AMOR ALÉM DA VIDA (1998)

(What Dreams May Come)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #182

Dirigido por Vincent Ward.

Elenco: Robin Williams, Cuba Gooding Jr., Max von Sydow, Annabella Sciorra, Jessica Brooks Grant, Josh Paddock e Rosalind Chao.

Roteiro: Ronald Bass, baseado em livro de Richard Matheson.

Produção: Barnet Bain e Stephen Simon.

Amor Além da Vida[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Em certo momento de “Amor Além da Vida”, a esposa do protagonista questiona como ele poderia ser capaz de perdoá-la após ter contribuído para a morte dos filhos, a dele próprio e ainda ter se suicidado. Sua resposta: “Porque você é uma pessoa tão maravilhosa que me faz querer trocar o céu pelo inferno só para estar ao seu lado”. Este tipo de frase perigosa, que caminha no limite entre o brega e o poderoso, pode definir bem o longa de Vincent Ward. Durante boa parte do tempo, o diretor explora muito bem o potencial dramático da história, nos levando por um caminho já conhecido, é verdade, mas enriquecido por um visual belíssimo e por momentos interessantes como este.

Escrito por Ronald Bass, baseado em livro de Richard Matheson, “Amor Além da Vida” tem início quando Chris Nielsen (Robin Williams) conhece a bela Annie (Annabella Sciorra) num lago europeu. Felizes, eles se casam e constituem família, até que um terrível acidente tire a vida de seus dois filhos. Após superar a fase mais traumática, o casal reencontra a alegria de viver, mas outro acidente automobilístico provoca a morte de Chris, deixando Annie solitária e profundamente deprimida. Enquanto Chris tenta compreender e se adaptar ao paraíso, Annie comete suicídio. Impossibilitado de ver a esposa, Chris decide então tentar resgatá-la ao lado do amigo Albert (Cuba Gooding Jr.) e de um misterioso guia (Max von Sydow), que insiste em alertá-lo para o perigo da missão.

A vida após a morte sempre representou um mistério e um território perigoso para os roteiristas, já que é praticamente impossível não encontrar furos em quase todas as teorias a respeito e, o que é pior, quase sempre o longa pode encontrar rejeição por parte daqueles que não compartilham da mesma visão sobre o tema. Assim, tanto Ronald Bass como o diretor Vincent Ward são inteligentes o bastante para focarem muito mais no relacionamento do casal protagonista em detrimento de mirabolantes explicações que buscassem tornar aquele universo mais verossímil. Trabalhando na dinâmica do relacionamento entre Chris e Annie desde o início, o diretor busca criar empatia entre o casal e a plateia, o que é essencial para que a narrativa funcione dramaticamente.

Obviamente, a boa química existente entre Robin Williams e Annabella Sciorra colabora bastante neste sentido, já que o espectador acredita no amor dos personagens e, consequentemente, na dor deles quando as tragédias surgem em suas vidas. Ainda assim, inicialmente temos a sensação de que a perda dos filhos não interferiu tanto na relação deles, já que um salto de quatro anos na narrativa não nos permite acompanhar a fase mais traumática pós-acidente, que seria revelada somente depois através do uso de flashbacks. É somente após a morte de Chris que sentimos o peso da dor que paira sobre Annie – e só então somos apresentados ao lado depressivo da moça, até então escondido sob aquela carcaça de felicidade.

Lado depressivo da moçaEncantadora garotaCarismático amigoOscilando bem entre a encantadora garota que surge no lago e a sofrida mulher que não consegue superar a perda dos filhos, Sciorra oferece uma performance sensível, que transmite muito bem os fortes sentimentos da personagem e lhe garante destaque mesmo num elenco recheado com nomes importantes como Cuba Gooding Jr., que mesmo com seus costumeiros momentos de exagero se sai bem como o carismático amigo que recepciona Chris no paraíso, além é claro de Max von Sydow, que tem uma marcante participação na sombria sequência da busca por Annie.

No entanto, o destaque do elenco fica mesmo para Robin Williams, que também oferece uma atuação sensível e poderosa, transitando entre o encantamento na chegada ao paraíso e a desilusão após saber do suicídio da esposa. Expressivo, ele transmite com competência a dor do personagem no belo discurso sobre o homem que seu filho poderia ter sido, assim como é muito convincente a sua devoção diante da esposa na sequência em que ele tenta resgatá-la no inferno. O tempo inteiro, nós acreditarmos em seu sofrimento sem jamais temos a sensação de que ele desistirá de Annie, e isto é mérito do ator.

Encantamento na chegada ao paraísoDesilusão após saber do suicídio da esposaDiscurso sobre o homem que seu filho poderia ter sidoEmocionante também é o seu reencontro com a filha Marie que, por outro lado, serve também para revelar um importante artifício narrativo que esvazia a próxima revelação da trama. Assim, quando Chris começa a refletir sobre as próprias palavras e recorda que só seria capaz de enfrentar o inferno com determinada pessoa ao lado, fica evidente que Albert na verdade é o seu filho – ao que parece, nem assim o diretor confia na inteligência do espectador, já que ele faz questão de inserir planos rápidos do rosto de Cuba Gooding Jr. instantes antes da “revelação”. Mesmo previsível, o momento tem seu impacto devido à carga emocional naturalmente envolvida no reencontro entre pai e filho.

Alternando entre o presente no paraíso e o passado que revela detalhes importantes da vida do protagonista, a montagem de David Brenner e Maysie Hoy também transita entre o pós-vida de Chris e a vida terrena de sua esposa até o instante em que o suicídio dela é anunciado e altera radicalmente o tom da narrativa, numa mudança que terá reflexo quase que imediato também na belíssima fotografia do português Eduardo Serra, que passa a adotar tons obscuros que transformam os ótimos cenários concebidos pelo design de produção de Eugenio Zanetti em locais extremamente sombrios.

Presente no paraísoVida terrena de sua esposaLocais extremamente sombriosInicialmente buscando realçar as lindas paisagens do colorido paraíso, a fotografia oscila de acordo com o andamento da narrativa, transmitindo através do visual os sentimentos pretendidos pelo diretor. Observe, por exemplo, como a cor roxa, normalmente associada ao misticismo ou vista como símbolo de espiritualidade, magia e mistério, predomina em todas as cenas após a morte de Chris, simbolizando sua luta para superar o trauma e encontrar a paz (para os católicos, o roxo tem o significado de melancolia e penitência). Apoiado pela ótima fotografia e pelos excepcionais efeitos visuais que dão vida aos quadros que fizeram parte da história do casal, o diretor trabalha muito bem na composição dos planos, criando um filme visualmente belíssimo.

Esta marcante construção visual das cenas gera imagens que ficam na memória mesmo após o término do longa, como o terrível mar de rostos no inferno e a bagunçada e obscura casa em que Chris reencontra Annie, o que só reforça o ótimo trabalho de design de produção de Zanetti. A cena na casa, aliás, também escancara o eficiente design de som que nos ambienta ao paraíso e ao inferno com precisão. Observe, por exemplo, como os pequenos barulhos são ampliados nesta cena, como o som de uma porta batendo ou o movimento corporal dos personagens, numa distorção da realidade que torna aquele local ainda mais sombrio e amplia a sensação de incômodo no espectador. E finalmente, vale mencionar a bela trilha sonora de Michael Kamen, que surge melancólica quando deve ser, mas também evocativa quando o momento pede por isso.

Lindas paisagensCor roxaTerrível mar de rostosÉ uma pena, portanto, que, após nos levar por cenários tão deslumbrantes e nos envolver completamente, o desfecho de “Amor além da vida” seja tão previsível e clichê, seguindo o mesmo caminho já percorrido por tantos e tantos filmes semelhantes anteriormente. Mas ainda que sua história de amor não fuja do convencional, a maneira como ela é contada, seu visual arrebatador, as boas atuações e a direção eficiente garantem um bom resultado.

Assim, “Amor Além da Vida” está longe de ser aquele quadro intrigante que nos permite extrair inúmeros significados. Mas, enquanto passamos por ele, não podemos conter o impulso de ao menos dar uma olhadinha, tamanha a sua beleza plástica. E quando vamos embora, seguimos sem refletir a respeito, mas a beleza daquelas imagens permanece um bom tempo conosco.

Amor Além da Vida foto 2Texto publicado em 27 de Janeiro de 2014 por Roberto Siqueira

GÊNIO INDOMÁVEL (1997)

(Good Will Hunting)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #174

Dirigido por Gus Van Sant.

Elenco: Matt Damon, Robin Williams, Ben Affleck, Stellan Skarsgård, Minnie Driver, Casey Affleck, Cole Hauser e John Mighton.

Roteiro: Matt Damon e Ben Affleck.

Produção: Lawrence Bender.

Gênio Indomável[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Matt Damon e Ben Affleck ainda eram apenas jovens em início de carreira quando surpreenderam o mundo do cinema com o excelente e complexo roteiro deste “Gênio Indomável”, longa eficiente dirigido por Gus Van Sant e que conta ainda com atuações inspiradas do próprio Damon e de Robin Williams. Com um protagonista fascinante e outros personagens igualmente interessantes, não é difícil se envolver rapidamente pela narrativa e se importar com a trajetória daqueles personagens tão humanos e, por isso, tão repletos de defeitos e qualidades.

O longa acompanha a trajetória de Will Hunting (Matt Damon), um jovem com facilidade assustadora para resolver equações matemáticas que vive no subúrbio e trabalha como servente de uma importante universidade. Após resolver um complexo problema deixado no quadro negro, o garoto chama a atenção do premiado professor Gerald Lambeau (Stellan Skarsgård), mas uma briga de rua acaba levando-o a prisão. O professor então faz um acordo para conseguir sua libertação, assumindo a responsabilidade pelo garoto e comprometendo-se a ajudá-lo a resolver seus problemas emocionais através do auxilio de um psiquiatra. Depois de algumas tentativas frustradas, cabe ao terapeuta Sean Maguire (Robin Williams) a árdua missão de tentar compreender aquele rapaz.

Escrito por Damon e Affleck, o excelente roteiro de “Gênio Indomável” tem o mérito de trazer em sua estrutura narrativa muito bem desenvolvida uma coleção de diálogos marcantes, como quando Sean relembra como conheceu a amada esposa e em sua divertida recordação sobre as idiossincrasias do casal, sendo responsável também por criar e desenvolver personagens ambíguos e complexos como Will e o próprio Sean. Da mesma forma, mesmo personagens secundário como Chuckie (Ben Affleck), Skylar (Minnie Driver) e o professor Gerald Lambeau ganham espaço suficiente para demonstrarem suas características e se humanizarem diante do espectador, o que só enriquece a narrativa e os aproxima da plateia. Assim, o espectador se vê fisgado pela trama e interessado nos personagens antes mesmo que se de conta de como isto ocorreu.

Ciente de que a força da narrativa se concentra no roteiro e no elenco, a equipe técnica liderada por Gus Van Sant evita chamar muito a atenção, fazendo um trabalho discreto e eficiente. Assim, o diretor de fotografia Jean Yves Escoffier busca realçar tons dourados na maior parte do tempo, especialmente quando Will está raciocinando, numa ilustração visual do quão valioso é o dom daquele garoto iluminado. O amarelo, aliás, está presente em muitas cenas, seja através dos objetos selecionados pelo design de produção de Melissa Stewart para enfeitar o consultório de Sean ou mesmo dos figurinos de Beatrix Aruna Pasztor (repare a camisa de Sean na primeira conversa com Will, por exemplo).

Tons douradosObjetos no consultório de SeanCamisa de Sean na primeira conversa com WillPor sua vez, a trilha sonora de Danny Elfman ressalta o clima melancólico do longa através de suas lindas músicas e de composições instrumentais inspiradas, ao passo em que a montagem de Pietro Scalia imprime um bom ritmo ao transitar entre as sessões e o cotidiano nada glamoroso de Will, alternando também no uso de cortes secos – como ocorre durante um jantar entre Lambeau e Sean no qual de repente surgem os amigos de Will lutando – e transições elegantes, como na sequência em que Will explica porque não trabalharia para a ASN, quando ele começa a falar na empresa e, com seu rosto em close-up, continua o discurso, mas agora já no consultório de Sean.

Cotidiano nada glamorosoWill explica porque não trabalharia para a ASNRosto em close-upVoltando ao elenco, enquanto o dispensável Morgan de Casey Affleck é o bobo da turma, com perguntas idiotas e comportamento infantil, Damon e Affleck (ainda muito jovens) compõem personagens mais complexos, comportando-se como verdadeiros adolescentes às vezes, mas criando um laço de amizade convincente graças à boa química existente entre eles. Criando empatia também com Minnie Driver e especialmente com Robin Williams, Damon tem um desempenho memorável como o genial e emocionalmente descontrolado Will, falando sempre de maneira rápida, mas com clareza e convicção, como na ótima cena do bar em que ele conhece e impressiona Skylar, se impondo intelectualmente diante de um desconhecido e conquistando a garota através de sua rara inteligência. Vivendo um típico underdog, Damon surge sempre reativo, usando sua agressividade como um mecanismo de defesa para tentar afastar o sofrimento causado pela traumática infância.

Genial e emocionalmente descontroladoConhece e impressiona SkylarSempre reativoSomente alguém com talento e conhecimento de causa poderia ser capaz de furar o bloqueio psicológico criado por Will. Numa interpretação contida e minimalista, Robin Williams tem a chance de comprovar seu talento na composição de personagens com grande força dramática, saindo-se muito bem como o terapeuta Sean, o único capaz de compreender o rebelde genial. Com um desempenho sublime, Williams dá um show em diversos momentos, como na bela conversa no parque, na qual a sinceridade de Sean deixa Will sem palavras, ou no instante em que dá sinais de descontrole quando Will menciona sua falecida esposa, transmitindo com precisão o quanto sofre pela morte dela através de sua expressão contida que lentamente cede lugar à explosão furiosa de raiva. Este é o trauma que ele não consegue superar, por isso, Sean e Will se entendem e compreendem um ao outro. Eles são muito parecidos, apenas estão em momentos distintos da vida.

Interpretação contida e minimalistaSinceridade de Sean deixa Will sem palavrasSinais de descontroleJá a simpática Skylar de Minnie Driver raramente consegue transpor a couraça de defesa de Will, mas nem por isso ela desiste dele e o casal até consegue criar empatia em momentos divertidos como a paquera num bar que gera o primeiro beijo. No entanto, as diferenças sociais entre eles (ele, órfão do subúrbio, ela, herdeira de uma boa quantia de dinheiro) acabam gerando uma forte discussão, na qual os dois atores se saem muito bem. Enquanto Driver demonstra o quanto Skylar sofre por não conseguir conter o ímpeto de Will, Damon demonstra de maneira seca o quanto ele pode ser agressivo quando é acuado. Will é um personagem complexo, que tem medo de se relacionar e se ferir e, por isso, é incapaz de dizer que a ama – o que nos leva a tocante cena em que ela segura o choro ao falar com ele por telefone sem conseguir arrancar as três palavras mais desejadas entre os casais.

Paquera num barForte discussãoTocante cena em que ela segura o choroFechando os destaques do elenco, o paternal professor Lambeau vivido por Stellan Skarsgård encontra em Will aquilo que ele não conseguiu ser. Ainda que tenha o reconhecimento de todos por seus conhecimentos matemáticos, ele não conquistou o respeito de quem mais importava: ele mesmo. Frustrado ao ver tanto potencial desperdiçado, Lambeau não consegue esconder sua decepção – e a expressão constantemente abatida de Skarsgård transmite muito bem este sentimento. Na visão dele (e do próprio Chuckie, melhor amigo de Will), é uma pena ver um garoto tão brilhante desperdiçando sua vida. Mas Sean não vê da mesma forma, o que nos leva a uma interessante reflexão sobre o conceito de “sucesso”. Premiado e bem sucedido, Lambeau jamais conseguiu alcançar a paz e a felicidade plena que Sean alcançou enquanto viveu ao lado da mulher amada.

Na condução deste elenco talentoso, Gus Van Sant dirige “Gênio Indomável” com discrição, empregando raros movimentos de câmera ousados, como a câmera lenta que alivia o início da primeira briga de rua dos garotos, tirando parte do impacto que só aparece mesmo no final da cena, além de alguns poucos travellings, como numa conversa entre Sean e Lambeau num bar e especialmente nas tomadas aéreas da cidade. Em todo caso, o diretor tem todo o mérito por extrair boas atuações de grande parte do elenco.

Paternal professor LambeauPrimeira briga de ruaConversa entre Sean e Lambeau num barMas é mesmo no excepcional roteiro de Damon e Affleck que reside o grande trunfo de “Gênio Indomável”. Assim, o final redondo amarra muito bem as pontas soltas da narrativa, concluindo o arco dramático de Will e Sean de maneira plenamente satisfatória na emocionante cena em que o terapeuta convence o garoto que “ele não tem culpa”. Ambos reconheceram suas deficiências. Ambos foram corajosos o suficiente para enfrentá-las. E o mais interessante é que isto acontece de maneira tão sutil que eles sequer percebem o quanto estão mudando.

Sutileza talvez seja a palavra que melhor defina “Gênio Indomável”. Assim como Will Hunting não nota o instante em que começa a mudar, o espectador também não percebe o momento em que é fisgado pela narrativa. Simplesmente acontece.

Gênio Indomável foto 2Texto publicado em 06 de Setembro de 2013 por Roberto Siqueira

ALADDIN (1992)

(Aladdin)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #165

Dirigido por Ron Clements e John Musker.

Elenco: Vozes de Scott Weinger, Linda Larkin, Robin Williams, Bruce Adler, Douglas Seale, Gilbert Gottfried, Frank Welker, Jonathan Freeman, Brad Kane e Lea Salonga.

Roteiro: Ron Clements, John Musker, Ted Elliott e Terry Rossio.

Produção: Ron Clements e John Musker.

Aladdin[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após atravessar décadas numa crise criativa que praticamente extinguiu as animações do estúdio, a Disney voltou a emplacar um sucesso com “A Pequena Sereia”, em 1989, e conseguiu a primeira indicação ao Oscar de Melhor Filme para uma animação com “A Bela e a Fera” dois anos depois. Diante deste cenário positivo, chegava aos cinemas a megaprodução “Aladdin”, que repetiria o sucesso de seus antecessores nas bilheterias e consolidaria de vez a ressurreição do estúdio, apostando novamente na mistura de canções marcantes, bom humor e uma clássica história de amor.

Escrito pelos diretores Ron Clements e John Musker ao lado de Ted Elliott e Terry Rossio, “Aladdin” nos leva ao fantástico mundo árabe onde a bela Princesa Jasmine (voz de Linda Larkin) precisa se casar para manter a tradição das terras de Agrabah, onde seu pai é o Sultão (voz de Douglas Seale). Interessado no posto, o conselheiro do Sultão conhecido como Jafar (voz de Jonathan Freeman) descobre que o pobre Aladdin (voz de Scott Weinger) é o único que pode entrar numa misteriosa caverna no deserto e recuperar uma lâmpada mágica, onde adormece um Gênio (voz de Robin Williams) que pode realizar até três desejos daquele que o despertar.

Como de costume, os animadores da Disney confirmam seu talento na criação de imagens belíssimas e permitem aos diretores Clements e Musker nos levarem pelo deslumbrante deserto árabe, com seu céu rosado e as típicas casas sem telhado nos transportando pra dentro da romântica Arábia dos contos clássicos. Pintados em cores quentes como o amarelo, o vermelho e o roxo, os cenários de “Aladdin” são um espetáculo a parte, um verdadeiro deleite para os olhos do espectador dentre os quais vale destacar a sinistra caverna que guarda a lâmpada e seu impressionante interior, além do lindo palácio onde vive Jasmine.

Romântica ArábiaSinistra cavernaLindo palácioAlém do visual arrebatador, “Aladdin” traz ainda um leve rompimento com o estilo narrativo clássico da Disney ao inserir ousadias de linguagem incomuns na filmografia do estúdio, como quando a câmera bate no rosto do comerciante/narrador (voz de Bruce Adler) logo na abertura. É verdade que a trilha sonora incessante continua lá, assim como as tradicionais musicais que permeiam a narrativa, mas ao menos as músicas compostas por Alan Menken mantém a jovialidade que consagrou “A Pequena Sereia”, como fica evidente na agitada canção de apresentação de Aladdin ou no sensacional número musical protagonizado pelo Gênio.

Câmera bate no rosto do narradorApresentação de AladdinNúmero musical protagonizado pelo GênioPor outro lado, a estrutura narrativa de “Aladdin” não traz nenhuma novidade e segue o padrão clássico das histórias de amor, com a Princesa rica se apaixonando pelo pobre protagonista, que deverá superar grandes desafios para finalmente conquistá-la. Mas isto não prejudica em nada a qualidade do longa, já que os diretores conduzem a narrativa com uma leveza desconcertante, jamais permitindo que ela se torne enfadonha. Além disso, o carisma dos personagens faz com que a plateia se identifique com eles e embarque nesta aventura.

Quando Jafar afirma que precisa encontrar o diamante bruto que pode entrar na caverna e resgatar a lâmpada, um corte seco do montador H. Lee Peterson nos leva até Aladdin, que surge fugindo dos guardas no mercado ao lado de seu fiel macaco Abu (voz de Frank Welker), evidenciando desde então a origem humilde do personagem, que sobrevive dos pequenos furtos que comete na feira da cidade. Divertido e vulnerável, Aladdin carrega alguns dos ingredientes básicos para criar empatia com a plateia, o que é essencial para que o espectador torça por seu sucesso. Assim, quando ele se apaixona por Jasmine, nós já estamos dispostos a acompanhar sua jornada até o fim, por maiores que sejam os obstáculos que surgem diante dele. E neste trajeto reside uma das principais mensagens do longa, que é a importância de assumir quem você é, já que tanto Aladdin quanto Jasmine passam por dificuldades quando tentam ser pessoas diferentes.

Fugindo dos guardasFiel macaco AbuDivertido e vulnerávelApresentada num zoom rápido que nos leva pelo mercado e revela sua aproximação de Aladdin, a encantadora Jasmine confirma a tendência de fortalecer as personagens femininas do estúdio apresentada antes em “A Pequena Sereia” e “A Bela e a Fera”, mostrando-se corajosa para enfrentar seu bondoso, porém facilmente manipulável pai e o cruel Jafar quando necessário, tendo participação ativa ainda no tenso terceiro ato que marca o confronto entre o protagonista e o grande vilão. Vestido com cores fortes como o preto e o vermelho, Jafar é o típico vilão caricatural da Disney, sempre empunhando um cajado em formato de cobra e com um olhar penetrante que busca assustar o público infantil.

Encantadora JasmineBondoso paiJafar o típico vilãoNo entanto, o personagem mais carismático de “Aladdin” é mesmo o divertido Gênio que ganha vida através da marcante voz de Robin Williams, com suas falas rápidas e seu jeito espalhafatoso conquistando o espectador assim que ele entra em cena. Dono de tiradas engraçadíssimas e um coração enorme, o Gênio ainda encontra espaço para nos emocionar ao falar sobre a solidão que enfrenta ao viver sozinho na lâmpada, num dos raros momentos melodramáticos de uma narrativa marcada pelo bom humor.

Divertido GênioJeito espalhafatosoTiradas engraçadíssimasAs piadas, aliás, surgem em profusão em “Aladdin”, seja em gags envolvendo a origem do nariz quebrado da Esfinge, seja na utilização de objetos distantes da realidade daquele ambiente (como carros) ou até mesmo na rápida referencia a “Pinocchio”, quando o Gênio diz que Aladdin está mentindo – e eu juro que vi o Gênio usar o rosto de Jack Nicholson quando falava sobre como Aladdin deveria cortejar Jasmine. Por outro lado, tanto o macaco Abu quanto o papagaio Iago (voz de Gilbert Gottfried) deveriam funcionar como alivio cômico, mas são raros os momentos realmente inspirados envolvendo estes personagens.

Origem do nariz quebrado da EsfingeReferencia a PinocchioRosto de Jack NicholsonO que não são raras em “Aladdin” são as grandes cenas, como a sensacional fuga da caverna após o herói encontrar a lâmpada, o lindo voo no tapete mágico de Aladdin e Jasmine embalado pela ainda mais bela música tema “A whole new world” e o empolgante terceiro ato em que Jafar assume o reino, repleto de imagens surreais e dominado por tons avermelhados que conferem uma aura infernal a sequência até que uma jogada inteligente do protagonista coloque as coisas no lugar e garanta o final feliz.

Sensacional fuga da cavernaLindo vooJafar assume o reinoMais leve e engraçado que as tradicionais animações Disney, “Aladdin” é uma boa diversão que se apoia no visual impactante e no carisma de seus personagens para funcionar e, felizmente, faz isto muito bem. Se não tem a genialidade que origina o nome de seu mais carismático personagem, ao menos esbanja o bom humor que tão bem caracteriza o prisioneiro da lâmpada mágica.

Aladdin foto 2Texto publicado em 14 de Abril de 2013 por Roberto Siqueira

SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS (1989)

(Dead Poets Society)

 

Videoteca do Beto #65

Dirigido por Peter Weir.

Elenco: Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke, Josh Charles, Gale Hansen, Dylan Kussman, Allelon Ruggiero, Kurtwood Smith, James Waterston, Norman Lloyd, Carla Belver, Leon Pownall, George Martin, Joe Aufiery e Lara Flynn Boyle.

Roteiro: Tom Schulman.

Produção: Steven Haft, Paul Junger Witt e Tony Thomas.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Utilizando uma rígida escola preparatória como pano de fundo, “Sociedade dos Poetas Mortos” ensina valores importantes aos jovens, contestando as burocráticas formas de ensino e incentivando o pensamento e o raciocínio livre, sem se prender aos métodos e fórmulas das instituições educacionais. Além disso, critica claramente o autoritarismo e utiliza belos poemas de gênios como Shakespeare para embasar sua mensagem principal de liberdade de expressão. Se há algum problema no belo filme dirigido por Peter Weir, certamente é o seu final melodramático e previsível, que, por outro lado, funciona perfeitamente como agente motivador daqueles que assistem ao filme antes de assistir a tantos outros com estrutura narrativa semelhante.

Ex-aluno da tradicional escola preparatória Welton Academy, o professor John Keating (Robin Williams) retorna ao local como o novo professor de literatura. Seus métodos nada tradicionais, que buscam incentivar os alunos a pensarem por si mesmos, colidem com a rígida direção do colégio, mas inspiram os jovens alunos a ressuscitarem a velha “Sociedade dos Poetas Mortos”.

Logo em sua primeira aula, o professor Keating causa grande impacto nos alunos, com seu método alternativo de lecionar. Através de belas mensagens, como o lema “Carpe Diem” (aproveitem o dia) sussurrado nos ouvidos dos jovens enquanto estes aprendem sobre os alunos do passado, o professor consegue despertar a paixão pela poesia e pela vida naquele grupo de alunos, ao mesmo tempo em que desperta a fúria de seus pais e dos diretores do colégio, que não aceitam seus métodos diferenciados. Com sua costumeira competência, Robin Williams transmite toda a segurança do professor naquilo que fala através do olhar sereno, sempre convicto. Alternando entre momentos de calmaria e viscerais explicações sobre seu método de olhar a vida, como quando sobe na mesa para ensinar os alunos a olhar o mundo sob outro prisma, o inteligente professor Keating é responsável por despertar o prazer pela leitura e, principalmente, a sede por realizar os sonhos naqueles jovens estudantes. E além de transmitir muito bem esta paixão do professor pela arte e pela vida, Williams ainda brinda o espectador com uma pequena (e engraçada) imitação de grandes atores do cinema, como a lenda Marlon Brando. Vale notar também como na excelente cena em que Keating pede para os alunos rasgarem a página de um importante autor, a personalidade de alguns deles fica evidente através da forma como eles agem. Enquanto alguns se empolgam e rasgam os papéis eufóricos, outros hesitam e até mesmo contestam o professor – o que refletirá num momento chave da trama, quando um aluno se volta contra a “sociedade” e contra Keating. Entre os destaques do jovem elenco, podemos citar a boa atuação de Robert Sean Leonard como o impetuoso e determinado Neil Perry. Extremamente carismático, o ator consegue transmitir o espírito jovial e aventureiro do personagem, que será determinante também para o seu trágico destino. Além de Leonard, também merece destaque o belo trabalho de Ethan Hawke, que interpreta muito bem o tímido Todd Anderson. De poucas palavras e evitando o contato direto através do olhar sempre baixo, o jovem Todd enfrenta enorme dificuldade para se adaptar à nova escola e o ator transmite este sentimento com enorme precisão. Repare, por exemplo, como Todd desvia o olhar quando confrontado por Keating na sala de aula, evidenciando sua enorme dificuldade de se expor e se relacionar com as pessoas. Carente, como fica evidente quando recebe um “presente” de seus pais, o jovem não tem forças para encarar a vida de frente, fechando-se completamente para tudo que está em sua volta. E será justamente a convivência com o excêntrico professor que fará com que ele consiga, à sua maneira, lidar melhor com o mundo ao seu redor. Finalmente, devo citar o unidimensional Sr. Perry, interpretado por Kurtwood Smith, que não consegue apoiar o filho nem mesmo quando testemunha o seu talento no palco, o que levará sua família a uma tragédia irreversível.

Além das boas atuações, “Sociedade dos Poetas Mortos” conta ainda com a eficiente direção de Peter Weir. Alternando entre os lindos planos no exterior da escola, que aproveitam a beleza do local, com o uso freqüente do close, que realça as reações dos alunos às palavras do professor, destacando as boas atuações do elenco, o diretor conduz a narrativa num ritmo lento, porém jamais cansativo. Além disso, ele utiliza a câmera para transmitir sensações ao espectador, como quando o professor Keating se empolga na tentativa de extrair o melhor de Todd. A câmera de Weir circula os personagens, fazendo com que o espectador sinta a mesma sensação de desorientação de Todd, que, atordoado, consegue esquecer onde está e mostrar seu talento. Finalmente, o diretor conduz muito bem a cena de maior impacto do longa, revelando lentamente um revólver no chão, seguido pelo plano da mão de Neil. Momentos depois, Weir diminui Todd na neve após a notícia da morte de Neil, refletindo o vazio no coração do jovem e a sensação de impotência diante da morte, numa cena melancólica, reforçada pela fotografia cinza de John Seale.

A fotografia de John Seale, aliás, é o grande destaque na parte técnica do longa. Repare, por exemplo, como no primeiro encontro na caverna, a fotografia escura cria um clima aconchegante e aproxima o espectador do grupo, como se ele fizesse parte daquela turma. A sensação de liberdade se mistura ao medo de ser encontrado pelos superiores da escola, justamente por causa da falta de visibilidade da cena. No segundo encontro na mesma caverna, a fotografia mais limpa e o local melhor iluminado refletem a segurança que eles já sentiam naquele local. Também merece destaque a direção de arte de Sandy Veneziano que, auxiliada pelos figurinos de Marilyn Matthews (o uniforme padrão dá um sentido de unidade ao grupo de alunos), ambienta com eficiência o espectador àquela rígida instituição, graças também a bela e melancólica trilha sonora de Maurice Jarre.

Mas apesar do trabalho eficiente de toda equipe, a força principal de “Sociedade dos Poetas Mortos” reside mesmo no bom roteiro de Tom Schulman que, através de pequenas mensagens motivacionais (como a citada cena em que Keating sobe na mesa), faz com que o espectador sinta uma enorme vontade de viver e buscar a realização de seus sonhos. O roteiro, auxiliado pela montagem de William M. Anderson e Lee Smith, também alterna muito bem entre estas mensagens motivacionais e os poemas, que funcionam como uma pequena homenagem à literatura e ao prazer pela leitura. Além disso, evidencia como o autoritarismo, tanto dos professores como dos pais, pode ser prejudicial ao desenvolvimento dos jovens. A rigidez no método de ensino e nos métodos de criação dos filhos servia apenas para causar temor naqueles jovens, inibindo qualquer manifestação de talento que pudesse surgir. Pais e professores confundiam, portanto, temor com respeito, fazendo com que eles fossem temidos, o que é bem diferente de ser respeitado e claramente prejudicial.

Dirigido e interpretado com eficiência e trazendo ainda uma bela mensagem, “Sociedade dos Poetas Mortos” funciona muito bem, elevando a auto-estima do espectador. O final, apesar de previsível, emociona e faz com que este se sinta recompensado ao ver os alunos se rebelarem contra a opressão, graças também a boa atuação do elenco, em especial de Hawke e Williams, que criam uma bela conexão na cena – afinal de contas, Keating foi o responsável pelos raros momentos de alegria na vida do jovem Todd. Por outro lado, passada a euforia da seqüência final, o espectador pensará racionalmente e perceberá que esta emoção, apesar de edificante, soa um pouco manipulada e previsível. Mas, assim como a assinatura de Todd na investigação de Keating, este é um escorregão menor diante de tantas qualidades.

Texto publicado em 11 de Setembro de 2010 por Roberto Siqueira