007 PERMISSÃO PARA MATAR (1989)

(Licence to Kill)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #206

Dirigido por John Glen.

Elenco: Timothy Dalton, Benicio Del Toro, Anthony Zerbe, Robert Davi, Frank McRae, Desmond Llewelyn, Robert Brown, Carey Lowell, Talisa Soto, David Hedison, Anthony Starke, Everett McGill, Pedro Armendáriz Jr., Priscilla Barnes e Caroline Bliss.

Roteiro: Michael G. Wilson e Richard Maibaum, baseado nos personagens criados por Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Michael G. Wilson.

007 Permissão para Matar[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após resgatar o prestígio da franquia 007 com uma atuação bem mais próxima do que se espera de James Bond, Timothy Dalton teve sua segunda e última oportunidade de interpretar o agente britânico neste “007 Permissão para Matar” e, novamente, não decepcionou. Compreendendo perfeitamente a proposta mais realista da abordagem de John Glen, Dalton consolidou a recuperação da série com outra atuação firme e, o que é melhor, num filme envolvente e empolgante.

Escrito por Michael G. Wilson e Richard Maibaum a partir dos personagens criados por Ian Fleming, “007 Permissão para Matar” traz o agente James Bond (Timothy Dalton) numa missão independente de vingança pessoal contra um conhecido traficante de drogas (Robert Davi) que assassinou a esposa (Priscilla Barnes) de seu amigo Felix (David Hedison), contrariando as ordens do Serviço Secreto Britânico.

A abertura em ritmo frenético e com cenas de ação bem mais realistas que de costume estabelece muito cedo a proposta de John Glen em “007 Permissão para Matar”. Apostando numa atmosfera mais crível e no ritmo intenso da montagem de John Grover, a franquia tentava se adaptar ao cinema de ação realizado na época e, porque não, competir com os bem-sucedidos “macho movies” da era Stallone e Schwarzenegger, deixando definitivamente para trás a fase mais cômica e de auto-paródia da fase Roger Moore. Não que, para isto, Glen tenha retirado o charme e a elegância característicos do agente. James Bond continua lá, inteligente o bastante para farejar o perigo, incapaz de resistir ao charme feminino e ainda dono de um gosto refinado.

Mas o fato é que o realismo é notável, por exemplo, quando o diretor faz questão de nos mostrar as fortes imagens do ataque do tubarão ao agente Felix e, em seguida, a impactante imagem de sua esposa assassinada. Aliás, são raros os momentos em que esta abordagem verossímil falha, como por exemplo, na briga num bar em que os golpes desferidos parecem artificiais, numa das cenas em que chama a atenção a presença de Benicio Del Toro ainda muito jovem como o capanga Dario. Empregando bons movimentos de câmera, John Glen trabalha na construção de cenas mais tensas, como quando realça um guincho sendo retirado por Bond no primeiro plano e os pés de um guarda caminhando no segundo plano antes do confronto físico entre eles, incluindo ainda um leve travelling que destaca as enguias elétricas que serão essenciais na conclusão da cena.

Visualmente o longa também é interessante, com a fotografia de Alec Mills oscilando entre momentos de brilho intenso e cores vivas nas cenas a beira mar que exploram toda a beleza da Guatemala e instantes bem mais sombrios, especialmente no segundo ato com as cenas dentro do cassino de Sanchez e de sua negociação com os asiáticos na noite em que é atacado. Ainda entre os destaques da parte técnica, a sombria trilha sonora de Michael Kamen pontua os momentos de suspense, surgindo diversas vezes sem jamais abusar do famoso tema de 007, o que evita seu desgaste.

Impactante imagem de sua esposa assassinadaGuincho sendo retirado por BondNegociação com os asiáticosNo entanto, esta abordagem realista por si só não garante um bom filme e, felizmente, “007 Permissão para Matar” conta também com um bom roteiro que, nas mãos de Glen, torna a narrativa bastante envolvente. Utilizando um fundo político interessante através do interesse de governos de países da América Latina, dos EUA e da Inglaterra nos negócios de Sanchez, o roteiro mantém o espectador sempre atento com suas interessantes reviravoltas, como quando Sanchez pensa que Bond o salvou na noite do atentado e quando Bond pensa que a agente Pam (Carey Lowell) o traiu ao vê-la no local em que Sanchez negocia com os asiáticos. Além disso, mesmo num universo tradicionalmente unidimensional o roteiro consegue desenvolver bem seus personagens.

Observe, por exemplo, como a narrativa estabelece desde o início a importância de Sanchez, o bom vilão vivido por Robert Davi. Saindo da mesmice, as intenções de Sanchez soam plausíveis, ainda que condenáveis. Ele não quer dominar o mundo, quer “apenas” ser um traficante bilionário. Criando um vilão respeitável com sua postura simultaneamente elegante e firme diante de seus comandados, Davi se sai bem também na tradicional cena da conversa com Bond que, desta vez, traz um intrigante diálogo no primeiro encontro deles no cassino. Já as bondgirls vivem situações distintas em “007 Permissão para Matar”. Enquanto a inexpressiva Talisa Soto jamais cria empatia com Bond na pele de Lupe, Carey Lowell se sai bem nesta tarefa, obtendo sucesso também como a tradicional parceira feminina do agente britânico nas cenas de ação.

Novamente adotando uma postura séria e até mesmo agressiva, Timothy Dalton confirma ser um ator capaz de dar vida a James Bond, convencendo tanto na elegância quanto especialmente nas cenas que exigem esforço físico, soando ameaçador em diversos momentos de uma maneira que Moore raramente foi capaz de fazê-lo. Repare também como o ator demonstra o quanto Bond está devastado após a trágica morte de Della, a esposa de seu amigo assassinada pelos capangas de Sanchez. Determinado e agindo mais pela emoção do que pela razão, o Bond de Dalton chega a destoar um pouco do personagem tradicional, mas funciona muito bem justamente por trazer a energia que andava faltando para a franquia.

Importância de SanchezTradicional parceiraPostura séria e agressivaEsta energia é notável nas ótimas cenas de ação de “007 Permissão para Matar”, que surgem de maneira mais espaçada, porém sempre com eficiência, como quando Bond faz um avião de Jet Sky, sobe nele e joga o piloto no mar, numa sequência tão radical e absurda que o próprio roteiro faz piada com ela mais pra tarde ao trazer o capanga Krest (Anthony Zerbe) contando o que aconteceu para Sanchez e todos reagindo com desdém de sua versão do ocorrido. Existem também os momentos em que os inimigos tomam decisões convenientemente equivocadas, como quando um mergulhador corta o tubo de oxigênio de Bond embaixo d´água ao invés de cortar o próprio agente, mas podemos perdoar estes pequenos deslizes – até porque, caso contrário, não teríamos mais filme nem franquia.

Finalmente, apesar de durar mais tempo que o necessário e de conter dois momentos absurdamente exagerados envolvendo o caminhão dirigido por Bond, a sequência de ação que encerra a narrativa é extremamente empolgante. Alternando entre planos que nos colocam dentro dos caminhões e tomadas aéreas que além de nos orientar geograficamente ainda nos permitem acompanhar as ações de Pam no avião, Glen conduz a sequência com muita segurança durante toda a descida do morro até o inevitável confronto final entre Bond e Sanchez.

Após anos bastante irregulares, a franquia 007 finalmente parecia encontrar seu rumo ao atualizar seu famoso agente sem, por isso, perder seu charme. Com uma narrativa envolvente, boas cenas de ação, a segurança de Dalton e um bom vilão, John Glen acertou novamente e fez deste “007 Permissão para Matar” um dos bons filmes da série.

007 Permissão para Matar foto 2Texto publicado em 02 de Junho de 2014 por Roberto Siqueira

007 MARCADO PARA A MORTE (1987)

(The Living Daylights)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #205

Dirigido por John Glen.

Elenco: Timothy Dalton, Maryam d’Abo, Jeroen Krabbé, Joe Don Baker, John Rhys-Davies, Art Malik, Andreas Wisniewski, Desmond Llewelyn, Robert Brown, Geoffrey Keen, Walter Gotell, Caroline Bliss e John Terry.

Roteiro: Richard Maibaum e Michael G. Wilson, baseado em história de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Michael G. Wilson.

007 Marcado para a Morte[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A saída de Roger Moore marcou o fim de uma fase complicada na franquia 007. Sem conseguir dosar muito bem a ação e o humor e contando com Moore cada vez menos interessado, John Glen acabou sendo responsável por dirigir alguns dos momentos mais embaraçosos do agente secreto (o grito do Tarzan é imperdoável!). Coube então a Timothy Dalton a missão de resgatar a abordagem mais séria neste “007 Marcado para a Morte” e, felizmente, o ator se saiu bem na missão, ainda que desta vez a dosagem peque justamente pela falta de alívios cômicos. Menos mal. Melhor exagerar na criação de uma atmosfera crível de ameaça ao protagonista do que ridicularizar o mesmo.

Pela quarta vez seguida, a missão de adaptar a história de Ian Fleming para o cinema ficou a cargo de Richard Maibaum e Michael G. Wilson. Em “007 Marcado para a Morte”, eles trazem James Bond (Timothy Dalton) ajudando o general Georgi Koskov (Jeroen Krabbé) a fugir da Cortina de Ferro, mas logo depois o russo é capturado e levado de volta a União Soviética. Antes de voltar, Koskov denuncia um plano do general Leonid Pushkin (John Rhys-Davies) que envolvia o assassinato de agentes secretos britânicos, o que leva Bond a investigar o caso e descobrir que, na realidade, o traficante de armas Brad Whitaker (Joe Don Baker) é quem tinha planos potencialmente perigosos.

Ainda que a trama não seja o mais importante num filme de James Bond, construir um roteiro minimamente interessante era o primeiro passo para recuperar o prestígio da franquia. Felizmente, a dupla responsável por roteiros bem fracos com o de “007 Contra Octopussy” surpreendeu neste “007 Marcado para a Morte”, elaborando uma trama com boas reviravoltas e que, mesmo com exageros, consegue prender a atenção do espectador. Por sua vez, John Glen procura conduzir a narrativa de maneira mais séria, já que, em pleno auge dos macho movies, seguir na linha cômica que marcou seus trabalhos anteriores poderia enterrar de vez a franquia.

Assim, o diretor procura criar uma atmosfera mais sóbria, ainda que abra espaço para momentos bem humorados como quando Bond e Kara (Maryam d’Abo) fogem para a Áustria utilizando um violoncelo e, ao passarem pela fronteira, gritam que não tem nada a declarar. Nesta mesma linha, a fotografia de Alec Mills aposta num visual predominantemente obscuro, especialmente nas sequências que se passam dentro da Cortina de Ferro, criando um contraste interessante com a fotografia árida em Tangier, no Marrocos, e com toda a beleza imperial de Viena.

Auxiliando ao estabelecer com clareza cada ambiente através da decoração detalhada, o design de produção de Peter Lamont mais uma vez chama a atenção através de cenários como a casa de Óperas na antiga Tchecoslováquia e a casa repleta de armas de Whitaker, assim como são importantes também os figurinos de Emma Porteous que diferenciam bem as elegantes vestimentas britânicas dos uniformes utilizados pelos soviéticos e, principalmente, das roupas despojadas dos afegãos.

Por sua vez, a trilha sonora de John Barry também oscila bastante de um ambiente para o outro, surgindo numa composição tensa na Cortina de Ferro, numa marcha triunfal na chegada ao Afeganistão após a fuga de 007 da prisão e com variações da música tema “The Living Daylights”, do A-ha, que segue a tendência mais dançante estabelecida no filme anterior com o Duran Duran, escorregando apenas na composição deslocada que acompanha o ataque do agente da KGB disfarçado de leiteiro.

Visual obscuro na Cortina de FerroCasa de Óperas na antiga TchecoslováquiaJames Bond mais sérioSuperando o natural incômodo inicial do espectador após sete filmes estrelados por Roger Moore, Timothy Dalton compõe um James Bond mais sério, adotando uma postura firme e até mesmo agressiva que recupera o respeito perdido em sequências ridículas dos filmes anteriores, ainda que falte um pouco do charme diante das mulheres que, por exemplo, Connery tinha. Mesmo assim, Dalton segue uma linha coerente com o histórico do personagem, por exemplo, ao hesitar na hora de assassinar uma atiradora, demonstrando no rosto o interesse de James Bond na garota, da mesma forma como seu semblante indica a fúria de 007 após a morte de Saunders (Thomas Wheatley) no parque Prater em Viena. Convencendo ainda nas lutas corporais, como no segmento de abertura, o ator se sai bem na difícil tarefa de assumir um personagem já bem estabelecido e com uma enorme quantidade de fãs.

Para a alegria destes mesmos fãs, “007 Marcado para a Morte” marca também a volta do estiloso Aston Martin, o carro de luxo super equipado que estrela a fuga alucinada de Bond com a violinista Kara, na qual somos apresentados aos engenhosos opcionais do veículo que ajudam o protagonista a se livrar dos inimigos. Interpretada por Maryam d’Abo, Kara divide-se entre o amor por Kostov e a atração momentânea por Bond até que reencontre o amado e, enganada por ele, traia o agente britânico, numa das interessantes reviravoltas do roteiro. Outro destaque feminino do elenco fica para a primeira aparição de Caroline Bliss como a nova Moneypenny, mantendo o estilo “esquisita, mas simpática” que marcou a adorável Lois Maxwell.

Volta do estiloso Aston MartinViolinista KaraRespeitável general Leonid PushkinEntre os vilões, o mais respeitável é o general Leonid Pushkin interpretado com firmeza por John Rhys-Davies com seu tom de voz imponente e expressão rígida. No entanto, Pushkin acaba servindo apenas como isca, escondendo os verdadeiros vilões Georgi Koskov e Brad Whitaker, vividos de maneira mais leve e caricata por Jeroen Krabbé e Joe Don Baker, o que infelizmente enfraquece a narrativa já que estes são personagens bem menos ameaçadores que Pushkin. E finalmente, Art Malik tem uma participação rápida e sem grande destaque na pele de Kamran Shah, o líder afegão que ajuda Bond a derrotar os russos.

A batalha no Afeganistão, aliás, dura mais tempo do que deveria, enquanto o confronto final com Whitaker acaba rápido demais, o que denuncia um problema na montagem de Peter Davies e John Grover que até ali caminhava muito bem. Em todo caso, a condução do restante da narrativa agrada e sua solução é satisfatória.

Para a alegria dos fãs, James Bond finalmente estava de volta com todo vigor após algumas escorregadas perigosas. E ainda que John Glen tenha seus méritos, é inegável que a presença de Timothy Dalton foi crucial neste processo, trazendo de volta parte da credibilidade e do respeito perdidos nos últimos anos de Roger Moore.

007 Marcado para a Morte foto 2Texto publicado em 30 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira