ROCKY V (1990)

(Rocky V)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #221

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Sage Stallone, Burgess Meredith, Tommy Morrison, Richard Gant, Tony Burton, Jimmy Gambina, Delia Sheppard, Paul Micale, Stu Nahan e Michael Buffer.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky V[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Cinco anos depois de beijar a lona artisticamente com o fraco “Rocky IV”, Stallone tentava reerguer seu personagem e dar-lhe uma despedida digna – na época ele não imaginava retornar de maneira triunfal 16 anos mais tarde. Assim, “Rocky V” se caracteriza pela saída de cena do famoso pugilista da Filadélfia, que passa a focar os esforços no treinamento de um substituto. O resultado é um filme honesto, ainda que distante dos melhores momentos da franquia.

Apesar de novamente assumir o roteiro, Stallone desta vez aposta no retorno de John G. Avildsen à direção, o que se mostra uma decisão acertada especialmente pelos diversos momentos que buscam homenagear “Rocky, um Lutador”, construindo uma atmosfera nostálgica que certamente encontra eco nos sentimentos dos fãs. Basicamente, aqui vemos Rocky (Stallone, óbvio) impedido de voltar a lutar por conta de uma lesão permanente. Após ser enganado por seu contador, ele se vê obrigado a voltar para o bairro em que vivia e decide ajudar a impulsionar a carreira do jovem Tommy (Tommy Morrison), porém tudo muda com a chegada de um empresário (Richard Gant) que oferece muito dinheiro para assumir a carreira do promissor lutador.

Seguindo boa parte da estrutura narrativa clássica da franquia (o início relembra o filme anterior, temos uma luta no final, etc.), “Rocky V” aposta também na volta do tom melancólico ao trazer o protagonista enfrentando problemas de saúde e financeiros, retornando a uma vida difícil e, principalmente, constatando a passagem do tempo e a decadência de lugares importantes pra ele como a abandonada academia de Mickey. Assim, enquanto a direção de fotografia de Steven Poster ajuda a criar esta atmosfera através da escolha de cores escuras e ambientes sombrios, John G. Avildsen aproveita para também inserir a mencionada nostalgia, resgatando diversos elementos do primeiro filme que estabelecem uma conexão imediata com o espectador mais saudosista, como quando Rocky coloca seu chapéu preto e os óculos em Adrian.

Volta para o bairro em que viviaAbandonada academia de MickeyNostalgia

Confirmando esta estratégia, a trilha sonora de Bill Conti também relembra “Rocky, um Lutador” ao trazer a música “Tack it back”, os lentos acordes da clássica música tema que embalam suas lembranças do início de carreira, entre outros momentos. Por outro lado, em “Rocky V” não temos a famosa sequência do treinamento acompanhada pela empolgante trilha sonora presente nos outros filmes da franquia. Aliás, a trilha sonora surge apenas pontualmente, contrariando a presença tão marcante anteriormente. Talvez o excesso de clipes em “Rocky IV” tenha motivado a escolha de uma trilha sonora econômica em “Rocky V”.

Mais relaxado e a vontade na pele de seu personagem que no filme anterior, Stallone demonstra bem o peso da idade nas expressões de dor que o acompanham, tornando Rocky ainda mais falível e humano. Além disso, seu relacionamento cheio de carinho com o filho (Sage Stallone, que segura bem o papel) reforça seu carisma, especialmente ao constatar sua alegria por reviver etapas da vida através do garoto, em momentos simplesmente lindos. Até mesmo quando está nervoso Rocky não perde a humanidade e o bom coração, como fica claro em seus primeiros diálogos com Tommy. Nem mesmo a mídia e sua voracidade por notícias polêmicas conseguem tirá-lo do sério. No entanto, a possibilidade de reviver a adrenalina do boxe e de poder fazer o papel de Mickey empolgam Rocky, que se vê naquele jovem boxeador – ou ao menos tenta ver na luta daquele rapaz a sua luta para encontrar um lugar ao sol. Por isso, a decepção é ainda maior quando Tommy o deixa para trás para seguir o caminho mais fácil.

Infelizmente, este ponto de virada do roteiro é extremamente previsível. Imaginamos muito antes que Tommy largará Rocky e cederá ao assédio do ganancioso empresário vivido por Richard Gant através de sinais nada sutis como o conflito familiar que sua chegada provoca – e, principalmente, por causa da atuação de Tommy Morrison. Ao contrário do que poderíamos imaginar, Rocky passa a ignorar o próprio filho e a esposa (Talia Shire, em sua despedida da série) e a centrar sua vida somente em Tommy, numa atitude que ele certamente não teria e que destoa do personagem humano que conhecíamos até então. Some a isto a revolta natural do filho, a aproximação sorrateira do empresário e a evidente ambição do jovem lutador e temos a receita pronta para a mudança do personagem.

Relacionamento cheio de carinho com o filhoJovem boxeadorGanancioso empresário

Igualmente previsível é o confronto entre eles, que obviamente surge no ato final, mas ao menos resgata a energia que faltou no confronto com Drago em “Rocky IV”, trazendo ainda um ar de novidade justamente por acontecer nas ruas, de maneira quase primitiva. Mantendo a câmera agitada e próxima do rosto dos personagens, Avildsen consegue criar a atmosfera desejada sem nos fazer perder a noção geográfica do que vemos na tela, o que é muito importante. O confronto é cru, repleto de sentimentos reprimidos que são jogados pra fora e, por isso, funciona. O esperado desfecho com a vitória de Rocky e sua reconciliação com a família apenas confirmam a ideia de encerrar sua carreira no cinema de maneira simples, porém digna.

Ainda que não seja um excelente filme, “Rocky V” resgata alguns aspectos importantes ao voltar a focar no desenvolvimento dos personagens e ao trazer a atmosfera melancólica e a faceta humana tão presentes nos melhores momentos da franquia. Determinado a encerrar a carreira de seu protagonista no cinema, “Rocky V” tem um final com cara de despedida, relembrando momentos de todos os filmes anteriores – afinal, Stallone não imaginava naquele momento que Rocky voltaria 16 anos depois com o ótimo “Rocky Balboa”. Ainda bem que ele desistiu da ideia.

Rocky V foto 2Texto publicado em 19 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY IV (1985)

(Rocky IV)

2 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #220

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Dolph Lundgren, Brigitte Nielsen, Tony Burton, Michael Pataki, James Brown, Sylvia Meals e Stu Nahan.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky IV[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Rever “Rocky IV” foi uma experiência quase tão traumática quanto seria enfrentar o pugilista da Filadélfia num ringue. Ainda com a memória afetiva de um longa que marcou minha geração, vi lentamente os mitos sendo desconstruídos um a um numa narrativa mal formulada e repleta de ideologia distorcida, que foge totalmente do que tinha de melhor na franquia até ali. No entanto, é preciso contextualizar o longa para melhor compreender as razões que levaram Stallone a adotar aquela abordagem. Não que isto sirva para salvar o filme do fracasso, pois não serve, mas ao menos para entender o que levou uma franquia tão sólida a sofrer um escorregão tão marcante.

Como de costume, Stallone escreveu o roteiro e assumiu a direção do projeto. Só que, ao contrário da abordagem que investia no desenvolvimento dos personagens, aqui ele decide trazer o campeão mundial dos pesos-pesados Rocky Balboa (o próprio Stallone, claro) treinando o ex-campeão Apollo Creed (Carl Weathers) para uma luta de exibição contra o soviético Ivan Drago (Dolph Lundgren), na qual uma tragédia desencadeará uma nova luta que promoverá não apenas a vingança pessoal de Rocky, como também de toda a “América” (como eles gostam de se intitular).

Evidente já na premissa do longa, a influência do cenário político faz-se presente em diversos momentos repletos de estereótipos da época da guerra fria que predominavam produções hollywoodianas. Antes da tradicional abertura que relembra o filme anterior, as primeiras imagens de “Rocky IV” já trazem duas luvas com as bandeiras dos EUA e da URSS embaladas pelo sucesso “Eye of the tiger”, dando de cara o tom político e ideológico que destruirá as intenções do longa. Como de costume, Stallone investe na construção do relacionamento familiar na primeira metade da narrativa, o que mantém parte das características marcantes da franquia, mas infelizmente esta abordagem é abandonada sempre que o adversário russo e sua equipe entram em cena, transformando “Rocky IV” num confronto muito mais ideológico do que qualquer outra coisa.

Infelizmente, ao decidir desenvolver temas políticos, Stallone acaba deixando de lado o interessante desenvolvimento dos personagens notável nos longas anteriores e responsável por tornar a franquia Rocky tão especial. Frases como “isso é nós contra eles” deixam clara a visão política deturpada de Stallone, reforçada pela entrada no ringue de Apollo diante de Drago que mais parece uma propaganda política do “american way of life”, com o nacionalismo exacerbado praticamente saltando da tela.

Felizmente, nem tudo está perdido. A empatia entre Rocky e Apollo está novamente presente, o que é essencial para ampliar o impacto da tragédia que ocorrerá. Por outro lado, são tantos os sinais de que Apollo morrerá que parte deste impacto é perdido, como na conversa entre Rocky, Adrian (Talia Shire), Apollo e Paulie (Burt Young) num almoço de família em que Adrian já se mostrava preocupada com as condições físicas de Apollo, que afirma: “Sem guerra é melhor o guerreiro estar morto”, escancarando de vez o que viria a acontecer. Por tudo isso, a morte de Apollo é bem previsível, mas ainda assim sentimos o impacto da cena, muito mais pelo carisma do personagem do que pela construção dramática da narrativa em si.

Luvas com as bandeiras dos EUA e da URSSEntrada no ringueEmpatia entre Rocky e Apollo

Cada vez mais confiante e diferente da garota tímida de “Rocky, um Lutador”, Adrian pela primeira vez diz que Rocky não poderá vencer uma luta, demonstrando sua crescente insatisfação com o risco que ele corre sempre que sobe ao ringue, mas o atrito é resolvido e ela se reconcilia com ele antes da luta final. Estes conflitos tão humanos e estas preocupações tão comuns aos casais é que tornam Rocky e Adrian tão próximos do espectador. Não é o que ocorre do outro lado. Tratados de maneira diametralmente oposta pelo roteiro, Drago e sua esposa Ludmilla (Brigitte Nielsen) soam totalmente unidimensionais, exatamente como muitos dos vilões dos anos 80.

Treinando muitas vezes sob uma luz vermelha que faz uma pouco sutil alusão ao regime soviético e que serve também para criar uma aura que demoniza o adversário, Drago surge quase como uma máquina criada pelos “terríveis” soviéticos para destruir tudo que surgir pela frente. Em sua apresentação, ele não fala uma palavra sequer. Posteriormente, apenas algumas poucas palavras, sempre com intenção de intimidar quem está ao redor. Na realidade, Dolph Lundgren praticamente não atua, ganhando destaque apenas quando surge no ringue para demonstrar sua força, o que teoricamente deveria intimidar Rocky, mas não o faz. Stallone, por sua vez, tem menos tempo para desenvolver o lado humano de Rocky, surgindo mais como um garoto propaganda de academias em diversos clipes que acompanham seus treinamentos.

Clipes que, a partir de certo instante, nos dão a sensação de estarmos assistindo a um musical. Num momento relembramos a amizade de Rocky com Apollo, em outro acompanhamos Rocky e Drago treinando com tantos closes de músculos que mais parece um exercício narcisista de um já mega astro Stallone; e assim seguimos por longos minutos durante boa parte do segundo ato. Ao menos, estes clipes nos trazem belas imagens da gélida Rússia, captadas com precisão pelo diretor de fotografia Bill Butler. A esperada luta final surge também em forma de clipe após alguns minutos de bom combate, o que tira boa parte da adrenalina do confronto entre dois homens tão poderosos fisicamente e torna esta a luta menos enérgica de toda a franquia – o que é curioso ao olhar em retrospectiva, já que Drago notabilizou-se, especialmente para minha geração, como o principal adversário de Rocky.

Rocky e AdrianTreinando sob uma luz vermelhaBelas imagens da gélida Rússia

Para piorar, Stallone decide finalizar o longa com um discurso patético que envolve política de maneira totalmente distorcida e tenta, de maneira desesperada, nos fazer acreditar que o público soviético concordaria com aquilo. Se olharmos para os adversários de seu outro grande personagem na carreira a partir de “Rambo II” e até mesmo o “poderoso” inimigo em “Os Mercenários”, teremos a confirmação de que a visão política de Stallone é realmente bastante distorcida e irrelevante.

Enfim, influenciado pelo ambiente político de sua época, “Rocky IV” investe em algo novo de maneira desajeitada e acaba perdendo as melhores características da série. Uma pena. 

Rocky IV foto 2Texto publicado em 18 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY III – O DESAFIO SUPREMO (1982)

(Rocky III)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #219

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Tony Burton, Mr. T, Hulk Hogan, Ian Fried, Bob Minor, Frank Stallone e Stu Nahan.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky III - O Desafio Supremo[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Novamente após um intervalo de 3 anos após o lançamento do filme anterior, Stallone voltava as telonas com o terceiro filme da franquia “Rocky”, algo completamente esperado após o sucesso dos longas anteriores. Desta vez abandonando um pouco o tom intimista e sombrio que cercava aquele universo recheado de personagens interessantes, ele decide apostar numa abordagem mais leve e direta, com toda a cara da época em que foi criada. Assim, “Rocky III – O Desafio Supremo” surge com todos os excessos oitentistas, o que tira parte do peso dramático característico do personagem, ao menos até que uma tragédia resgate o tom melancólico.

Mais uma vez assumindo roteiro e direção, Stallone nos apresenta em “Rocky III” a evolução da carreira do agora astro Rocky Balboa, até que ele finalmente volte a ser derrotado, desta vez por um lutador promissor chamado Clubber Lang (Mr. T), que aproveita muito bem a chance de bater o campeão quando este surge abalado pelo estado de saúde de seu treinador – que, infelizmente, faleceria após a luta. Transtornado, Rocky aceita a proposta do ex-adversário Apollo Creed (Carl Weathers), que deseja treiná-lo para uma revanche com Lang em troca de um favor.

Como de costume, Stallone inicia o filme recordando o final do anterior, o que além de refrescar a memória dos espectadores (lembremos que 3 anos separavam um longa do outro), também resgata o espírito de superação que caracteriza a série, reforçado pelo clipe que surge em seguida e resume as inúmeras vitórias de Rocky ao som da empolgante “Eye of the tiger”, do Survivor, que se tornaria uma referência automática às lutas de boxe a partir dali. Desta vez abrindo mais espaço para Paulie, como fica evidente logo no início quando ele demonstra suas angústias e frustrações na infantil discussão com Rocky num estacionamento, o roteiro não investe tanto no desenvolvimento dos personagens como este início faz parecer, adotando uma abordagem bem humorada em boa parte do tempo, exemplificada perfeitamente na participação do então astro de luta livre Hulk Hogan como o canastrão Thunderlips, numa luta arranjada tão caricatural que chega a ser divertida.

Igualmente espalhafatoso é o Clubber Lang interpretado por Mr. T, que tenta chamar a atenção com sua postura agressiva e polêmica, algo muito característico também no mundo do boxe. Enquanto Rocky havia se transformado num astro que agora finalmente conseguia estrelar propagandas e cujo os treinamentos mais pareciam fazer parte do show business, Clubber Lang pega pesado para entrar na melhor forma possível, especialmente após derrotar Rocky no primeiro confronto e aceitar a revanche.

No entanto, a primeira luta é que reserva o momento de maior peso dramático do longa, indicado algumas vezes antes de se consumar através da resistência de Mickey (Burgess Meredith, novamente bem no papel) em abandonar a aposentadoria e treinar Rocky uma última vez, das dores que ele sente e de alguns diálogos e até mesmo movimentos de câmera. Observe, por exemplo, como a câmera lentamente nos aproxima de Rocky e Mickey quando ele convence o treinador a largar a aposentadoria e treiná-lo em mais uma luta através de um lento zoom, simbolizando a reaproximação de ambos, e compare com o movimento inverso que diminui ambos no fim do treinamento que antecede a luta, indicando sutilmente a nova separação de ambos e a tragédia que viria a acontecer. É como se Rocky tivesse uma última oportunidade de se aproximar do amigo e treinador antes da despedida.

Astro de luta livreEspalhafatoso Clubber LangFim do treinamento

Agora com a carreira engrenada, Rocky equilibra muito bem a profissão e a vida pessoal, reservando momentos para cuidar do filho que se tornam singelos e ajudam na solidificação do personagem, reforçando seu carisma junto ao público. Só que sua postura demasiadamente confiante quando se trata do boxe denota que o sucesso talvez tenha lhe subido a cabeça, mesmo que por um curto período de tempo. Assim, quando ele finalmente volta a ser derrotado, o choque de realidade se concretiza e traz um conflito pessoal firmado na desconfiança. Repare que, diferente da estrutura narrativa dos dois primeiros filmes, aqui temos uma luta antes de uma hora de projeção, o que alimenta o desejo dos fãs de ver Rocky mais tempo no ringue, mas a comovente morte de Mickey transforma a atmosfera do filme – e Stallone transmite a dor do personagem com tanta paixão que nos faz sofrer ainda mais.

A fotografia de Bill Butler então muda radicalmente e traz à tona o visual sombrio, notável quando Apollo surge para convencer Rocky a voltar a lutar e ser treinado por ele. Só que, devastado psicologicamente, Rocky não consegue render nos primeiros treinamentos, mesmo com todo o apoio do amigo Apollo. Adotando uma postura mais tranquila, Carl Weathers confere mais humanidade ao personagem e sua empatia com Stallone é essencial para o sucesso do longa. A amizade dos dois, aliás, é um dos pontos altos do filme. Quem também mostra enorme evolução é Adrian, agora uma mulher muito mais confiante e segura, capaz de falar com autoridade no marcante diálogo na praia em que questiona Rocky e todo seu sofrimento e o faz encontrar forças para voltar a treinar com a mesma determinação de antes, nos levando a já tradicional sequência de treinamento embalada pela clássica “Gonna fly now”, mas que agora não surge tão inspirada e empolgante como as anteriores, talvez por conta do ambiente diferente e do ritmo empregado pelos montadores Mark Warner e Don Zimmerman.

Cuida do filhoApollo convence Rocky a voltar a lutarMarcante diálogo na praia

Ainda que consiga transmitir emoção ao nos colocar dentro do ringue com a câmera se movimentando bastante sem nos deixar confusos e o design de som dando maior realismo ao que vemos na tela através do som dos golpes e das reações do público e dos narradores, a luta final segue a mesma fórmula das anteriores e demonstrava um certo desgaste. Ciente disto, o roteiro nos reserva um momento intimista, simpático e extremamente importante para nos aproximar ainda mais de Rocky e Apollo ao trazê-los divertindo-se numa revanche privada, escondida do grande público. Ali, eles deixam o panteão dos campeões e se tornam duas pessoas normais, com dúvidas, anseios, angústias e vontades, tirando a limpo de forma descontraída algo que por algum tempo os incomodou. O filme acerta ainda ao encerrar antes do primeiro golpe, deixando a dúvida sobre quem venceria aquele duelo privado, já que, no fim das contas, o resultado pouco importa. Já sabemos o mais importante sobre aqueles dois grandes homens.

Apesar de ter bons momentos e de manter algumas características importantes da série, “Rocky III – O Desafio Supremo” demonstrava os primeiros sinais de desgaste da fórmula que consagrou o lutador. Felizmente, assim como seu personagem, Stallone sabia como se reinventar e não seguiria este caminho por muito tempo.

Rocky III - O Desafio Supremo foto 2Texto publicado em 17 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY II – A REVANCHE (1979)

(Rocky II)

4 Estrelas

 

Videoteca do Beto #218

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Tony Burton, Joe Spinell, Sylvia Meals, Frank McRae, Leonard Gaines, John Pleshette, Allan Warnick, Stuart K. Robinson, Paul Micale, Fran Ryan, Taurean Blacque, Stu Nahan, Taaffe O’Connell, Paul McCrane e Frank Stallone.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky II – A Revanche[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após o enorme sucesso de público e crítica que tirou Sylvester Stallone do ostracismo, a continuação de “Rocky, um lutador” era ansiosamente aguardada e não apenas em Hollywood. Foram necessários 3 anos para que a espera terminasse e, felizmente, o resultado seria novamente satisfatório. Apostando mais uma vez no desenvolvimento de seu carismático personagem e do universo em que ele vive, o longa deixa a aguardada revanche em segundo plano, provando que Stallone não estava somente preocupado com os milhões de dólares que certamente viriam das bilheterias. Para ele, aquele personagem era mais do que uma fonte de renda, era também um reflexo nas telas da luta que ele próprio enfrentou para chegar ali.

Novamente escrito pelo próprio Stallone, que agora acumula também a direção, “Rocky II – A Revanche” começa relembrando os momentos finais de seu antecessor, resgatando imediatamente o espírito do longa e ambientando novamente o espectador naquele universo. No entanto, desta vez Rocky (Stallone) surge determinado a desfrutar de uma nova vida ao lado de sua esposa Adrian (Talia Shire), buscando um emprego que o mantenha distante dos ringues. Só que a dura realidade do mercado de trabalho tornaria as coisas mais difíceis e levaria o lutador a repensar sobre a proposta do campeão mundial Apollo Creed (Carl Weathers), que deseja uma revanche para provar que não venceu Rocky por sorte.

De maneira inteligente e até mesmo corajosa, Stallone descontrói aquele que era o motor do sucesso do filme anterior, desmistificando o tal sonho americano em que um desconhecido (o underdog) consegue conquistar seu lugar ao sol quando a oportunidade surge, mostrando que a realidade não era bem essa para a maioria das pessoas (algo que, de alguma forma, já existia em “Rocky, um lutador” se pensarmos nos tantos outros boxeadores que frequentavam a academia em que ele treinava sem terem grandes perspectivas pela frente a não ser os poucos dólares que recebiam para lutar). E longe dos ringues, mesmo Rocky era apenas mais um buscando um emprego digno e boas condições para viver, numa realidade distante daquela pregada pelos defensores do american dream. É verdade que ele até consegue um emprego, mas não da maneira que gostaria, utilizando novamente sua força física, agora no frigorífico onde Paulie trabalhava. Só que, em tempos de crise, a empresa decide demiti-lo alegando que ele não tem muito tempo de casa, numa desculpa qualquer que não ameniza em nada a situação e que acontece ano após ano nas corporações mundo afora.

Antes disso, Rocky surge empolgado com a chance recebida na vida e com os dólares que lucrou na luta, rapidamente mudando de status ao comprar uma nova casa, um carro e roupas – observe a jaqueta com um tigre nas costas que, somada às cores do uniforme que ele usa na luta e ao tigre que presencia o pedido de casamento, curiosamente faz uma alusão talvez não intencional à famosa música que surgiria no terceiro filme (figurinos de Sandy Berke Jordan e Tom Bronson). Enquanto Rocky se empolga, Adrian se mantém mais comedida e reticente, ciente de que o mercado de trabalho não seria tão complacente com um homem que mal sabia ler e que se destacava pela força física. O primeiro choque de realidade surge já na tentativa de explorar a imagem de Rocky num comercial, quando ele mal consegue ler as falas e muito menos interpretá-las de maneira adequada, levando o raivoso diretor (John Pleshette) a desistir.

Coerente com o andamento da narrativa, a direção de fotografia de Bill Butler inteligentemente aposta num tom menos sombrio nesta primeira etapa do longa, ilustrando que Rocky e Adrian estão mais felizes somente para retornar ao visual afundado nas sombras no período mais difícil em que ele tentar conseguir um emprego. Observe, por exemplo, como o sol brilhando e a trilha sonora criam um clima alegre quando Rocky surge brincando com crianças na rua e, em seguida, Adrian confirma a gravidez. Compare este momento com a melancólica conversa entre Rocky e seu treinador Mickey no apartamento deste último, na qual o rosto de ambos surge parcialmente encoberto pelas sombras, num momento aliás em que Stallone demonstra seu talento ao dizer com dor quase palpável que precisa daquele ambiente, admitindo que não consegue viver longe dos ringues e daquela rotina de treinamentos. Burgess Meredith também não fica atrás, transmitindo seu incomodo ao ver aquele homem desperdiçando seu potencial. Novamente convincente na pele do treinador Mickey, ele demonstra com seu temperamento explosivo sua obsessão em tirar o melhor de Rocky.

Jaqueta com um tigreRocky brincando com criançasEncoberto pelas sombras

Ao investir todo o primeiro ato na afirmação do relacionamento do casal, Stallone não abre muito espaço para Apollo, que surge esporadicamente para nos lembrar que uma luta estava por vir. Isto ocorre por que o diretor prefere focar nos personagens ao invés do evento que fechará a narrativa, transformando “Rocky II” num filme muito mais sobre o relacionamento entre Rocky e Adrian do que sobre a revanche em si (apesar do subtítulo brasileiro indicar o contrário). Agora mais confiantes e entrosados, Stallone e Shire demonstram grande empatia, o que ajuda bastante a tornar a relação crível e conquistar o espectador. Surgindo num vestido vermelho quando Rocky deixa o hospital que simboliza sua nova fase na vida, superando em parte a timidez e se permitindo viver uma paixão, a Adrian de Talia Shire é mais do que o clichê machista “todo grande homem tem uma grande mulher por trás” sugere, assumindo o comando da casa e o sustento do lar. Mesmo grávida, ela trabalha para trazer dinheiro enquanto Rocky tenta se encontrar.

Já Carl Weathers surge menos caricato (mas não tanto), demonstrando nos poucos instantes em cena como Apollo remói a luta vencida por pontos contra Rocky e, principalmente, a repercussão daquela histórica luta. Agindo de maneira irracional e irritadiça muitas vezes, como no encontro dos pugilistas no hospital logo após a primeira luta, ele mantém as reações exageradas que se contrapõem ao lado centrado e até ingenuamente sarcástico de Rocky. Observe, por exemplo, como na entrevista coletiva, Apollo está mais agitado, bancando o durão, enquanto o deboche típico destes eventos pré-luta surge na voz de Rocky, que faz diversas piadas e diverte os repórteres.

Esta inocência ilustra uma das características mais fortes e marcantes de Rocky: a humanidade. Vivendo o personagem que parece ter nascido para interpretar, Stallone confere este lado humano com precisão ao boxeador, algo que fica evidente quando ele visita o quarto do oponente no hospital e pergunta se ele deu o seu melhor, demonstrando que ele próprio duvidava se o campeão tinha lutado com afinco. E que boxeador que não o humano Rocky pararia na frente da Igreja instantes antes de subir ao ringue somente para pedir aos berros no meio da rua a benção do padre? Este tipo de atitude humaniza Rocky Balboa e o aproxima do espectador. Só que Rocky também tem seus segredos, como podemos notar quando ele ri ao ver a caricatura de Apollo lhe esmagando num jornal, mas ao entrar no banheiro e isolar-se dos demais, demonstra estar chateado, algo reforçado pela câmera em plongée que o diminui em cena. Rocky é assim, um ser humano com qualidades e defeitos e não um destemido e perfeito herói.

Grande empatiaEncontro dos pugilistas no hospitalChateado

Reticente quanto a possibilidade de Rocky voltar a lutar, Adrian passa mal e o bebê nasce de forma prematura, colocando em risco a vida da mãe, o que leva o protagonista a sofrer muito e pensar em desistir da luta. Neste instante, Stallone e seus montadores Stanford C. Allen e Janice Hampton empregam um ritmo mais lento, que alterna entre silenciosas cenas na igreja e o sofrimento do protagonista diante do leito da esposa no hospital, o que cria o contraponto ideal para o momento em que ela acorda e, surpreendentemente, pede que ele vença a luta. A trilha sonora e a reação do treinador anunciam a mudança de ritmo da narrativa e dão início a mais uma empolgante sequência de treinamento embalada pela clássica música tema de Bill Conti. Consciente do poder desta sequência, Stallone trabalha na construção da imagem icônica do personagem, abusando de closes e planos que valorizam as corridas pelas ruas da Philadelphia e encerrando em câmera lenta já nas famosas escadarias do Museu de Arte, chegando a congelar a imagem do protagonista para gravá-la ainda mais na memória do espectador.

Chegamos então a aguardada revanche, numa luta mais circense e menos realista que a do filme anterior, com Rocky mal se defendendo dos violentos golpes do adversário – ainda que a maquiagem que cria os machucados nos boxeadores novamente impressione. Ainda assim, o bom ritmo, o excelente design de som que nos joga dentro do ringue e a interpretação dos atores tornam tudo mais crível, nos levando ao ápice no round final onde o suspense (de certa forma até exagerado, mas que funciona) antecede a vitória de Rocky, fazendo a plateia na tela e fora dela explodir de alegria. Vale ainda observar como após a luta Apollo se redime e admite a grandeza de Rocky, num indício do que seria a relação entre eles a partir do terceiro filme.

“Rocky II – A Revanche” cumpre sua proposta ao trazer novamente Rocky para o ringue, mas outra vez decide ir além da luta e, assim como o treinador Mickey faz com o boxeador, consegue explorar todo o potencial dramático que o personagem tem.

Rocky II – A Revanche foto 2Texto publicado em 16 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

O PODEROSO CHEFÃO – PARTE III (1990)

(The Godfather: Part III)

 

Videoteca do Beto #74

Dirigido por Francis Ford Coppola.

Elenco: Al Pacino, Diane Keaton, Talia Shire, Andy Garcia, Eli Wallach, Joe Mantegna, George Hamilton, Sofia Coppola, Bridget Fonda, Raf Vallone, Franc D’Ambrosio, Donal Donnelly, Richard Bright, Helmut Berger, Don Novello, John Savage, Vittorio Duse e Al Martino.

Roteiro: Mario Puzo e Francis Ford Coppola, baseado em livro de Mario Puzo.

Produção: Francis Ford Coppola.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

No capítulo final da consagrada saga da família Corleone, Coppola entrega um filme corajoso, abordando um tema polêmico e amarrando todas as pontas da trama, sem jamais fugir das principais características da trilogia. Além disso, completa de forma magnífica a trajetória de Michael Corleone, com o desfecho trágico e comovente desta história de ascensão, poder, glória e decadência. Tudo está presente com força total neste “O Poderoso Chefão – Parte III”, as atuações de grande nível (com apenas uma exceção), a fotografia sombria, a trilha evocativa, a direção segura, a violência e o realismo. Trata-se, portanto, de um filho legitimo da saga dos mafiosos, injustamente retratado como inferior aos outros por muitos cinéfilos. Se não é um filme perfeito, seus pequenos problemas (leia-se, Sofia Coppola), não são suficientes para tirar o brilhantismo deste capitulo final.

Muitos anos após ordenar a morte de seu irmão Fredo, Michael Corleone (Al Pacino) recebe um dos títulos mais importantes dados pela igreja católica, a Ordem de San Sebastian, após fazer uma doação de 100 milhões de dólares em nome da fundação Vito Corleone, comandada por sua filha Mary (Sofia Coppola). Durante a festa de celebração, ele recebe seu sobrinho Vicent (Andy Garcia), que conta com o apoio de Connie (Talia Shire) para trabalhar com o tio, ao invés de continuar com Joey Zasa (Joe Mantegna), o atual dono da área anteriormente comandada pelos Corleone. Enquanto isto, um arcebispo (Donal Donnelly) oferece para Michael o controle majoritário de uma importante empresa que pertence à Igreja por 600 milhões de dólares, valor que ajudaria a cobrir o déficit da igreja, mas esta oferta desperta a ira de vários integrantes do clero.

“O Poderoso Chefão – Parte III” é um filme magnífico, que conta com todas as principais características da trilogia, como já citado anteriormente. Logo nos primeiros planos, Coppola nos apresenta o resultado das atitudes de Michael no passado, através dos planos que passeiam pela casa abandonada, ilustrando a destruição daquela família. Em certo momento, antes mesmo de aceitar seu sobrinho em seus negócios, Michael é apresentado afundado em sua cadeira, mergulhado nas sombras, o que além de manter a característica visual dos filmes anteriores, ilustra o momento sombrio na vida daquele homem, divorciado, doente e em decadência. E é justamente esta derradeira caminhada de Michael, agora um homem amargurado em constante busca por redenção, que vai guiar a narrativa, contrapondo seu modo de ver as coisas com a impulsividade de seu sobrinho, um reflexo vivo e real de sua própria juventude. Além disso, o roteiro escrito por Mario Puzo e Francis Ford Coppola (baseado em livro de Mario Puzo), insere um novo e corajoso elemento na trama, ao abordar os escândalos da igreja católica e a suspeita morte do Papa João Paulo I (mantendo a tradição de ligar a família de mafiosos a fatos importantes da história), além de mostrar os negócios obscuros da igreja, simbolizados até mesmo através de pequenos gestos que desmistificam o clero, como o arcebispo fumando um cigarro (algo que a igreja condena). Na realidade, nada seria mais apropriado do que inserir a igreja numa trama repleta de culpa e arrependimento. Como de costume, Coppola também mantém a violência e o realismo, notável, por exemplo, na tensa invasão da casa de Vicent, no massacre promovido por Joey Zasa e na surpreendente morte do mesmo Zasa.

Por outro lado, o ritmo da narrativa é claramente mais lento que nos filmes anteriores, e da mesma forma, aborda uma gama menor de personagens, o que não diminui a qualidade da intrincada trama, reforçada pela citada coragem temática. Este ritmo mais lento é provocado pela necessidade de explicar o destino de alguns personagens ausentes, como Tom Hagen, e até mesmo pelos momentos que envolvem a paixão de Mary e Vicent, que se revela vital para o trágico desfecho da trama. Obviamente, a montagem de Lisa Fruchtman, Barry Malkin e Walter Murch colabora neste aspecto, ao balancear muito bem estas cenas mais lentas com as empolgantes seqüências citadas acima, que envolvem violência e muita tensão. Além disso, se destaca especialmente na seqüência da ópera, alternando entre as diversas ações paralelas com fluidez, mantendo a atenção do espectador. Finalmente, vale destacar como “O Poderoso Chefão – Parte III” mantém a mesma estrutura narrativa das partes I e II, iniciando com uma festa e com Michael resolvendo os problemas em sua sala, passando pela tradicional foto da família, em que Michael faz questão da presença de Vicent, partindo para a proliferação dos problemas e conflitos e, na derradeira rima narrativa que acontece durante a ópera, culminando com o momento em que Vicent, assim como Michael no passado, resolve todos os seus problemas de uma vez, eliminando os principais obstáculos de seu caminho.

Nos aspectos técnicos, “O Poderoso Chefão – Parte III” também não deixa nada a desejar. A sempre espetacular direção de fotografia de Gordon Willis adota um tom sépia para destacar a melancolia daquele império em decadência, além de manter seu estilo sombrio, carregando nos tons de preto e mergulhando os personagens nas sombras, ainda que neste capítulo final estes tons sombrios apareçam com menor freqüência. Também marca presença novamente o marcante tema composto por Nino Rota, fazendo parte da trilha sonora comandada por Carmine Coppola (pai de Francis), que também insere outras belas músicas, como a clássica ópera Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni, na cena mais emblemática e emocionante do filme. E o que podemos dizer da excepcional maquiagem, que transforma os atores e envelhece os personagens com perfeição? Ainda que o longa tenha sido produzido 16 anos após o segundo capítulo e, evidentemente, os atores também estivessem mais velhos, personagens como Michael, Kay e Connie deveriam aparentar ainda mais velhos após tanto sofrimento, e isto de fato acontece graças ao bom trabalho de maquiagem. Completando o fabuloso trabalho técnico, a direção de arte de Alex Tavoularis reflete a decadência da família Corleone através da casa abandonada no inicio, além de recriar com perfeição a Nova York do final dos anos 70, e os figurinos de Milena Canonero mantém o marcante visual dos gângsteres da trilogia.

E chegamos então ao elenco liderado por Al Pacino, que está mais contido, refletindo muito bem o quanto Michael está maduro. Ainda assim, seu temperamento explosivo aflora em certos momentos, algo que o ator demonstra muito bem, por exemplo, quando Michael se irrita, se controla e mostra autoridade na conversa com Vicent, Connie e Neri, após a morte de Zasa. Tentando “limpar” os negócios da família (e sua própria consciência) através da compra da Immobiliare, Michael é trazido de volta para o conflito quando menos espera, algo refletido na célebre frase “justo quando pensei estar fora, eles me arrastam de volta”. Mais controlado, mas ainda ambicioso, ele é obrigado a conviver diariamente com o peso de seu passado enquanto busca por redenção, algo que Pacino também transmite com muita competência, especialmente na excepcional cena em que se confessa para o padre, mostrando o quanto ele sofre por tudo que fez (principalmente, por ter ordenado a morte de Fredo). Por outro lado, o tempo trouxe sabedoria ao líder dos Corleone, o que permite que ele aconselhe o sobrinho Vicent sobre o perigo que sua relação com Mary representava, até mesmo porque o próprio Michael viveu esta situação no passado. Sempre inteligente, Michael usa o interesse de Vicent por sua filha para descobrir os planos de Altobello (Eli Wallach), e o sobrinho entende perfeitamente os recados do tio. Interpretado com competência por Andy Garcia, Vicent lembra bastante o seu pai Sonny, com seu temperamento explosivo. Inicialmente, não se envolve muito com a família (o que, por sua vez, remete ao seu tio Michael, também explosivo quando jovem e evitando se envolver nos negócios da família), entrando na sala do tio de jaqueta e com uma bebida na mão, mostrando que nem sequer sabia seguir as formalidades exigidas na ocasião. Em certo momento, ele diz algo que não deveria e Michael o aconselha a “nunca deixar alguém saber o que ele está pensando”, repetindo uma situação vivida no passado por Vito e Sonny. Por outro lado, Vicent demonstra esperteza na conversa com Altobello, convencendo o mafioso de seu interesse em trabalhar com ele, e acaba se mostrando o homem ideal para tocar os negócios da família, justamente por apresentar uma mistura de características marcantes dos filhos de Don Vito. Não podemos deixar de citar ainda Diane Keaton, que novamente se destaca vivendo a amargurada e sofrida Kay, principalmente durante a conversa que tem com Michael na Sicília, onde ela deixa evidente todos os conflitos de sentimentos da personagem, e Talia Shire, novamente em desempenho excepcional na pele de Connie, agora já conformada com os métodos do irmão e até mesmo incentivando o sobrinho a seguir o mesmo caminho. Também é inegável que ver o ótimo Eli Wallach (o “Feio” de “Três Homens em Conflito”) com um papel de destaque como o de Don Altobello é extremamente agradável e interessante. E finalmente, a totalmente inexpressiva Sofia Coppola não consegue se sustentar em nenhuma participação, mas felizmente seu personagem não compromete a trama, já que sua participação mais importante acontece justamente quando é assassinada (e felizmente, Sofia seguiu a carreira de diretora, onde é infinitamente mais competente).

Quando Michael passa o bastão para Vicent, agora Don Vicenzo, e se retira, o espectador sabe que ali está se encerrando um ciclo e pressente, com tristeza, o fim de toda a saga dos Corleone (“Não posso mais fazê-lo”, diz Michael). Chega ao fim também o excepcional arco dramático de Michael Corleone, o filho protegido de Vito, que não seguiria os caminhos obscuros da família, mas que, por amor ao pai, acabou se envolvendo, se transformando no chefe do grupo e destruindo tudo que amava para chegar ao poder. Agora, só restava a inevitável decadência, ironicamente, distante de todos que ele realmente amava. Por isso, é comovente ver o esforço do pai para buscar uma reaproximação com os filhos, o que infelizmente, leva ao trágico destino de Mary. E este final trágico é também uma das cenas mais emblemáticas e marcantes de toda a saga, com Michael descendo às escadarias, o tiro surgindo repentino, a filha caindo ferida e a morte inevitável e implacável. O grito, suplantado pela triste música e, em seguida, a música, suplantada pelo grito desesperado do pai que perdeu o que mais amava, simboliza também que chegava o triste fim para aquele homem poderoso. Era inevitável que os Corleone, ao decidir participar e interferir daquela forma em tantos e diversificados negócios e na vida de tantas pessoas perigosas, acabassem um dia provocando a morte de pessoas da família, que não tinham nenhuma ligação com a máfia. Infelizmente, este dia chegou, e a tragédia estava consumando também o fim de uma era, a era “O Poderoso Chefão” – e o espectador sabe disso. Assim como o pai, Michael termina solitário, silencioso e jogado ao chão. E quando a música sobe e a tela fica escura, o espectador sabe que testemunhou o fim de uma das grandes sagas da história do cinema mundial.

Coppola encerra sua maravilhosa trilogia de maneira belíssima e marcante, inserindo novos elementos na trama para mostrar a decadência completa de um homem extremamente poderoso e ambicioso, que na busca por proteger sua amada família, acabou alimentando sua infindável sede por poder. Como conseqüência, se afastou de todos que amava e, ao buscar sua redenção, encontrou numa escadaria, na terra natal de seu pai, o seu triste fim. Fisicamente, Michael não morreu naquelas escadarias, mas a elipse de muitos anos que salta para a sua morte solitária na cadeira simboliza que, na pratica, a vida de Michael Corleone terminou mesmo ali.

Texto publicado em 06 de Dezembro de 2010 por Roberto Siqueira

ROCKY, UM LUTADOR (1976)

(Rocky)

5 Estrelas 

Filmes em Geral #5

Vencedores do Oscar #1976

Videoteca do Beto #18 (Adquirido quando a Videoteca estava no filme #17; crítica já havia sido publicada na categoria “Filmes em Geral”).

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Thayer David, Joe Spinell, Jimmy Gambina, Bill Baldwin Sr. e Jodi Letizia.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quantas pessoas gostariam de ter uma chance na vida de mostrar o seu verdadeiro potencial e jamais conseguiram, somente porque a nossa sociedade e o nosso modo de viver raramente oferecem esta oportunidade? A tocante história do lutador amador que recebe a oportunidade de sua vida ao enfrentar o campeão mundial nos abre a possibilidade de refletir sobre este tema e observar como uma pessoa comum pode se tornar um verdadeiro campeão na vida, independente de ter ou não ter fama perante a sociedade. Escrito pelo próprio Sylvester Stallone, “Rocky, um Lutador” é muito mais que um filme sobre boxe, abordando questões delicadas de forma surpreendentemente competente.

Rocky Balboa (Sylvester Stallone) é um lutador amador de boxe que trabalha, paralelamente aos treinos, como cobrador (ou uma espécie de capanga) de um agiota na cidade de Filadélfia. A grande oportunidade de sua vida aparece quando o campeão mundial dos pesos-pesados Apollo Creed (Carl Weathers) decide, como uma estratégia de marketing, oferecer uma luta contra um desconhecido e Rocky é o escolhido. O “garanhão italiano”, como é chamado, decide se dedicar ao máximo para pelo menos sair do ringue ao término da luta sem ser nocauteado pelo campeão.

O grande trunfo do carismático filme é com certeza Sylvester Stallone. Escrito pelo próprio Stallone, Rocky é resultado de um projeto pessoal do astro, na época desconhecido do grande público. O roteiro trata basicamente da luta do homem comum para superar as adversidades em uma sociedade que não abre espaço para o seu crescimento. Podemos até considerar que existe um pouco da típica história americana, ou seja, se você trabalhar muito duro será um vencedor um dia. Mas a realidade do dia-a-dia daquelas pessoas é bem diferente, como podemos observar em pequenos detalhes da produção, como a vizinhança suja e arredia de Rocky e Paulie (Burt Young). Além disso, o filme conta com a segura direção de John G. Avildsen, que consegue criar alguns momentos inesquecíveis, como o treinamento de Rocky, recheado de belíssimos planos com o lutador correndo na beira da água e o sol nascendo, correndo pelo porto com o navio ancorado ao fundo e o belo plano no palácio da justiça da Filadélfia com Rocky subindo as escadarias e erguendo os braços lá em cima, com a bela cidade ao fundo. Ele também cria planos que dizem muito somente através da composição visual, como aquele em que Rocky está treinando no frigorífico ao vivo, enquanto Apollo e sua equipe (de costas para a televisão) fazem contas e debatem sobre o dinheiro ganho, demonstrando que para Apollo a luta contra Rocky é apenas um negócio menor. Ele é um astro e está mais preocupado com seus negócios do que com a luta em si, já que Rocky não é um adversário que o preocupe.

Stallone também é a grande força dentro do elenco do filme, oferecendo aquela que talvez seja a maior atuação de sua vida. Observe como ele vai dando pistas do temperamento explosivo de Rocky ao ficar irritado e começar a bater na carne crua no frigorífico ou quando ele reage e vence a primeira luta do filme. Observe como o ator soca o ar constantemente, como um lutador de boxe provavelmente faria, além de andar sempre com os ombros em movimento, como se estivesse prestes a desferir um soco em alguém. Além disso, ao ficar socando o ar ele também demonstra a determinação de Rocky em alcançar o seu objetivo na luta contra Apollo. Stallone também fala sempre com a boca mole, refletindo a personalidade de Rocky, que é alguém com pouco recurso intelectual, como ele mesmo diz na bela cena da patinação com Adrian. Até mesmo em cenas bem humoradas ele demonstra talento (em certo momento ele aperta uma carne crua e faz Mooo!). Repare como ele dá um leve sorriso ao ouvir as piadas de Apollo na televisão, e nem mesmo quando Paulie o repreende, dizendo que Apollo está tirando uma com a cara dele, ele para de sorrir, demonstrando que mal percebe o que está acontecendo, além de mostrar sua admiração pelo campeão. Rocky é um ser puro, simples e direto, que exatamente por ser assim, tem enorme dificuldade para viver em uma sociedade hipócrita e cheia de regras de comportamento. Finalmente, duas cenas refletem bem o talento de Stallone na composição deste personagem icônico em Hollywood. Na primeira delas, Rocky tenta conversar com Adrian, mas ela fica trancada no quarto e ele tem que falar com a porta. Stallone reflete bem o embaraço de Rocky, olhando para Paulie e depois pra baixo, indo e voltando em direção à porta e falando meio sem jeito com a garota, demonstrando sua hesitação e desconforto ao ter que passar por aquilo. A outra cena é quando Rocky discute com Mickey (Burgess Meredith). Ao ver Mickey sair, ele fica gritando e olhando para a porta com o canto do olho, demonstrando a revolta de Rocky com a vida que ele teve. Ele balança o corpo e soca a porta, explodindo em raiva quando Mickey sai, já que naquele momento Rocky estava expondo toda a dor que sentia por não ter conseguido o sucesso que seu talento permitia.

Talia Shire também tem uma grande atuação formando o par perfeito com Rocky. Nos primeiros contatos que ela tem com ele, na loja de animais, ela sorri de canto de boca com as piadas do rapaz, além de olhar quase sempre pra baixo, demonstrando a enorme timidez de Adrian. Ela só olha pra Rocky quando ele não está olhando pra ela. Na linda cena do primeiro beijo, observe como ela se entrega lentamente, recusando inicialmente o contato com ele até lentamente ir cedendo à paixão. O desajeitado beijo é extremamente realista e reflete a enorme dificuldade que aquelas duas pessoas têm de se relacionar com alguém. Burgess Meredith também está bem, demonstrando sua raiva por saber que Rocky desperdiçou a chance de ser alguém na vida, como ele deixa claro na discussão dentro da academia. O fracasso de Rocky reflete o próprio fracasso de Mickey, que também é uma pessoa amarga por não ter sido alguém no boxe, como ele deixa claro na discussão com Rocky na casa dele. Observe como nesta cena ele range os dentes, grita com raiva e olha sempre com os olhos arregalados, refletindo muito bem a ira do personagem. Carl Weathers está bastante caricato como o campeão mundial Apollo Creed, mais parecendo um astro pop entrando no palco do que um lutador de boxe entrando no ringue, provocando risos inclusive na equipe de seu adversário com a imitação de George Washington na luta final. Em todo caso, não compromete o filme. Burt Young completa o elenco principal como Paulie, o amigo fiel e explosivo de Rocky.

A dura caminhada do boxeador para chegar ao sucesso é extremamente bem refletida pelo bom trabalho técnico do filme. A começar pela direção de fotografia de James Crabe, que destaca propositalmente cores como o marrom e o preto, e cria muitos ambientes escuros. O filme se passa a maior parte do tempo à noite, refletindo a vida daquelas pessoas amarguradas e à margem da hipócrita sociedade, que parece se recusar a aceitar que existem pessoas que não são felizes com suas vidas e sequer tem a chance de mudar esta situação. Quando Rocky aconselha uma garota a parar de fumar e ficar por aí na rua até tarde, ela diz que ele não é ninguém pra falar isso pra ela. A trilha sonora toca o tema principal do filme com uma melodia lenta e triste, refletindo o momento de Rocky, que é mergulhado nas sombras da rua. Ele ficou mal com as palavras da garota, e o visual da cena, reforçado pela trilha sonora, reflete este estado psicológico do personagem. A excelente direção de arte de James H. Spencer cria ruas sujas, cheias de lixo e com paredes pichadas, mostrando um submundo de pessoas que vivem uma realidade muito diferente daquela pregada pelo “american way of life”. A casa de Rocky reflete bem sua decadência como pessoa. Observe o colchão rasgado perto da parede, as coisas bagunçadas, as paredes descascadas e a janela pichada. Ele não tem dinheiro pra nada. Os figurinos de Robert Cambel e Joanne Hutchinson colaboram na criação deste ambiente, com roupas pouco coloridas e sem vida. A trilha sonora, famosa nos dias de hoje, é muito empolgante. A música tema é cheia de energia e casa muito bem com a força do personagem. Finalmente, o trabalho de montagem de Scott Conrad e Richard Halsey mantém a narrativa sempre atraente ao focar a vida pessoal de Rocky (e não as lutas de boxe), além de colaborar com perfeição em dois momentos memoráveis do filme: o treinamento e a luta final.

Canalizando toda a frustração de sua vida para dentro do ringue, o lutador amador consegue transformar aquela simples luta em um verdadeiro embate entre as pessoas comuns e aquelas que têm o poder. Ao olhar para Rocky no ringue, a maioria dos espectadores reconhece características próprias e este é o segredo da empatia do personagem com a platéia (além é claro do carisma de Stallone). Torcemos loucamente pelo seu sucesso, mesmo sabendo da enorme dificuldade que ele precisa enfrentar para alcançá-lo. O filme acerta em cheio no realismo da luta final, já que Rocky, mesmo derrubando o campeão, perde por pontos após lutar todos os rounds. Seria difícil mesmo ele vencer o campeão mundial, mas a forma como é derrotado se torna uma vitória pessoal pra ele e, conseqüentemente, para o espectador também. O seu grito por Adrian no final da luta mostra o quanto ela foi importante para que ele buscasse forças e alcançasse seu objetivo, numa das mais belas cenas do filme.

Mostrando com extremo realismo como as pessoas comuns precisam lutar constantemente neste mundo que oferece tão poucas oportunidades para alcançar seus objetivos, “Rocky, um Lutador” consegue ser direto e ao mesmo tempo tocante. Com um personagem principal extremamente carismático, simples e inocente, mas cheio de força e garra, outros personagens muito bem desenvolvidos e boas interpretações, consegue se estabelecer como um filme maduro, que ultrapassa a barreira do esporte e simboliza a luta de toda uma vida. 

Texto publicado em 13 de Setembro de 2009 por Roberto Siqueira

O PODEROSO CHEFÃO – PARTE II (1974)

(The Godfather: Part II) 

5 Estrelas

 

Obra-Prima

Videoteca do Beto #10

Vencedores do Oscar #1974

Dirigido por Francis Ford Coppola.

Elenco: Al Pacino, Robert De Niro, Diane Keaton, Robert Duvall, John Cazale, Talia Shire, Lee Strasberg, Michael V. Gazzo, Morgana King, Gianni Russo, Abe Vigoda, G. D. Spradlin, Richard Bright, Gastone Moschin, Tom Rosqui, Bruno Kirby, Frank Sivero, Francesca De Sapio, Marianna Hill, Dominic Chianese, John Aprea, Giuseppe Silato, Mario Cotone, Harry Dean Stanton, Danny Aiello e James Caan. 

Roteiro: Mario Puzo e Francis Ford Coppola, baseado em livro de Mario Puzo. 

Produção: Francis Ford Coppola.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Se a primeira parte da trilogia O Poderoso Chefão destaca-se pelo roteiro incrivelmente coeso, que abrange uma gama enorme de personagens complexos e extremamente bem desenvolvidos, além da absoluta perfeição alcançada em todos os setores da obra, esta primorosa seqüência dirigida com muita competência por Francis Ford Coppola não fica nem um pouco atrás. Além de dar continuidade à maravilhosa trama do primeiro longa, o habilidoso trabalho de toda equipe ainda divide a narrativa em duas estórias paralelas e igualmente atraentes, sugando o espectador de forma inigualável para dentro do filme. O roteiro complexo e cheio de ramificações explora ainda mais o drama psicológico dos personagens e converge mais uma vez para um final perfeitamente bem realizado.

Após a morte de Don Vito Corleone, Michael (Al Pacino) resolveu eliminar de seu caminho todos os problemas pendentes, assassinando todos aqueles que poderiam gerar algum conflito com seus interesses. Decidido a entrar no ramo do entretenimento, ele instala seus negócios em Las Vegas e Havana, através da compra de luxuosos Hotéis e Cassinos. Só que na medida em que seus negócios evoluem e seu sucesso aumenta, ele vai perdendo lentamente o que mais tem valor em sua vida. Paralelamente, acompanhamos a trajetória de Vito Corleone (Robert De Niro), desde sua fuga da Sicília para Nova York até o nascimento de seu filho Michael e sua afirmação como o homem mais poderoso da máfia.

A estrutura narrativa é propositalmente semelhante nos dois filmes. Ambas começam com uma festa em que o líder da família se divide entre dar atenção aos convidados para manter as aparências e resolver os problemas de seu obscuro negócio em sua sala particular. Em seguida, um atentado ao chefe da família é o ponto de partida para uma enorme quantidade de conflitos que serão resolvidos simultaneamente em um terceiro ato maravilhoso e genial. O encontro acontecido em Cuba entre Hyman Roth (Lee Strasberg), Michael e as pessoas mais importantes da região também remete ao primeiro filme, lembrando o encontro dos líderes das famílias mafiosas em Nova York. A diferença aqui é que além da trajetória de domínio de Michael, podemos acompanhar também a chegada de Vito Corleone ainda jovem à Nova York. Desta forma, Coppola cria a oportunidade de mostrar paralelamente e de forma brilhante a vida de pai e filho na mesma época de suas vidas, porém em épocas distintas da sociedade. E é interessante observar que apesar de estarem na mesma idade, eles enfrentam problemas diferentes para manter a sua família. Vito tem sucesso, Michael não. A diferença de épocas fica clara no belo diálogo que Michael tem com sua mãe. Sua frase final (“Os tempos estão mudando”) demonstra sua preocupação com uma possível revolta de Kay (Diane Keaton), que efetivamente acontece depois. Outra novidade nesta segunda parte da trilogia é a ligação entre a trajetória dos Corleone e fatos históricos, como a revolução cubana. Pra finalizar, o excelente roteiro de Mario Puzo e Francis Ford Coppola mantém uma característica muito importante do primeiro filme: as frases marcantes. Para citar apenas duas, temos a frase emocionada de Michael para Fredo (John Cazale): “Eu sei que foi você, Fredo!” e a atordoante revelação de Kay para Michael: “Foi um aborto Michael!”.

A direção de Coppola mantém o nível de excelência do primeiro filme, conduzindo a complexa narrativa com extrema segurança e criando planos absolutamente geniais. Observe como ele cria lentamente a sensacional cena do ataque contra Michael. Após ver o desenho de seu filho, Michael conversa tranquilamente com Kay até que ela pergunta por que as cortinas estão abertas. É a chave para que o espectador pressinta o ataque iminente, sem muito tempo de reação para os personagens que se jogam no chão imediatamente, enquanto os tiros estraçalham o quarto. A habilidade do diretor para criar cenas marcantes é incrível. Se o primeiro filme tem um enorme festival de cenas inesquecíveis, a segunda parte mantém a tradição com louvor. Para citar algumas cenas maravilhosas, temos o ataque de Vito ao “Mão Negra” (Gastone Moschin), a festa inicial para o filho de Michael, o impressionante ataque contra Michael em sua casa seguido pela caça noturna aos atiradores, a chegada à Cuba e a explosão da revolução cubana, a impagável vingança de Vito em plena casa de Don Ciccio (Giuseppe Sillato), a realista e reveladora discussão entre Michael e Kay e a emblemática cena da morte de Fredo no barco, com Michael olhando pela janela.

Coppola também repete o excelente trabalho do primeiro filme na condução de atores, extraindo atuações magníficas do espetacular elenco. Robert De Niro e Al Pacino disputam acirradamente o respeitável posto de melhor atuação do filme. De Niro consegue tornar verossímil o seu jovem Vito Corleone, utilizando inclusive a voz rouca criada por Marlon Brando no primeiro filme. Observe sua reação na engraçada cena em que Don Roberto vem lhe dizer que além de não tirar um inquilino irá reduzir o preço do aluguel. Vito olha para o seu amigo duas vezes como forma de intimidar o cidadão e quando consegue o que queria ele diz “Grazie!” com uma cara cínica de quem já esperava por aquilo. Na cena em que Clemenza (Bruno Kirby) invade uma casa para roubar um tapete, ele pergunta “Essa casa é do seu amigo?” e ao ouvir a resposta, faz um movimento com os lábios típico de quem está impressionado e ao mesmo tempo duvidando da informação. Esta cena, aliás, é o ponto inicial para o envolvimento de Vito com o crime, já que ele quase presencia um assassinato. Na memorável cena da vingança na Itália, ele fica observando de longe, com a blusa no braço e um olhar sério de quem aguarda aquele momento há muitos anos. Quando Don Ciccio brinca com o nome dele, De Niro dá um sorrisinho cínico. Em seguida o homem pergunta o nome do pai dele e De Niro se aproxima e sussurra com a voz rouca “Antonio Andollini, e isto é pra você!” e esfaqueia o homem, saindo correndo em seguida. E finalmente, na maravilhosa cena do assassinato de Don Fanucci, ele é frio o suficiente para matar o homem e se livrar dos vestígios do crime, e De Niro é muito competente quando demonstra essa frieza de Vito, olhando para os lados antes de se jogar a arma fora e saindo naturalmente do local do crime para encontrar sua família. Al Pacino mais uma vez está perfeito como Michael Corleone. Sua transformação em relação ao primeiro filme é evidente. Firme, ele conduz com segurança os negócios da família, que em contrapartida vai se afastando cada vez mais dele, como fica evidente em seu retorno pra casa, quando vê o carrinho de seu filho atolado na neve e a casa vazia. Observe como na cena em que responde para o senador Pat Geary (G.D. Spradlin, brilhante neste embate com Pacino) “minha oferta é esta… nada!”, sua cadeira se move pra trás e pra frente demonstrando sutilmente sua inquietação e raiva. Quando Tom Hagen lhe conta sobre a perda de seu filho, ele respira fundo, muda de uma feição tranqüila para um rosto prestes a explodir, olha pra baixo, mexe com as mãos e finalmente pergunta “Era um menino?”. A resposta vaga de Tom é o estopim para a explosão de Michael que Pacino demonstra com maestria. Quando percebe que foi traído pelo irmão numa apresentação de dançarinas, seu olhar e respiração deixam claro para o espectador sua frustração. E finalmente, no enterro de Mama Corleone, ao abraçar seu irmão, ele olha para uma pessoa presente, e somente este olhar é o suficiente para mostrar que ele não perdoou Fredo. John Cazale é extremamente competente como Fredo, num papel que ganhou muita importância dentro da trama. Sua melhor cena é a discussão final com Michael, quando ele revela toda sua angústia e os motivos de sua traição. Cazale retrata com muita veracidade o sofrimento de Fredo, o irmão mais velho (e preterido) de Michael. Observe como ele altera a voz, olha para o alto, movimenta as mãos e se joga na cadeira ao discutir com o irmão, que se mantém imponente e firme na conversa. A composição visual dos dois no plano demonstra a diferença entre eles, já que Michael se mantém olhando por cima, enquanto Fredo está diminuído na cena.

Diane Keaton está ainda melhor como a amargurada Kay Adams, esposa do mafioso. Lentamente ela se afasta do violento marido e Keaton retrata esta gradual transformação com perfeição. Junto com Pacino, ela cria uma cena maravilhosa que evolui gradualmente para um final trágico na realista discussão dentro do Hotel. Primeiro Kay pede educadamente para que Rocco se retire. Repare que a feição de Keaton vai lentamente se alterando conforme ela vai contando seu plano de ir embora para Michael. Enquanto conversam, Pacino solta o colarinho e depois pega uma bebida. Quando ele grita que não vai permitir que ela vá embora e leve seus filhos, Keaton fixa o olhar no chão e diz “neste momento não sinto amor por você”. Pacino acende um cigarro e diz que eles vão juntos no outro dia. A explosão dela em cena é iminente. Ela range os dentes e Michael diz que sabe que ela o culpa por ter perdido o bebê e que eles vão ter outro filho. Ela olha para o alto, respira fundo e diz: “Michael, oh Michael, você está cego!”. Pacino, que estava tranqüilo e até demonstrando certa pena de sua esposa, começa a mudar seu comportamento. Então, com os olhos cheios de lágrimas, ela revela que não perdeu o bebê, e sim fez um aborto porque não quer continuar com esta relação. Pacino se transforma. Seus olhos arregalam, sua boca treme e sua respiração praticamente para. Ela continua falando e o tapa violentíssimo vem em seguida. Um show de interpretação da dupla, que marca o fim do relacionamento, como comprova a emblemática cena em que Michael fecha a porta na cara de Kay. O homem tranqüilo havia se transformado em um criminoso amargurado e frio. Talia Shire tem um desempenho muito bom como a renovada Connie. Ela se mostra uma mulher liberal, fumando e querendo viajar com o namorado. Superficialmente, ela demonstra ter superado a perda de seu marido, mas em seu coração ela nunca perdoou Michael pelo que ele fez, como fica evidente na conversa que eles têm no inicio do filme. Robert Duvall tem outra boa atuação como Tom Hagen, o paciente conselheiro da família, afastado por Michael em um momento estratégico da trama, mas de suma importância nos negócios da família. Podemos destacar ainda muitos atores do elenco de apoio, como Lee Strasberg fazendo o inteligente Hyman Roth, Michael V. Gazzo como o italianíssimo Frankie Pentangeli, G.D. Spradlin como o cínico senador Pat Geary e Bruno Kirby como o esperto jovem Clemenza.

O ritmo das duas narrativas paralelas é muito bem coordenado pela excelente montagem de Barry Malkin, Richard Marks e Peter Zinner, que cria grandes blocos narrativos em cada período, o que evita tirar o espectador da história constantemente. As transições entre os dois períodos distintos são sempre muito interessantes, como a seqüência que salta da imagem de Vito ainda criança para seu neto Antonio Corleone e a transição de Michael para Vito logo após o diálogo com Mama Corleone, num dos dois planos que Pacino e De Niro dividem no longa. Outra transição interessante corta de Vito e Michael na janela do trem para Mama Corleone morta, com Fredo e Connie aparecendo em seguida, lembrando o espectador que a única coisa que mantinha Fredo vivo era sua mãe. Agora Michael não tinha mais motivos para não matá-lo. A excelente fotografia de Gordon Willis volta com um tom ainda mais escuro e denso. Observe como ele mergulha metade do rosto de Michael e Connie por inteiro nas sombras na cena em que eles conversam sobre uma suposta viagem dela, deixando somente um ponto da tela (o ponto cego) com alguma luz. Outro exemplo é o olho de Vito completamente escondido nas sombras enquanto aguarda Fanucci no prédio. As inúmeras cenas noturnas colaboram com esta sensação de escuridão, como o ataque contra Michael ou o início da revolução cubana. Willis também é extremamente competente na divisão clara entre as duas narrativas, utilizando uma paleta grossa e cores opacas quando narra a vida de Vito, desde sua fuga da Itália até os seus primeiros anos em Nova York, retratando o ambiente hostil e a vida dura que ele tinha. Além disso, a imagem desgastada dá um ar mais antigo às cenas. Repare que a maravilhosa rua da feira livre destaca as cores verde, vermelho e amarelo, porém em um tom sem vida. Willis alterna para uma paleta mais limpa quando narra a vida de Michael, sem deixar de utilizar os ambientes escuros e sombrios nas duas situações. A trilha sonora cria simpáticas variações para a excelente música tema do primeiro filme, como na cena que Michael conversa com seu filho no quarto (onde as notas lembram canções de ninar para bebês) e quando Vito segura Michael no colo e diz que lhe ama muito, ao som da música tema tocada em um violão atrás dele. A maravilhosa Direção de Arte de Angelo P. Graham cria uma Nova York absolutamente incrível. Observe como a citada feira livre é extremamente detalhada, com barracas de frutas cobertas por toldos coloridos, comércio de animais, roupas penduradas nas janelas, sujeira nas ruas e carros da época. Os detalhes também estão presentes nas cidades de Havana, Miami e Las Vegas, dentro dos luxuosos hotéis perfeitamente decorados e nas agitadas ruas da capital cubana, recheadas de crianças pobres. Os figurinos desta vez ficaram sob a responsabilidade de Theadora Van Runkle, que mantém o estilo marcante do primeiro filme no visual dos gângsteres e capricha também no visual da trama paralela, com a típica roupa italiana de Vito Corleone completada pelo tradicional chapéu que Michael também utilizou no primeiro filme.

Assim como no maravilhoso “O Poderoso Chefão”, o terceiro ato de “O Poderoso Chefão – Parte II” também finaliza com perfeição a narrativa. A morte de Fredo acontece simultaneamente ao assassinato de Roth e a descoberta do suicídio de Pentangeli, eliminando mais uma vez os problemas pendentes de Michael. Só que desta vez ele vai refletir amargamente sobre o resultado de suas ações. Observe em particular a composição visual na cena da morte de Fredo. Primeiro Coppola mostra Fredo rezando enquanto Michael olha pela janela. Ao som do tiro, a câmera volta para o barco, agora só com o assassino sentado e os pássaros voando ao fundo. Michael, solitário na janela, chegara ao fundo do poço, sem sua mulher, sem seus filhos e assassinando o próprio irmão. Ao mostrar Michael pensativo e solitário na sala, Coppola salta para o passado, criando uma emblemática e bela cena final. Ao ver Carlo sendo apresentado à Connie, Michael revelando que iria para a marinha e Fredo, Sonny e Tom conversando na mesa, a reflexão que fazemos é como aquele homem tranqüilo se transformou naquele monstro ao final do segundo filme. Pensamos também como aquela família conseguiu cair em tamanha decadência. Com a chegada de Don Vito, Michael fica sozinho na cozinha, assim como está no presente. Só que agora ele está solitário e desolado, pois venceu todos os inimigos, mas perdeu tudo que ele amava, ou seja, a família.

Trabalhando de forma ainda mais intensa o drama psicológico de seus personagens, “O Poderoso Chefão – Parte II” consegue a proeza de ser ainda mais complexo narrativamente que o primeiro filme. A incrível decadência de um homem poderoso e o resultado desastroso de seus atos torna esta segunda parte da saga ainda mais pesada e sombria. Contando novamente com competência na direção, roteiro, atuações e toda a parte técnica, reafirma a excelência do trabalho de Coppola, Puzo, Willis e companhia e garante um lugar eterno no coração daqueles que realmente gostam de cinema. Obra-prima.

 

Texto publicado em 02 de Setembro de 2009 por Roberto Siqueira

O PODEROSO CHEFÃO (1972)

(The Godfather) 

5 Estrelas

 

Obra-Prima 

Videoteca do Beto #9

Vencedores do Oscar #1972

Dirigido por Francis Ford Coppola.

Elenco: Marlon Brando, Al Pacino, Diane Keaton, Robert Duvall, Richard S. Castellano, James Caan, Talia Shire, Sterling Hayden, John Marley, Richard Conte, Al Lettieri, Gianni Russo, John Cazale, Morgana King, Lenny Montana, Abe Vigoda, Tony Giorgio, Victor Rendina, Alex Rocco, Salvatore Corsitto, John Martino, Simonetta Stefanelli e Al Martino. 

Roteiro: Mario Puzo e Francis Ford Coppola, baseado em livro de Mario Puzo. 

Produção: Albert S. Ruddy.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quando a tela escura anunciar “Mario Puzo’s The Godfather” ao som da eterna e maravilhosa trilha sonora de Nino Rota e o personagem Bonasera (Salvatore Corsitto) aparecer na tela dizendo: “Eu acredito na América”, tenha certeza que você está prestes a assistir uma das melhores e mais importantes obras que o cinema já produziu em toda a sua existência. Afirmar algo deste tipo é muito perigoso, já que dificilmente alguém conseguirá ver todos os filmes produzidos desde o inicio da sétima arte. Mas a obra-prima de Francis Ford Coppola é uma proeza técnica e narrativa tão perfeita, além de brilhantemente interpretada, que dificilmente algum filme conseguiu ou conseguirá alcançar o seu nível de excelência ao longo dos anos.

Vito Corleone (Marlon Brando) é o líder da imigrante família italiana que manda e desmanda na cidade de Nova York, através de sua influencia no mundo dos jogos, prostituição entre outras coisas. Através da troca de favores (e de outros métodos mais intimidadores quando necessário), os Corleone conseguem ter ao seu lado todas as pessoas influentes da cidade e, consequentemente, dão as cartas na região. A vida segue tranqüila pra eles até que o gangster Sollozzo (Al Lettieri) oferece aos Corleone uma participação no negócio dos narcóticos em troca de proteção política. Com a recusa de Don Vito, iniciam-se os conflitos entre as famílias e, como conseqüência, inicia-se também a ascensão de Michael Corleone (Al Pacino) de filho protegido e pouco envolvido nos negócios a novo chefe da família mafiosa.

“O Poderoso Chefão” é, acima de tudo, uma proeza narrativa. Criar um roteiro tão complexo, que envolva um número tão grande de personagens importantes e profundamente bem desenvolvidos (basta ver o número de atores que citei no cabeçalho da crítica), amarrando todas as pontas da narrativa ao longo de todo o filme (e muito mais que isso, ao longo de toda trilogia!), é motivo suficiente para considerá-lo uma obra singular na história do cinema. Além destas qualidades, o roteiro conta ainda com inúmeras frases simplesmente geniais e inesquecíveis. Para citar apenas duas delas, temos a famosa fala de Vito Corleone “Vou fazer uma oferta que ele não pode recusar”, repetida depois por Michael ao longo da trilogia, e a fala de Peter Clemenza (Richard S. Castellano, em grande atuação) logo após o assassinato de Paulie (John Martino) no carro: “Leave the gun. Take the cannoli” (no original em inglês), que em português seria “Deixe a arma. Pegue o cannoli”. Esta frase resume perfeitamente a alma dos mafiosos, ou seja, pessoas que não hesitam na hora de matar alguém que atrapalhe o seu caminho, mas que em contrapartida, têm valores familiares muito bem definidos. A comida preparada por sua esposa é tão importante pra ele quanto cumprir a ordem de seu chefe da máfia. Só que, além do maravilhoso roteiro escrito por Mario Puzo e Francis Ford Coppola, o filme ainda conta com um trabalho técnico absolutamente impecável e atuações do mais alto nível, o que faz dele uma obra-prima magnífica e inigualável.

Logo na primeira conversa entre Don Corleone e Bonasera somos introduzidos ao sombrio ambiente da trama. Percebemos que se trata de uma família composta por muitas pessoas que são lideradas por um respeitado senhor conhecido como “Padrinho” e que ouve pacientemente os pedidos de ajuda dos amigos presentes na festa de casamento de sua filha. Sua reação ao pedido do cantor Johnny Fontane (Al Martino, em papel inspirado em Frank Sinatra), gritando e depois beijando o amigo, deixa claro o jeito paternal que ele tem de comandar o grupo. Fica claro também o código de ética do mafioso quando este se irrita com um amigo que só lembra dele para pedir favores. Em outro determinado momento, ele se recusa a tirar uma foto da família sem a presença de seu filho Michael, o que evidencia a importância que aquele filho em especial tem pra ele. Todo este bem trabalhado primeiro ato apresenta cuidadosamente os personagens e servirá de base para o complexo desenrolar da trama, que é extremamente bem conduzida por Coppola. A direção de Copolla, aliás, é perfeita. Observe como suas escolhas de enquadramentos e movimentos de câmera sempre podem significar algo a mais do que simplesmente o que vemos na tela. Um exemplo disso é o momento em que Michael decide se envolver nos negócios da família e cita o plano que tem em mente para se vingar de Sollozzo e do capitão McCluskey (Sterling Hayden). A câmera lentamente se aproxima dele, agigantando-o na tela e demonstrando visualmente o nascimento simbólico do sucessor de Vito Corleone. Neste momento crucial da narrativa, Michael está deixando de ser um personagem secundário para ser o personagem principal da saga e o movimento de câmera traduz isso perfeitamente. O diretor é preciso na criação de planos criativos, como por exemplo na cena da morte de Carlo, captada pela frente do carro e que transmite uma sensação de agonia ainda maior ao espectador que vê os pés da vítima se debatendo no vidro. Coppola também é absolutamente competente na criação de cenas fortes e inesquecíveis. O filme tem uma coleção inigualável de grandes cenas, como o chocante recado dado ao produtor de cinema, a tensa seqüência na porta do hospital e o tocante momento de carinho que Vito e Michael tem dentro dele, o diálogo reflexivo entre os mesmos Vito e Michael na casa deles, a impressionante armadilha contra Sonny (James Caan), a surra de Sonny em Carlo (Gianni Russo) no meio da rua, o bem orquestrado e maravilhoso final da trama ocorrido durante o batizado e que resolve todos os problemas de Michael de uma vez só, e aquela que pra mim talvez seja a melhor cena do longa, o jantar entre Michael, Sollozzo e o Capitão McCluskey em um restaurante.

Coppola também foi extremamente feliz na escolha do elenco perfeito para o filme (e olha que ele teve que enfrentar a resistência dos chefões da Paramount a nomes como Brando e Pacino). As atuações são um show à parte. A começar pela lendária performance de Marlon Brando como o icônico Don Vito Corleone. A perfeição de seu trabalho é tão grande que dispensa qualquer comentário a respeito. Brando consegue criar, antes dos 50 anos de idade e no mesmo ano em que viveu um viril amante em “O Último Tango em Paris”, um perfeito e realista senhor de idade já no fim da vida, através das bochechas inchadas com algodão, do olhar cansado, da sobrancelha cerrada e da voz rouca. Praticamente todas as suas participações em cena são perfeitas e fica até difícil destacar alguma. Em todo caso, repare como sua demonstração de insatisfação é sutil e precisa na cena em que seus filhos contam que Michael assassinou uma pessoa. Vito sabia que aquela notícia alteraria todo o futuro de seu filho. Ele fecha os olhos, acena negativamente com a cabeça, vira o rosto e faz um gesto com a mão para que eles se retirem, sendo prontamente atendido, o que também ilustra o respeito que Don Vito conquistou. Quando Tom Hagen (Robert Duvall, muito bem como o fiel conselheiro e filho adotivo de Vito) lhe dá uma trágica notícia, seu choro contido e seu pedido com a voz embargada pelo fim da guerra transmitem uma emoção inigualável, de uma forma que só um ator do seu gabarito conseguiria fazer. Comovente também é o momento em que ele diz a tocante frase: “Veja como massacraram meu garoto” com a sobrancelha e o semblante refletindo toda sua imensa tristeza. Toda cena em que Brando participa é perfeita, criando um personagem absolutamente inesquecível e inigualável. O outro grande destaque da obra é Al Pacino. Seu Michael, inicialmente alguém que não quer envolver-se nos negócios da família (até por vontade do pai), é um personagem que passa por uma incrível e maravilhosa mudança gradual durante toda a narrativa, e o ator retrata muito bem todo este arco dramático. O diálogo inicial entre Michael e Kay (Diane Keaton, em outra excelente atuação, que aqui, por exemplo, demonstra com sutileza seu espanto com os métodos da família Corleone, ficando boquiaberta e sem palavras, com os olhos arregalados) é o contraponto ideal para a emblemática cena final do longa, mostrando o quão irônica aquela conversa entre os dois se tornou. O tímido e quieto Michael do diálogo inicial com Kay, com cabelo pro lado e tom de voz baixo, se torna uma pessoa extremamente autoconfiante e respeitada ao longo do filme, passando a utilizar um cabelo mais engomado e uma voz muito mais firme. A postura de Michael quando faz a oferta de compra do cassino de Moe (Alex Rocco) é um claro sinal de seu novo estilo, muito mais agressivo. Nesta mesma cena, seu irmão Fredo (John Cazale) defende Moe e Michael fala para Fredo nunca mais se posicionar contra a família (o que refletirá na trama do segundo filme, reforçando a genialidade do roteiro). Pacino demonstra toda a energia de Michael, por exemplo, na brilhante cena do jantar no restaurante. Observe como ele, ao voltar do banheiro com a arma, fixa os olhos em um ponto demonstrando que não está mais preocupado em escutar o que dizem os outros dois personagens presentes. Sua preocupação agora é agir na hora certa, e sua ação eminente se torna palpável, o que torna a cena extremamente verossímil. Ao partir para o ataque sem pestanejar, sua transformação está consumada. Ele é competente também nos momentos de sutileza, como na magnífica conversa que tem com Vito na casa deles. Este diálogo, aliás, mostra de forma muito clara o enorme talento dos dois atores. Observe como Vito pergunta do neto, dá um sorriso de satisfação com a resposta, pede algo que já havia pedido antes e depois percebe que esqueceu, chegando à conclusão de que está ficando velho. Michael escuta atentamente os conselhos do pai, sorri e olha pra baixo quando fala de seu filho e toca carinhosamente seu velho quando pergunta o que está lhe incomodando. Pacino é extremamente competente na árdua tarefa de contracenar com um monstro sagrado como Marlon Brando, o que torna ainda melhor esta bela cena. James Caan interpreta muito bem o explosivo Santino Corleone (apelidado de Sonny), dando claros sinais de que não tem o equilíbrio psicológico e o jogo político necessários para ser o sucessor de Don Vito, através de suas reações extremas e seus impulsos vingativos e violentos. Porém, apesar de toda esta agressividade, o gangster tem um código de ética peculiar, assim como toda sua família, como podemos testemunhar na cena em que ele quebra a máquina fotográfica de um paparazzi e joga dinheiro no chão, como quem diz: “Compre outra pra você, mas pare de encher o meu saco”. Destacar cada integrante do elenco é até desnecessário. Basta dizer que nenhuma atuação pode ser considerada de baixo nível. Durante um simples jantar em família, por exemplo, Coppola e seu fantástico elenco evidenciam uma série de problemas de relacionamentos. Connie, interpretada com competência (e um exagero perfeitamente aceitável devido ao enorme sofrimento da personagem) por Talia Shire, mostra que não se dá bem com seu violento marido Carlo (Gianni Russo, muito bem na cena da briga com Connie e no diálogo final com Michael). Sonny deixa claro que odeia o modo como Carlo trata sua irmã e Mama Corleone (Morgana King) mostra sutilmente que não gosta da interferência dos irmãos no casamento de sua filha. Tudo isso em poucos segundos e sem diálogos expositivos, genial.

Como se a excepcional direção de Coppola e o elenco maravilhoso não fossem suficientes, “O Poderoso Chefão” conta ainda com um trabalho técnico espetacular. A começar pela famosa direção de fotografia de Gordon Willis (apelidado por causa deste filme de “O Príncipe das Sombras”). Seu estilo se tornou padrão para os filmes do gênero, que passaram a utilizar o forte contraste luz e sombra como regra desde então. Desde a primeira cena, podemos notar constantemente os personagens, e até mesmo os ambientes, mergulhados nas sombras criadas brilhantemente por Willis. Observe como parte do rosto deles está encoberto na cena inicial dentro da sala de Vito, na conversa entre Michael e Carlo a respeito do assassinato de Sonny ou quando Tom Hagen conta para Vito que seu filho está morto. E estes são apenas alguns exemplos dentre vários que podemos citar. Willis também consegue alternar dos momentos sombrios para os momentos alegres com perfeição. Observe atentamente como a fotografia é mais colorida na cena do casamento, demonstrando toda a alegria daquela festa. Só que mesmo este colorido é opaco, já que ele nunca utiliza cores extravagantes demais, o que dá um ar documental a esta cena. Nesta mesma cena, a fotografia, em conjunto com os figurinos, destaca visualmente o personagem Michael, o único homem presente que não está vestido com o tradicional terno e gravata. Ele é diferente e o visual ilustra isso. Os figurinos criados por Anna Johnstone, aliás, são absolutamente marcantes. Vestidos com ternos, gravatas, chapeis e sobretudos, os gângsteres de “O Poderoso Chefão” influenciaram o visual da grande maioria dos filmes do gênero que vieram depois. Marcante também é o incrível trabalho de Direção de Arte de Warren Clymer, que cria uma Nova York dos anos 40 rica em detalhes, como a fachada das casas e bares e os modelos dos automóveis da época. O trabalho de maquiagem também merece destaque, principalmente pelo já citado envelhecimento de Marlon Brando. A engenhosa montagem (resultado do trabalho de Marc Laub, Barbara Marks, William Reynolds, Murray Solomon e Peter Zinner) consegue manter igualmente atraentes todas as tramas da narrativa e ainda nos brinda com um final extraordinário, resolvendo todos os conflitos através de ações paralelas e simultâneas, previamente planejadas por Michael. A perfeita montagem é crucial para o excelente resultado desta seqüência final. Além disso, apesar da narrativa cobrir vários anos da família Corleone, a passagem do tempo jamais soa episódica. Perceba como em determinado momento Kay pergunta para Michael há quanto tempo ele está de volta e ele responde: “Há um ano”. Minutos antes, Vito alertava para o possível retorno de seu filho na reunião dos chefes de família. Para finalizar, merece destaque o incrível realismo alcançado nas cenas violentas, como os tiros disparados contra Solozzo e McCluskey e o assassinato de Sonny.

“O Poderoso Chefão” conta ainda com um turbilhão de emoções, sempre utilizadas na dose certa. Temos momentos comoventes, como a tocante cena em que Vito sorri ao receber o carinho de Michael no hospital. Um romance entre Michael e a belíssima italiana Apollonia (vivida com muito charme por Simonetta Stefanelli) que, mesmo terminando de forma trágica, serve como um pequeno alívio para a trama carregada. A ação fica por conta das cenas extremamente violentas e realistas. E finalmente, o filme apresenta até uma dose de humor negro, como a cena em que Michael está prestes a ligar para Luca Brasi (Lenny Montana). No momento em que ele pega o telefone chegam dois peixes mortos numa caixa, simbolizando que Luca está morto. Michael coloca o telefone no ganho em seguida.

Extremamente competente em todos os setores, “O Poderoso Chefão” é talvez o filme que mais tenha se aproximado da perfeição. Mostrando da maneira mais realista possível o submundo de Nova York dominado pela máfia italiana, o filme acompanha brilhantemente a ascensão de Michael Corleone e o efeito que ela provocou em sua família. Reforçado ainda por atuações brilhantes, uma direção impecável, um trabalho técnico magnífico e um roteiro incrivelmente complexo e coerente, o primeiro filme da maravilhosa trilogia não pode ser reconhecido de outra forma que não uma perfeita e completa obra-prima da história do cinema. Espero que o cinema ainda seja capaz de produzir obras desta magnitude, mas isto é reconhecidamente algo difícil de voltar a acontecer. De qualquer forma, somente o fato de saber que um dia ele já foi capaz de produzi-lo é motivo suficiente para nos apaixonarmos por esta maravilhosa arte eternamente.

Texto publicado em 10 de Agosto de 2009 por Roberto Siqueira