DURO DE MATAR – A VINGANÇA (1995)

(Die Hard With a Vengeance)

 

Videoteca do Beto #129

Dirigido por John McTiernan.

Elenco: Bruce Willis, Jeremy Irons, Samuel L. Jackson, Graham Greene, Colleen Camp, Larry Bryggman, Anthony Peck, Nicholas Wyman, Sam Phillips, Kevin Chamberlain, Sharon Washington, Stephen Pearlman e Michael Alexander Jackson.

Roteiro: Jonathan Hensleigh, baseado nos personagens criados por Roderick Thorp.

Produção: John McTiernan e Michael Tadross.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após fazerem sucesso no cultuado “Pulp Fiction”, Bruce Willis e Samuel L. Jackson voltaram a atuar juntos (desta vez contracenando, o que quase não acontece no longa de Tarantino) sob a direção de John McTiernan, responsável pelo primeiro e melhor filme da franquia “Duro de Matar”. Só que todos estes elementos não foram suficientes para que “Duro de Matar – A Vingança” repetisse o feito do primeiro filme. Com uma narrativa menos inspirada, o longa se sustenta no carisma de seu protagonista e nas boas sequências de ação, mas está longe de ser um grande filme.

Escrito por Jonathan Hensleigh, “Duro de Matar – A Vingança” nos apresenta logo de cara uma explosão que serve para estabelecer o novo vilão como uma ameaça real e perigosa. Momentos depois, ele liga para a polícia, se apresenta como Peter Krieg (Jeremy Irons) e exige a presença de John McClane (Bruce Willis), que é encontrado bêbado e separado da mulher. O vilão passa então a brincar com McClane através de charadas e, logo na primeira delas, o dono de um estabelecimento chamado Zeus (Samuel L. Jackson) se envolve acidentalmente no caso e passa a ajudar McClane.

Apostando na volta da família Gruber (agora na pele do irmão interpretado por Jeremy Irons) após o sucesso do marcante vilão interpretado por Alan Rickman em “Duro de Matar”, o roteiro de Hensleigh acerta ao abusar do artifício “pista e recompensa”, por exemplo, através do distintivo “6991”, do nome da escola onde está uma bomba e da aspirina que entrega o paradeiro do vilão no terceiro ato. Por outro lado, a narrativa falha pelo excesso de momentos implausíveis, como aquele em que McClane é expelido de um túnel cheio d’água bem no momento em que Zeus passava pela rua, numa coincidência inimaginável numa cidade enorme como Nova York. Este tipo de artifício também existe nos filmes anteriores, é verdade, mas é amenizado por narrativas mais envolventes e cenas de ação mais impressionantes, algo que infelizmente não acontece neste “Duro de Matar – A Vingança”, o que acaba destacando os exageros do roteiro justamente pela falta de momentos marcantes e/ou cenas memoráveis. Mas se falha neste aspecto, Hensleigh se redime ao criar um interessante código de ética nos vilões, que brigam para não deixar bombas no alcance de crianças e deixam Zeus partir em certo momento, o que os torna menos unidimensionais e, consequentemente, mais interessantes.

Mesmo com mais de duas horas de duração, “Duro de Matar – A Vingança” jamais se torna entediante, graças ao bom ritmo imprimido pela montagem de John Wright e pela condução direta de McTiernan. Com cenas dinâmicas e bem conduzidas, como a sequência em que McClane e Zeus atravessam a cidade num taxi (e na contramão!) ou a sequência dentro do metrô, o longa apresenta um ritmo ágil, que prende nossa atenção. Por outro lado, o diretor não consegue transformar estas cenas em momentos de forte impacto, o que é uma falha considerável num filme de ação. Observe, por exemplo, um dos raros momentos em que McTiernan consegue criar tensão, quando o telefone toca enquanto um policial claramente aterrorizado aponta uma arma para Zeus, que precisa atender a chamada telefônica e evitar a explosão de uma bomba no metrô. A cena é lenta, mas bastante tensa e muito bem conduzida por McTiernan, servindo como referência para o potencial que a trama tinha, não aproveitado pelo diretor.

Mantendo a ação banhada pela luz do dia na maior parte do tempo, a fotografia de Peter Menzies Jr. só aposta na noite e na escuridão no ato final, numa tentativa tardia de ampliar a tensão. Já a trilha sonora de Michael Kamen segue a cartilha dos filmes de ação com seus acordes rápidos e altos, mostrando originalidade apenas na referencia à trilha clássica de “Dr. Fantástico” todas as vezes que os alemães aparecem sozinhos – especialmente a mulher de Gruber.

Mas se erra a mão na condução de algumas cenas de ação, McTiernan acerta no desenvolvimento dos personagens, a começar pelo vilão, que se não chega a aterrorizar como Hans Gruber no primeiro filme, é claramente um vilão mais respeitável que o coronel Stuart de “Duro de Matar 2”. Após acompanharmos os policiais se espalhando pela cidade do alto de um prédio diante da ameaça de uma bomba numa escola, a câmera faz um rápido movimento e revela Peter Gruber, que observa tudo à distância antes de iniciar a execução de seu audacioso plano. Sempre talentoso, Irons cria um vilão interessante e nada unidimensional, como podemos perceber quando manda liberar Zeus, quando atira na perna dele para não matá-lo e, especialmente, quando descobrimos que não existe bomba na escola (“Não sou um monstro”, diz). Apesar de sua ética peculiar, Gruber não deixa de soar ameaçador, especialmente no início, quando sugere não ter interesse em dinheiro – o que limita bastante as ações da polícia. E até mesmo suas charadas surgem como uma novidade interessante, mas infelizmente perdem a força ao longo da narrativa.

Sempre carismático na pele de John McClane, Bruce Willis mantém as características marcantes do personagem, como o mau-humor, a humanidade e a capacidade de rir das situações absurdas em que se envolve involuntariamente. Separado da mulher, ele surge bêbado e largado, mas é rapidamente envolvido no caso (a pedido do próprio criminoso), permitindo ao espectador se deliciar com suas tiradas e suas decisões nem sempre corretas, como quando decide perseguir os criminosos num túnel, somente para ser surpreendido pela água da represa e quase morrer afogado. Entretanto, desta vez McClane ganha à companhia de Zeus, um comerciante acidentalmente envolvido no caso num incidente no Harlem. Com uma irritante síndrome de perseguição que o impede de ver seu próprio racismo (algo que McClane aponta em certo momento), o Zeus de Samuel L. Jackson surge como uma espécie de parceiro de McClane (algo como Murtaugh e Riggs em “Máquina Mortífera”) e consegue sucesso neste sentido. O problema é que McClane é um personagem fascinante, que não precisa de companhia para funcionar, mas nem por isso a presença de Zeus compromete. Também mal-humorado e com boas tiradas, ele é responsável por momentos divertidos, como quando informa que o carro tem airbag no lado do motorista e olha assustado prevendo a ação de McClane, que salta de uma ponte em alta velocidade. Fechando o elenco, é sempre interessante ver Graham Greene, o eterno “Pássaro Esperneante” de “Dança com Lobos”, que aqui surge como o policial Joe Lambert.

Um dos acertos da série “Duro de Matar” está na constante sensação que temos de que McClane não conseguirá ter sucesso em sua empreitada. Tememos por seu destino, justamente porque ele parece alguém real e vulnerável, e não um herói invencível. Neste terceiro filme esta sensação é ainda mais forte, especialmente após a sequência no navio – e confesso que eu teria curtido mais se o filme acabasse com McClane no telefone, admitindo o sucesso do plano de Gruber, num final que seria bastante original. Infelizmente, o roteiro aposta na fórmula tradicional e uma última pista nos leva ao tradicional confronto entre vilão e mocinho, com a vitória mais que esperada de McClane.

Apesar do final convencional e dos clichês do gênero, “Duro de Matar – A Vingança” é um bom filme de ação, que se sustenta especialmente na química entre Willis e Jackson e no carisma de seu protagonista. Por outro lado, suas cenas de menor impacto e sua narrativa menos envolvente que nos filmes anteriores transformam este no filme menos interessante da série até então.

Texto publicado em 07 de Junho de 2012 por Roberto Siqueira

MAVERICK (1994)

(Maverick)

 

Videoteca do Beto #104

Dirigido por Richard Donner.

Elenco: Mel Gibson, Jodie Foster, James Garner, Alfred Molina, James Coburn, Corey Feldman, Danny Glover, Graham Greene, Geoffrey Lewis, Paul L. Smith, Dan Hedaya, Max Perlich, Jean Da Baer, Jack Garner, Dub Taylor e Margot Kidder.

Roteiro: William Goldman, baseado na série de TV “Maverick”, escrita por Roy Huggins.

Produção: Bruce Davey e Richard Donner.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Os anos 90 marcaram a ressurreição do mais americano dos gêneros, o western, através de excelentes filmes como “Dança com Lobos” e “Os Imperdoáveis”. Graças a eles, as produtoras voltaram a ter confiança no gênero e filmes como este despretensioso “Maverick” puderam ser lançados. Quem saiu ganhando foi o cinéfilo, que viu ressurgir um gênero delicioso. Com muito bom humor e uma narrativa leve, o longa dirigido por Richard Donner cumpre muito bem o que se propõe a fazer, divertindo o espectador enquanto acompanha a trajetória do esperto protagonista interpretado com carisma por Mel Gibson.

Bret (e não Bert!) Maverick (Mel Gibson) é um hábil jogador de pôquer que precisa desesperadamente arrumar três mil dólares para poder participar de um milionário campeonato num rio do Mississipi. No caminho, ele cruza com a bela Annabelle Bransford (Jodie Foster) e com o durão Zane Cooper (James Garner), que acompanharão o protagonista em sua atrapalhada jornada.

Escrito por William Goldman (baseado na série de TV homônima, escrita por Roy Huggins), “Maverick” acompanha a trajetória de seu personagem principal pelo velho oeste com bom humor. Buscando participar de um importante campeonato de pôquer que poderá lhe render nada menos que meio milhão de dólares, tudo que Bret Maverick deseja é ganhar os seus dólares sem morrer no caminho. O que os outros enxergam como covardia, para ele é apenas questão de sobrevivência. Repleto de sátiras que constantemente provocam o riso no espectador, o roteiro Goldman apresenta uma série de diálogos divertidos e ágeis, especialmente quando envolvem o trio Maverick, Cooper e Annabelle, além de inserir boas tiradas, que surgem ainda melhores graças à condução de Donner (repare como ele demora a revelar o “puro sangue” de Maverick, o que é essencial nesta piada, por exemplo). Além das excelentes piadas, o diretor consegue criar boas seqüências de ação, como quando Maverick tenta controlar uma diligência desgovernada em alta velocidade, pulando de um cavalo para outro até conseguir frear os animais (uma referência ao clássico de John Ford “No Tempo das Diligências”). Repleta de referências a momentos típicos dos westerns clássicos, a narrativa apresenta até mesmo a habitual cena em que os bandidos dormem bêbados ao redor da fogueira, sendo surpreendidos pelo protagonista, em outro momento divertido, que se encerra num emocionante e tradicional tiroteio.

Explorando com competência as belas paisagens, Donner ambienta perfeitamente o espectador ao velho oeste, auxiliado também pela direção de arte de Daniel T. Dorrance, que cria uma bela cidade no início, assim como capricha na aldeia indígena e no barco que receberá o campeonato de pôquer. Também vale citar os figurinos de April Ferry, essenciais na ambientação do espectador, com os vestidos charmosos das mulheres e os ternos elegantes dos homens, especialmente nos jogos. E por falar nos jogos, Donner também consegue deixar as partidas sempre interessantes, graças à montagem eficiente de Stuart Baird e Michael Kelly, como no primeiro jogo em que Maverick perde por uma hora, onde a rápida seqüência de imagens e a trilha divertida de Randy Newman tornam a cena empolgante – e vale registrar o olhar cínico de Gibson quando Maverick olha para o relógio e confirma que passou uma hora, guardando-o rapidamente para que os outros jogadores não percebam que agora ele poderá vencer. Finalmente, o tom leve e bem humorado da narrativa é reforçado pela fotografia de Vilmos Zsigmond, que emprega cores quentes, valorizando o visual árido do oeste.

Leve e espontâneo em diversos momentos, Mel Gibson confirma seu talento para cenas cômicas, já indicado na série “Máquina Mortífera”, arrancando o riso da platéia com facilidade, por exemplo, ao oscilar entre a fúria e o bom humor numa discussão com um rival de jogo ou nas constantes brincadeiras que faz com Annabelle. Além disso, momentos como aquele em que brinca com uma arma com grande habilidade servem para conquistar a simpatia do espectador, o que é essencial na trama, transformando o protagonista num personagem carismático, ainda que politicamente incorreto. Da mesma forma, o talento e o carisma de Jodie Foster se encaixam perfeitamente na charmosa e atrapalhada Annabelle, uma personagem igualmente adorável. Demonstrando excelente química com Gibson, a atriz surge leve e divertida, destacando-se em diversos momentos, como quando tenta seduzir e roubar Maverick eu seu apartamento. E apesar de exagerar nas caretas em alguns instantes, Alfred Molina cria um vilão respeitável como Angel, coerente com o tom leve da narrativa, mas impondo-se quando necessário, como quando surra quatro homens num bar.

A inteligência de Richard Donner fica evidente ainda na genial ponta de Danny Glover, que surge como um ladrão de bancos que “está velho demais pra isso”. Num fascinante exercício metalingüístico, Donner cria uma cena sensacional ao permitir que Gibson e Glover troquem olhares com um ar de “te conheço de algum lugar”, numa referência clara a parceria da dupla em “Máquina Mortífera”, confirmada até mesmo pelo toque da trilha sonora quando o rosto de Glover é revelado e pela frase do bandido, dita após sair do banco. Também inteligente é a escolha de James Garner para viver Cooper, o pai de Maverick, já que o ator interpretou Bret Maverick na série de TV que inspirou o filme, ainda no final dos anos 50. Garner está seguro no papel, demonstrando firmeza como um policial respeitável e coroando sua atuação na cena final, quando demonstra grande afinidade com Gibson. Outra escolha acertada é a de Graham Greene para viver Joseph, o líder indígena, numa referência ao seu papel em “Dança com Lobos”, também confirmada por um rápido acorde da trilha sonora. Leve e despojada, a atuação de Greene é uma síntese de todo o elenco. Eles estavam leves e realmente se divertindo ao fazer o filme – o que reforça o mérito do trabalho de Donner.

Imprimindo o ritmo correto ao longa, Donner e a dupla de montadores dividem muito bem a narrativa, balanceando momentos de ação e bom humor até chegar ao esperado campeonato de pôquer, onde o trabalho dos montadores novamente se destaca, transformando o campeonato em outra seqüência agradável, novamente embalada pela excelente trilha sonora. Apesar disto tudo, o longa não é perfeito, e o pequeno drama que surge quando Maverick é trancado em sua cabine serve apenas para que o herói (?) chegue ao jogo no último minuto, num clichê que, desta vez, soa descartável. Por outro lado, toda a partida final é empolgante e tensa, com exceção do divertido momento em que Maverick elimina Annabelle da mesa. E na última jogada, o silêncio que predomina por alguns instantes amplia a tensão até que a carta mágica de Maverick seja revelada, numa interessante rima narrativa com outra cena, ainda no início, em que ele fala sobre a crença de infância desacreditada pelo pai. Infelizmente, logo após este momento de êxtase, a desnecessária fuga de Cooper com o dinheiro da aposta “brocha” o espectador. Nem mesmo a explicação de seu plano junto ao Comodoro (James Coburn) justifica a ação, já que o problema está no pouco tempo que a platéia tem para curtir a vitória de Maverick. A cena final revela que Cooper é o pai de Maverick e, somada à aparição de Annabelle e aos deliciosos diálogos sobre as semelhanças entre pai e filho, encerra o filme no tom correto, jogando o espectador pra fora com aquela deliciosa sensação de satisfação.

Com cenas memoráveis e muitos momentos capazes de fazer a platéia sorrir, “Maverick” é destes filmes leves, que alegram nosso dia, ainda que não deixem grandes reflexões. Nem deveriam. Com muito bom humor, o versátil Richard Donner tira mais uma carta da manga e, graças também ao ótimo elenco, entrega uma narrativa despretensiosa, envolvente e, acima de tudo, suficiente para nos divertir.

Texto publicado em 13 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira

DANÇA COM LOBOS (1990)

(Dances with Wolves)

 

Videoteca do Beto #72

Vencedores do Oscar #1990

Dirigido por Kevin Costner.

Elenco: Kevin Costner, Mary McDonnell, Graham Greene, Rodney A. Grant, Floyd “Red Crow” Westerman, Tantoo Cardinal, Robert Pastorelli, Charles Rocket, Maury Chaykin, Jimmy Herman, Nathan Lee Chasing Horse, Michael Spears, Jason R. Lone Hill, Tony Pierce e Tom Everett.

Roteiro: Michael Blake, baseado em livro de Michael Blake.

Produção: Kevin Costner e Jim Wilson.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Em plena ascensão na carreira no final dos anos 80, após estrelar “Os Intocáveis”, “Sem Saída”, “Sorte no Amor” e “Campo dos Sonhos”, Kevin Costner finalmente chegava ao topo com este belo “Dança com Lobos”. E logo em sua primeira experiência na direção, o então astro de Hollywood entrega um resultado belíssimo, num épico tocante, humano e repleto de imagens deslumbrantes, que trata os índios com respeito e utiliza a guerra civil americana como pano de fundo para mostrar a incrível trajetória de seu personagem principal.

Durante a guerra civil norte-americana, John Dunbar (Kevin Costner) é um soldado gravemente ferido que, ao tentar o suicídio, acaba motivando os outros soldados a iniciarem um combate. Considerado herói, ele ganha a oportunidade de servir no posto de sua escolha, o que se revela uma oportunidade única para que realize seu sonho de conhecer a fronteira “antes que ela desapareça”. O problema é que a região é dominada pelos índios Sioux e será questão de tempo para que eles percebam sua presença em seu território.

“De todos os caminhos desta vida, existe um que realmente importa. É o caminho para o verdadeiro ser humano”. As belas palavras de Pássaro Esperneante (Graham Greene) resumem perfeitamente a jornada de John Dunbar, o homem que partiu para conhecer a fronteira e acabou encontrando a si mesmo. Conduzido com extrema sensibilidade por Kevin Costner, “Dança com Lobos” é um filme espiritualista, que nos transporta numa bela viagem pelo interior do coração humano. Auxiliado pela montagem de Neil Travis, Costner emprega um ritmo lento, contemplativo, que casa perfeitamente com o espírito de Dunbar e permite ao espectador desfrutar aquelas imagens belíssimas em sua plenitude – e é marcante a imagem recorrente daquele homem solitário, perdido em meio a tanta exuberância e beleza da natureza. A excepcional direção de fotografia de Dean Semler ajuda a captar com precisão estas lindas imagens, como o sol nascendo e se pondo ao final das longas planícies das pradarias, que se perdem no horizonte distante. A coleção de belos planos é enorme, especialmente durante a viagem de Dunbar até o forte, onde, por exemplo, Costner emprega um zoom out que ilustra perfeitamente a insignificância do homem diante da magnitude da natureza. O diretor também sabe utilizar a câmera para transmitir sensações, como quando Dunbar está assustado no forte e a movimentação da câmera revela que a ameaça na verdade era o cavalo Cisco andando do lado de fora, além de utilizar novamente o zoom out pra revelar toda a sujeira dos arredores do forte e em volta do lago. Além disso, utiliza a câmera lenta com precisão, por exemplo, quando Dunbar corre para evitar o roubo de Cisco, mostrando suas pernas intercaladas com as patas dos cavalos que se aproximam, além de caprichar nos enquadramentos, criando planos belíssimos que mostram a comunhão entre a natureza e o homem, como no plano geral que revela a aldeia Sioux. Finalmente, o diretor é inteligente ao indicar certas coisas sutilmente, como no plano em que Dunbar sai do forte e esquece a agenda na cama, que será vital para o futuro da narrativa e justificará seu retorno ao local, quando ele finalmente confrontará o seu passado e confirmará sua mudança completa.

Além da direção clássica, Costner conta ainda com os figurinos de Elsa Zamparelli, que colaboram para ilustrar a gradual transformação de Dunbar, lentamente transformado de soldado em índio Sioux (e até mesmo seu corte de cabelo e barba reflete esta mudança). A ótima direção de arte de William Ladd Skinner ambienta perfeitamente o espectador através das cabanas espalhadas pela aldeia, dos adereços e artefatos indígenas e até mesmo do abandonado forte Sedgwick, repleto de detalhes como os objetos deixados pelos soldados que ali estiveram. O trabalho de Skinner também é vital em momentos simbólicos, como na primeira aparição de Cisco, que, com sua coloração mais clara, revela-se um cavalo diferente dos demais, numa alusão ao próprio Dunbar, um soldado diferente de todos os outros naquela situação, e que, justamente por não ter grandes expectativas, tenta o suicídio (“Perdoe-me Senhor!”) ao cruzar o campo de batalha com os braços abertos, numa cena linda conduzida em câmera lenta por Costner. Finalmente, devemos destacar a trilha sonora simplesmente espetacular de John Barry, que cria, além do lindo tema principal, diversas melodias belíssimas, como o tema para os momentos entre Dunbar e o lobo ou o tema para seu relacionamento com “De Pé com Punho” (Mary McDonnell), além do tom mais sombrio para momentos tensos, como o confronto com os Pawnees.

Escrito por Michael Blake, baseado em seu próprio livro, “Dança com Lobos” aborda a civilização às avessas, ou seja, o homem branco aprendendo a cultura indígena, além de ilustrar as mudanças no interior de Dunbar através da deliciosa e muito bem escrita narração em off. Blake demonstra profundo respeito e sensibilidade para com a cultura Sioux, fazendo questão de desmistificar a imagem de homens selvagens ao mostrar um povo digno e honesto. Inicialmente, os índios até parecem violentos, como quando discutem o sinal de fumaça em sua terra e matam o camponês que levou Dunbar ao forte (numa cena, aliás, bastante violenta) – saberemos depois que estes são os Pawnees, uma tribo rival dos Sioux. Mas ainda assim, Blake evita o maniqueísmo ao mostrar que mesmo entre os Pawnees existem opiniões distintas, quando um deles diz que eles deveriam ignorar aquele sinal e partir. O contrário acontece entre os Sioux, retratados em sua maioria como pessoas boas, mas também com personalidades muito distintas, como o passional “Vento no Cabelo” (Rodney A. Grant), o inteligente “Pássaro Esperneante”, o sábio “Dez Ursos” (Floyd Westerman) e o índio que encontra o chapéu de Dunbar e se recusa a devolvê-lo, mostrando um lado egoísta que evita a “santificação” dos Sioux. Blake também mostra características marcantes dos índios, como o respeito à hierarquia, representado na obediência à palavra sempre decisiva de “Dez Ursos”. E nem mesmo os unidimensionais soldados estragam o roteiro, já que Blake faz questão de ressaltar a opinião divergente do líder deles em relação à Dunbar. O roteiro conta ainda com momentos de alivio cômico, como quando Dunbar acorda atordoado com o barulho dos índios que roubam Cisco e bate a cabeça na porta, só se levantando no dia seguinte, e com uma pitada de romance, através da aceitável e coerente relação entre “Dança com Lobos” e “De Pé com Punho”, duas pessoas que, como lembrado pela mulher de “Pássaro Esperneante”, têm a mesma origem (“Faz sentido, os dois são brancos”). Mas o roteiro de Blake acerta principalmente na condução do arco dramático de Dunbar, indicando sua lenta transformação através de pequenas atitudes, como quando ele morde um coração de búfalo após a caçada, quando troca o uniforme de soldado por adereços indígenas, a emblemática cena da dança em volta da fogueira (em que Costner, aliás, se sai muito bem), quando os instintos mais primitivos começam aflorar em Dunbar, e, obviamente, a “dança com o lobo”, que explica seu novo nome e finaliza o processo de transformação. Nas palavras de “Dez Ursos”, agora Dunbar já não existia mais, ele era um índio Sioux chamado “Dança com Lobos”. Após sua transformação, até mesmo “Duas Meias” passa a comer em sua mão, como se o lobo soubesse que aquele era um homem já completamente integrado à natureza – algo que o lobo pressentia antes mesmo da transformação, e por isso, rodeava o forte.

E se tem total domínio da narrativa e noção exata do que quer na direção, Costner também se sai bem como ator, iniciando sua atuação de maneira contida, o que é coerente com o sentimento de Dunbar, estarrecido diante de tanta beleza e paz. Aliás, o ator se sai bem desde a primeira cena, quando transmite com exatidão a dor do personagem ao recolocar a bota na perna ferida e, com seu olhar desolado diante da imagem de um soldado com a perna amputada, demonstra seu estado de espírito. Dunbar era um homem completamente sem perspectiva na vida naquele momento. Observe também a aflição no rosto de Costner quando os índios encontram os búfalos mortos por homens brancos, refletindo o sentimento angustiado do personagem. Ele sabia que, diante de interesses conflitantes, era inevitável o conflito entre brancos e índios no futuro. E o que dizer dos belos momentos em que Dunbar tenta se comunicar através de gestos e mímicas com os índios, que, por sua vez, se esforçam para entendê-lo? É tocante a dedicação daquelas pessoas diante de tamanha adversidade. Aliás, o fato dos Sioux falarem seu próprio dialeto confere veracidade e realismo à narrativa e ajudam a ambientar o espectador. Desta forma, os primeiros contatos entre Dunbar e os Sioux expressam de maneira orgânica a dificuldade extrema de comunicação entre aquelas pessoas, separadas pela barreira do idioma. Mas Costner não está sozinho entre os destaques do elenco. Mary McDonnell e Graham Greene também têm grandes atuações, como podemos notar na primeira conversa do trio numa cabana, onde eles demonstram com perfeição a enorme dificuldade de comunicação, através dos olhares ansiosos, do gaguejar de “De Pé com Punho”, já há muito tempo sem falar o inglês, e da irritação de “Pássaro Esperneante” diante da situação, repreendendo a moça diversas vezes. Fica evidente que eles gostariam de dizer muito mais do que foi dito, mas a barreira do idioma ainda existe. McDonnell ainda transmite muito bem a aflição da personagem diante da presença do homem branco, algo que lhe recordava sua origem e lhe tirava daquele mundo, como explicado através de um flashback, que revela como Christine se transformou em “De Pé com Punho”. Já Graham Greene está estupendo como “Pássaro Esperneante”, um homem sensato e inteligente que conduz a aproximação entre os Sioux e Dunbar. A amizade dos dois, aliás, chega a emocionar, sem que o roteiro jamais apele para clichês ou que Costner exagere no sentimentalismo para alcançar este resultado. A emoção é genuína, provocada simplesmente pela pureza daquela amizade, simbolizada no momento da despedida, quando ambos trocam presentes. Assim como é genuíno também o grito de dor de “Vento no Cabelo”, interpretado por Rodney A. Grant, ao ver seu amigo partir, na última e emocionante cena do filme. Vale destacar ainda a atuação de Floyd “Red Crow” Westerman como “Dez Ursos”, conferindo um peso enorme ao respeitado líder dos Sioux.

“Dança com Lobos” tem ainda dois momentos empolgantes, que destoam do ritmo contemplativo da narrativa. Certamente uma das melhores seqüências do longa, a caçada de búfalos joga o espectador pra dentro da cena através da alternância de planos gerais e closes, do som que capta com precisão a corrida dos búfalos e cavalos e da empolgante trilha sonora, numa cena extremamente bem conduzida por Costner. A outra grande cena é a guerra entre os Sioux e os Pawnees, que termina no impressionante plano em que os Sioux massacram um dos índios rivais. Estas duas cenas balanceiam muito bem a narrativa com seus momentos tocantes, como quando “Vento no Cabelo” diz que seu melhor amigo morreu porque Dunbar estava vindo, declarando de maneira sincera a sua amizade, ou quando os soldados matam Cisco e atiram em “Duas Meias”, simbolizando o corte da ligação de Dunbar com aquele mundo que tanto amava. A partir daquele momento, ele sabia que não poderia ficar ali e colocar em risco toda a aldeia, o que motiva sua decisão de deixar a tribo. Esta decisão nos leva então ao final triste e realista de “Dança com Lobos”, com o lobo uivando, “Vento no Cabelo” gritando e o casal deixando a tribo, num momento de partir o coração. O texto cruel que encerra o longa decreta o fim da cultura eqüina das pradarias e a trilha arrebatadora encerra a nossa maravilhosa viagem.

“Dança com Lobos” é um filme lindo, que nos apresenta com muita sensibilidade a busca do homem por sua verdadeira identidade. Se a megalomania derrubou Costner nos anos seguintes, este momento de muita inspiração certamente justificou sua carreira com brilhantismo, entregando um filme tocante e sensível, que sabe exatamente a mensagem que pretende deixar. Dunbar viu mais sentido na vida entre os índios do que em tudo que vivera até então, mas, infelizmente, os caminhos do progresso impediram que ele vivesse esta descoberta em sua plenitude. Repetindo as palavras de Pássaro Esperneante, “o caminho para o verdadeiro ser humano é o que realmente importa nesta vida”. Pena que tão poucos encontram este caminho.

Texto publicado em 28 de Novembro de 2010 por Roberto Siqueira