bem esta comédia leve que aborda um tema corajoso para a época, onde os filmes não costumavam demonstrar os problemas normalmente enfrentados pelas pessoas. A sensação de bem estar predomina no espectador, que acompanha o drama do jovem garoto e sofre junto com ele até o alegre desfecho da narrativa. Mérito da excelente direção de Nichols, das ótimas atuações do elenco e do belo roteiro. Por tudo isso, adicionado ainda ao contexto histórico e a importância que teve em seu lançamento, “A primeira noite de um homem” se confirma como uma deliciosa comédia, extremamente inteligente e agradavelmente próxima da realidade.

Texto publicado em 31 de Janeiro de 2010 por Roberto Siqueira