(Chariots of Fire)
Filmes em Geral #93
Vencedores do Oscar #1981
Dirigido por Hugh Hudson.
Elenco: Ben Cross, Ian Charleson, Ian Holm, Alice Krige, Nicholas Farrell, John Gielgud, Cheryl Campbell, Lindsay Anderson, Nigel Davenport, Dennis Christopher e Richard Griffiths.
Roteiro: Colin Welland.
Produção: David Puttnam.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Se você já assistiu qualquer edição dos Jogos Olímpicos ou viu alguma matéria a respeito, certamente também já ouviu a música tema de “Carruagens de Fogo”, mesmo que jamais tenha assistido um minuto sequer do longa vencedor do Oscar de 1982 dirigido por Hugh Hudson. Emblemática, a canção se imortalizou como um dos símbolos da maior competição esportiva do mundo, graças à composição simultaneamente graciosa e imponente do grego Vangelis. É uma pena, portanto, que mesmo apresentando qualidades, no fim das contas o filme seja apenas mais uma entre tantas outras histórias de superação no esporte.
Escrito por Colin Welland, “Carruagens de Fogo” narra a história dos jovens Harold Abrahams (Ben Cross) e Eric Liddell (Ian Charleson), que se destacam nas competições nacionais e acabam sendo convocados para os Jogos Olímpicos de 1924, em Paris. O escocês Eric é missionário e afirma correr em nome de Deus, enquanto Abrahams, inglês descendente de judeus, corre para conquistar a fama e, desta forma, aliviar o preconceito que sofre por sua origem. Derrotado por Eric numa disputa caseira, Abrahams decide contratar o treinador Sam Mussabini (Ian Holm), o que desagrada os líderes da faculdade onde ele treina.
Ainda que o fio condutor da narrativa seja a competição entre Eric e Abrahams, “Carruagens de Fogo” tem uma abordagem mais intimista que toca em outros temas interessantes como a xenofobia e o preconceito contra os judeus, responsável pelo sofrimento de Abrahams evidenciado num jantar com Sybil (Alice Krige), e também contra outros povos, evidente na rejeição dos supervisores de Cambridge ao treinador Sam Mussabini, descendente de italianos e árabes. “Sou inglês em primeiro e último lugar”, afirma Abrahams em certo momento, ilustrando sua preocupação em ser aceito numa sociedade extremamente preconceituosa. Ilustrando este sofrimento de maneira convincente, Ben Cross leva bem o papel, demonstrando ainda a determinação do personagem em sua busca constante pela vitória, que é também uma das marcas de seu concorrente. Essencial nesta busca, o treinador Sam conta com o carisma de Ian Holm, que rouba a cena sempre que surge, passando muita confiança no que diz e convencendo tanto Abrahams quanto o espectador de que ele conhece muito sobre o assunto.
Evidenciando o peso da religião em sua formação, o Eric de Ian Charleson tenta conciliar sua fé com o prazer pelo esporte, equilibrando-se numa corda bamba emocional que constantemente faz com que ele tenha dúvidas sobre o caminho que deve seguir. Ilustrando este conflito através do semblante e do jeito introspectivo, o ator se sai bem, especialmente quando Eric decide abrir mão de competir no sábado, mostrando-se firme diante do irritado presidente da confederação britânica, num momento que provoca reflexão sobre até onde o estado pode interferir na fé pessoal e vice-versa. Fechando o elenco, temos as mulheres que, de maneiras distintas, interferem no desempenho dos dois atletas centrais. Enquanto Alice Krige confere charme a sua Sybil e se torna mais do que uma namorada para Abrahams, funcionando como conselheira e amiga nos momentos difíceis, a fanática religiosa Jennie interpretada por Cheryl Campbell só colabora para aumentar o dilema do irmão Eric, demonstrando seguir a religião mais por medo do que por convicção – algo que, convenhamos, não é tão incomum.
Conduzindo a trajetória de Eric e Abrahams em paralelo na primeira metade do longa, o diretor Hugh Hudson foca mais nos personagens e em seus dilemas do que na competição entre eles, o que confere um ritmo lento que eventualmente é quebrado pelas competições e, ao mesmo tempo, nos prepara para o encontro deles nos esperados Jogos Olímpicos. Para isto, ele conta com a montagem de Terry Rawlings, que não consegue fugir da abordagem episódica, utilizando até mesmo letreiros para indicar a passagem do tempo e saltar de 1978 para 1924 e, em seguida, para 1919, sobressaindo-se apenas em momentos especiais como os treinamentos e as competições oficiais. Da mesma forma, são raros os momentos em que a direção de Hudson chama a atenção, como quando a câmera passeia pelos personagens na chegada dos alunos a Cambridge. E de tanto utilizar a câmera lenta, Hudson acaba esvaziando o impacto desta técnica no terceiro ato, desgastando o efeito ao longo da projeção.
Por sua vez, os figurinos de Milena Canonero reproduzem com precisão os uniformes utilizados pelos atletas na época e, auxiliados pelos cenários detalhados em Cambridge e pelos carros antigos (design de produção de Jonathan Amberston, Len Huntingford, Anna Ridley e Andrew Sanders), nos jogam para dentro dos anos 20, da mesma forma que o estádio pequeno e os impecáveis trajes formais do público evocam a atmosfera dos primeiros Jogos Olímpicos nas disputas oficiais. Captando esta atmosfera, a fotografia de David Watkin aposta em cores claras e cenas diurnas, destacando-se também nos belos planos que realçam a beleza dos campos escoceses.
Entretanto, o grande destaque – não apenas da parte técnica, mas de todo o filme – fica para a trilha sonora magistral e inesquecível do ótimo Vangelis, que se tornou um dos símbolos das Olimpíadas com o passar dos anos. Surgindo de maneira econômica, a trilha pontua momentos marcantes dos atletas nas competições através de variações interessantes, utilizando o tema principal somente na abertura e no encerramento de “Carruagens de Fogo”, enquanto acompanhamos aqueles jovens correndo pela praia. Certamente, este casamento perfeito entre som e imagem é um dos melhores momentos do longa, já que, apesar da construção gradual da narrativa, o clímax está bem longe de ser empolgante, nem tanto por ser previsível, mas principalmente devido à condução burocrática de Hudson, que repete a câmera lenta exatamente como fez em todo o filme, com exceção da primeira vez em que acompanhamos Abrahams nas finais dos cem metros rasos – e que, exatamente por isso, é a corrida que mais empolga no ato final.
Ainda que saia da mesmice ao abordar temas interessantes como a xenofobia e o fanatismo religioso e ganhe créditos por priorizar os personagens e não as competições, a belíssima trilha sonora de Vangelis é mesmo o que “Carruagens de Fogo” tem de melhor.
Texto publicado em 17 de Dezembro de 2012 por Roberto Siqueira
que assunto pessoal trata de um dos corredores tendo q fazer uma escolha ? q escolha e essa ?
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É um filme sensacional.
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Acho que não só a trilha… O fato de o filme narrar a vida, histórias reais, sem ao menos nos darmos conta de que, realmente, são reais, é o que conta… A fotografia, o roteiro, som, direção, arte… É um espetáculo…!
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Considero que além da linda trilha sonora, a cenografia,e a fotografia, aliada ao roteiro delicado também tenham contribuído para o sucesso do filme “Carruagens de Fogo”. Criou a verossimilhança necessária ao envolvimento do público com todas as nuances já descritas por você, ainda que de maneira subliminar.
Acho o filme emblematico
Abraços
Marise
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Que legal Marise.
Abraço e obrigado pelo comentário.
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