A REDE SOCIAL (2010)

(The Social Network)

 

 

Filmes em Geral #80

Dirigido por David Fincher.

Elenco: Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Justin Timberlake, Rooney Mara, Joseph Mazzello, Armie Hammer, Bryan Barter, John Getz, Rashida Jones, Max Minghella, Brenda Song e John Hayden.

Roteiro: Aaron Sorkin, baseado em livro de Ben Mezrich.

Produção: Dana Brunetti, Ceán Chaffin, Michael De Luca e Scott Rudin.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Extremamente competente no comando de narrativas baseadas no raciocínio lógico, David Fincher encontrou na trajetória dos inventores do Facebook a oportunidade ideal de comprovar (mais uma vez!) seu enorme talento. Contando com um elenco jovem e talentoso e um roteiro fabuloso, Fincher fez de “A Rede Social” uma obra-prima moderna, que, além de fazer um primoroso estudo de personagem, capta com precisão a essência de sua época, a chamada “era da informação”.

Adaptado por Aaron Sorkin com base em livro de Ben Mezrich, “A Rede Social” apresenta a história de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), um analista de sistemas estudante de Harvard que, revoltado após terminar o namoro com Erica (Rooney Mara), resolve criar um programa que compara garotas fisicamente na internet, derrubando a rede da universidade pouco tempo depois. Sua genialidade chama a atenção dos irmãos Winklevoss (Armie Hammer), que o convidam para desenvolver uma rede social exclusiva para os alunos locais. Mas, após compartilhar a idéia com seu amigo brasileiro Eduardo (Andrew Garfield), Zuckerberg abandona o projeto dos Winklevoss e cria o Facebook, revolucionando a “vida virtual” em todo o planeta e se tornando o mais jovem bilionário da história. O problema é que neste processo – especialmente depois de conhecer o fundador do Napster Sean Parker (Justin Timberlake) – ele coleciona problemas em sua vida pessoal.

Adotando uma estrutura narrativa que alterna entre dois julgamentos e flashbacks que narram os acontecimentos citados pelos advogados, David Fincher e seus montadores Kirk Baxter e Angus Wall conseguem imprimir um ritmo interessante que evita tornar cansativa uma narrativa baseada em diálogos – ainda que estes sejam excepcionais. Empregando movimentos de câmera discretos e criando planos simétricos, o diretor procura demonstrar visualmente a maneira racional que Zuckerberg enxerga o mundo, algo ressaltado também pela fotografia em tons azulados e acinzentados de Jeff Cronenweth, que também ilustra a frieza do protagonista. Esta lógica visual se confirma através das linhas retas da arquitetura dos prédios de Harvard realçadas em diversos planos, que confirmam o alinhamento entre o trabalho de Cronenweth e o design de produção, como notamos também através das poltronas cinzas do auditório, do sofá vinho do alojamento de Zuckerberg e até mesmo dos figurinos de Virginia Johnson, que priorizam roupas sóbrias e cores sem vida na maior parte do tempo. Pra finalizar, o diretor ainda utiliza uma profundidade de campo reduzida, que simula o desinteresse de Zuckerberg pelo que acontece ao seu redor.

Pontuando a narrativa sem chamar muito a atenção, a excelente trilha sonora de Trent Reznor confere uma aura moderna e coerente com a época em que se passa a história ao inserir sons de computador em sua melodia. Além disso, alterna entre momentos de euforia, normalmente através de músicas diegéticas que tocam nas festas e bares freqüentados pelos personagens, e momentos melancólicos que ilustram a solidão do protagonista. Mas apesar do excelente trabalho técnico, é mesmo no inteligente e ágil roteiro de Aaron Sorkin que reside à força de “A Rede Social”. Fazendo um profundo estudo de seu complexo protagonista, o texto de Sorkin até tenta mostrar quem é o homem por trás do inventor do Facebook, mas evita o julgamento ao expor sem hesitar sua notável genialidade e seus mais asquerosos defeitos.

Outro aspecto curioso abordado em “A Rede Social” está na irônica diferença entre a personalidade de Zuckerberg e a faceta jovem e alegre de sua criação. Como pode alguém tão anti-social criar a maior rede de relacionamentos do planeta? A resposta está na inteligência de Zuckerberg. Se lhe falta traquejo social, sobra inteligência e astúcia para aproveitar a oportunidade no momento certo. Aliás, as próprias redes sociais representam um paradoxo, já que se por um lado servem para nos aproximar de amigos distantes, oferecendo até mesmo a oportunidade de reencontrar pessoas que há muito tempo não vemos (o que é ótimo!), por outro podem servir como muleta, fazendo com que a conversa através da tela do computador substitua o encontro real, sempre mais prazeroso.

Felizmente, Fincher é inteligente o bastante para extrair o melhor do roteiro e de seu elenco, conseguindo sucesso até mesmo nos momentos bem humorados, como na piada envolvendo Bill Gates e o engraçado instante em que os irmãos Winklevoss visitam a sala do diretor de Harvard. Entretanto, o diretor prioriza corretamente os diálogos ágeis e cortantes como navalha, que demonstram a velocidade de raciocínio do protagonista, algo notável até quando ouvimos seus pensamentos, como quando ele digita códigos de programação no computador.

Extremamente inteligente e até mesmo superior intelectualmente à maioria das pessoas, Zuckerberg chega a ser arrogante e frio, baseando sua vida no raciocínio lógico sem perceber quando fere os sentimentos das pessoas, como fica evidente no ótimo diálogo que abre “A Rede Social”, quando ele percebe que a namorada de fato está terminando o relacionamento com ele (“Está falando sério?”; “Sim”; “Me desculpe… Vamos comer?”). Sua arrogância fica ainda mais evidente no julgamento, quando exclama que poderia comprar o clube Phoenix e transformá-lo num pingue-pongue ou ainda quando, ironicamente, confere uma soma feita pela advogada de Eduardo (num dos momentos em que o humor sarcástico do texto de Sorkin se destaca). Dando vida a este personagem marcante com competência, Jesse Eisenberg chama a atenção não apenas pela já citada rapidez com que pronuncia as palavras, mas também pela expressão blasé de quem despreza as pessoas à sua volta, além das reações que ressaltam a astúcia do rapaz, como quando ele tem a idéia sobre o “status de relacionamento” e larga um estudante falando sozinho, saindo correndo para colocar em pratica sua idéia.

Curiosamente, a frustração amorosa também motiva Zuckerberg a criar, como notamos novamente em seu reencontro com Erica, numa cena que contém uma das frases emblemáticas de “A Rede Social”: “A internet não escreve a lápis”. O raciocínio perfeito de Erica reflete algo que muitas pessoas ainda parecem não enxergar, compreendendo o mundo virtual como um local onde podemos despejar nossas frustrações, ameaçar e ofender pessoas e destilar nossos pensamentos sem sofrer penalizações por causa disto. Aliás, mesmo com poucos minutos em cena, Rooney Mara confere carisma e sensibilidade a sua Erica Albright, especialmente na citada cena do reencontro. Já Brenda Song mostra o lado negro das redes sociais na pele da ciumenta Christy, que faz a vida de Eduardo virar um inferno (literalmente!) somente porque ele não alterou seu status na rede de relacionamentos, em outra crítica interessante à sociedade moderna, que tanto valoriza a vida virtual.

Interpretado por Andrew Garfield de maneira carismática, Eduardo é responsável por garantir a estabilidade financeira do projeto, além de ser o criador da fórmula que resultou no “Facemash” e popularizou o criador do Facebook, mas, por outro lado, falha ao não perceber o potencial comercial da rede social que ajudou a criar. Como se não bastasse, ele também é conhecido por conseguir algo raro: ser chamado de “amigo” de Zuckerberg. Na realidade, talvez ele seja à única pessoa com quem Zuckerberg realmente se importa, como fica claro quando recebe imediatamente um pedido de desculpas após ser ofendido numa festa (“Desculpe, foi cruel”). Ciente da importância que entrar num clube tinha para Zuckerberg, ele hesita antes de contar ao amigo que passou para a segunda fase da seleção do Phoenix, alegando que provavelmente foi escolhido por fazer parte da cota – algo que Zuckerberg prontamente faz questão de concordar. Por tudo isso, ainda que os sentimentos não ganhem destaque na narrativa, chega a ser tocante o desfecho trágico desta amizade, algo que Fincher realça muito bem quando foca a cadeira de Eduardo vazia no julgamento logo após Zuckerberg afirmar que ele era seu melhor amigo – convenhamos, uma ironia cruel em se tratando do criador do Facebook.

Mais preocupados com a forma que serão vistos pela sociedade, os irmãos Winklevoss interpretados por Hammer fazem questão de destacar sempre que podem suas origens nobres e suas “conquistas” (repare como a bandeira da equipe de remo ganha destaque em seu alojamento), ainda que evitem se aproveitar da riqueza do pai para conseguirem o que querem. O diagnostico perfeito da dupla é feito por Zuckerberg: eles não estão me processando por roubo de propriedade intelectual, estão me processando porque pela primeira vez na vida algo não saiu como eles planejaram. E fechando os destaques do elenco, não deixa de ser irônica a escolha de Justin Timberlake para viver aquele que balançou as estruturas da indústria da música. Desde sua excelente introdução na narrativa, quando surge acompanhado de uma estudante de Stanford, o Sean Parker de Timberlake espalha carisma e conquista o espectador, o que também explica o fascínio que seus pensamentos exercem sobre Zuckerberg. Responsável pelo polêmico Napster, ele traz conflito e instabilidade à relação entre Zuckerberg e Eduardo, especialmente pela maneira irônica com que trata o brasileiro (algo, aliás, que Timberlake faz muito bem). Enxergando Eduardo como um entrave no projeto, Sean mal consegue conter a euforia ao saber que ele não veio para a Califórnia e lentamente consegue convencer Zuckerberg a tirar espaço do brasileiro – o que, obviamente, abre espaço para o próprio Parker.

Numa interessante conversa na balada, Parker expõe suas idéias novamente e convence Zuckerberg de que ele deveria esperar mais tempo para ver até onde iria à valorização do Facebook – e o tempo provou que ele estava certo. O problema é que, para isto, eles arquitetam uma situação que enfraquece o poder de Eduardo na empresa. Irado diante da traição, Eduardo parte pra cima do ex-amigo, num momento tenso em que todos se destacam: enquanto Garfield explode violentamente, Timberlake faz Parker soar ainda mais irritante, ao passo em que Eisenberg demonstra com precisão o incomodo de Zuckerberg com a situação. Algum tempo depois, a decepção no rosto de Zuckerberg ao ouvir a notícia da prisão de Parker retrata seu breve momento de reflexão.

Reflexão que volta a surgir – desta vez na mente do espectador – na emblemática cena final, em que o solitário Zuckerberg tenta seguidas vezes conquistar a amizade virtual da ex-namorada Erica. O criador do maior site de relacionamentos do mundo, que revolucionou o comportamento da sociedade moderna (quem sabe eternamente), surge solitário, evidenciando sua incapacidade de estabelecer conexão afetiva com alguém. Se os grandes filmes são aqueles que captam com precisão a sua época, Fincher pode se orgulhar, pois “A Rede Social” é um retrato perfeito da sociedade contemporânea, cada vez mais “conectada” ao mundo virtual, sem perceber a ausência de valores dos tempos em que vivemos.

Texto publicado em 15 de Fevereiro de 2012 por Roberto Siqueira

JURASSIC PARK – O PARQUE DOS DINOSSAUROS (1993)

(Jurassic Park)

 

Videoteca do Beto #94

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Sam Neill, Laura Dern, Jeff Goldblum, Samuel L. Jackson, Richard Attenborough, Bob Peck, Martin Ferrero, B.D. Wong, Joseph Mazzello, Ariana Richards, Wayne Knight, Gerald R. Molen e Miguel Sandoval.

Roteiro: Michael Crichton e David Koepp, baseado em livro de Michael Crichton.

Produção: Kathleen Kennedy e Gerald R. Molen.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Em diversas críticas, escrevi comentários que revelam minha insatisfação com o cinema de entretenimento que passou a predominar as produções de Hollywood nos últimos anos, o que pode ser interpretado, de maneira errônea, como uma aversão aos filmes de ação e aventura que utilizam o recurso dos efeitos visuais, como se a utilização destes já fosse suficiente para desqualificar um filme. A verdade é que sou fã de efeitos visuais, desde que sejam utilizados de maneira orgânica e em casos onde realmente agreguem à produção. E a maior prova de que admiro um trabalho bem feito neste quesito é “Jurassic Park”, um dos filmes que marcaram minha juventude e que alia com precisão efeitos visuais extraordinários e uma narrativa coesa e eletrizante, que intercala momentos de muito suspense com cenas de tirar o fôlego do espectador.

O milionário Hammond (Richard Attenborough) constrói um parque numa ilha da Costa Rica e, através da clonagem feita em laboratórios, consegue recriar os extintos dinossauros. Empolgado, ele decide convidar o paleontólogo Dr. Grant (Sam Neill) e a paleobotânica Dra. Ellie (Laura Dern) para conhecer o local, acompanhados de seus netos Tim (Joseph Mazzello) e Lex (Ariana Richards) e do Dr. Malcolm (Jeff Goldblum). Mas o divertido passeio se transforma num pesadelo quando o funcionário Nedry (Wayne Knight), insatisfeito com seu salário, decide sabotar o sistema de segurança do local, na tentativa de vender os DNA’s para um terceiro interessado.

Escrito por Michael Crichton e David Koepp, baseado em livro do próprio Crichton, “Jurassic Park” parte de uma premissa muito interessante e criativa, que torna crível a existência dos dinossauros através da clonagem, utilizando como base o sangue de mosquitos presos na seiva das árvores por milhões de anos. A partir daí, o coeso roteiro, sempre sob a direção precisa de Spielberg, constrói uma narrativa perfeita, sem pontas soltas nem excessos, o que é vital numa aventura, assim como é essencial o ritmo dinâmico empregado pelo montador Michael Kahn. Na realidade, o longa até abre um pequeno espaço para discutir até que ponto o homem tem o direito de trazer de volta à vida uma espécie extinta e contrariar a seleção natural, mas o foco da narrativa está mesmo na aventura e “Jurassic Park” cumpre muito bem sua proposta. Além disso, a narrativa tem o cuidado de estabelecer os conflitos entre os personagens muito cedo e de maneira bem clara, por exemplo, quando Nedry demonstra insatisfação com seu salário e arquiteta a traição logo em sua primeira aparição. E até mesmo a presença dos netos de Hammond revela-se um elemento importante para aumentar a aflição no espectador devido a sua fragilidade e inocência.

De maneira geral, as atuações do elenco parecem exageradas, especialmente nos momentos que envolvem os dinossauros, como podemos notar quando mencionam a existência do T-Rex e dos Velociraptors, gerando o espanto das pessoas presentes. Ainda assim, Ariana Richards e Joseph Mazzello conferem realismo ao desespero dos netos de Hammond diante dos dinossauros e ainda estabelecem uma boa química com Sam Neill. Neill, por sua vez, cai bem no papel do Dr. Grant justamente por sua inexpressividade, que evita caracterizar o protagonista como um herói, assim como Laura Dern também é uma atriz que não transmite a energia que uma heroína necessita, fragilizando sua Dra. Ellie e fazendo com que o espectador tema por seu futuro. Exatamente por isso, ela não consegue convencer nas seqüências que exigem grande esforço físico, mas ainda assim não prejudica sua atuação, que é balanceada pelos bons momentos dramáticos, como quando confronta Hammond e suas idéias mirabolantes. Jeff Goldblum faz o papel do cético na pele do Dr. Malcolm, que mantém os pés no chão e prevê os problemas que poderão surgir ao misturar uma espécie tão poderosa e extinta com a raça humana. Além disso, suas piadas de humor negro funcionam como alivio cômico, algo necessário numa narrativa onde a tensão cresce constantemente, como quando pergunta “Vai ter isto no passeio?” após fugir de carro do T-Rex. Já Richard Attenborough vive o obcecado Hammond, que sequer consegue pensar nos netos por causa de seu projeto, como fica claro na conversa que tem com a Dra. Ellie após as crianças sumirem no parque (e Attenborough demonstra esta fixação do personagem muito bem eu seu olhar arregalado e na firmeza de sua voz). Fechando o elenco, vale notar ainda que Samuel L. Jackson interpreta Ray Arnold, um dos integrantes da equipe de informática e de segurança do parque.

A construção da narrativa é meticulosa e busca criar expectativa no espectador através dos diálogos antes de inserir momentos de alta tensão e aventura eletrizante, como a história que o Dr. Grant conta para um garoto nas escavações a respeito dos velociraptors, reforçada pelas citações de Hammond ao parque momentos depois. Para aumentar ainda mais esta expectativa, Spielberg seque a cartilha de “Tubarão” e prolonga ao máximo a aparição dos dinossauros (especialmente do T-Rex e dos Velociraptors), deixando a imaginação do espectador fluir – observe, por exemplo, como não vemos o velociraptor por completo (somente parte do rosto e um close no olho) na primeira cena do filme. E quando o faz, sempre procura mostrar primeiro a reação das pessoas presentes, para somente depois mostrar os dinossauros. Observe, por exemplo, como antes de vermos pela primeira vez um dinossauro na tela, o diretor emprega um zoom no rosto do Dr. Grant e da Dra. Ellie, realçando o tamanho da surpresa de ambos diante do que estão vendo. Em seguida, Spielberg revela sua proeza e aquelas enormes criaturas aparecem se movimentando com graça e leveza diante dos nossos olhos. E de fato impressiona o trabalho magnífico dos efeitos visuais (Industrial Light & Magic e Stan Winston Studio), que assombraram o mundo com a perfeita recriação digital dos dinossauros (uma combinação de bonecos eletrônicos com CGI). E além dos efeitos visuais, o som espetacular também torna os dinossauros mais realistas, o que é vital para o sucesso da narrativa, pois nós realmente acreditamos no que vemos e embarcamos na aventura. Quando Hammond diz “bem-vindos ao Jurassic Park!”, também estamos, assim como os personagens, encantados com tudo aquilo. Isto ocorre também porque Spielberg tem o cuidado de ambientar completamente o espectador à ilha, fazendo com que ele, assim como os personagens, se sinta fascinado desde a chegada ao local, onde os belos planos da paisagem e a empolgante trilha sonora embalam a euforia do espectador. O fascínio só aumenta quando somos apresentados ao laboratório através de um travelling que nos deixa hipnotizados diante de tanta criatividade. Spielberg conta ainda com a direção de arte de John Bell e William James Teegarden, que cria um parque verossímil através das enormes cercas elétricas, da bela fachada da porta de entrada do parque e até mesmo dos veículos de passeio, que lembram carros de safáris. Já os figurinos são compatíveis com o ambiente em que se passa a narrativa, com roupas leves e esportivas e acessórios típicos dos parques, como o chapéu do Dr. Grant e o uniforme de Muldoon (Bob Peck). Mas nem tudo são flores e a conversa sobre os riscos que o parque representa também funciona como maneira de preparar o espectador para o que virá a seguir, além é claro de provocar a irritação de Hammond, inconformado com os questionamentos do grupo de pesquisadores.

Como podemos notar, Steven Spielberg trabalha toda a primeira hora da narrativa na preparação do espectador para os dois principais momentos do longa: a primeira aparição do T-Rex e a caçada dos velociraptors numa cozinha. E quando estes dois momentos chegam, o espectador não está apenas vendo os temíveis predadores na tela, está também recordando tudo que ouviu até então sobre eles, como quando Hammond comenta que tem um T-Rex (“T-Rex corre a 50 kmpor hora”) e provoca o espanto do Dr. Grant e da Dra. Ellie (esta é a primeira menção ao mais temido dos dinossauros) ou quando presenciamos o nascimento de um velociraptor que, seguido pelo momento em que vemos uma vaca sendo oferecida como alimento e pela conversa sobre sua inteligência, velocidade e agressividade, preparam o espectador para o momento em que eles entrarem em cena. Outroexemplo da inteligência de Spielberg é a cabra deixada para alimentar o T-Rex no passeio do grupo, que servirá, junto com um copo d’água, como indicador de sua presença no momento mais eletrizante do longa. Momento este que terá início logo após uma intensa discussão entre Nedry e Hammond, que levará o programador a iniciar o seu plano de roubo dos DNA’s, ao mesmo tempo em que vemos os funcionários de Hammond prevendo uma tempestade. Um close numa lata de spray indica o momento da traição, ao mesmo tempo em que raios e trovões anunciam a chegada da chuva enquanto os pesquisadores tentam curar um dinossauro doente no parque. Quando a tempestade finalmente se aproxima, Nedry já programou uma pane no sistema de segurança, provocando a irritação de Hammond ao constatar que o passeio acabou – e a fotografia de Dean Cundey, que até então priorizava cores vivas, agora passa a estabelecer uma atmosfera sombria, reforçada pela chuva, pela falta de energia e pela noite que recai sobre todos. Preocupado, Ray pergunta para Hammond onde os carros pararam e a resposta vem no plano seguinte, com a cabra presa. Eles estavam parados em frente ao local do T-Rex, sem a proteção da cerca elétrica e em carros que não se movimentam devido à falta de energia. O cenário estava pronto. Assim como em “Tubarão”, Spielberg guardou sua principal atração por mais da metade da projeção.

Tem inicio então a melhor cena de “Jurassic Park” (pessoalmente, considero esta uma das melhores cenas dos anos 90). Enquanto o garoto Tim brinca no carro, sua irmã Lex, assim como o Dr. Malcolm, começa a sentir o perigo, ao contrário de Grant e do advogado Donald Gennaro (Martin Ferrero), que parecem tranqüilos. A ausência de trilha sonora colabora com o clima tenso, reforçado pela chuva, que naturalmente provoca aflição. De repente, um tremor rompe o silêncio. Spielberg dá um close num copo d’água, observado atentamente pelo pequeno Tim, que vê a água tremendo e, com seus óculos de visão noturna, percebe que a cabra sumiu. Lex pergunta: “Onde está a cabra?”, e uma perna ensangüentada cai sobre o carro, provocando o desespero de todos. E então surge o T-Rex, primeiro com seu rosto gigantesco, depois, após estourar as cercas, em toda sua imponência, para a perplexidade de todos – e novamente vale à pena destacar os espetaculares efeitos visuais e sonoros, notáveis na perfeição dos movimentos, no impacto dos passos e no som dos gritos, conferindo imenso realismo ao gigante predador. A partir daí, uma seqüência eletrizante de imagens assustadoras toma conta da tela, terminando somente na fuga de Grant com as crianças, enquanto Malcolm fica desacordado debaixo das folhas e Gennaro, num momento de puro humor negro, é devorado pelo T-Rex (repare a inclinação da cabeça do predador antes de comê-lo, como quem observa com carinho sua refeição). Em resumo, uma cena fantástica, construída nos mínimos detalhes e conduzida com perfeição por Spielberg.

Após a eletrizante aparição do T-Rex, o cenário perfeito para a aventura está construído. Agora, só resta ao espectador se deixar levar pelo que vê e torcer pelo sucesso dos personagens. Por isso, é importante não ter nenhum grande herói no grupo, o que faz com que o espectador tema pela vida de todos eles. Num ritmo alucinante, a segunda metade da projeção apresenta um festival de seqüências marcantes, balanceando muito bem o suspense e a aventura. Primeiro um carro “persegue” Grant e Tim numa árvore, num momento onde a trilha sonora aumenta a tensão, ao contrário da cena do T-Rex, onde o som diegético era suficiente para assustar. Aliás, além de pontuar muito bem as cenas tensas, a trilha sonora de John Williams apresenta uma música tema belíssima. Outra cena eletrizante é a fuga de Malcolm, Ellie e do caçador Robert Muldoon num carro, com o T-Rex perseguindo o grupo (destaque para o curioso plano em que seu rosto gigante aparece no retrovisor). Vale destacar ainda o momentoem que Ellietenta ligar novamente as cercas elétricas sob a orientação de Hammond e, paralelamente, as crianças e Grant tentam pular uma das cercas (e novamente o trabalho do montador Michael Kahn se destaca, intercalando as duas seqüências com precisão, mantendo o espectador com os olhos grudados na tela). Após a solução do problema, Spielberg não resiste ao susto barato, provocado por um velociraptor que aparece repentinamente. E finalmente, a segunda cena marcante de “Jurassic Park” acontece quando Grant deixa as crianças para procurar os outros. Sozinhas, elas notam a presença de um velociraptor no local (observe que novamente Spielberg índica isto através da reação da garota, evitando mostrar o predador logo de cara). Desesperadas, as crianças fogem para a cozinha, onde sofrerão uma intensa caçada não apenas de um, mas de dois velociraptors, até que consigam escapar. Observe como os movimentos de câmera de Spielberg colaboram para que o espectador se sinta dentro daquele jogo de gato e rato, com planos subjetivos se alternando com planos abertos que mostram a geografia do local e evitam que o espectador se perca na cena. E no instante final, quando todos pareciam vítimas certas dos velociraptors, o T-Rex ressurge triunfal e salva o grupo, atacando os companheiros de era Mesozóica.

Quando Grant diz para Hammond que decidiu não endossar seu parque, está refletindo o pensamento de todo o grupo, que milagrosamente escapou da morte. No entanto, este pensamento não reflete o sentimento do espectador, que certamente aprovará o parque dos dinossauros, com seus maravilhosos efeitos visuais e, principalmente, sua narrativa envolvente, conduzida com perfeição por Steven Spielberg. Para todos que, assim como eu, se tornaram fãs desta maravilhosa viagem, deixemos um “Bem-vindos ao Jurassic Park!”.

Texto publicado em 17 de Abril de 2011 por Roberto Siqueira