O SEXTO SENTIDO (1999)

(The Sixth Sense)

5 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #231

Dirigido por M. Night Shyamalan.

Elenco: Bruce Willis, Haley Joel Osment, Toni Collette, Olivia Williams, Trevor Morgan, Donnie Wahlberg, Peter Anthony Tambakis, Glenn Fitzgerald, M. Night Shyamalan e Bruce Norris.

Roteiro: M. Night Shyamalan.

Produção: Kathleen Kennedy, Frank Marshall e Barry Mendel.

o-sexto-sentido[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Elogiadíssimo e responsável por colocar o nome de M. Night Shyamalan no mapa, “O Sexto Sentido” surgiu como um sopro de criatividade num gênero desgastado e carente de bons filmes no final dos anos 90. Apesar do sucesso de longas como “A Bruxa de Blair” e “Pânico”, o fato é que faltava uma obra deste quilate, capaz de provocar calafrios e deixar a mente do espectador borbulhando ao final da sessão diante da surpreendente reviravolta que o fez tão famoso. Mas afinal toda esta repercussão era merecida ou, passados tantos anos, uma revisão poderia constatar que houve certo exagero?

Escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, “O Sexto Sentido” narra a delicada relação entre o Dr. Malcolm Crowe (Bruce Willis), um respeitado psicólogo que após um importante incidente passa a sentir-se mais distante da esposa Anna (Olivia Williams), e seu paciente, o jovem Cole (Haley Joel Osment) que, atormentado por supostas alucinações, representa a chance de redenção para o experiente psicólogo anos após ter falhado com outro paciente.

Obviamente o grande responsável pela fama de “O Sexto Sentido”, o roteiro de Shyamalan é hábil o suficiente para manter o espectador preso a narrativa e simultaneamente espalhar diversas dicas sobre seu segredo ao longo da projeção sem que corra o risco de entregar a reviravolta antes do momento certo ou transformá-las em distrações. Além disso, Shyamalan cria regras para a coexistência entre os dois mundos que dominam o longa e as respeita durante todo o tempo, o que é muito importante para que o espectador não se sinta enganado quando o truque for revelado. No entanto, o segredo do sucesso do filme não reside apenas no controle absoluto que Shyamalan demonstra sobre a trama, contando também com a excepcional atmosfera criada pelo diretor e sua equipe, capaz de sugar a plateia e mantê-la tensa na maior parte do tempo.

Esta atmosfera gélida e sombria é notável desde a aparição de Vicent (Donnie Wahlberg, em participação marcante) na casa do casal, que serve também para dar o tom da narrativa ainda nos primeiros instantes de projeção. A primeira criança que Cole encontra após compreender como poderia utilizar seu dom também surge de maneira assustadora, numa imagem forte dentro da cabana dele, realçada pelos tons em vermelho e pelo ângulo escolhido pelo diretor. Toda a sequência envolvendo Kyra (Mischa Barton), aliás, é muito bem construída e envolvente, culminando num desfecho surpreendentemente trágico e que ajudaria o rapaz a aprender a lidar melhor com os mortos e ajuda-los. Afinal de contas, “O Sexto Sentido” é também sobre redenção e tanto Cole como Crowe seguem trajetórias de superação e reconciliação com si mesmos durante a narrativa. Não são raros os momentos que assustam o espectador sem depender apenas de altos acordes na trilha sonora ou da aparição repentina de algo na tela, como quando Cole é trancado no calabouço numa festa e escuta uma voz realmente aterrorizante, provocando calafrios especialmente pela forma como a sequência é conduzida.

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O ótimo design de som, aliás, além de nos ambientar com precisão e ser essencial na criação do suspense, ainda traz interessantes raccord sonoros para fazer a transição entre cenas, como quando ouvimos o diálogo entre Crowe e Cole enquanto Anna paquera seu funcionário e é interrompida pela agressão do marido no vidro da loja. Estas transições, assim como as longas sequências em silêncio, causam um estranhamento que ajuda na criação da atmosfera pretendida pelo diretor. Em “O Sexto Sentido”, jamais sabemos bem o que esperar da cena seguinte, também por que o ritmo da narrativa segue sempre interessante, intercalando os diálogos entre Crowe e Cole com os momentos de suspense sem jamais baixar a tensão que paira no ar, o que é mérito também do montador Andrew Mondshein. Além disso, a trilha sonora de James Newton Howard reforça esta tensão com seus acordes fortes e repentinos surgindo apenas pontualmente, evitando o desgaste.

Além da construção da atmosfera ideal, o trabalho em conjunto entre o diretor, o diretor de fotografia Tak Fujimoto (que explora muito bem a arquitetura gótica da Filadélfia), o design de produção de Larry Fulton e a figurinista Joanna Johnston também serve para espalhar dicas por toda a narrativa sobre a situação de Crowe, por exemplo, através da cor de objetos e roupas. Repare, por exemplo, como os objetos vermelhos surgem sempre como uma alusão a tudo que tem interferência do outro mundo, como a maçaneta que Dr. Crowe tenta abrir ou o balão que estoura quando um fantasma grita. Da mesma forma, os figurinos são extremamente importantes para indicar este contato, com Cole usando vermelho quando sobe as escadas atrás do balão, Anna vestindo vermelho no jantar de aniversário de casamento, o santuário vermelho do garoto no quarto em que se esconde dos mortos, entre outros. Cor normalmente associada à morte, o roxo também tem forte presença na tela, como podemos notar no vestido que Anna utiliza na noite trágica. A própria esposa também é usada para dar dicas aos espectadores, como quando sente frio perto do marido ou ao não dialogar com ele no restaurante italiano.

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Por mais importante que seja, a atmosfera por si só também não garantiria o sucesso artístico de longa algum. Por isso, a construção da narrativa e a atuação do elenco também são primordiais em “O Sexto Sentido”. Sempre sereno e tranquilo, com o tom de voz baixo e transmitindo uma angústia que parece lhe sugar as forças, Bruce Willis surge bem diferente do que de costume e prova mais uma vez seu talento como ator, conseguindo ainda empatia ímpar com o jovem Haley Joel Osment, o que obviamente é crucial para que o longa funcione. Já Olivia Williams consegue transmitir a solidão e tristeza de Anna justamente através do silêncio, encontrando alguns raros momentos de alegria ao lado do funcionário que lhe ajuda a esquecer o marido.

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Ao contrário dela, Toni Collette surge como um poço de emoções na busca por compreender o universo do filho, demonstrando bem a preocupação e a pressão sofrida por Lynn. Mãe angustiada e que mal sabe o que fazer para auxiliá-lo, ela parece constantemente abalada, como fica evidente quando encontra Cole tremendo e sequer sabe o que perguntar, restando-lhe apenas o choro sofrido. A relação entre mãe e filho estabelece outra dinâmica importante da narrativa ao demonstrar que Cole não se sentia à vontade para falar abertamente sobre seus problemas, por maiores que fossem os esforços da mãe. Por isso, a cena em que finalmente encontra forças para falar sobre seu dom é um momento emblemático e emocionante, utilizando o contato com a avó materna para conectar mãe e filho, numa sequência conduzida com competência e sensibilidade por Shyamalan – a título de curiosidade, o diretor faz uma ponta como o médico de Cole, escancarando desde então sua obstinação em ser o “novo Hitchcock”.

Como podem perceber, os relacionamentos entre o psicólogo e o paciente e entre mãe e filho são essenciais para que “O Sexto Sentido” transmita a angústia do garoto com precisão e se a missão é cumprida com louvor é por que Osment tem uma atuação simplesmente impecável. Garoto misterioso e atormentado, Cole esconde sob sua timidez um conflito psicológico cruel provocado por sua capacidade de ter contato com o mundo sobrenatural, que o leva a ter uma instabilidade emocional notável, por exemplo, quando ele explode e confronta seu professor numa sala de aula, num dos momentos de destaque de Osment. Carismático e de aparência frágil, o garoto brilha em diversos instantes, como no momento icônico em que Cole conta seu segredo para Crowe, no qual Shyamalan realça a forte expressão dele, que carrega a emblemática cena com facilidade – e aqui vale notar como a câmera foca no Dr. Crowe após Cole dizer que as pessoas não sabem que estão mortas, em outra dica sutil e inteligente.

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É inegável, entretanto, que “O Sexto Sentido” consolide mesmo seu sucesso junto a boa parte do público na força de seu plot twist (algo que viria a tornar-se a marca do diretor, para o bem e para o mal). Assim, Shyamalan nos traz a sensacional reviravolta através de uma simples aliança que cai da mão da esposa, deixando o protagonista e o espectador atordoados com o que descobrem. O segredo muito bem guardado dificilmente é desvendado pelo público antes da hora, ainda que, como citado, diversas dicas sejam espalhadas pela narrativa. E justamente por respeitar rigorosamente todas as regras internas que criou e ainda assim conseguir guardar seu segredo até o fim, “O Sexto Sentido” torna-se ainda mais interessante e impactante na segunda vez que o assistimos.

O diálogo melancólico e revelador com a esposa adormecida fecha a narrativa de maneira impactante e deixa o espectador com os pensamentos fervilhando, tentando rever o filme na cabeça em busca de furos no roteiro. Felizmente, eles não existem. Há espaço ainda para a emoção no breve diálogo de despedida do casal, que ressalta a importância de aproveitarmos ao máximo nossa passagem por esta vida ao lado das pessoas que amamos.

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O primeiro grande sucesso de M. Night Shyamalan não poderia ter sido melhor. Pena que depois ele tornou-se refém da própria fórmula e a desgastou incessantemente até transformar as “reviravoltas” em algo esperado, o que, por definição, anula totalmente seu efeito. Não é o caso aqui. “O Sexto Sentido” continua impactante, criativo e merece toda a repercussão que causou, apesar de um ou outro exagero.

o-sexto-sentido-foto-2Texto publicado em 12 de Setembro de 2016 por Roberto Siqueira

FORREST GUMP – O CONTADOR DE HISTÓRIAS (1994)

(Forrest Gump)

 

Videoteca do Beto #103

Vencedores do Oscar #1994

Dirigido por Robert Zemeckis.

Elenco: Tom Hanks, Robin Wright, Gary Sinise, Sally Field, Haley Joel Osment, Mykelti Williamson e Michael Conner Humphreys.

Roteiro: Eric Roth, baseado em livro de Winston Groom.

Produção: Wendy Finerman, Steve Starkey e Steve Tisch.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

O mundo não vivia um bom momento em 1994. Diante de uma recessão econômica global, provocada pela crise mexicana, e da explosão da preocupação com o meio ambiente, era difícil ter fé no futuro da humanidade. Além disso, um ano antes, o sombrio “A Lista de Schindler” tornou-se sucesso mundial ao relembrar um período negro de nossa história, reforçando a aura pessimista que dominava o público. Em meio a este cenário pessimista surgia “Forrest Gump”, que contrariava o sentimento geral e contava, com muita sensibilidade, uma história humana e positiva, estrelada pelo astro norte-americano do momento, o amado Tom Hanks. Não à toa, o filme tornou-se um mega sucesso e abocanhou (injustamente) os principais prêmios Oscar num ano extremamente competitivo e repleto de obras marcantes.

Com um QI inferior ao normalmente aceito nas escolas, o jovem Forrest Gump (Tom Hanks) é criado com carinho por sua mãe (Sally Field), que luta para conseguir lhe dar as mesmas condições de estudo que as outras crianças. Na escola, ele conhece Jenny (Robin Wright), uma jovem que cruzará seu caminho por muitos anos de sua vida, assim como Forrest participará, ainda que por acaso, dos fatos mais importantes da história recente dos Estados Unidos.

Desde seu início elegante, quando a câmera acompanha uma pena voando até os pés do protagonista, “Forrest Gump” é um filme belíssimo. E esta beleza, em grande parte, é mérito do inventivo Robert Zemeckis, que emprega movimentos de câmera estilizados e aproveita a oportunidade para criar planos marcantes, como aquele em que Forrest e Jenny estão sentados de mãos dadas numa árvore com o pôr-do-sol ao fundo ou o travelling que nos leva das crianças rezando no milharal para os pássaros que voam dali, numa ilustração do desejo de Jenny de fugir do pai. Em outros momentos, o diretor usa a câmera para destacar o semblante do protagonista enquanto ele se concentra nas lembranças do passado, como quando um zoom nos aproxima dele antes do primeiro flashback, que conta o episódio dos “sapatos mágicos” – na realidade, um curioso eufemismo para as pernas mecânicas do garoto. Zemeckis cria ainda lindos planos enquanto Forrest atravessa o país em sua corrida seguido por diversas pessoas que o admiram, além de conduzir muito bem cenas emocionantes, como aquela em que Forrest tenta discursar para os hippies e reencontra Jenny (num plano geral belíssimo).

Além da direção eficiente de Zemeckis, a montagem de Arthur Schmidt é um capitulo a parte e merece muitos elogios. Em primeiro lugar, porque a narrativa cobre muitos anos de maneira eficiente e jamais cansativa, intercalando os flashbacks com o presente num ritmo delicioso. Além disso, Schmidt faz a transição no tempo de maneira eficaz, como quando Forrest e Jenny, ainda crianças, estão juntos na cama e, em seguida, estão indo para a escola, já adultos – e aqui também acontecerá uma interessante rima narrativa, quando Jenny pede para Forrest correr dos vizinhos. A montagem faz ainda interessantes transições de Forrest para Jenny e vice-versa, por exemplo, através da televisão que eles assistem ou da lua. Finalmente, a passagem do tempo também é indicada no presente, através das pessoas que ouvem a história do protagonista, que mudam ao longo da narrativa enquanto Forrest continua contando sua vida.

Escrito por Eric Roth, baseado em livro de Winston Groom, o roteiro de “Forrest Gump” balanceia o tom leve e cômico com momentos dramáticos, espalhando ainda frases marcantes como “A vida parece uma caixa de bombons, nunca se sabe o que vamos encontrar” e o grito desesperado de Jenny: “Corra, Forrest, Corra!”. Além das frases marcantes, o roteiro cruza de maneira eficiente a história de Forrest Gump com momentos históricos dos EUA, como quando ele ensina alguns passos para Elvis, se torna destaque de um time de futebol americano, conversa com John Lennon, inventa slogans (“Shit happens”), compra ações da “empresa de fruta” Apple, entre outras coisas.

O tom leve da narrativa é reforçado ainda pela fotografia de Don Burgess, que emprega cores vivas e muitas cenas diurnas na maior parte do tempo. Por outro lado, os momentos difíceis de Forrest são normalmente pontuados pela chuva, como quando ele chega ao exército ou quando surpreende Jenny transando com outro num carro, numa estratégia visual inteligente por parte de Burgess e Zemeckis, pois a chuva sempre realça a melancolia dos personagens. Da mesma maneira, quando Forrest sente falta da mãe e de Jenny no exército, as sombras que predominam na tela ilustram o momento triste do personagem. Mas a melancolia tem pouco espaço em “Forrest Gump”, o que é refletido até mesmo na bela trilha sonora de Alan Silvestri, recheada de clássicos do rock de cada período em que a história se passa (que servem ainda para ilustrar a passagem do tempo), alternados com a triste e linda música tema. Além disso, Silvestri pontua muito bem as cenas, como quando Forrest começa a correr e larga a perna mecânica para trás, acompanhado pela trilha triunfal. Quem também merece destaque é o bom trabalho de design de som e efeitos sonoros, que se destaca especialmente na guerra, e os excelentes efeitos visuais da Industrial Light & Magic, que, por exemplo, amputam as pernas do tenente Dan (Gary Sinise) com perfeição – observe a cena em que ele se movimenta em cima de um muro antes de pular na água e sair nadando -, além de inserir com realismo o protagonista em vídeos reais e históricos de arquivos, colocando Forrest ao lado de alguns ex-presidentes dos EUA, como John Kennedy, e de astros como John Lennon. E além de misturar ficção e realidade com competência, “Forrest Gump” faz ainda diversas menções a grandes filmes norte-americanos como “Nascido para Matar” (na chegada ao exército, com o tenente gritando), “Apocalypse Now” (na chegada ao Vietnã, com a trilha psicodélica, as cervejas espalhadas pelo acampamento e o sol brilhando ao fundo) e “Perdidos na Noite” (quando Forrest sai com Dan pelas ruas e um carro quase os atropela, provocando a reação do tenente, que grita “Estou andando aqui!”, com a trilha do clássico estrelado por Dustin Hoffman e Jon Voight ao fundo), além de inserir imagens de “O Nascimento de uma Nação” quando Forrest cita a Klu Klux Klan.

Pra completar, praticamente todas as atuações de “Forrest Gump” são excelentes, a começar por Michael Conner Humphreys, que interpreta muito bem o jovem Forrest Gump, transmitindo a dificuldade do garoto de se relacionar socialmente através do olhar perdido e da movimentação lenta. Já adulto, Gump é interpretado pelo excepcional Tom Hanks, numa atuação marcante, notável através da entonação de sua voz, que prende nossa atenção enquanto conta as histórias, do olhar distante e da simplicidade com que compõe um personagem marcante e belo. Repare, por exemplo, como Hanks olha para o lado, ofegante e assustado, quando Jenny tira o sutiã, demonstrando o incomodo do personagem com aquela situação inusitada pra ele. Inocente, Forrest não percebe os abusos do pai de Jenny na infância (“Ele era um pai carinhoso, vivia tocando e beijando as filhas”, diz) e nem o cruel destino da garota, afirmando que ela realizou seu sonho ao vê-la cantando no palco de uma boate. Por outro lado, Forrest apresenta uma capacidade de concentração incrível que lhe permite, por exemplo, montar e desmontar uma arma com enorme velocidade e jogar pingue-pongue com incrível habilidade. Hanks demonstra muito bem todos estes aspectos fascinantes de um protagonista que enxerga o mundo da sua maneira singela e inocente, emocionando a platéia quando Forrest pergunta para Jenny se seu filho (Haley Joel Osment) é esperto e, principalmente, quando conversa com o túmulo da esposa. E até mesmo as cores leves de suas roupas (figurinos de Joanna Johnston) e a clareza de sua casa (direção de arte de Leslie McDonald e William James Teegarden) ilustram a pureza de sua alma.

Além do excelente protagonista, “Forrest Gump” conta ainda com uma gama interessante de personagens coadjuvantes, como o divertido Bubba (Mykelti Williamson), que morre na guerra, mas vive uma amizade tão verdadeira com Forrest que é homenageado por ele através da “Cia. de Camarões Bubba Gump”. Na chegada de Forrest ao exército, é ele quem cede lugar para Gump no ônibus, assim como Jenny havia feito na infância no ônibus escolar, em outra elegante rima narrativa. Interpretada com carisma por Robin Wright, Jenny gosta de Forrest e se preocupa com ele, como deixa claro quando se despede numa ponte antes dele partir pra guerra, pedindo que ele corra sempre que estiver em perigo. Mas o destino foi cruel com a garota e os traumas da infância ainda pesavam em sua vida, algo que fica evidente quando ela joga pedras na casa do pai. E é tocante o momento em que Jenny anuncia ter um vírus que “os médicos não conhecem bem”, provavelmente se referindo à AIDS (na época, um mistério para a medicina). Quem também tem uma grande atuação é Gary Sinise na pele do revoltado tenente Dan, que, após ter as pernas amputadas, se revolta contra Deus. Observe como o ator soa convincente, por exemplo, quando reclama na cama do hospital e, principalmente, quando desafia o todo Poderoso em alto-mar. Fechando os destaques do elenco, vale citar ainda a envelhecida Sally Field, que se sai muito bem na pele da batalhadora mãe de Forrest, especialmente na cena em que se despede do filho, momentos antes de morrer. E se a maquiagem acerta no envelhecimento de Field, erra ao não envelhecer Forrest ao longo dos anos, mas esta é uma falha insignificante num filme tão belo.

Após cruzar toda a história norte-americana recente, Forrest Gump se vê novamente esperando o ônibus escolar numa pequena cidade do interior, desta vez para que seu filho possa ir à escola. E quando o garoto entra no ônibus, deixando claro sua esperteza diante dos olhos do pai e do espectador, a pena voa novamente e encerra o filme. Durante mais de duas horas, fomos levados por uma história bela, empolgante e repleta de significados, e quando os créditos surgem na tela, sentimos que a viagem valeu à pena.

“Forrest Gump” é uma bela fábula da história recente dos Estados Unidos, que conta com um otimismo raro em grandes filmes, sustentado pela direção eficiente de Robert Zemeckis e pela grande atuação de Tom Hanks. A vida pode ser trágica e pode ser bela, dependendo da forma como encaramos cada etapa de nossa jornada. Incapaz de olhar o mundo com nosso costumeiro cinismo, o inocente Gump certamente levará ótimas lembranças da vida.

Texto publicado em 11 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira