(Dances with Wolves)
Videoteca do Beto #72
Vencedores do Oscar #1990
Dirigido por Kevin Costner.
Elenco: Kevin Costner, Mary McDonnell, Graham Greene, Rodney A. Grant, Floyd “Red Crow” Westerman, Tantoo Cardinal, Robert Pastorelli, Charles Rocket, Maury Chaykin, Jimmy Herman, Nathan Lee Chasing Horse, Michael Spears, Jason R. Lone Hill, Tony Pierce e Tom Everett.
Roteiro: Michael Blake, baseado em livro de Michael Blake.
Produção: Kevin Costner e Jim Wilson.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Em plena ascensão na carreira no final dos anos 80, após estrelar “Os Intocáveis”, “Sem Saída”, “Sorte no Amor” e “Campo dos Sonhos”, Kevin Costner finalmente chegava ao topo com este belo “Dança com Lobos”. E logo em sua primeira experiência na direção, o então astro de Hollywood entrega um resultado belíssimo, num épico tocante, humano e repleto de imagens deslumbrantes, que trata os índios com respeito e utiliza a guerra civil americana como pano de fundo para mostrar a incrível trajetória de seu personagem principal.
Durante a guerra civil norte-americana, John Dunbar (Kevin Costner) é um soldado gravemente ferido que, ao tentar o suicídio, acaba motivando os outros soldados a iniciarem um combate. Considerado herói, ele ganha a oportunidade de servir no posto de sua escolha, o que se revela uma oportunidade única para que realize seu sonho de conhecer a fronteira “antes que ela desapareça”. O problema é que a região é dominada pelos índios Sioux e será questão de tempo para que eles percebam sua presença em seu território.
“De todos os caminhos desta vida, existe um que realmente importa. É o caminho para o verdadeiro ser humano”. As belas palavras de Pássaro Esperneante (Graham Greene) resumem perfeitamente a jornada de John Dunbar, o homem que partiu para conhecer a fronteira e acabou encontrando a si mesmo. Conduzido com extrema sensibilidade por Kevin Costner, “Dança com Lobos” é um filme espiritualista, que nos transporta numa bela viagem pelo interior do coração humano. Auxiliado pela montagem de Neil Travis, Costner emprega um ritmo lento, contemplativo, que casa perfeitamente com o espírito de Dunbar e permite ao espectador desfrutar aquelas imagens belíssimas em sua plenitude – e é marcante a imagem recorrente daquele homem solitário, perdido em meio a tanta exuberância e beleza da natureza. A excepcional direção de fotografia de Dean Semler ajuda a captar com precisão estas lindas imagens, como o sol nascendo e se pondo ao final das longas planícies das pradarias, que se perdem no horizonte distante. A coleção de belos planos é enorme, especialmente durante a viagem de Dunbar até o forte, onde, por exemplo, Costner emprega um zoom out que ilustra perfeitamente a insignificância do homem diante da magnitude da natureza. O diretor também sabe utilizar a câmera para transmitir sensações, como quando Dunbar está assustado no forte e a movimentação da câmera revela que a ameaça na verdade era o cavalo Cisco andando do lado de fora, além de utilizar novamente o zoom out pra revelar toda a sujeira dos arredores do forte e em volta do lago. Além disso, utiliza a câmera lenta com precisão, por exemplo, quando Dunbar corre para evitar o roubo de Cisco, mostrando suas pernas intercaladas com as patas dos cavalos que se aproximam, além de caprichar nos enquadramentos, criando planos belíssimos que mostram a comunhão entre a natureza e o homem, como no plano geral que revela a aldeia Sioux. Finalmente, o diretor é inteligente ao indicar certas coisas sutilmente, como no plano em que Dunbar sai do forte e esquece a agenda na cama, que será vital para o futuro da narrativa e justificará seu retorno ao local, quando ele finalmente confrontará o seu passado e confirmará sua mudança completa.
Além da direção clássica, Costner conta ainda com os figurinos de Elsa Zamparelli, que colaboram para ilustrar a gradual transformação de Dunbar, lentamente transformado de soldado em índio Sioux (e até mesmo seu corte de cabelo e barba reflete esta mudança). A ótima direção de arte de William Ladd Skinner ambienta perfeitamente o espectador através das cabanas espalhadas pela aldeia, dos adereços e artefatos indígenas e até mesmo do abandonado forte Sedgwick, repleto de detalhes como os objetos deixados pelos soldados que ali estiveram. O trabalho de Skinner também é vital em momentos simbólicos, como na primeira aparição de Cisco, que, com sua coloração mais clara, revela-se um cavalo diferente dos demais, numa alusão ao próprio Dunbar, um soldado diferente de todos os outros naquela situação, e que, justamente por não ter grandes expectativas, tenta o suicídio (“Perdoe-me Senhor!”) ao cruzar o campo de batalha com os braços abertos, numa cena linda conduzida em câmera lenta por Costner. Finalmente, devemos destacar a trilha sonora simplesmente espetacular de John Barry, que cria, além do lindo tema principal, diversas melodias belíssimas, como o tema para os momentos entre Dunbar e o lobo ou o tema para seu relacionamento com “De Pé com Punho” (Mary McDonnell), além do tom mais sombrio para momentos tensos, como o confronto com os Pawnees.
Escrito por Michael Blake, baseado em seu próprio livro, “Dança com Lobos” aborda a civilização às avessas, ou seja, o homem branco aprendendo a cultura indígena, além de ilustrar as mudanças no interior de Dunbar através da deliciosa e muito bem escrita narração em off. Blake demonstra profundo respeito e sensibilidade para com a cultura Sioux, fazendo questão de desmistificar a imagem de homens selvagens ao mostrar um povo digno e honesto. Inicialmente, os índios até parecem violentos, como quando discutem o sinal de fumaça em sua terra e matam o camponês que levou Dunbar ao forte (numa cena, aliás, bastante violenta) – saberemos depois que estes são os Pawnees, uma tribo rival dos Sioux. Mas ainda assim, Blake evita o maniqueísmo ao mostrar que mesmo entre os Pawnees existem opiniões distintas, quando um deles diz que eles deveriam ignorar aquele sinal e partir. O contrário acontece entre os Sioux, retratados em sua maioria como pessoas boas, mas também com personalidades muito distintas, como o passional “Vento no Cabelo” (Rodney A. Grant), o inteligente “Pássaro Esperneante”, o sábio “Dez Ursos” (Floyd Westerman) e o índio que encontra o chapéu de Dunbar e se recusa a devolvê-lo, mostrando um lado egoísta que evita a “santificação” dos Sioux. Blake também mostra características marcantes dos índios, como o respeito à hierarquia, representado na obediência à palavra sempre decisiva de “Dez Ursos”. E nem mesmo os unidimensionais soldados estragam o roteiro, já que Blake faz questão de ressaltar a opinião divergente do líder deles em relação à Dunbar. O roteiro conta ainda com momentos de alivio cômico, como quando Dunbar acorda atordoado com o barulho dos índios que roubam Cisco e bate a cabeça na porta, só se levantando no dia seguinte, e com uma pitada de romance, através da aceitável e coerente relação entre “Dança com Lobos” e “De Pé com Punho”, duas pessoas que, como lembrado pela mulher de “Pássaro Esperneante”, têm a mesma origem (“Faz sentido, os dois são brancos”). Mas o roteiro de Blake acerta principalmente na condução do arco dramático de Dunbar, indicando sua lenta transformação através de pequenas atitudes, como quando ele morde um coração de búfalo após a caçada, quando troca o uniforme de soldado por adereços indígenas, a emblemática cena da dança em volta da fogueira (em que Costner, aliás, se sai muito bem), quando os instintos mais primitivos começam aflorar em Dunbar, e, obviamente, a “dança com o lobo”, que explica seu novo nome e finaliza o processo de transformação. Nas palavras de “Dez Ursos”, agora Dunbar já não existia mais, ele era um índio Sioux chamado “Dança com Lobos”. Após sua transformação, até mesmo “Duas Meias” passa a comer em sua mão, como se o lobo soubesse que aquele era um homem já completamente integrado à natureza – algo que o lobo pressentia antes mesmo da transformação, e por isso, rodeava o forte.
E se tem total domínio da narrativa e noção exata do que quer na direção, Costner também se sai bem como ator, iniciando sua atuação de maneira contida, o que é coerente com o sentimento de Dunbar, estarrecido diante de tanta beleza e paz. Aliás, o ator se sai bem desde a primeira cena, quando transmite com exatidão a dor do personagem ao recolocar a bota na perna ferida e, com seu olhar desolado diante da imagem de um soldado com a perna amputada, demonstra seu estado de espírito. Dunbar era um homem completamente sem perspectiva na vida naquele momento. Observe também a aflição no rosto de Costner quando os índios encontram os búfalos mortos por homens brancos, refletindo o sentimento angustiado do personagem. Ele sabia que, diante de interesses conflitantes, era inevitável o conflito entre brancos e índios no futuro. E o que dizer dos belos momentos em que Dunbar tenta se comunicar através de gestos e mímicas com os índios, que, por sua vez, se esforçam para entendê-lo? É tocante a dedicação daquelas pessoas diante de tamanha adversidade. Aliás, o fato dos Sioux falarem seu próprio dialeto confere veracidade e realismo à narrativa e ajudam a ambientar o espectador. Desta forma, os primeiros contatos entre Dunbar e os Sioux expressam de maneira orgânica a dificuldade extrema de comunicação entre aquelas pessoas, separadas pela barreira do idioma. Mas Costner não está sozinho entre os destaques do elenco. Mary McDonnell e Graham Greene também têm grandes atuações, como podemos notar na primeira conversa do trio numa cabana, onde eles demonstram com perfeição a enorme dificuldade de comunicação, através dos olhares ansiosos, do gaguejar de “De Pé com Punho”, já há muito tempo sem falar o inglês, e da irritação de “Pássaro Esperneante” diante da situação, repreendendo a moça diversas vezes. Fica evidente que eles gostariam de dizer muito mais do que foi dito, mas a barreira do idioma ainda existe. McDonnell ainda transmite muito bem a aflição da personagem diante da presença do homem branco, algo que lhe recordava sua origem e lhe tirava daquele mundo, como explicado através de um flashback, que revela como Christine se transformou em “De Pé com Punho”. Já Graham Greene está estupendo como “Pássaro Esperneante”, um homem sensato e inteligente que conduz a aproximação entre os Sioux e Dunbar. A amizade dos dois, aliás, chega a emocionar, sem que o roteiro jamais apele para clichês ou que Costner exagere no sentimentalismo para alcançar este resultado. A emoção é genuína, provocada simplesmente pela pureza daquela amizade, simbolizada no momento da despedida, quando ambos trocam presentes. Assim como é genuíno também o grito de dor de “Vento no Cabelo”, interpretado por Rodney A. Grant, ao ver seu amigo partir, na última e emocionante cena do filme. Vale destacar ainda a atuação de Floyd “Red Crow” Westerman como “Dez Ursos”, conferindo um peso enorme ao respeitado líder dos Sioux.
“Dança com Lobos” tem ainda dois momentos empolgantes, que destoam do ritmo contemplativo da narrativa. Certamente uma das melhores seqüências do longa, a caçada de búfalos joga o espectador pra dentro da cena através da alternância de planos gerais e closes, do som que capta com precisão a corrida dos búfalos e cavalos e da empolgante trilha sonora, numa cena extremamente bem conduzida por Costner. A outra grande cena é a guerra entre os Sioux e os Pawnees, que termina no impressionante plano em que os Sioux massacram um dos índios rivais. Estas duas cenas balanceiam muito bem a narrativa com seus momentos tocantes, como quando “Vento no Cabelo” diz que seu melhor amigo morreu porque Dunbar estava vindo, declarando de maneira sincera a sua amizade, ou quando os soldados matam Cisco e atiram em “Duas Meias”, simbolizando o corte da ligação de Dunbar com aquele mundo que tanto amava. A partir daquele momento, ele sabia que não poderia ficar ali e colocar em risco toda a aldeia, o que motiva sua decisão de deixar a tribo. Esta decisão nos leva então ao final triste e realista de “Dança com Lobos”, com o lobo uivando, “Vento no Cabelo” gritando e o casal deixando a tribo, num momento de partir o coração. O texto cruel que encerra o longa decreta o fim da cultura eqüina das pradarias e a trilha arrebatadora encerra a nossa maravilhosa viagem.
“Dança com Lobos” é um filme lindo, que nos apresenta com muita sensibilidade a busca do homem por sua verdadeira identidade. Se a megalomania derrubou Costner nos anos seguintes, este momento de muita inspiração certamente justificou sua carreira com brilhantismo, entregando um filme tocante e sensível, que sabe exatamente a mensagem que pretende deixar. Dunbar viu mais sentido na vida entre os índios do que em tudo que vivera até então, mas, infelizmente, os caminhos do progresso impediram que ele vivesse esta descoberta em sua plenitude. Repetindo as palavras de Pássaro Esperneante, “o caminho para o verdadeiro ser humano é o que realmente importa nesta vida”. Pena que tão poucos encontram este caminho.
Texto publicado em 28 de Novembro de 2010 por Roberto Siqueira