O PACIENTE INGLÊS (1996)

(The English Patient)

Videoteca do Beto #142

Vencedores do Oscar #1996

Dirigido por Anthony Minghella.

Elenco: Ralph Fiennes, Kristin Scott Thomas, Juliette Binoche, Willem Dafoe, Naveen Andrews, Colin Firth, Julian Wadham e Jürgen Prochnow.

Roteiro: Anthony Minghella, baseado em romance de Michael Ondaatje.

Produção: Saul Zaentz.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Sucesso de crítica e público na época de seu lançamento, “O Paciente Inglês” sofreu com a síndrome dos vencedores do Oscar nos anos seguintes, sendo massacrado por boa parte dos cinéfilos sob a acusação de ser “chato demais”. Esta afirmação, no entanto, não poderia estar mais longe da verdade. Apresentando um tom solene e elegante que casa muito bem com os grandes épicos, o longa dirigido por Anthony Minghella utiliza os efeitos da guerra e o nacionalismo exacerbado que surge nestas épocas para narrar uma complexa e trágica história de amor.

Considerada uma obra complicada de se adaptar para o cinema devido a sua estrutura narrativa complexa, baseada nos pensamentos de seu protagonista que não seguem ordem cronológica alguma, “O Paciente Inglês” era um dos grandes sonhos do aclamado produtor Saul Zaentz (“Um Estranho no Ninho”, “Amadeus”), que incumbiu a Anthony Minghella a missão de escrever e dirigir o roteiro baseado no romance de Michael Ondaatje. Abordando épocas e cenários distintos numa história que se passa antes, durante e depois da segunda guerra mundial, o longa tem inicio quando a enfermeira Hana (Juliette Binoche) recebe um misterioso homem que teve o corpo totalmente queimado durante a queda de seu avião e que, por não lembrar a sua origem, foi apelidado de paciente inglês (Ralph Fiennes). Entretanto, ele carrega um livro repleto de recortes que ajudam a recordar o passado, trazendo a tona lembranças de seu relacionamento amoroso com Katharine (Kristin Scott Thomas), a esposa de seu amigo Geoffrey (Colin Firth) que ele conheceu durante uma expedição pelo norte da África. Mas quando David Caravaggio (Willem Dafoe) chega ao local, o paciente passa a enfrentar recordações que ele gostaria de ter esquecido.

Deslumbrante visualmente, “O Paciente Inglês” poderia simplesmente se apoiar nos aspectos técnicos para chamar a atenção, mas felizmente Minghella soube explorar a história que o inspirou e, com o auxilio do próprio Ondaatje, construiu uma narrativa que se baseia na força dos seus personagens. Para isso, o diretor apostou num elenco talentoso e coeso, obtendo um resultado impressionante que torna a tarefa de indicar os destaques do longa numa missão ingrata. Comecemos pela trama do passado. Indicando que a falta de atenção do marido poderia motivar sua traição desde sua primeira aparição na qual conta a história do rei Giges, Katharine é uma mulher sensual e decidida, que não hesita em tomar a iniciativa e procurar o conde Almàsy (nome verdadeiro do personagem título) sem jamais soar oferecida ou desesperada. Conferindo com precisão esta personalidade forte à personagem, a ótima Kristin Scott Thomas entrega uma performance elogiável, acertando no tom e oscilando com destreza entre os momentos em que precisa agir com sobriedade, especialmente ao lado do marido, e aqueles em que pode se entregar à paixão tórrida e avassaladora, como quando reencontra Almàsy durante uma festa. Aliás, ao criarem uma relação realista através da aproximação lenta e da maneira crua com que se entregam aos desejos quando podem, Thomas e Fiennes tornam seus personagens mais humanos, aproximando-os da plateia e fugindo dos clichês básicos de alguns épicos, que costumam enfeitar demais a vida romântica de seus protagonistas.

No outro vértice do triangulo amoroso temos Geoffrey, um homem aparentemente despreocupado mesmo sendo o único que viaja acompanhado no grupo, mas que demonstra sutilmente o incômodo diante da troca de olhares entre Katharine e Almàsy, ainda que raramente tenha força para questionar a esposa ou lutar por ela – e é justamente nesta ambiguidade que reside à força da atuação de Colin Firth, que raramente permite ao espectador perceber o que ele de fato está pensando, o que é essencial, por exemplo, para que a finalidade de sua viagem revelada por Katharine em determinado momento tenha impacto e para que a plateia tenha dúvida sobre o quanto ele sabe do caso extraconjugal de sua mulher.

Personagem central da narrativa, o complexo conde Laszlo de Almàsy é interpretado pelo ótimo Ralph Fiennes, que demonstra a ambiguidade do paciente com competência desde os primeiros instantes, quando ilustra sua dor ao falar com muita dificuldade e agonizar na maior parte do tempo, mas ainda assim se mostra forte o bastante para questionar seu interrogador (“Meus órgãos estão parando, que diferença faz…?”) e reclamar do barulho para Hana (“Pensei que o exército alemão tinha chegado”). Funcionando como ponte entre as diferentes épocas abordadas, Almàsy ganha vida mesmo quando surge imóvel na cama, o que é mérito da boa atuação de Fiennes – aliás, seu rosto desfigurado revela também o ótimo trabalho de maquiagem. E se mesmo imóvel e com o rosto desfigurado ele consegue transmitir emoções distintas como a dor, a saudade e a alegria, quando está livre destas amarras (ou seja, no passado) o ator não tem nenhuma dificuldade para expressar os sentimentos conflituosos do personagem, destacando-se em sequências especiais como quando surge bêbado num jantar, escancarando sua dor após afastar-se de Katharine.

No entanto, o sofrimento não está restrito aos personagens do passado. Após perder o namorado e uma grande amiga na guerra, a enfermeira Hana busca conforto no trabalho, focando seus esforços no tratamento do misterioso paciente. Demonstrando seu grande talento sempre que surge em cena, Binoche cria uma personagem adorável, que esconde seu lado carinhoso e emotivo, já tão castigado pela guerra, sob a carcaça de mulher dedicada e batalhadora, roubando a cena praticamente todas as vezes que aparece. Já William Dafoe empresta seu ar sempre ameaçador a David Caravaggio, mas escapa do maniqueísmo em momentos singelos, como quando demonstra preocupação com o choro de Hana ou quando se compadece ao descobrir as razões da traição de Almàsy. Finalmente, vale citar a presença de Naveen Andrews, eternizado anos depois como o Sayid da série “Lost”, que confere leveza e carisma ao especialista em desarmar bombas Kip.

Captado de maneira exemplar pela bela fotografia de John Seale, o deserto desempenha papel importante na narrativa, oscilando entre momentos de beleza estonteante e outros onde surge ameaçador, como numa tempestade de areia que soterra um carro da expedição. Ciente disto, Minghella demonstra preocupação não apenas com a estética, mas também com detalhes importantes que conferem realismo a narrativa, como ao fazer com que os personagens surjam bebendo água em diversos momentos. Da mesma forma, o design de produção de Stuart Craig acerta em cheio na escolha das locações, ambientando perfeitamente o espectador ao período da guerra através de lugares como o monastério parcialmente destruído na Itália, assim como colaboram os figurinos de Ann Roth, que surgem impecáveis em sua diversidade, através dos uniformes dos soldados ingleses e alemães, das roupas árabes e dos elegantes ternos dos integrantes da expedição. E se os efeitos visuais são discretos, o mesmo não se pode dizer do design de som, que permite captar com precisão desde barulhos mais sutis como a respiração de Almàsy até os sons mais chamativos como as hélices dos aviões e as bombas que explodem – uma delas, em especial, tem a função narrativa de informar a morte de um importante personagem.

Conduzindo as duas linhas narrativas de maneira igualmente competente, Minghella emprega um tom contemplativo típico dos grandes épicos, permitindo que o espectador desfrute das lindas imagens que surgem na tela com tranquilidade. Ainda assim, a trama que envolve Katharine e Almàsy soa levemente mais atrativa ao misturar elementos como guerra, paixão e traição de maneira envolvente, ao passo em que a trama no presente concentra sua força no carisma de Hana e no mistério envolvendo as intenções de Caravaggio. A montagem de Walter Murch, aliás, é o grande destaque da parte técnica, alternando entre o passado e o presente de maneira orgânica e permitindo que o espectador acompanhe as tramas paralelas de maneira clara e sem jamais tornar a narrativa cansativa. Além disso, Murch cria transições muito elegantes, como quando as deformações no terreno do deserto se transformam nas ondas irregulares dos lençóis do paciente ou quando Katharine passa os dedos no vidro do carro e lentamente o segundo plano traz o rosto desfigurado de Almàsy no presente, dando a sensação de que ela está acariciando o rosto dele.

Estes belos momentos surgem em profusão em “O Paciente Inglês”. Observe, por exemplo, a linda cena do voo dos aviões no início da exploração, que parece indicar no tom melancólico da bela trilha sonora de Gabriel Yared o futuro trágico daquele triangulo amoroso. Mas, se é repleto de momentos inspiradores, como quando Kip espalha velas pelo chão e indica o caminho para Hana ou quando ele a leva numa capela para ver de perto as pinturas na parede, “O Paciente Inglês” também tem seus momentos de tensão, dentre os quais vale destacar a cena em que Kip desarma uma bomba durante a chegada dos tanques norte-americanos, que comemoram a rendição germânica. Finalmente, Minghella encontra espaço até mesmo para pequenos alívios cômicos que são conduzidos com uma leveza desconcertante, como quando Hana, Kip e Caravaggio levam Almàsy para debaixo da chuva, realizando um desejo dele e arrancando o riso genuíno do espectador.

Chegamos então ao emocionante terceiro ato de “O Paciente Inglês”, que reúne toda a beleza plástica do longa numa sequência também carregada dramaticamente, onde as razões para a traição de Almàsy são reveladas, deixando a plateia tão perplexa quanto aqueles que ouvem sua versão. Ao acompanharmos aquele homem enfrentando os mais cruéis obstáculos enquanto luta para cumprir sua promessa, o espectador se comove naturalmente, num final poético que foge do melodrama e mantém-se fiel ao tom empregado em todo o filme. Ele traiu seu grupo e o seu país pelo amor de Katharine e nós não podemos julgá-lo por isso, assim como não podemos julgar a reação intempestiva do marido traído. Assim somos nós, seres humanos repletos de falhas e virtudes.

Utilizando a guerra como pano de fundo para narrar uma bela história de amor, “O Paciente Inglês” é um bom representante dos épicos clássicos, que conseguem ser apaixonantes e grandiosos na medida certa. Talvez a chuva de prêmios que recebeu tenha prejudicado sua trajetória ao longo dos anos. Entretanto, se não mereceu sair ovacionado na noite do Oscar, o longa também não merece o injusto tratamento que recebeu após aquela noite.

Texto publicado em 18 de Novembro de 2012 por Roberto Siqueira

A FRATERNIDADE É VERMELHA (1994)

(Trois Couleurs: Rouge)

 

Videoteca do Beto #99

Dirigido por Krzysztof Kieslowski.

Elenco: Irene Jacob, Jean-Louis Trintignant, Jean-Pierre Lorit, Teco Celio, Jean Schlegel, Frédérique Feder, Juliette Binoche, Benoít Régent, Julie Delpy, Zbigniew Zamachowski, Samuel Le Bihen e Marion Stalens.

Roteiro: Krzysztof Kieslowski e Krzysztof Piesiewicz.

Produção: Marin Karmitz.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após falar sobre a liberdade e a igualdade, Krzysztof Kieslowski encerra a excelente trilogia das cores com este “A Fraternidade é Vermelha”, abordando o tema da amizade através da relação sincera entre um juiz aposentado e uma jovem modelo. Mantendo o apuro visual e a sensibilidade dos outros dois filmes, o longa apresenta ainda um fechamento perfeito para a trilogia, que amarra toda a narrativa com elegância e deixa o espectador com a sensação de que toda a jornada realmente valeu a pena.

A modelo Valentine (Irene Jacob) atropela um cachorro e descobre, através do endereço em sua coleira, que o cão pertence a um juiz aposentado (Jean-Louis Trintignant). Ao devolver o animal, ela descobre também que o juiz tem o estranho hábito de escutar as conversas telefônicas de seus vizinhos, o que provoca repulsa na garota. Mas, com o passar do tempo, eles acabaram desenvolvendo uma bela amizade, que passaria por cima dos defeitos de cada um.

Após empregar um tom bastante melancólico em “A Liberdade é Azul” e flertar com o bom humor (na realidade, humor negro) em “A Igualdade é Branca”, Krzysztof Kieslowski equilibra tudo neste “A Fraternidade é Vermelha”, que narra à história da alegre Valentine e do amargo juiz aposentado que ela conhece. E depois da direção econômica de “A Igualdade é Branca”, Kieslowski volta a empregar movimentos de câmera muito elegantes, como os travellings que saem da rua e vão até os apartamentos de Valentine e Auguste (Jean-Pierre Lorit) no inicio do filme e logo após ela sair chorando da casa do juiz, além dos curiosos planos subjetivos que acompanham o som através dos fios de telefone na abertura do longa, indicando a importância deste aparelho na trama, ou o plano do farol do carro dela, momentos antes do atropelamento que mudaria tantos destinos. O diretor cria ainda belos planos, como quando Valentine recusa o beijo do fotógrafo (Samuel Le Bihen) sob o domínio das sombras na tela ou durante o ensaio fotográfico da garota, além de apresentar um interessante movimento de câmera, simulando a queda do livro que ajudou o juiz a passar numa importante prova no passado. E assim como nos filmes anteriores, Kieslowski repete o curioso momento em que uma velinha tenta jogar uma garrafa no lixo. Só que aqui, ao contrário de Karol e Julie, Valentine ajuda a velha senhora, numa ação que reflete sua própria felicidade, o que não acontecia com os outros dois personagens citados. O que a velinha estava fazendo em Genebra se nos outros dois filmes ela estava em Paris? Não importa. Como já afirmei antes, vejo o cinema de Kieslowski como um cinema de sensações. Não precisamos entender certas coisas, apenas sentir. E são as sensações provocadas no espectador e os sentimentos dos personagens que ligam os três filmes, não apenas a história deles.

Mantendo o apuro visual e o rigor estético da trilogia, a excelente fotografia de Piotr Sobocinski obviamente destaca o vermelho neste último filme, completando as cores da bandeira francesa e o lema da revolução. Além disso, a ótima direção de arte espalha pela narrativa diversos objetos vermelhos, como a fachada do café na rua, o carro de Auguste, a saia de Valentine na academia, os assentos do teatro, os detalhes das fotos no ensaio dela e, principalmente, o fundo da foto da propaganda de chicletes protagonizada pela garota. Além disso, a velha e mal cuidada casa do juiz, pouco iluminada e com cores sem vida, reflete a personalidade sombria de seu dono, que fica evidente quando ao ouvir Valentine dizer pra ele que “só falta parar de respirar”, o juiz responde que “é uma boa idéia”. Também mantendo o padrão da trilogia, a trilha sonora de Bertrand Lenclos é bela e econômica, pontuando apenas alguns momentos especiais, como o choro de Valentine após ouvir o juiz falar do problema de seu irmão com as drogas ou quando o tom sombrio da trilha acompanha a escalada de Auguste no apartamento da ex-namorada Karin (Frédérique Feder), momentos antes de vê-la transando com outro pela janela.

Com inteligência, o roteiro escrito por Krzysztof Kieslowski e Krzysztof Piesiewicz intercala as histórias de Valentine e Auguste, duas pessoas que sequer se conhecem, mas que se cruzam pelo caminho em diversos momentos da vida, e acertadamente mantém o foco da narrativa na garota, o que é mérito também da excelente montagem de Jacques Witta, que emprega um ritmo mais dinâmico que o adotado em “A Liberdade é Azul” e mais lento que o empregado em “A Igualdade é Branca”, reforçando o tom equilibrado de “A Fraternidade é Vermelha”. Desta forma, podemos acompanhar a trajetória da bela Valentine, interpretada por Irene Jacob, que se sai bem com seu jeito dócil, bastante coerente com a espirituosa personagem. Sempre sorridente e apaixonada pelo ciumento namorado Michel (que está viajando), Valentine transforma o velho juiz com seu espírito alegre e a atriz demonstra isto com competência em seu semblante. Esta mudança começa no momento em que Valentine atropela um cachorro, que ela descobriria ser do cético juiz, iniciando um relacionamento que se transformaria numa grande amizade em pouco tempo. Só que a relação não começa bem. Ao descobrir que o juiz escuta as conversas telefônicas dos vizinhos, ela decide contar para um deles (que tem um caso extraconjugal), mas desiste da idéia ao ver a família do homem na casa. Em seguida, o juiz fala sobre os problemas do irmão dela e Valentine desaba, num choro que faria o juiz se arrepender e se entregar, desencadeando diversas mudanças na vida deles e de outros personagens. Jean-Louis Trintignant também está muito bem, demonstrando a amargura do velho juiz em sua voz e seu semblante pesado, se transformando lentamente através do convívio com Valentine. Traumatizado pela profissão que escolheu e pelas decisões que tomou no passado, o juiz tenta justificar sua atitude ao dizer que antes não sabia quem estava certo, mas agora sabe quem tem razão, graças à escuta telefônica. Este trauma fica ainda mais evidente quando ele afirma, numa conversa tocante com Valentine, que poderia ter feito como no caso do marinheiro absolvido (que era culpado), que acabou construindo uma família depois (“Quantos outros eu poderia ter salvado?”, questiona). Mas, de alguma forma misteriosa, o juiz se comove com a reação de Valentine e se entrega, provocando a revolta dos vizinhos, que começam a atirar pedras na casa dele. Só que ele não guarda mágoa. Parece compreender aquelas pessoas e até guarda as pedras, como uma espécie de troféu, que simboliza sua atitude corajosa ao se entregar (“No lugar deles eu faria a mesma coisa”, diz, se referindo também aos que foram condenados por ele no passado). E nestas enormes coincidências da vida (o tema principal da trilogia), a decisão do juiz transformaria também a vida de Auguste, agora formado e responsável por julgar o caso do velho juiz, que, por sua vez, determinou o fim de seu namoro ao decidir se entregar – algo indicado num plano sutil no boliche, quando um travelling para a esquerda revela um copo de cerveja quebrado e o local abandonado (momentos antes, nós acompanhamos Auguste e a namorada combinando a ida ao boliche, mas ele não compareceu e ela acabou conhecendo outro homem).

Como podemos notar, a presença do acaso é ainda mais forte neste terceiro filme da trilogia. O que teria acontecido com todas aquelas pessoas se Valentine não tivesse atropelado o cachorro? Nunca saberemos. Kieslowski parece acreditar que a vida é feita de uma sucessão de coincidências, moldadas por uma força maior, que podemos interpretar como Deus, como destino ou como o que quer que seja. Mas o fato é que nos três filmes, acreditamos estar vendo pessoas reais e não personagens, que enfrentam problemas do cotidiano e que estão sujeitas ao acaso, seja este um acidente de carro, uma amizade feita no metrô ou uma amizade que surge de um atropelamento. E a verdade é que a amizade entre Valentine e o velho juiz se consolida naturalmente, como acontece na vida e não como usualmente acontece nos filmes. A prova da consolidação da amizade acontece quando o juiz vai assistir ao desfile de Valentine, onde uma conversa franca entre eles revelará muito sobre aquele homem. A traição da esposa o deixou amargo, mas, em outra coincidência da vida, o homem que conquistou sua mulher seria julgado e condenado por ele, que se aposentaria logo em seguida. Nesta mesma conversa, a linha tênue entre a amizade e o amor fica evidente quando o juiz diz que talvez não tenha conhecido Valentine na época certa, ao falar dos traumas amorosos do passado. Ao associar a cor vermelha, que simboliza a paixão, ao filme que aborda o tema da amizade, “A Fraternidade é Vermelha” parece dizer que a distancia entre o sentimento de amor e o de amizade não é tão grande assim. São sentimentos que exigem comprometimento, respeito, compreensão, admiração e muitas outras qualidades, e só se diferenciam pela questão da atração física, nada mais.

E assim como no boliche, um close num copo (agora no teatro) indica um evento futuro, revelando a tempestade que se aproxima e que ligará definitivamente os personagens dos três filmes. E da mesma forma que Valentine sabe que o juiz se entregou através de uma notícia no jornal, é no jornal que ele lê sobre a tempestade e a tragédia envolvendo a balsa na qual Valentine viajava no canal da Mancha, que também afundou um iate, com a ex-namorada de Auguste e seu novo parceiro. Observe novamente a sutileza da narrativa ao abordar as surpresas do destino, ao constatar que o sofrimento de Auguste por perder a namorada agora se transformaria em alívio ao descobrir que era ele quem deveria estar no iate ao lado dela. E é aí que a trilogia das cores se torna ainda mais intrigante e a razão para a escolha destas três histórias faz ainda mais sentido, quando os sete sobreviventes do acidente da balsa são anunciados na televisão. São eles: Julie, Karol, Dominique, Olivier, o barman Steven, o juiz Auguste e Valentine. É mágico ou não é? Kieslowski amarra toda a trilogia com elegância e, pra completar, compõe um plano belíssimo com a imagem de Valentine saindo do barco, que remete ao cartaz da propaganda que ela fez e encerra a trilogia das cores.

Tratando de seres humanos, com qualidades e defeitos, e também do acaso (ou destino) que afeta todos nós, a bela trilogia das cores é cinema da mais alta qualidade, destes que não explicam muita coisa, preferindo deixar o espectador interpretar cada obra à sua maneira. Com sensibilidade e competência, Kieslowski fecha sua trilogia nesteA Fraternidade é Vermelha”, questionando os valores da revolução francesa e mostrando que os seres humanos são imperfeitos, mas é justamente nesta imperfeição que está a graça de todos nós, seres capazes de amar e odiar, chorar e sorrir, se alegrar e sofrer. Isto nada mais é do que viver.

Texto publicado em 29 de Junho de 2011 por Roberto Siqueira

A IGUALDADE É BRANCA (1994)

(Trois Couleurs: Blanc)

 

Videoteca do Beto #98

Dirigido por Krzysztof Kieslowski.

Elenco: Zbigniew Zamachowski, Julie Delpy, Janusz Gajos, Jerzy Stuhr, Aleksander Bardini, Jerzy Trela, Jerzy Nowak, Cezary Harasimowicz, Michel Lisowski e Juliette Binoche.

Roteiro: Krzysztof Kieslowski e Krzysztof Piesiewicz.

Produção: Marin Karmitz.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após associar a sensação de liberdade à perda no belo “A Liberdade é Azul”, Krzysztof Kieslowski resolveu abordar o segundo tema do lema da revolução francesa, através da história de um casal em separação, formado por uma jovem francesa e por um polonês. Mas, ao apostar numa narrativa mais leve e bem humorada, o diretor faz deste “A Igualdade é Branca” o filme mais fraco da trilogia, o que não significa dizer que o longa não tenha muitas qualidades.

O polonês Karol (Zbigniew Zamachowski) decide voltar à Polônia após se divorciar de sua esposa Dominique (Julie Delpy), com quem vivia em Paris. Apósvoltar à terra natal, Karol consegue ganhar muito dinheiro e decide se vingar da esposa de uma maneira bastante diferente e criativa.

Ao contrário do triste filme inicial da trilogia das cores, este “A Igualdade é Branca” apresenta uma história mais leve, apesar de também conter muitos momentos intimistas, que demonstram a dor de seu personagem principal, um homem completamente apaixonado por sua esposa, mas que não consegue consumar esta paixão sexualmente. Claramente investindo num tom mais cômico, o roteiro escrito pela dupla Krzysztof Kieslowski e Krzysztof Piesiewicz, responsável por toda a trilogia, aborda sutilmente a dificuldade que cidadãos estrangeiros enfrentam tanto em Paris como em Varsóvia (e na maioria das grandes cidades do mundo), como fica evidente na dificuldade tanto de Karol quanto de Dominique quando são interrogados fora de seu país. Quando Karol questiona se o fato de não falar francês é motivo para não ouvir seus argumentos, na realidade o longa está questionando onde está a igualdade pregada pelo lema da revolução francesa. A igualdade existe para aqueles que são iguais, não para os que são diferentes. Só que o lado crítico não tem grande destaque na narrativa, que pende mais para o bom humor que nos outros dois filmes, com muitos momentos de alivio cômico, como quando Karol diz para Mikolaj (Janusz Gajos) sobre sua esposa apontando para um prédio ao sair do metrô e Mikolaj pergunta se sua ex-esposa é “Brigitte Bardot”, por causa do cartaz de “O Desprezo” ao lado do apartamento dela. Além deste momento, podemos citar muitos outros em que o riso contido é inevitável no espectador, como quando Mikolaj diz que havia um amigo dentro da mala extraviada no aeroporto e quando Karol diz que está em casa, após apanhar muito dos homens que roubaram sua mala e o encontraram lá dentro.

Também fugindo um pouco do padrão estabelecido no longa anterior, Kieslowski apresenta uma direção convencional, com poucos movimentos de câmera estilizados, apresentando planos mais discretos e menos inspirados que nos outros dois filmes. Ainda assim, o longa inicia com um curioso plano subjetivo, que acompanha uma mala pelas esteiras de um aeroporto, intercalando com imagens do polonês Karol, que se dirige a um tribunal de Paris, onde será confirmado o seu divórcio, para sua tristeza e dor. Mas nem tudo é tão diferente em “A Igualdade é Branca” e novamente Kieslowski abusa de closes e planos mais fechados, que realçam as reações dos personagens e nos aproximam deles, além de novamente utilizar o close para destacar objetos, como um copo de vodka e uma lista telefônica. Também estão presentes os momentos que remetem aos outros filmes da trilogia, como a rápida aparição de Julie (Juliette Binoche) no tribunal e a velinha que tenta colocar uma garrafa de vidro no lixo, observada atentamente pelo triste Karol, que tinha acabado de se separar e ouvir o banco dizer que seu cartão de crédito expirou. Assim como Julie, ele não tinha forças para ajudar aquela senhora (o que não aconteceria com a protagonista do terceiro filme da trilogia), mas pelo menos Karol notou sua presença, algo que Julie não fez. Auxiliado pela montagem de Urszula Lesiak, o diretor procura manter o foco da narrativa na vida de Karol, deixando Dominique de lado na maior parte do tempo, mas faz questão de ressaltar a importância que ela ainda tem na vida dele através de pequenos momentos simbólicos, como quando Karol beija uma estátua, evidenciando sua solidão numa cena silenciosa e tocante. Aliás, o silêncio predomina grande parte da narrativa graças à ausência da trilha sonora de Zbigniew Preisner, que, por outro lado, sempre que aparece, procura ilustrar os sentimentos dos personagens, como quando embala os felizes amigos poloneses na neve, após a tocante cena em que um tiro de festim tirou a idéia de suicídio da cabeça de Mikolaj. Após o tiro de Karol, ambos estavam aliviados e prontos para seguir em frente, algo reforçado pela fotografia clara de Edward Klosinski, que destaca o branco através da neve. Aliás, mantendo o rigor estético da trilogia, a cor branca tem destaque na maior parte da narrativa, numa óbvia referência ao nome do filme (o que também contribui para o citado clima leve do longa). Ainda assim, Klosinski sabe variar do tom leve para momentos sombrios, como quando Karol caminha sozinho na beira de um rio após chegar à Polônia ou quando ele compra um cadáver para simular a própria morte. E curiosamente, ainda que priorize a cor branca, o visual pouco colorido e os figurinos tristes e sem vida, que normalmente usam cores escuras, mantém uma atmosfera melancólica sob aquela superfície bem humorada, que ilustra bem o personagem principal, feliz e bem sucedido em sua volta à Polônia, mas ainda sofrendo por sua amada esposa.

Interpretada pela bela Julie Delpy, Dominique é a mulher responsável por todo este sofrimento de Karol, que só acontece porque, após o casamento, ele não consegue consumar a relação sexualmente, fazendo com que a jovem exija a separação. Após conseguir o divórcio na justiça, ela se vê livre para buscar outra pessoa, mas ainda tem um último encontro com Karol quando volta pra casa, numa tentativa desesperada daquele homem de manter a mulher que ama – o que não acontece porque ele novamente não consegue transar com ela. Demonstrando bem o quanto Dominique ainda deseja Karol através de seu olhar, sofrendo por não tê-lo como gostaria, Delpy mistura este olhar fatal com um ar de crueldade, evidenciando que ela certamente ama Karol, mas não se conforma com a falta de sexo e por isso decide deixá-lo. Esta crueldade vem à tona quando Dominique geme enquanto conversa com o ex-marido por telefone, deixando clara a razão pela qual o deixou pra trás. Triste e deprimido, Karol acaba pedindo esmola no metrô de Paris e, ironicamente, esta atitude mudaria novamente o seu destino e o de sua mulher, pois será ali que ele conhecerá o amigo Mikolaj. Após retornar à Polônia, Karol decide recomeçar a vida e, mostrando esperteza para lidar com o mundo dos negócios, acaba comprando um terreno antes dos interessados e revendendo por um valor dez vezes maior (“Só preciso de dinheiro”, responde ao ser acusado de ser desonesto), o que lhe permite abrir uma empresa e convidar o amigo Mikolaj, cedendo 30% do negócio pra ele. Momentos antes, ele havia acabado de salvar o amigo, que estava decidido a suicidar-se e desiste da idéia após um disparo com bala de festim, numa bela cena, conduzida em câmera lenta e sem trilha sonora por Kieslowski, que, desta forma, mantém uma atmosfera fria e realista e evita o melodrama. Aliás, a amizade entre Karol e Mikolaj é vital para o sucesso da narrativa é a dupla Zbigniew Zamachowski e Janusz Gajos se sai muito bem na tarefa. Aqueles dois homens sofrem por razões diferentes, e encontram nesta amizade uma força extra para sobreviver (“Todos nós sofremos”, diz Karol, e Mikolaj responde: “Eu sei, mas quero sofrer menos”).

Só que mesmo bem sucedido, Karol ainda pensa em Dominique e sofre por ela, como atesta o momento em que liga somente para escutar sua voz – e Zamachowski demonstra bem a emoção do personagem neste momento, especialmente quando ela desliga e o deixa novamente sozinho. Sem alternativa e desesperado para chamar a atenção dela, Karol decide simular a própria morte e deixar toda sua herança para Dominique, num momento de puro humor negro que novamente atesta o tom leve de “A Igualdade é Branca”. Para isto, conta com a ajuda de Mikolaj, que retribui a ajuda de Karol na hora de sua “morte” (repare que ambos colaboram com a suposta morte do outro, mas nos dois casos eles continuam vivos). Mas quando Karol observa a tristeza de Dominique no enterro, ao invés de se sentir bem (como provavelmente imaginou que aconteceria) ele fica triste, ao constatar que ela realmente o amava e não veio apenas por causa da herança. Por isso, decide aparecer para ela no quarto, provocando um susto enorme na moça, numa cena em que vale destacar a reação verossímil de Delpy ao vê-lo, bastante assustada e confusa com o que está acontecendo. Após o susto, eles se beijam e finalmente fazem amor, num momento em que as sombras tomam conta da tela, chegando a escurecê-la completamente, mas ficando totalmente clara quando Dominique chega ao tão sonhado orgasmo, somente para voltar à escuridãoem seguida. Umplano então destaca as mãos dadas do casal, indicando uma volta da relação que não acontece, porque Karol ainda tinha o desejo de vingança dentro dele. Após o sexo, Dominique dorme em lençóis vermelhos que simbolizam a volta da paixão, mas Karol já havia sumido e armado a prisão da ex-mulher, agora suspeita de participar de sua “morte”, consumando sua vingança (que teve um sabor ainda mais especial porque ela confessou ao amigo Mikolaj que o ama no telefone).

Quando a polícia invade o quarto e prende Dominique por suspeitar de sua participação no “assassinato” do marido, temos também a chave para compreender o tema de “A Igualdade é Branca”. Assim como no julgamento de Karol em Paris, o idioma é uma barreira para Dominique, que escuta as palavras do policial em polonês e é obrigada a aguardar a tradução para o francês, numa situação inversa ao julgamento que determinou a separação do casal. Também sendo discriminada fora de sua terra natal, ela é condenada e vai para a prisão, onde é visitada por Karol a distancia. Só que ao vê-la gesticulando, dizendo que não vai fugir e vai ficar na Polônia com ele, Karol se emociona, comprovando que ainda a ama, assim como ela também o ama. Após a vingança, eles estavam “quites”, estavam “iguais” e livres novamente para amar.

Ligeiramente mais leve que os outros dois filmes da trilogia das cores, “A Igualdade é Branca” mantém as melhores características do cinema de Kieslowski, ao contar com sensibilidade a história de um casal que se ama de verdade, mas que não consegue consumar este amor por diversas situações inusitadas. Novamente, o acaso interfere na vida dos personagens, as imagens falam mais do que as palavras e as sensações transmitidas ao espectador valem mais do que qualquer outra coisa. Novamente, o diretor questiona um dos lemas da revolução francesa, mas não de maneira ácida, preferindo uma forma mais delicada e singela, em outro filme repleto de simbolismos que abre muitas possibilidades de interpretação. E novamente, é o espectador quem sai ganhando. Se Dominique e Karol agora estavam iguais, certamente os cinéfilos têm uma enorme dívida com o grande diretor polonês.

Texto publicado em 26 de Junho de 2011 por Roberto Siqueira

A LIBERDADE É AZUL (1993)

(Trois Couleurs: Bleu)

 

Videoteca do Beto #91

Dirigido por Krzysztof Kieslowski.

Elenco: Juliette Binoche, Benoít Régent, Floence Pernel, Charlotte Very, Hugues Quester, Philippe Volter, Héléne Vincent, Emmanuelle Riva e Claude Duneton – participação especial de Julie Delpy.

Roteiro: Krzysztof Kieslowski e Krzysztof Piesiewicz, baseado em história de Agnieszka Holland, Slavomir Idziak, Edward Zebrowski, Krzysztof Kieslowski e Krzysztof Piesiewicz.

Produção: Marin Karmitz.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Uma das sensações mais procuradas pelo ser humano é a liberdade. Mas, afinal de contas, o que significa ter liberdade? Será que de fato é possível alcançá-la em toda sua plenitude? Será que é possível viver sem manter vínculos? Segundo a sensível visão do excelente Krzysztof Kieslowski, a liberdade total e sem vínculos é também muito triste e isto fica evidente neste belo “A Liberdade é Azul”, que narra à história de alguém que, na busca por esquecer uma tragédia, decide livrar-se de todos os vínculos com o passado, sejam eles bens materiais, amigos ou até mesmo familiares.

A famosa modelo Julie (Juliette Binoche) decide deixar tudo que tem para trás após perder o marido (Hugues Quester) e a filha num trágico acidente de carro, numa tentativa desesperada de amenizar seu sofrimento. Mas, com o tempo, ela percebe que a vida sem ter o que ou quem se apegar pode se tornar ainda mais triste e acaba se envolvendo com seu amigo Olivier (Benoít Régent), que tenta terminar a obra inacabada de seu marido Patrice, um músico famoso internacionalmente.

Tanto na Europa como nos EUA, a cor azul normalmente é associada à tristeza, o que explica (sempre de acordo com a ótica de Kieslowski) a escolha do filme “Blue” para tratar do tema liberdade – além, é claro, da elegante combinação das cores da bandeira da França com o lema da revolução francesa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, presente nesta belíssima trilogia das cores (e vale ressaltar que, desta vez, a tradução do título em português foi extremamente feliz, algo muito raro de acontecer). Desta forma, a tão sonhada liberdade é mostrada aqui de maneira radical, sob a ótica de alguém que de fato não tem mais ao que se prender na vida. Mas, como bem diz o flautista que dorme nas ruas de Paris (Jacek Ostaszewski), Julie logo descobrirá que “é preciso agarrar-se a algo”. E, na realidade, ela até já sabia disto, como fica evidente quando sua vizinha Lucille (Charlotte Very) entra em seu apartamento e pergunta se o lustre azul é uma recordação e ela responde que “sim”. Além disso, ainda que tente se livrar de tudo, Julie mantém contato com a mãe (Emmanuelle Riva), que parece ter problemas de memória e, talvez por isso, seja a companhia ideal para a filha. E é justamente numa conversa com a mãe que ela deixa claro sua desesperada tentativa de evitar o sofrimento provocado pela perda de alguém, quando diz: “Não quero bens, presentes, amigos, amor e vínculos. Tudo isso são armadilhas”.

Na pele de Julie, Juliette Binoche tem uma atuação muito eficiente, com seu olhar gélido, sua tristeza palpável e seu semblante fechado de quem evita qualquer contato com o mundo e prefere sofrer calada. Após uma tentativa frustrada de suicídio, Julie parece entender que a única saída para aliviar seu sofrimento é livrar-se de tudo que a faz lembrar o passado e, como forma de não voltar a sentir esta terrível dor, evita se apegar a qualquer coisa, livrando-se de bens materiais e evitando novos relacionamentos – sejam estes amorosos ou de amizade. Após colocar a casa à venda e deixar os amigos antigos pra trás, ela está totalmente livre, sem nada nem ninguém para se apegar, mas esta liberdade se revelará igualmente triste. Só que antes de deixar a casa, Julie dorme com o amigo Olivier, e, no momento do beijo, a chuva que cai lá fora indica a sensação de melancolia que a acompanharia dali em diante. No dia seguinte, ela finalmente deixa tudo pra trás e vai embora, mas, no caminho, provoca ferimentos na mão, numa tentativa de aliviar a dor, que Binoche ilustra muito bem eu seu rosto sofrido. Aliás, a atriz se destaca nestes momentos que exigem sutileza, como na tocante cena em que Julie tenta acariciar o caixão de sua filha através de uma televisão, de onde assistia o funeral. E até mesmo quando parece imobilizada, como quando olha fixamente para as pedras azuis do lustre lembrando tudo que perdeu, ela consegue transmitir a dor da personagem, intensificada pela fotografia azulada de Slavomir Idziak, que ganha mais força nos momentos de maior tristeza dela, auxiliada pela trilha sonora evocativa de Zbigniew Preisner.

Mas a vida é feita da convivência entre as pessoas e, por mais que tente evitar, Julie acaba se apegando novamente a algumas pessoas, como sua vizinha Lucille, interpretada por Charlotte Very e acusada de “receber homens” por outra vizinha, que ouve um “não é da minha conta” de Julie como resposta à tentativa de fazê-la assinar um abaixo assinado que tentava expulsar a garota do prédio. Grata, Lucille procura Julie e as duas acabam desenvolvendo uma amizade, ao ponto da prostituta ligar desesperada para Julie quando mais precisa – e é tocante o momento em que Julie pergunta por que ela faz o que faz e Lucille responde: “Porque gosto”. É nesta conversa também que ela descobrirá o caso entre seu falecido marido e uma amante. Além de Lucille, Julie também acaba se envolvendo com seu amigo Olivier, interpretado por Benoít Régent e declaradamente apaixonado por ela, mas que foi incapaz de contar o caso de Patrice, levando Julie a pensar que se ela tivesse ficado com os papéis oferecidos por Olivier (que continham as fotos do casal de amantes), ela poderia ter descoberto tudo, ou então, queimado as fotos e passar o resto da vida sem saber do caso entre eles. “Talvez tivesse sido melhor”, afirma ela, confirmando o quanto sofre por isto também. Mas Julie é determinada, e decide então conhecer a mulher que roubou o coração de seu marido, partindo numa busca que a levará a um tribunal onde, antes de encontrar a amante, ela vê uma cena de julgamento, que refletirá no segundo filme da trilogia “A Igualdade é Branca” (e estas rimas narrativas tornam a trilogia ainda mais interessante). Após encontrar a amante, que se chama Sandrine e é interpretada por Floence Pernel, ela têm uma conversa muito franca num banheiro feminino e descobre que Sandrine está grávida de seu marido, o que funciona simultaneamente como um choque e um alívio para Julie, que desmistifica um pouco a imagem de bom marido de Patrice. Completando o elenco, Héléne Vincent vive a jornalista que não demonstra respeito pela dor da protagonista, tentando entrevistá-la logo após o acidente e, algum tempo depois, ao divulgar o trabalho de Patrice, dizendo que “ele era um grande artista e pertence a todos nós”.

Além da boa condução do elenco, Kieslowski demonstra um rigor estético impressionante, graças também ao excelente trabalho de toda sua equipe técnica, a começar pela fotografia azulada de Slavomir Idziak, que ilustra a melancolia de Julie, especialmente nos momentos em que ela está sozinha na piscina. O tom azul predomina em praticamente toda a narrativa, seja através do filtro, seja através de objetos, como os enfeites do quarto azul ou o lustre que ela carrega consigo, confirmando também o bom trabalho de direção de arte de Claude Lenoir. Quando não prioriza o azul, a fotografia de Idziak adota cores sem vida, que também refletem a tristeza da protagonista, reforçada pelos figurinos discretos de Naima Lagrange e Virginie Viard. E nem mesmo a bela Paris parece tão bela, graças às locações escolhidas por Kieslowski, que passam bem longe dos belos pontos turísticos da capital francesa. Auxiliado pela montagem de Jacques Witta, o diretor também emprega um ritmo propositalmente lento a narrativa, refletindo como a vida passa devagar para as pessoas que sofrem como Julie, e até mesmo a trilha sonora evocativa de Zbigniew Preisner só aparece nos momentos de profunda tristeza dela ou para ilustrar seu pensamento enquanto lê uma partitura do marido, como momentos antes de jogar o trabalho num caminhão de lixo (e repare como a música é distorcida quando o caminhão começa a amassar a partitura). Finalmente, o som (e a falta dele) também exerce função narrativa, como quando um homem sobe as escadas do prédio e bate nas portas, criando uma atmosfera tensa, captada pelo close de Kieslowski no rosto de Binoche. Assustada, ela decide sair e acaba ficando trancada pra fora do apartamento e, sentada na escada, vive outro momento de solidão, ilustrado pela fotografia sombria.

Aliás, os muitos closes e momentos de silêncio refletem muito bem as sensações da protagonista, alguém vazia, sofrida e profundamente melancólica, o que é reforçado ainda mais pelos fades que escurecem a tela completamente por alguns segundos, deixando o espectador com a mesma sensação de vazio de Julie. Kieslowski emprega closes em objetos, como o pneu do carro antes do acidente ou o brinquedo do garoto que corre para tentar socorrer a família, além de constantemente destacar as reações de Julie, como no momento da notícia da morte do marido e da filha e quando destaca a boca e os olhos dela enquanto chora ao ouvir o enterro, nos colocando dentro da cena e tornando o momento ainda mais tocante – também por causa da ótima atuação de Binoche, que transmite muita emoção nestas cenas. Fica evidente que o cinema de Krzysztof Kieslowski é um cinema de sensações. Mas nem por isso o diretor deixa de criar belos planos, como quando diminui o carro e a árvore no horizonte momentos depois do acidente, distanciando também o espectador e preparando o clima frio da narrativa, ou através de seus planos subjetivos, que nos colocam sob o ponto de vista de Julie, como quando o médico (Claude Duneton) aparece pela primeira vez para visitá-la no hospital.

Existe ainda um momento singelo em “A Liberdade é Azul”, que refletirá nos outros dois filmes da trilogia (em momentos muito parecidos dos protagonistas), quando uma velinha tenta, com muito esforço, jogar uma garrafa de vidro no lixo enquanto Julie fecha os olhos e sente o ar puro. Este tipo de rima narrativa é que torna a trilogia das cores ainda mais elegante, conectando os três filmes não através das histórias, mas sim através de situações e sensações dos personagens. Após tudo que sofreu e a descoberta do filho de Patrice que cresce em Sandrine, Julie decide ajudar Olivier a terminar a partitura, desistindo de vender a casa e, altruistamente, dando-a de presente para a amante do marido. Em seguida, liga para Olivier e se entrega sexualmente ao amigo. Mas o travelling que vem a seguir, passando por todos os personagens do longa (o moço que acompanha o acidente, Sandrine, Olivier, a mãe de Julie e Lucille), se encerrará no plano em que Julie chora sentada, deixando claro que, de qualquer maneira, só o tempo iria curar a sua dor.

Kieslowski entrega um filme diferente, tocante e reflexivo neste “A Liberdade é Azul”, que com muita sensibilidade e um visual marcante, questiona a eterna busca do ser humano pela liberdade através da trágica história de Julie, que descobriu da pior maneira o quanto esta sensação pode também ser dolorida. Até que ponto queremos ser realmente livres? Que cada um encontre sua resposta sem a necessidade de sofrer como ela.

Texto publicado em 21 de Março de 2011 por Roberto Siqueira

PERDAS E DANOS (1992)

(Damage)

 

Videoteca do Beto #88

Dirigido por Louis Malle.

Elenco: Jeremy Irons, Juliette Binoche, Miranda Richardson, Rupert Graves, Ian Bannen, Peter Stormare, Gemma Clarke, Julian Fellowes, Leslie Caron e David Thewlis.

Roteiro: David Hare, baseado em história de Josephine Hart.

Produção: Louis Malle, Vincent Malle e Simon Relph.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Um elenco muito talentoso, um bom diretor e um bom roteiro infelizmente não são suficientes para transformar “Perdas e Danos” num grande filme. Apesar de sua história trágica, que normalmente conseguiria provocar forte impacto no espectador, o longa não consegue empolgar, apresentando um resultado tão frio quanto os personagens que acompanhamos durante a narrativa. Talvez falte ao filme justamente aquilo que ele pretende investigar: paixão.

O competente líder do parlamento inglês Stephen Fleming (Jeremy Irons) é um homem de reputação intocável e comportamento familiar exemplar, que vê sua vida virar de pernas pro ar quando seu filho Martyn (Rupert Graves), contrariando a vontade de sua mãe Ingrid (Miranda Richardson), inicia um relacionamento com a jovem Anna (Juliette Binoche), por quem ele também se apaixona. Sem hesitar, Stephen se entrega a esta paixão avassaladora e passa a se relacionar com a noiva de seu filho, mesmo sabendo os enormes riscos que estava correndo.

Escrito por David Hare, baseado em história de Josephine Hart, “Perdas e Danos” narra a triste história do bem sucedido Stephen, que vê tudo que ele conseguiu construir ruir por causa de uma paixão sem limites. De maneira inteligente, o roteiro de Hare faz questão de estabelecer a natureza estável da relação entre Stephen e Ingrid logo no início da narrativa, através de uma conversa na cozinha que evidencia o quanto eles se sentem à vontade na presença do outro, deixando claro para o espectador que não se trata de um casamento em crise e que a paixão de Stephen por Anna será algo simplesmente físico, uma enorme atração sexual. Esta mesma cena serve também para deixar claro uma característica de Martyn que será vital para entender o sofrimento de Ingrid futuramente, ao perceber que a relação entre seu filho e Anna não é apenas mais um dos muitos casos do rapaz. Já o primeiro diálogo entre Stephen e Anna tem poucas palavras e muitos olhares, que expõem a atração puramente física de ambos. Afinal de contas, este não é um caso entre duas pessoas com afinidade, que dividem gostos em comum, e exatamente por isso as palavras são desnecessárias. Outra indicação sutil, muito bem explorada pelo diretor Louis Malle, acontece quando Martyn anuncia seu casamento e Stephen derruba vinho na mesa, num prenúncio interessante de que ele seria o responsável por derramar sangue da família por causa daquela paixão. Assim como é sutil a disputa de cara ou coroa antes de uma partida de bilhar, que simboliza o embate entre pai e filho por Anna (curiosamente, Stephen vence e, de fato, ele continua com Anna. Mas, no fim das contas, todos sairão perdendo), ilustrado também quando Stephen olha uma foto e Martyn diz que ele “pode ficar” com ela.

Mas se acerta nos momentos que exigem sutileza, como quando Anna liga para Stephen e marca o primeiro encontro e o movimento de câmera destaca a reação de perplexidade do ministro, Louis Malle erra em conjunto com seu montador John Bloom ao estabelecer a relação entre Stephen e Anna muito cedo, o que não permite que o espectador crie empatia com os personagens e acaba alongando demais o caso deles, tornando a narrativa mais lenta e arrastada e, portanto, menos interessante. Além disso, a melancólica trilha sonora de Zbigniew Preisner oscila bastante durante a narrativa, exagerando em alguns momentos onde o tom sombrio demais parece deslocado. Por outro lado, o diretor acerta ao evitar romantizar as relações sexuais de Stephen e Anna, criando uma atmosfera crua e até mesmo fria através do excesso de closes (que realçam apenas as reações do casal) e do silêncio. Observe, por exemplo, como a falta de trilha sonora torna a primeira relação sexual de Stephen e Anna crua e realista, além de destacar a natureza melancólica daquela relação através do silêncio que predomina na cena. Nesta cena, vale notar ainda como os figurinos sem vida do casal, em tons de preto e branco, sugerem que aquela relação teria um futuro sombrio, algo reforçado após o sexo, quando ambos aparecem vestidos somente de preto, indicando o futuro trágico e a natureza “pecaminosa” daquela relação. E apesar de ambos serem grandes atores, o close nos rostos de Binoche e Irons tira toda a química da cena. Observe ainda como na medida em que as relações se repetem, Malle começa a apresentar cenas mais explícitas, mas sempre mantendo a agressividade em detrimento do carinho e do afeto.

Mas como Stephen foi se meter numa situação complicada como esta? Em primeiro lugar, quero deixar claro que acho repugnante que um pai faça isto com um filho, por maior que seja a paixão. Dito isto, podemos notar que Stephen (interpretado pelo competente Jeremy Irons) é um homem de família, respeitado também no âmbito profissional, mas que, de acordo com as palavras do próprio filho, é alguém “sem paixão” – algo refletido até mesmo em seu terno sempre escuro e sem vida (figurinos de Milena Canonero). A aparição de Anna representa, na lógica distorcida de Stephen, uma oportunidade única de sair da linha, de fazer algo que ele até hoje não fez, mas obviamente o ministro ultrapassa muito esta linha e perde a razão, chegando a sequer prestar a atenção numa importante reunião e sair caminhando pelas ruas de Bruxelas pensando na garota (observe o tom azulado da fotografia de Peter Biziou, que ilustra a tristeza do personagem neste momento). Desesperado, ele pega o trem e vai até Paris encontrá-la, chegando ao absurdo de ligar pra ela no quarto do hotel, mostrando que de fato não tem o menor respeito pelo filho (se é que poderia restar algum respeito por parte de Stephen). A situação se complica ainda mais quando ele decide visitar Anna e conhece Peter, ex-namorado da garota, gerando uma crise de ciúmes. E se todo este sofrimento do personagem é crível, é porque Irons é competente na difícil tarefa de viver um personagem tão repugnante sem afastá-lo completamente do espectador. Por exemplo, após perder Anna pela primeira vez, Irons demonstra bem a amargura do personagem em seu semblante sempre triste e confuso, e o espectador, por mais que não compactue de suas atitudes, entende seu sofrimento. Irons é inteligente ainda em outros momentos, como quando hesita em cumprimentar Anna após Martyn apresentá-la, esperando a reação dela antes de se pronunciar. Como eles já tinham se conhecido numa festa, ele não sabia se ela iria falar sobre isto ou fingir que não o conhecia. E apesar de totalmente descartável, a subtrama que envolve os problemas de Stephen no trabalho servem para que Irons mostre seu talento quando explode contra os funcionários, num reflexo claro de seus problemas na vida pessoal.

Todos estes problemas foram gerados pela fria e misteriosa Anna, uma mulher atraente, mas que carrega uma aura pesada pelo trauma da morte do irmão, que era apaixonado por ela. Juliette Binoche consegue transmitir este peso através do semblante, sorrindo muito raramente e com o olhar sempre desconfiado. Mas se por um lado Anna apresenta um aspecto sombrio, por outro é absolutamente segura do que quer. Ao contrário de Stephen, ela sabe que as selvagens relações sexuais são sinais apenas de uma atração física. Por isso, quando ele afirma que vai deixar a esposa, a resposta simples e direta de Anna deixa claro que Stephen não deveria largar a vida que tem com Ingrid por causa de uma atração sexual, pois ele não ganharia nada com isso (“Você ganharia algo que já tem”). Da mesma forma, Anna quer manter as relações com Stephen, mas não quer perder o conforto que Martyn pode proporcioná-la, o que a leva a dizer frases díspares como “Não nos siga” e “Acha que eu me casaria com Martyn se não pudesse ver você?”. Vale destacar ainda dois momentos especiais da grande atuação de Binoche, quando Anna repete a palavra “cinco” ao ouvir sua mãe dizer que quase casou pela quinta vez, mostrando que já ouvira aquela história diversas vezes, e especialmente quando sorri de maneira contida ao notar a chave do flat na mão de Stephen, mostrando a luta da personagem para conter a felicidade naquele momento. É interessante notar também como o pressentimento materno tem forte presença em “Perdas e Danos”. Repare como a carismática e cuidadosa Ingrid, uma mãe e esposa dedicada, já se mostra incomodada com a presença de Anna durante um jantar, como se soubesse o que a presença dela traria para sua família (e Miranda Richardson demonstra muito bem este incômodo através de sua expressão aflita e de suas palavras ríspidas). Já a Sra. Elizabeth (Leslie Caron), com um dom de premonição digno de Hollywood, percebe a relação entre Stephen e sua filha e pede que o ministro se afaste de Anna. Mas, ao contrário do sentimento de Ingrid, aqui a “previsão” soa forçada (não por culpa da atriz), porque se a relação entre eles era tão clara assim, como os outros integrantes da família nunca percebem o que acontece? Além disso, a lição de moral da Sra. Elizabeth após a morte de Martyn não convence e parece totalmente fora de propósito. Aquele homem já estava sofrendo demais para ouvir aquelas palavras duras. Fechando o elenco, Rupert Graves não agrada na pele de Martyn, mostrando-se exageradamente inexpressivo. Por mais que o personagem também seja alguém pouco carismático, Graves erra na dose e apaga completamente o já pouco iluminado Martyn.

Chegamos então ao momento que poderia transformar “Perdas e Danos” num filme marcante, não fossem tantos os erros cometidos durante a narrativa. Após Martyn ligar para Anna e ouvir que ela “não volta mais hoje”, ele parte para o endereço do flat, conseguido de uma maneira que só descobriremos depois. Um plano rápido mostra a chave do lado de fora do flat e evidencia o descuido fatal do casal de amantes. Quando Martyn sobe as escadas, a tensão toma conta da tela e os olhares incrédulos dos três nos levam ao terrível desfecho daquele encontro. Mais uma vez, Anna é cercada por uma tragédia (observe que ela se joga na cama após a queda de Martyn, desolada). Stephen, desesperado, desce as escadas para segurar o filho, já sem vida (e o plano em plongèe que diminui o personagem ilustra seu sentimento naquele momento). A chuva que recai sobre ele na volta pra casa, além de reforçar o sentimento de tristeza, apenas confirma seu melancólico destino. Ao chegar em casa, encontra Ingrid destruída, que explode em choro, dor, revolta e raiva, num momento estupendo de Miranda Richardson, que transmite com precisão toda a miscelânea de sentimentos da personagem e entrega a melhor atuação de “Perdas e Danos”. Já Stephen acaba perdendo tudo que tinha: Anna, Ingrid, Martyn, seu emprego e seus amigos.

Apesar de contar uma história com potencial para provocar forte impacto no espectador, “Perdas e Danos” apresenta erros básicos que comprometem um longa que tinha tudo para dar certo. Com um elenco muito talentoso nas mãos, Louis Malle consegue extrair ótimas atuações, mas peca em aspectos fundamentais que poderiam tornar a narrativa mais interessante e que certamente aumentariam a força do filme diante do espectador. Infelizmente, o resultado terá algum impacto em nossas mentes somente até assistirmos ao próximo filme e depois, ao contrário da paixão que Stephen sentia por Anna, cairá no esquecimento.

Texto publicado em 05 de Março de 2011 por Roberto Siqueira