TRAFFIC (2000)

(Traffic)

 

 

Videoteca do Beto #241

Dirigido por Steven Soderbergh.

Elenco: Benicio Del Toro, Jacob Vargas, Tomas Milian, Clifton Collins Jr., Don Cheadle, Luis Guzmán, Miguel Ferrer, Catherine Zeta-Jones, Steven Bauer, Dennis Quaid, Michael Douglas, Amy Irving, Erika Christensen, Topher Grace, James Brolin, Albert Finney, Benjamin Bratt, Yul Vazquez, Salma Hayek e Peter Riegert.

Roteiro: Stephen Gaghan.

Produção: Laura Bickford, Marshall Herskovitz e Edward Zwick.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Entrelaçar várias linhas narrativas não era exatamente uma novidade quando “Traffic” chegou aos cinemas na virada do milênio. Vários cineastas de peso já haviam feito algo parecido até então. Também não tinha nada de novo em abordar o tráfico de drogas e seus trágicos efeitos sociais. Diversos filmes tentaram, sob diferentes pontos de vista e com maior ou menor sucesso, fazer isso. No entanto, a razão do sucesso do longa dirigido com maestria por Steven Soderbergh reside exatamente na mistura das duas coisas. Dando vida a um roteiro ambicioso que trazia nada menos que 110 personagens, o diretor conseguiu traçar um complexo painel sobre o tema, fugindo de estereótipos e maniqueísmos e deixando claro que trata-se de uma questão muito mais ampla, profunda e difícil do que sugerem as soluções prontas e simplistas que ainda hoje ouvimos por aí.

Escrito por Stephen Gaghan, “Traffic” nos apresenta ao juiz Robert Wakefield (Michael Douglas) quando este se prepara para assumir o cargo de chefe da luta contra o tráfico de drogas em Washington enquanto sua filha Caroline (Erika Christensen) se aprofunda no vício, algo que sua esposa Barbara (Amy Irving) já sabia há algum tempo. Em San Diego, o figurão do tráfico Carlos Ayala (Steven Bauer) é preso, para surpresa de sua esposa Helena (Catherine Zeta-Jones) que se sente obrigada a inteirar-se dos negócios do marido e acaba envolvendo-se em busca da manutenção do padrão de vida que tinha, sem saber que está sendo monitorada pelos policiais Ray (Luis Guzmán) e Montel (Don Cheadle), que também têm a missão de manter o pequeno traficante Eduardo Ruiz (Miguel Ferrer) sob custódia, pois ele é parte chave da investigação contra Ayala. Enquanto isso, o policial mexicano Javier Rodriguez (Benicio Del Toro) acompanha o trabalho do general Salazar (Tomas Milian), que supostamente tenta desmontar o cartel de Tijuana.

Como fica evidente no parágrafo anterior, “Traffic” se propõe a analisar a questão das drogas em suas várias camadas de maneira contundente, abordando desde a dificuldade de controlar as fronteiras e de rastrear os poderosos que controlam o tráfico até a forma como as drogas estão disseminadas em todas as classes sociais. Neste sentido, é interessante como o longa jamais cai na tentação de colar rótulos, mostrando como um traficante de armas como Francisco Flores (Clifton Collins Jr.) pode perfeitamente morar em San Diego nos Estados Unidos e, ainda assim, ter influência no tráfico do outro lado da fronteira. Da mesma forma, podemos acompanhar jovens ricos que abusam das drogas enquanto discutem um tema qualquer, ao passo em que nas periferias muitas vezes a venda ilegal dos narcóticos representa uma oportunidade que muitos dali raramente teriam de obter lucros altíssimos, algo que boa parte da fatia rica da população certamente faria se estivesse naquela situação, como fica evidente no excelente diálogo entre Seth (Topher Grace) e Robert num carro sobre a realidade do tráfico de drogas que provoca esta reflexão.

Conduzindo esta intricada narrativa de maneira firme, Soderbergh nos brinda com momentos de alta tensão como a negociação entre Ray, Montel e Ruiz logo no início que desencadeia um tiroteio e uma perseguição pelas ruas de San Diego. Abusando da câmera de mão, o diretor confere um ar documental ao longa que se encaixa muito bem no tom proposto e aumenta a sensação de realismo e a imersão do espectador naquele universo. Também é muito interessante a forma como os personagens se cruzam fisicamente em vários instantes de maneira orgânica e natural, evidenciando com sutileza como todos estão de alguma forma interligados. Obviamente, a montagem de Stephen Mirrione é crucial neste processo, mantendo o espectador igualmente interessado nas três linhas narrativas através da forma que alterna entre elas, sem jamais parecer se estender demais em alguma delas.

Ainda mais impactante é a fotografia do próprio Steven Soderbergh (que usa o pseudônimo Peter Andrews), que além de ajudar o espectador a se situar através dos diferentes filtros, de quebra traz também funções narrativas. Assim, enquanto o visual amarelado reforça o calor e o clima seco do México, fazendo com que o espectador sinta-se sufocado naquele ambiente hostil, os tons azulados em Washington servem não apenas para realçar a frieza do universo político onde decisões que custarão milhares de vidas são tomadas, mas também para transmitir o desconforto crescente de Robert ali. Já em San Diego, as cores naturais simbolizam o ponto de equilíbrio entre os tons predominantes daqueles dois universos distantes, já que naquele ambiente os efeitos das ações de ambos se cruzam, como fica evidente quando dois agentes norte-americanos se encontram com Javier numa piscina, onde o brilho do sol mistura-se ao azul da piscina. Fechando a parte técnica, vale destacar também a trilha sonora de Cliff Martinez, que com suas notas longas e uso de sintetizadores, amplia a tensão em diversos momentos.

O outro grande mérito de Soderbergh reside nas excelentes atuações que ele consegue extrair de seu vasto elenco, a começar por Tomas Milian, que confere dualidade ao general Salazar em momentos como quando ele se aproxima de Flores, dando a entender que iria protegê-lo das desumanas torturas apenas para, em seguida, obter a informação que precisava. Ainda no México, Benicio Del Toro oferece uma atuação estupenda como Javier, um personagem complexo que precisa se adaptar e sobreviver num ambiente extremamente hostil, algo que faz com maestria graças a sua habilidade de ler o cenário em que está inserido e agir de acordo com o que cada situação exige.

Catherine Zeta-Jones também está muito bem como Helena, vivendo um arco dramático interessante na pele da esposa que não sabia (ou não queria saber) a natureza real dos negócios do marido e que acaba assumindo as rédeas, chegando a viajar para o México para negociar diretamente com os fornecedores. Esta mudança começa a ficar evidente, por exemplo, durante o julgamento de Carlos, quando a câmera que foca constantemente nela ao invés do marido realça a importância daquela ocasião para a personagem. Em certo momento, ela diz que seu filho não irá viver na pobreza que ela viveu, evidenciando que seria capaz de fazer qualquer coisa para manter o status que tinha atingido. Ciente desta característica de Helena, Arnie (Dennis Quaid) se aproveita da situação e se envolve com a esposa de seu sócio, reforçando como não existem inocentes neste verdadeiro jogo de interesses. Do lado de fora da mansão, Luis Guzmán e Don Cheadle nos divertem com os diálogos entre Ray e Montel, como aquele em que falam sobre o vício de um deles no cigarro e quando Ray afirma que sonhava com o momento em que pegaria figurões, ricos e brancos cometendo um crime.

Núcleo dramaticamente mais pesado da narrativa, a família Wakefield simboliza perfeitamente a hipocrisia da chamada guerra ao tráfico, como fica evidente quando a Barbara de Amy Irving menciona a própria juventude para contrapor os argumentos do marido e lembrá-lo que ela também já usou drogas ou quando joga na cara dele o seu vício em bebidas – e repare como ele reage negativamente afirmando que não pode ser considerado alcóolatra, como se o vício dele fosse diferente dos demais. Por sua vez, Erika Christensen rouba a cena com sua ótima atuação na pele da viciada Caroline, destacando-se em diversos momentos, como quando demonstra sua resignação no primeiro encontro com outros viciados, deixando evidente que não estava preparada para aquilo, mas principalmente nas crises provocadas pelas drogas, quando surge com olhar arregalado e a boca entreaberta, praticamente nos fazendo sentir o prazer e a dor da personagem com suas expressões. E finalmente, Michael Douglas compõe com sutileza e sensibilidade um homem que, entre um copo e outro de uísque, tenta conciliar a árdua tarefa profissional que lhe foi atribuída com a ainda mais difícil missão de compreender o universo da filha viciada, completando seu arco dramático em dois momentos comoventes, primeiro num quarto de hotel e depois quando interrompe um discurso pré-fabricado para dizer o que realmente pensa, abandonar o cargo e escancarar a posição antiguerra às drogas do filme.

Instantes antes de seu personagem ser envenenado, Miguel Ferrer tem seu grande momento na pele de Ruiz ao oferecer uma visão muito interessante sobre a inutilidade do trabalho daqueles policiais que, digamos, estão apenas enxugando gelo, num dos inúmeros instantes em que “Traffic” critica abertamente a falida guerra às drogas – e a cena do envenenamento, aliás, também é muito bem conduzida pelo diretor, fazendo com que o previsível desfecho soe verossímil. A belíssima sequência final em que crianças mexicanas jogam basebol sob as luzes que iluminam o campo exatamente como sonhado por Javier, que contempla tudo aquilo embalado pela bela trilha sonora, evoca uma certa esperança sem soar como uma solução fácil para um problema extremamente complexo. Afinal, não custa sonhar com um futuro onde jovens de periferia possam passar suas noites divertindo-se e praticando esportes ao invés de lutarem para sobreviver diante do medo provocado por políticas míopes criadas por pessoas distantes daquela realidade.

Ambicioso e extremamente bem conduzido, “Traffic” é um libelo contra a inútil guerra ao tráfico, traçando um amplo painel político e social sobre um tema tantas vezes tratado de maneira simplista. Ao contrário do que pregam pessoas com pensamento binário e, pior ainda, poderosos que vivem de frases de efeito para ganhar projeção, a questão das drogas não tem solução fácil e, como fica evidente no longa, atinge todas as camadas da sociedade em maior ou menor grau, com resultados trágicos para muitas delas – sejam os que sofrem os efeitos do vício, sejam aqueles que são diretamente afetados não pelas drogas em si, mas pela imbecil guerra que traz o conflito para dentro das periferias, enquanto os que realmente faturam com aquilo dormem tranquilos em seus bairros de elite em países como os Estados Unidos ou o Brasil.

Texto publicado em 22 de Março de 2019 por Roberto Siqueira

WYATT EARP (1994)

(Wyatt Earp)

 

Videoteca do Beto #109

Dirigido por Lawrence Kasdan.

Elenco: Kevin Costner, Dennis Quaid, Gene Hackman, Michael Madsen, Bill Pullman, Isabella Rossellini, Tom Sizemore, James Caviezel, Téa Leoni, David Andrews, Linden Ashby, Jeff Fahey, Joanna Going, Catherine O’Hara, JoBeth Williams, Mare Winningham, James Gammon, Rex Linn, Randle Mell, Adam Baldwin, Annabella Gish, Lewis Smith, Betty Buckley, Alison Elliott, Karen Grassle, John Dennis Johnston e Ian Boehn.

Roteiro: Dan Gordon e Lawrence Kasdan.

Produção: Kevin Costner, Jim Wilson e Lawrence Kasdan.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Nos primeiros minutos de “Wyatt Earp”, vemos o personagem título sentado num bar, tomando seu café e fumando um charuto, minutos antes de ser interrompido por outros dois homens. Ao ser informado da presença de um grupo de inimigos, ele se levanta e diz: “Vamos!”. Qualquer um que conheça um pouco da história deste famoso xerife do velho oeste sabe que este momento precede o histórico tiroteio de O.K. Curral. O problema do longa dirigido por Lawrence Kasdan está justamente em não saber terminar a narrativa quando ela voltar a este ponto, após um longo flashback que narra a caminhada do protagonista até este momento decisivo. Sendo assim, “Wyatt Earp” é um filme longo, que parece longo, o que é um problema.

O jovem Wyatt Earp (Kevin Costner) vaga pelo oeste até se estabelecer como xerife em pequenas cidades, fazendo fama pela forma nada amigável que mantém a ordem local. Após conhecer Doc Holliday (Dennis Quaid) e trazer seus irmãos Virgil (Michael Madsen) e Morgan (Linden Ashby) para trabalhar com ele, Wyatt se vê num perigoso conflito com um grupo de criminosos, que resulta no trágico tiroteio no O.K. Curral, que selou o destino de todos pra sempre.

Muitos filmes marcantes da história do cinema têm três ou mais horas de duração. A duração, em si, não é um problema. O problema é quando um filme se estende até as três horas sem necessidade e, principalmente, conteúdo para tanto. A história do xerife “Wyatt Earp” até pode render bons e longos filmes, mas neste caso, a narrativa se esvazia bastante após o conflito central da trama e o diretor, em parceria com o montador Carol Littleton, parece não saber em que momento deve encerrar o filme. Sendo assim, nem mesmo a vingança de Wyatt após a morte do irmão Morgan consegue prender a atenção do espectador – algo que o diretor parece saber, pois sequer mostra a vingança completa do protagonista, indicando que ele continuou sua retaliação pessoal no texto que fecha a narrativa. Sendo assim, o longa soa cansativo em seu ato final, num erro fatal cometido pelo diretor e pelo montador, que não souberam enxugar o roteiro escrito pelo próprio Kasdan, em parceria com Dan Gordon, e extrair o que ele tem de melhor. E de fato existem muitas coisas boas na história, especialmente quando olhamos sob o aspecto psicológico de um personagem claramente transformado por uma tragédia pessoal.

“Wyatt Earp” tem todos os elementos clássicos do western, como a ferrovia em construção, os cavalos cavalgando pelo terreno árido, o saloon com homens jogando cartas e prostitutas procurando fregueses, figuras tradicionais como o xerife e os bandidos e, obviamente, os duelos armados. E todos estes elementos surgem com muito realismo, graças aos figurinos de Colleen Atwood, que seguem o modelo clássico, com chapéus e botas para os homens e vestidos imponentes para as mulheres, e ao bom trabalho de direção de arte de Gary Wissner, notável na arquitetura das cidades, assim como nas carroças e até mesmo nos trens de ferro, ambientando o espectador perfeitamente ao velho oeste. Também colabora o ótimo design de som, com os tiros, o galope dos cavalos e até mesmo o sopro do vento tornando tudo mais real. Tecnicamente, a única nota literalmente fora do tom é a repetitiva trilha sonora de James Newton Howard, que, apesar do tom solene, soa desnecessária em muitos momentos.

Contando ainda com a bela direção de fotografia de Owen Roizman, Kasdan entrega uma direção plasticamente perfeita, enquadrando com incrível beleza as paisagens naturais e conferindo um aspecto clássico ao longa – repare, por exemplo, o lindo visual durante a viagem da família Earp, com as carroças cruzando as planícies com o pôr-do-sol ao fundo. Além disso, a fotografia emprega uma admirável iluminação nas cenas noturnas, com exceção das primeiras seqüências na fazenda dos Earp, iluminadas apenas com a luz da lua (o que é correto nesta situação, pois era a realidade local). Só que, infelizmente, Kasdan erra a mão na condução da narrativa, estendendo demais algumas cenas, como a seqüência em que Wyatt saca a arma rapidamente e expulsa um homem de um bar, seguida por seu trabalho de vendedor de pele de búfalos, que é totalmente dispensável. Além disso, Kasdan e Littleton erram também ao indicar grandes saltos na narrativa através de letreiros, o que soa deselegante e torna tudo mais episódico.

Após atingir um homem com uma bola de sinuca num bar, Wyatt faz um discurso típico do herói íntegro e ético tradicional de Hollywood, algo confirmado quando ele recusa uma prostituta e volta à cidade de infância para se casar com Urilla (Annabella Gish). Aliás, a relação com Urilla exemplifica um dos bons momentos de Kasdan e seu montador, que resumem a história do casal em poucos minutos, passando pelo namoro (repare a fotografia clara no reencontro do casal), casamento e início da vida na casa nova – destaque também para a passagem do tempo, indicada pela mudança das estações na janela do quarto. O outro acerto notável do diretor é a escolha do elenco, que conta com muita gente talentosa. Apesar de estar longe de seu melhor momento, Kevin Costner transmite segurança como Wyatt Earp, mostrando-se durão e até mesmo violento, além de exibir uma assustadora frieza quando enfrenta os criminosos. Extremamente agressivo, Wyatt conquista inimigos por onde passa, mas consegue manter a segurança local, ao contrário de seu amigo Ed Masterson (Bill Pullman), que o substitui e é amado pelos habitantes de Dogde City, mas deixa a criminalidade tomar conta do local (algo ilustrado pela placa “Proibido armas” cheia de tiros) e acaba morrendo, numa cena bastante triste. Aliás, uma das boas cenas do longa acontece quando Wyatt invade um bar e rende um bêbado, marcando o início de sua vida como xerife. Compare o semblante determinado do ator deste momento em diante com seu semblante carregado após a morte trágica de Urilla, que ilustra bem o sentimento do personagem, na época completamente devastado – algo refletido também pela fotografia sombria, especialmente quando ele é preso, onde a chuva reforça a melancolia de Wyatt e confirma que ele chagara ao fundo do poço.

Mas apesar da presença de Costner, quem rouba a cena mesmo é Dennis Quaid, que está ótimo como Doc Holliday. Magro e desgastado pela tuberculose, ele parece guardar as poucas energias que lhe restam para as brigas em que se envolve – seja com a amante Big Nose Kate (Isabella Rossellini), seja com os inimigos de Wyatt -, sempre parecendo disposto a matar ou morrer. Com sua voz rouca, provocada pela tosse constante, e seu olhar desconfiado, Quaid convence como o perigoso fora-da-lei, além de emocionar após a morte de Morgan, mostrando-se mais comovido que o próprio Costner. A amizade sincera entre Doc e Wyatt tem momentos marcantes, como a conversa num bar após Mattie (Mare Winningham, em boa atuação como a depressiva esposa de Wyatt) tentar o suicídio novamente e o momento em que Wyatt salva o amigo da morte numa briga com Kate, que termina com a confissão de Doc (“Eu sei que é difícil ser meu amigo”). Kasdan acerta ainda na escolha de Gene Hackman, que impõe respeito como o patriarca Nicholas Earp, com sua voz firme e semblante pesado, carregado de experiência de vida. E finalmente, outra excelente escolha é a de Michael Madsen, que demonstra firmeza como Virgil, com seu jeito igualmente debochado e ameaçador.

Uma das cenas mais importantes de “Wyatt Earp” acontece quando o protagonista discute com as esposas dos irmãos, expondo a dor que ainda carrega pela perda de Urilla e também a liderança que exerce sobre eles – repare como Morgan tenta consolar a esposa, mas larga a mão dela quando é repreendido por Wyatt. Este trauma se confirma num dos raros momentos em que o xerife se abre para a amante Josie (Joanna Going), numa conversa sincera na cama do casal em que os atores se saem bem e transmitem emoção. Mas, apesar destes bons momentos, faltam grandes cenas ao longa. Indicado desde o inicio como o grande momento da trama, o tiroteio de O.K. Curral não chega a decepcionar, mas está longe de ser uma cena marcante. Apesar da violência e de certa energia na cena, Kasdan não sabe escolher os melhores planos, deixando o confronto confuso, além de não criar a tensão necessária ao começar o duelo muito rapidamente (parece que o diretor não aprendeu nada com Leone). E pra piorar, após o grande duelo, a narrativa se arrasta por muito tempo antes de terminar, de forma pouco satisfatória. Ao guardar para o final uma história de heroísmo de Wyatt, Kasdan parece tentar encerrar bem a narrativa, mas erra novamente, pois todo o efeito nostálgico é anulado ao vermos as cenas no momento em que um garoto conta o que aconteceu – seria melhor se já tivéssemos visto ela antes e agora a história surgisse apenas como uma boa recordação dos bons tempos do xerife, assim como acontece com os personagens.

Tecnicamente brilhante, “Wyatt Earp” acaba soando cansativo demais, graças à má condução de Lawrence Kasdan, que não soube enxugar seu próprio roteiro. Cortando algumas cenas e conduzindo melhor momentos importantes como o famoso duelo, talvez ele tivesse realizado um grande filme. Não foi o que aconteceu. Pretensiosa ou não, o fato é que a direção de Kasdan compromete bastante o resultado final.

Texto publicado em 28 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira