QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF? (1966)

(Who’s Afraid of Virginia Woolf?)

 

Videoteca do Beto #112

Dirigido por Mike Nichols.

Elenco: Elizabeth Taylor, Richard Burton, George Segal e Sandy Dennis.

Roteiro: Ernest Lehman, baseado em peça teatral de Edward Albee.

Produção: Ernest Lehman.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Dentre o universo de filmes que já assisti, poucos conseguiram ser tão amargos e tristes quanto “Quem tem medo de Virginia Woolf?”. Através dos diálogos ácidos de um casal em crise, Mike Nichols nos apresenta um profundo estudo da alma humana, mostrando como podemos ser cruéis, especialmente com as pessoas mais próximas. Contando com atuações sensacionais e um roteiro brilhante, o diretor entrega um filme depressivo, perturbador e difícil de ser digerido pelo espectador. Se você gosta de filmes alegres e finais felizes, certamente esta não é uma boa indicação.

Escrito por Ernest Lehman, baseado em peça teatral de Edward Albee, “Quem tem medo de Virginia Woolf?” apresenta o professor universitário George (Richard Burton) e sua esposa Martha (Elizabeth Taylor) voltando pra casa após uma festa na casa do pai dela, que é também o reitor da escola. Bêbados, eles se preparam para receber a visita de outro casal, formado pelo também professor Nick (George Segal) e sua mulher Honey (Sandy Dennis). Entre um e outro diálogo, surgem confissões e intensas agressões verbais, que só pioram com o passar do tempo.

Logo nos primeiros minutos, “Quem tem medo de Virginia Woolf?” já estabelece o tom carregado de sua narrativa através da trilha sonora melancólica de Alex North e da fotografia sombria de Haskell Wexler. Em seguida, acompanhamos os primeiros diálogos entre Martha e George, que determinam a personalidade destrutiva do casal enquanto eles se preparam para receber visitas. Acertadamente, a montagem de Sam O’Steen investe os primeiros 45 minutos da narrativa na seqüência que se passa dentro da casa deles, sufocando o espectador naquele ambiente pesado e estabelecendo os potenciais conflitos entre os personagens. Desta forma, na medida em que as discussões acontecem, o espectador já sabe o efeito que cada frase provoca neles. O montador acerta ainda na maneira dinâmica com que acompanha estes diálogos, aumentando os cortes na medida em que as agressões verbais se intensificam e evitando os cortes nas cenas melancólicas, como quando George está sentado no balanço.

Estas agressões verbais revelam também o primoroso trabalho do roteirista Ernest Lehman, que constrói diálogos afiados e marcantes, repletos de ofensas entre um casal tão autodestrutivo quanto dependente. Aproveitando-se do conhecimento que têm do parceiro para agredi-lo, Martha e George demonstram uma incrível capacidade de tocar nas mais profundas feridas do outro. Além disso, o roteiro tem o cuidado de deixar dicas do cruel encerramento da narrativa, evidenciadas todas as vezes que alguém menciona o filho do casal através do incômodo de George e da aflição de Martha.

Com este roteiro coeso em mãos, Mike Nichols demonstra seu talento, conduzindo com firmeza a narrativa e empregando elegantes movimentos de câmera através de pequenos travellings e do uso do zoom, além de demonstrar excelente controle da mise-en-scène. Além disso, o diretor é inteligente na criação de planos simbólicos, como aquele em que George está sentado no balanço submerso nas sombras, que reflete sua melancolia após ser devastado pela discussão com Martha. Em outro momento, George surge no fundo do plano, apenas observando os elogios rasgados de Martha e Nick ao pai dela, demonstrando sua inferioridade diante do massacre promovido pela esposa. Também merece destaque o plano que revela Honey parada na escada, escutando o diálogo franco entre Nick e George sem que eles percebam que ela está ali.

Ainda na parte técnica, a extremamente detalhada decoração da casa (direção de arte de George James Hopkins) evidencia a boa situação financeira do casal, estabelecendo também um dos principais conflitos entre eles, já que Martha é filha de um homem rico e poderoso, que é também o empregador de George e Nick. Da mesma forma, a fotografia sombria de Haskell Wexler reforça a atmosfera sufocante do longa, enquanto os figurinos de Irene Sharaff ajudam a estabelecer a personalidade de cada personagem (Martha, por exemplo, é a mais espalhafatosa).

Personagens, aliás, que são interpretados por um elenco sensacional. Repare, por exemplo, como todos conseguem ilustrar com precisão os efeitos do álcool de maneiras diferentes e como a movimentação coletiva em cena dá dinamismo ao longa – o que é essencial numa trama que se passa em cenários fechados. Individualmente, o grande destaque é mesmo Elizabeth Taylor, que tem uma atuação fantástica como Martha, compondo uma personagem amarga e sufocante, que não mede palavras para agredir o marido de todas as formas que puder. De fala incorreta e risada histérica, Martha é uma mulher depressiva, que encontrou em George o parceiro ideal para seguir em seu caminho de autodestruição. Possessiva e dominadora, ela transmite confiança quando fala e não hesita em revelar os mais profundos segredos do marido se isto for atingi-lo de alguma maneira. Por outro lado, Martha sabe da importância que ele tem em sua vida e deixa isto claro no tocante e amargo monólogo em que confessa o amor por George ao mesmo tempo em que evidencia sua melancolia, num momento sublime da atuação de Taylor.

Ainda que seja mais contido, o George de Richard Burton é seco e suas palavras diretas cortam como navalha e ferem profundamente. De fala rápida e constantemente irônica, ele não permitirá que Martha lhe humilhe daquela maneira, reagindo sempre de maneira agressiva. Desta forma, o casal vive num ciclo infinito de ofensas, onde cada ação gera uma reação ainda mais hostil. Completando o elenco, George Segal e Sandy Dennis interpretam Nick e Honey, o outro casal que acidentalmente cruza o caminho de Martha e George e é sugado pelo turbilhão de emoções que permeia aquela relação. Dennis se sai melhor que o parceiro, compondo uma personagem trágica, que se entrega ao álcool, talvez como forma de aliviar a tensão, e se transforma completamente durante a narrativa – repare os pequenos detalhes de sua atuação, como quando Honey toca o marido no sofá e indica que ele deve elogiar a casa logo na chegada ao local. Já Segal se sai bem especialmente nos embates entre George e Nick, além de estabelecer boa química com Taylor, como quando ele acende o cigarro dela e é tocado na perna, indicando uma atração que George não demoraria a perceber (e que seria usada contra ele por George e pela própria Martha).

Além das excelentes atuações, “Quem tem medo de Virginia Woolf?” traz ainda muitas cenas marcantes, como aquela em que Martha conta sobre a luta de boxe e George, lentamente e embalado por uma trilha tensa, pega uma arma e se dirige até ela. O zoom no rosto assustado de Honey e seu grito estridente dão lugar às risadas, balanceando muito bem a tensão absoluta com o alivio cômico. Em outro momento, Martha se inflama e a câmera se aproxima dela, acompanhando sua movimentação agitada enquanto ela revela porque se casou com George, que, furioso, quebra uma garrafa e começa a dançar com Honey cantando a música que dá nome ao filme. A crueldade de suas palavras só é superada na cena do bar, quando os personagens atingem o auge da maldade, numa seqüência devastadora em que Martha e George expõem os segredos mais íntimos deles e até mesmo de Nick e Honey. Por tudo isto, por mais cruel que pareça, a revelação da morte do filho no ato final é coerente com as ações dos personagens. E ao ver Nick dizer desesperado que “está entendendo o que está acontecendo” após a cruel revelação, o arrepio é inevitável. Aquele casal atormentado e triste tinha “inventado” um filho, talvez como forma de amenizar a dor por não poder ter filhos. E George, levado por um momento de fúria, resolvera encerrar aquela fantasia, levando Martha as mais doloridas lágrimas que a trouxeram de volta à realidade.

Com excelentes atuações, um roteiro excepcional e a direção eficiente de Mike Nichols, “Quem tem medo de Virginia Woolf?” é um drama sufocante, que faz um estudo complexo de dois personagens destrutivos e nos conduz com intensidade até o seu desfecho perturbador. Explorando os pontos fracos dos “oponentes” sem piedade e aproveitando as mais íntimas confissões de cada um deles, os personagens do longa demonstram o quanto o ser humano pode ser cruel. Afinal, ninguém pode nos ferir mais do que aqueles que tanto sabem sobre nós.

PS: Se quiser ler um texto interessante a respeito do filme no blog do meu amigo Achilles, clique aqui.

Texto publicado em 02 de Setembro de 2011 por Roberto Siqueira

A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM (1967)

(The Graduate)

 

Videoteca do Beto #41

Dirigido por Mike Nichols.

Elenco: Anne Bancroft, Dustin Hoffman, Katharine Ross, William Daniels, Murray Hamilton, Elizabeth Wilson, Brian Avery, Walter Brooke, Norman Fell, Alice Ghostley e Richard Dreyfuss.

Roteiro: Calder Willingham e Buck Henry, baseado em livro de Charles Webb.

Produção: Mike Nichols e Lawrence Turman.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

O momento de transição da juventude para a vida adulta é o fio condutor desta deliciosa e importante comédia dirigida por Mike Nichols, que teve papel fundamental na história do cinema na época de seu lançamento ao abordar um tema corajoso para o período. Extremamente bem conduzido por Nichols, “A primeira noite de um homem” ainda foi responsável pelo lançamento de uma dos grandes atores de Hollywood, o talentoso Dustin Hoffman, se estabelecendo como uma comédia de humor refinado, capaz de causar grande empatia com o público em geral.

Após se formar na faculdade, Benjamin Braddock (Dustin Hoffman) retorna para casa, completamente indeciso quanto ao seu futuro. Em meio à festa de recepção, uma amiga de meia-idade de seus pais (Anne Bancroft) pede para que o garoto a leve pra casa, somente para seduzi-lo assim que eles chegam à residência. Os problemas só aumentam quando Benjamin se interessa pela filha dela, a bela Elaine Robinson (Katharine Ross).

Para entender corretamente o papel histórico de “A primeira noite de um homem” é preciso contextualizar seu lançamento. O cinema vivia em 1967 o fim da era dos grandes estúdios. O público ansiava por filmes mais baratos, que retratassem a realidade e focassem em personagens de carne e osso, ao invés dos politicamente corretos seres humanos da era anterior de Hollywood. Ou seja, personagens que tivessem dúvidas, dilemas e que enfrentassem dificuldades, o que causaria a empatia e a identificação com o espectador. E o longa de Mike Nichols atendia perfeitamente este anseio geral. O roteiro inventivo de Calder Willingham e Buck Henry (baseado em livro de Charles Webb) explora muito bem os inúmeros problemas criados pelo envolvimento entre o jovem Benjamin e a Sra. Robinson, provocando diversas situações inusitadas. Aproveita ainda as inúmeras possibilidades que a situação oferece para fazer excelentes piadas, como quando a Sra. Robinson pergunta se Benjamin não se esqueceu de nada e ele responde que gostaria de agradecê-la pelo que está fazendo, somente para ouvir em seguida: “O número do quarto. Eu preciso saber”. Existem muitos outros momentos bem humorados que vale a pena citar, como a cena em que Elaine sugere o Hotel Taft e Benjamin quase bate o carro, seguida pela engraçada seqüência em que os funcionários do Hotel cumprimentam o rapaz (“Olá Sr. Gladstone!”). Além disso, o roteiro aborda um tema comum à maioria dos jovens: a dúvida e o medo que sentimos quando deixamos os estudos para finalmente entrar na vida adulta. Pra completar, a empatia que o filme provoca no público se consolida através da deliciosa trilha sonora de Dave Grusin e Paul Simon, repleta de músicas leves e marcantes, que chegam até mesmo a ter um tom melancólico.

Entre o elenco, vale destacar a maravilhosa atuação de Dustin Hoffman. Na época com trinta anos, mas vivendo um personagem com vinte e um, Hoffman demonstra muito bem o nervosismo e a tensão de Benjamin através da respiração ofegante e do olhar nunca fixo. Repare sua empolgação quando ouve a Sra. Robinson contar que Elaine foi concebida em um Ford (“Um Ford!”). Anne Bancroft também tem uma excelente atuação como a madura e decidida Sra. Robinson. Ciente da inexperiência do rapaz, ela não economiza nos artifícios para seduzi-lo e consegue o que deseja. Vale observar a perfeita composição da personagem, através da sexy voz rouca, dos olhares nada tímidos e dos sensuais movimentos femininos, como as passadas de mão no cabelo. Fechando os destaques principais, Katharine Ross vive Elaine com bastante charme, além de transmitir com competência o dilema vivido pela garota, que ama Benjamin, mas não sabe como lidar com a estranha situação que o relacionamento envolve. Vale citar ainda Murray Hamilton como o inocente Sr. Robinson, que leva muito tempo até perceber o caso existente entre sua esposa e o jovem rapaz, comprometendo (como era de se esperar) a intenção das duas famílias de casar Benjamin e Elaine.

Tecnicamente, “A primeira noite de um homem” também é bastante eficiente. A começar pela direção de fotografia de Robert Surtees, que reflete o estado psicológico de Benjamin, por exemplo, quando está em paz consigo mesmo na piscina, através de um visual colorido e iluminado, onde os raios do sol refletem na água e transmitem uma sensação de tranqüilidade, que era exatamente o que ele sentia no momento. Sam O’Steen, por sua vez, quase rouba a cena com sua espetacular montagem, que cria momentos absolutamente inesquecíveis, como os vários clipes que aparecem durante o longa, além da interessante transição da piscina para o quarto de Hotel onde Benjamin está com a Sra. Robinson, que demonstra a passagem de muitos meses na vida deles (“Nos encontramos há meses e nunca conversamos”). Quando Benjamin vive sua primeira experiência sexual, o belo clipe e a linda trilha sonora simbolizam muito bem este importante momento na vida daquele jovem. Em seguida, o close em seu olhar fixo para a TV confirma: aquele é um momento de extrema satisfação e realização pessoal.

E finalmente chegamos ao grande destaque do longa. A impecável direção de Mike Nichols é perceptível logo nas primeiras cenas, quando o diretor utiliza muitos closes no rosto de Hoffman e dos convidados, demonstrando como o rapaz se sentia intimidado naquele ambiente, sufocado pelas pessoas à sua volta. Na casa dos Robinson, Nichols cria o plano em que Benjamin diz célebre frase “Sra. Robinson, você está tentando me seduzir!”, e a concepção visual da cena é perfeita, com as pernas dela envolvendo o rapaz completamente, como se estivesse arrastando-o para sua armadilha sexual. Mas a criatividade de Nichols não para por aí. Observe a forma criativa com que o diretor nos mostra as sensações de Benjamin quando está com a roupa de mergulhador, até mesmo contando com o som para indicar a respiração dele, claramente embaraçado com a situação. Repare sua inteligência ao compor o plano em que Benjamin conta a verdade para Elaine, onde tudo é indicado através dos olhares, sem a necessidade de dizer qualquer palavra. Em outro momento, quando Benjamin vai até a universidade atrás de Elaine, o zoom out o diminui em cena, demonstrando visualmente sua fraqueza naquele instante, além de indicar o quanto ele estava perdido no meio daquelas pessoas. Novamente o momento é acompanhado de um belo clipe e de uma linda canção. Mais adiante, Nichols reforça sua criatividade no plano em que observamos a angústia de Elaine ao perceber que Benjamin, em segundo plano e do lado de fora do ônibus, corre para alcançá-la. Finalmente, repare como o diretor ilustra sensações e sentimentos através de pequenos detalhes, como no momento em que Benjamin está se barbeando e faz uma pequena pausa com uma pergunta de sua mãe, demonstrando seu desconforto com aquela situação. Esta percepção do diretor se torna ainda mais evidente nos momentos de tristeza de Benjamin, quando o rapaz procura olhar para o aquário, como se fosse um daqueles peixes, triste por estar preso em uma situação sem saída. Curiosamente, nos momentos felizes ele normalmente está relaxado dentro da piscina, como se Benjamin estivesse se adaptando à nova realidade e se conformando com ela.

O final engraçado e alto astral fecha muito bem esta comédia leve que aborda um tema corajoso para a época, onde os filmes não costumavam demonstrar os problemas normalmente enfrentados pelas pessoas. A sensação de bem estar predomina no espectador, que acompanha o drama do jovem garoto e sofre junto com ele até o alegre desfecho da narrativa. Mérito da excelente direção de Nichols, das ótimas atuações do elenco e do belo roteiro. Por tudo isso, adicionado ainda ao contexto histórico e a importância que teve em seu lançamento, “A primeira noite de um homem” se confirma como uma deliciosa comédia, extremamente inteligente e agradavelmente próxima da realidade.

Texto publicado em 31 de Janeiro de 2010 por Roberto Siqueira