JACKIE BROWN (1997)

(Jackie Brown)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #175

Dirigido por Quentin Tarantino.

Elenco: Pam Grier, Samuel L. Jackson, Robert Forster, Bridget Fonda, Michael Keaton, Robert De Niro, Michael Bowen, Chris Tucker e Lisa Gay Hamilton.

Roteiro: Quentin Tarantino, baseado em romance de Elmore Leonard.

Produção: Lawrence Bender.

Jackie Brown[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após surgir como um sopro de criatividade numa indústria carente de novidades com “Cães de Aluguel” e consolidar-se como um grande roteirista e diretor em “Pulp Fiction” – hoje reconhecido como um dos filmes mais importantes dos anos 90 -, Quentin Tarantino viu crescer consideravelmente a expectativa por seu próximo trabalho. Assim, não foram poucos os fãs que se decepcionaram, pois apesar de trazer muitos dos elementos marcantes do diretor e de contar com boas atuações, o consenso geral era de que Tarantino parecia ser menos Tarantino em “Jackie Brown”. Não é pra tanto, mas o fato é que ainda que a expectativa seja algo sempre prejudicial, o longa realmente não está no mesmo nível de seu antecessor. Nem por isso, deixa de ser um grande trabalho de um diretor amadurecido, é verdade, mas ainda completamente apaixonado pelo cinema.

Pela primeira vez baseando-se em material de outra pessoa (no caso, um romance de Elmore Leonard), Tarantino nos apresenta a personagem título “Jackie Brown” (Pam Grier), uma comissária de uma companhia aérea mexicana de segunda linha que tenta compensar o baixo salário ajudando o perigoso traficante Ordell Robbie (Samuel L. Jackson) a trazer dinheiro do exterior, mas é pega por policiais (Michael Bowen e Michael Keaton) no aeroporto e, em troca de sua liberdade, concorda em ajudá-los a desmontar o esquema internacional de tráfico de armas. No processo, ela contará com a ajuda de Max (Robert Forster), um fiador conhecido pelo traficante, por seu comparsa Louis (Robert De Niro) e pelos policiais – e que, por sua vez, acaba se apaixonando por ela.

Ainda que superficialmente “Jackie Brown” pareça seguir a mesma linha dos filmes anteriores de Tarantino, sua narrativa mais linear (com exceção do ato final), menos intrincada e recheada por um tom mais realista foge bastante do hiper-realismo marcante de “Pulp Fiction”, responsável por situações tão surreais que amenizavam os efeitos da violência gráfica das cenas. E se a violência também era marcante em “Cães de Aluguel”, aqui ela não surge com tanta força, assim como o humor negro aparece apenas em raras ocasiões. No entanto, se por um lado Tarantino desta vez prefere conduzir a narrativa de uma maneira, digamos, um pouco mais sóbria, por outro nós temos alguns personagens mais bem desenvolvidos dramaticamente que o de costume, como é o caso da protagonista e, especialmente, do fiador Max.

Nem por isso, podemos dizer que Tarantino abandona completamente seu estilo. Explorando novamente o submundo do crime, seu roteiro muito bem estruturado entrelaça aquele grupo de pessoas interessadas no paradeiro daquela enorme quantia de dinheiro sempre de maneira atraente. Além disso, o diretor não abandona seus diálogos inteligentes sobre coisas prosaicas, como na primeira cena na casa de Ordell onde o traficante e seu amigo Louis são apresentados ao espectador enquanto discutem sobre armas, assim como marcam presença as músicas sempre divertidas, o fetiche por pés femininos e as referências à cultura pop, como quando os personagens comentam cenas do filme “O Matador”, de John Woo, ou quando mencionam Demi Moore, a banda The Delfonics e as lojas de conveniências 7-Eleven. Tarantino também aposta novamente na divisão em capítulos, trazendo ainda elementos não diegéticos como o mapa que indica o trajeto do voo da cidade mexicana até Los Angeles.

Discutem sobre armasPés femininosMapa indica o trajeto do vooNa direção de atores, Tarantino acerta ao permitir composições mais humanas, o que não evita que Samuel L. Jackson atue da maneira histriônica de sempre, mas que cai bem na pele de Ordell, com seu jeito engraçado e pausado de pronunciar os palavrões e as frases cuidadosamente elaboradas pelo diretor/roteirista. Criando uma espécie de vilão carismático, Jackson se destaca especialmente na discussão com Louis, num instante carregado de tensão por sabermos que Ordell pode atirar a qualquer instante – e isto de fato acontece, num dos raros momentos em que a violência gráfica típica de Tarantino surge em “Jackie Brown”, seguida pelo humor negro característico do diretor quando acompanhamos o criminoso saindo andando tranquilamente pelas ruas como se nada tivesse acontecido.

No entanto, dois personagens conseguem algo raro na curta filmografia de Tarantino até então e chegam e emocionar o espectador. Escolhida por ser uma das grandes musas do gênero homenageado em “Jackie Brown” (o blaxploitation), Pam Grier é a primeira a realizar tal feito quando Jackie fala sobre o futuro e externa sua preocupação com a velhice, com um zoom lento realçando sua forte atuação da mesma forma em que a câmera que fica em seu rosto o tempo inteiro destaca sua expressão apavorada quando ela sai da loja de roupas logo após a entrega do “dinheiro” para Melanie (Bridget Fonda) – observe também como a trilha sonora amplia a tensão nesta cena. Compondo uma personagem ambígua que conquista a empatia da plateia mesmo cometendo os crimes que comete, Grier confere humanidade à protagonista através de pequenos momentos, como quando ensaia como pegar a arma na gaveta antes da chegada de Ordell ao escritório de Max.

Vilão carismáticoJackie fala sobre o futuroApavoradaMax que é certamente o personagem mais interessante e complexo de “Jackie Brown”. Demonstrando inteligência e coragem logo nas primeiras negociações com Ordell, o personagem interpretado com competência e sensibilidade por Robert Forster parece incapaz de abandonar a rotina ao qual se submeteu por tantos anos – e que certamente é a responsável por sua expressão sempre cansada e abatida. No entanto, ao ver Jackie ele não apenas se apaixona por ela, como também parece finalmente refletir a respeito de sua vida, mas isto não é suficiente para que tenha a coragem de largar tudo e ir com ela para a Espanha na tocante cena final, captada com precisão pela câmera de Tarantino que, deixando o personagem fora de foco em seu momento de arrependimento, parece respeitar sua dor diante da plateia. Se o crime é o fator que move a narrativa, o romance entre eles é o alicerce, só que enquanto Jackie é pura determinação, ele é apenas resignação – e esta diferença é crucial para que eles não fiquem juntos.

Fechando o elenco, temos um Robert De Niro contido, que passa quase despercebido na maior parte do filme, já que seu Louis nada mais é do que um criminoso velho e ultrapassado, que tenta sobreviver mesmo sem a agilidade e velocidade de raciocínio do passado. Quase sempre carrancudo e calado, ele chama a atenção da bela Melanie, mas curiosamente o ato sexual rápido e seco entre eles acaba afastando-os ao ponto de Louis finalmente mostrar o quanto é perigoso ao atirar na garota após ela irritá-lo no estacionamento do Shopping, numa rara cena em que o absurdo da situação nos faz rir ao invés de chocar, algo também típico de Tarantino.

Expressão cansada e abatidaCriminoso velho e ultrapassadoBela MelanieCom a câmera nas mãos, o diretor até utiliza o plano-sequência algumas vezes, insere seu clássico plano de dentro do porta-malas de um veículo e emprega um travelling cheio de estilo para nos revelar o carro de Ordell virando a esquina e parando a poucos metros da casa de Beaumont Livingston (Chris Tucker) na noite de seu assassinato, num momento em que a música diegética é essencial para nos indicar que se trata do mesmo carro. Entretanto, de maneira geral sua direção é mais discreta, o que não quer dizer que ele não nos presenteie com cenas marcantes, como quando Ordell visita Jackie na casa dela, apagando as luzes seguidamente e tornando aquela conversa já naturalmente tensa em algo ainda mais eletrizante. Auxiliado por sua montadora e amiga Sally Menke, Tarantino utiliza muito bem a tela dividida nesta cena, fazendo com que o espectador perceba no mesmo instante que Ordell a presença de uma arma salvadora nas mãos de Jackie. No entanto, Menke não consegue evitar que o filme perca um pouco o ritmo em determinados momentos do segundo ato, mas comprova seu talento e importância na sensacional sequência da entrega “pra valer” do dinheiro (voltaremos a ela em instantes).

Carro de Ordell virando a esquinaOrdell visita JackieArma salvadoraA escuridão que amplia a tensão na casa de Jackie surge em diversas outras ocasiões, já que o diretor de fotografia Guillermo Navarro aposta no predomínio de cenas noturnas, escondendo os personagens nas sombras em muitos momentos – uma estratégia reforçada pelo uso constante de fades que escurecem a tela completamente por alguns segundos. Já as cenas diurnas confirmam a opção de Tarantino por não tentar glamourizar a vida em Los Angeles como na maioria dos filmes. Ainda que o sol predomine, a imagem que temos é de uma cidade normal, ocupada por pessoas quase sempre a margem da sociedade.

Confirmando seu talento para construir cenas de impacto desde o teste da entrega do dinheiro, Tarantino nos brinda com uma sequência espetacular na entrega “pra valer”, que finalmente se divide sob três perspectivas diferentes (outra marca do diretor) e nos permite acompanhar como cada integrante se comportou no momento chave da narrativa, levando-nos ao confronto final no qual Ordell é surpreendido por Ray (Keaton, em atuação divertida na pele de um personagem que ele repetiria um ano depois em “Irresistível Paixão”, de Steven Soderbergh) no escritório totalmente escuro de Max.

Entrega pra valerTrês perspectivas diferentesOrdell é surpreendido por RayUtilizando o relacionamento afetivo entre Jackie e Max como fio condutor de sua narrativa mais sóbria, “Jackie Brown” é talvez o filme que mais destoa em tom e abordagem na filmografia de Tarantino, o que não significa necessariamente que seja um filme menor. Na verdade, Tarantino tentou criar algo diferente e, ainda que tropece aqui ou ali, conseguiu um excelente resultado.

Jackie Brown foto 2Texto publicado em 30 de Setembro de 2013 por Roberto Siqueira

O PODEROSO CHEFÃO – PARTE III (1990)

(The Godfather: Part III)

 

Videoteca do Beto #74

Dirigido por Francis Ford Coppola.

Elenco: Al Pacino, Diane Keaton, Talia Shire, Andy Garcia, Eli Wallach, Joe Mantegna, George Hamilton, Sofia Coppola, Bridget Fonda, Raf Vallone, Franc D’Ambrosio, Donal Donnelly, Richard Bright, Helmut Berger, Don Novello, John Savage, Vittorio Duse e Al Martino.

Roteiro: Mario Puzo e Francis Ford Coppola, baseado em livro de Mario Puzo.

Produção: Francis Ford Coppola.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

No capítulo final da consagrada saga da família Corleone, Coppola entrega um filme corajoso, abordando um tema polêmico e amarrando todas as pontas da trama, sem jamais fugir das principais características da trilogia. Além disso, completa de forma magnífica a trajetória de Michael Corleone, com o desfecho trágico e comovente desta história de ascensão, poder, glória e decadência. Tudo está presente com força total neste “O Poderoso Chefão – Parte III”, as atuações de grande nível (com apenas uma exceção), a fotografia sombria, a trilha evocativa, a direção segura, a violência e o realismo. Trata-se, portanto, de um filho legitimo da saga dos mafiosos, injustamente retratado como inferior aos outros por muitos cinéfilos. Se não é um filme perfeito, seus pequenos problemas (leia-se, Sofia Coppola), não são suficientes para tirar o brilhantismo deste capitulo final.

Muitos anos após ordenar a morte de seu irmão Fredo, Michael Corleone (Al Pacino) recebe um dos títulos mais importantes dados pela igreja católica, a Ordem de San Sebastian, após fazer uma doação de 100 milhões de dólares em nome da fundação Vito Corleone, comandada por sua filha Mary (Sofia Coppola). Durante a festa de celebração, ele recebe seu sobrinho Vicent (Andy Garcia), que conta com o apoio de Connie (Talia Shire) para trabalhar com o tio, ao invés de continuar com Joey Zasa (Joe Mantegna), o atual dono da área anteriormente comandada pelos Corleone. Enquanto isto, um arcebispo (Donal Donnelly) oferece para Michael o controle majoritário de uma importante empresa que pertence à Igreja por 600 milhões de dólares, valor que ajudaria a cobrir o déficit da igreja, mas esta oferta desperta a ira de vários integrantes do clero.

“O Poderoso Chefão – Parte III” é um filme magnífico, que conta com todas as principais características da trilogia, como já citado anteriormente. Logo nos primeiros planos, Coppola nos apresenta o resultado das atitudes de Michael no passado, através dos planos que passeiam pela casa abandonada, ilustrando a destruição daquela família. Em certo momento, antes mesmo de aceitar seu sobrinho em seus negócios, Michael é apresentado afundado em sua cadeira, mergulhado nas sombras, o que além de manter a característica visual dos filmes anteriores, ilustra o momento sombrio na vida daquele homem, divorciado, doente e em decadência. E é justamente esta derradeira caminhada de Michael, agora um homem amargurado em constante busca por redenção, que vai guiar a narrativa, contrapondo seu modo de ver as coisas com a impulsividade de seu sobrinho, um reflexo vivo e real de sua própria juventude. Além disso, o roteiro escrito por Mario Puzo e Francis Ford Coppola (baseado em livro de Mario Puzo), insere um novo e corajoso elemento na trama, ao abordar os escândalos da igreja católica e a suspeita morte do Papa João Paulo I (mantendo a tradição de ligar a família de mafiosos a fatos importantes da história), além de mostrar os negócios obscuros da igreja, simbolizados até mesmo através de pequenos gestos que desmistificam o clero, como o arcebispo fumando um cigarro (algo que a igreja condena). Na realidade, nada seria mais apropriado do que inserir a igreja numa trama repleta de culpa e arrependimento. Como de costume, Coppola também mantém a violência e o realismo, notável, por exemplo, na tensa invasão da casa de Vicent, no massacre promovido por Joey Zasa e na surpreendente morte do mesmo Zasa.

Por outro lado, o ritmo da narrativa é claramente mais lento que nos filmes anteriores, e da mesma forma, aborda uma gama menor de personagens, o que não diminui a qualidade da intrincada trama, reforçada pela citada coragem temática. Este ritmo mais lento é provocado pela necessidade de explicar o destino de alguns personagens ausentes, como Tom Hagen, e até mesmo pelos momentos que envolvem a paixão de Mary e Vicent, que se revela vital para o trágico desfecho da trama. Obviamente, a montagem de Lisa Fruchtman, Barry Malkin e Walter Murch colabora neste aspecto, ao balancear muito bem estas cenas mais lentas com as empolgantes seqüências citadas acima, que envolvem violência e muita tensão. Além disso, se destaca especialmente na seqüência da ópera, alternando entre as diversas ações paralelas com fluidez, mantendo a atenção do espectador. Finalmente, vale destacar como “O Poderoso Chefão – Parte III” mantém a mesma estrutura narrativa das partes I e II, iniciando com uma festa e com Michael resolvendo os problemas em sua sala, passando pela tradicional foto da família, em que Michael faz questão da presença de Vicent, partindo para a proliferação dos problemas e conflitos e, na derradeira rima narrativa que acontece durante a ópera, culminando com o momento em que Vicent, assim como Michael no passado, resolve todos os seus problemas de uma vez, eliminando os principais obstáculos de seu caminho.

Nos aspectos técnicos, “O Poderoso Chefão – Parte III” também não deixa nada a desejar. A sempre espetacular direção de fotografia de Gordon Willis adota um tom sépia para destacar a melancolia daquele império em decadência, além de manter seu estilo sombrio, carregando nos tons de preto e mergulhando os personagens nas sombras, ainda que neste capítulo final estes tons sombrios apareçam com menor freqüência. Também marca presença novamente o marcante tema composto por Nino Rota, fazendo parte da trilha sonora comandada por Carmine Coppola (pai de Francis), que também insere outras belas músicas, como a clássica ópera Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni, na cena mais emblemática e emocionante do filme. E o que podemos dizer da excepcional maquiagem, que transforma os atores e envelhece os personagens com perfeição? Ainda que o longa tenha sido produzido 16 anos após o segundo capítulo e, evidentemente, os atores também estivessem mais velhos, personagens como Michael, Kay e Connie deveriam aparentar ainda mais velhos após tanto sofrimento, e isto de fato acontece graças ao bom trabalho de maquiagem. Completando o fabuloso trabalho técnico, a direção de arte de Alex Tavoularis reflete a decadência da família Corleone através da casa abandonada no inicio, além de recriar com perfeição a Nova York do final dos anos 70, e os figurinos de Milena Canonero mantém o marcante visual dos gângsteres da trilogia.

E chegamos então ao elenco liderado por Al Pacino, que está mais contido, refletindo muito bem o quanto Michael está maduro. Ainda assim, seu temperamento explosivo aflora em certos momentos, algo que o ator demonstra muito bem, por exemplo, quando Michael se irrita, se controla e mostra autoridade na conversa com Vicent, Connie e Neri, após a morte de Zasa. Tentando “limpar” os negócios da família (e sua própria consciência) através da compra da Immobiliare, Michael é trazido de volta para o conflito quando menos espera, algo refletido na célebre frase “justo quando pensei estar fora, eles me arrastam de volta”. Mais controlado, mas ainda ambicioso, ele é obrigado a conviver diariamente com o peso de seu passado enquanto busca por redenção, algo que Pacino também transmite com muita competência, especialmente na excepcional cena em que se confessa para o padre, mostrando o quanto ele sofre por tudo que fez (principalmente, por ter ordenado a morte de Fredo). Por outro lado, o tempo trouxe sabedoria ao líder dos Corleone, o que permite que ele aconselhe o sobrinho Vicent sobre o perigo que sua relação com Mary representava, até mesmo porque o próprio Michael viveu esta situação no passado. Sempre inteligente, Michael usa o interesse de Vicent por sua filha para descobrir os planos de Altobello (Eli Wallach), e o sobrinho entende perfeitamente os recados do tio. Interpretado com competência por Andy Garcia, Vicent lembra bastante o seu pai Sonny, com seu temperamento explosivo. Inicialmente, não se envolve muito com a família (o que, por sua vez, remete ao seu tio Michael, também explosivo quando jovem e evitando se envolver nos negócios da família), entrando na sala do tio de jaqueta e com uma bebida na mão, mostrando que nem sequer sabia seguir as formalidades exigidas na ocasião. Em certo momento, ele diz algo que não deveria e Michael o aconselha a “nunca deixar alguém saber o que ele está pensando”, repetindo uma situação vivida no passado por Vito e Sonny. Por outro lado, Vicent demonstra esperteza na conversa com Altobello, convencendo o mafioso de seu interesse em trabalhar com ele, e acaba se mostrando o homem ideal para tocar os negócios da família, justamente por apresentar uma mistura de características marcantes dos filhos de Don Vito. Não podemos deixar de citar ainda Diane Keaton, que novamente se destaca vivendo a amargurada e sofrida Kay, principalmente durante a conversa que tem com Michael na Sicília, onde ela deixa evidente todos os conflitos de sentimentos da personagem, e Talia Shire, novamente em desempenho excepcional na pele de Connie, agora já conformada com os métodos do irmão e até mesmo incentivando o sobrinho a seguir o mesmo caminho. Também é inegável que ver o ótimo Eli Wallach (o “Feio” de “Três Homens em Conflito”) com um papel de destaque como o de Don Altobello é extremamente agradável e interessante. E finalmente, a totalmente inexpressiva Sofia Coppola não consegue se sustentar em nenhuma participação, mas felizmente seu personagem não compromete a trama, já que sua participação mais importante acontece justamente quando é assassinada (e felizmente, Sofia seguiu a carreira de diretora, onde é infinitamente mais competente).

Quando Michael passa o bastão para Vicent, agora Don Vicenzo, e se retira, o espectador sabe que ali está se encerrando um ciclo e pressente, com tristeza, o fim de toda a saga dos Corleone (“Não posso mais fazê-lo”, diz Michael). Chega ao fim também o excepcional arco dramático de Michael Corleone, o filho protegido de Vito, que não seguiria os caminhos obscuros da família, mas que, por amor ao pai, acabou se envolvendo, se transformando no chefe do grupo e destruindo tudo que amava para chegar ao poder. Agora, só restava a inevitável decadência, ironicamente, distante de todos que ele realmente amava. Por isso, é comovente ver o esforço do pai para buscar uma reaproximação com os filhos, o que infelizmente, leva ao trágico destino de Mary. E este final trágico é também uma das cenas mais emblemáticas e marcantes de toda a saga, com Michael descendo às escadarias, o tiro surgindo repentino, a filha caindo ferida e a morte inevitável e implacável. O grito, suplantado pela triste música e, em seguida, a música, suplantada pelo grito desesperado do pai que perdeu o que mais amava, simboliza também que chegava o triste fim para aquele homem poderoso. Era inevitável que os Corleone, ao decidir participar e interferir daquela forma em tantos e diversificados negócios e na vida de tantas pessoas perigosas, acabassem um dia provocando a morte de pessoas da família, que não tinham nenhuma ligação com a máfia. Infelizmente, este dia chegou, e a tragédia estava consumando também o fim de uma era, a era “O Poderoso Chefão” – e o espectador sabe disso. Assim como o pai, Michael termina solitário, silencioso e jogado ao chão. E quando a música sobe e a tela fica escura, o espectador sabe que testemunhou o fim de uma das grandes sagas da história do cinema mundial.

Coppola encerra sua maravilhosa trilogia de maneira belíssima e marcante, inserindo novos elementos na trama para mostrar a decadência completa de um homem extremamente poderoso e ambicioso, que na busca por proteger sua amada família, acabou alimentando sua infindável sede por poder. Como conseqüência, se afastou de todos que amava e, ao buscar sua redenção, encontrou numa escadaria, na terra natal de seu pai, o seu triste fim. Fisicamente, Michael não morreu naquelas escadarias, mas a elipse de muitos anos que salta para a sua morte solitária na cadeira simboliza que, na pratica, a vida de Michael Corleone terminou mesmo ali.

Texto publicado em 06 de Dezembro de 2010 por Roberto Siqueira