9 ½ SEMANAS DE AMOR (1986)

(Nine 1/2 Weeks)

 

Videoteca do Beto #36

Dirigido por Adrian Lyne.

Elenco: Mickey Rourke, Kim Basinger, Margaret Whitton, David Margulies, Christine Baranski, Karen Young, William De Acutis, Dwight Weist e Roderick Cook.

Roteiro: Sarah Kernochan, Zalman King e Patricia Louisianna Knop, baseado em livro de Elizabeth McNeill.

Produção: Mark Damon, Antony Rufus Isaacs, Sidney Kimmel e Zalman King.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Tramas baseadas em cenas eróticas andam na perigosa linha entre o agradável e o ridículo, dependendo da forma como o assunto é abordado. Por isso, filmes com alto teor erótico e relações pouco convencionais correm o risco de se tornarem um enorme fracasso (não pelo sexo, já que o grande público adora o apelo sexual), ainda mais em uma sociedade hipócrita como a nossa. Felizmente, “9 ½ Semanas de Amor” consegue um resultado satisfatório, já que humaniza seus personagens, estudando as alterações provocadas em suas mentes através dos jogos sexuais em que se envolvem. Acerta, portanto, ao separar os experimentos sexuais do casal, vividos entre quatro paredes, da personalidade humana de cada um, algo infinitamente mais importante e valioso.

A bela e sexy Elizabeth (Kim Bassinger) trabalha em uma galeria de arte e vê sua vida mudar quando conhece o misterioso John (Mickey Rourke), com quem acaba rapidamente se envolvendo. O casal inicia então a pratica de jogos sexuais, que gradativamente vão se tornando mais perigosos e acabam complicando o relacionamento até um ponto difícil de ser controlado.

O diretor Adrian Lyne consegue criar uma atmosfera muito sensual – utilizando o caprichado jogo de luz e sombras do diretor de fotografia Peter Biziou – em cenas extremamente eróticas que sugerem muito mais do que mostram, como o strip-tease de Elizabeth. Em outros momentos, é praticamente possível sentir os toques do casal e a sensação provocada por eles, graças aos muitos closes utilizados por Lyne, como por exemplo, no gelo pingando ou nas frutas tocando os lábios da garota, além dos closes no rosto dos personagens, que colaboram para demonstrar a excitação de ambos. Além disso, o som contribui captando pequenos detalhes, como o barulho de uma lata sendo aberta. Este erotismo mais sugerido que explicito é essencial para o sucesso das cenas, pois deixa a imaginação do espectador fluir. Lyne escorrega, porém, na desnecessária cena da perseguição do casal na chuva, que serve apenas como desculpa do roteiro para a tórrida (e acrobática) cena de sexo que segue, inclusive pecando pela falta de realismo durante a briga com os baderneiros.

Escrito por Sarah Kernochan, Zalman King e Patricia Louisianna Knop (baseado em livro de Elizabeth McNeill), o roteiro acerta ao mostrar a vida social de ambos, que trabalham normalmente durante o dia e enfrentam problemas usuais, deixando claro para o espectador que os jogos eróticos do casal funcionam apenas como uma fuga consciente da realidade. Interessante notar também como ambos participam de forma consensual, simplesmente atendendo aos seus mais profundos desejos eróticos. John quer ter o controle, Elizabeth quer se entregar, e ambos vivem estas fantasias da forma que desejam. Finalmente, o roteiro acerta ao apresentar Elizabeth como uma mulher carente afetivamente devido à recente separação, o que poderia tranquilamente facilitar sua entrega a uma relação com um homem misterioso e enigmático como John. A montagem (crédito para Caroline Biggerstaff, Ed Hansen, Tom Rolf e Mark Winitsky) alterna corretamente entre os sensuais jogos, que lentamente vão evoluindo para algo mais perigoso, e o dia-a-dia do casal, que tem uma vida social normal. Esta fluidez funciona como um lembrete ao espectador de que eles não podem ser julgados como “doentes” simplesmente por não praticarem o sexo da forma que se convencionou chamar “normal”. John e Elizabeth se entregam aos desejos sem medo e ninguém pode julgar o que fazem entre quatro paredes, pois esta é uma questão intima e que deve ser respeitada. Infelizmente, o roteiro escorrega em seu final moralista, praticamente castigando o casal por ter se envolvido daquela forma.

Como dito, a Elizabeth de Kim Bassinger é uma mulher carente afetivamente. Separada, não consegue encontrar alguém que satisfaça seus desejos e lhe complete, como fica claro quando a amiga sugere que faça um anúncio no jornal para encontrar um companheiro. Bassinger inicia sua atuação de forma inexpressiva e muito fria. Gradualmente, consegue melhorar sua performance, se soltando ao longo da trama e até mesmo alcançando um bom desempenho dramático no triste terceiro ato, quando se mostra mais forte do que poderíamos imaginar. Ao testemunhar a relação do casal, algumas questões podem surgir na cabeça do espectador. Porque Lizzy aceita tudo que John pede? Seria a paixão, a curiosidade ou o mistério em torno dele capaz de fazer esta mulher (aparentemente bem resolvida profissionalmente, mas carente afetivamente) se entregar desta forma? Questões absolutamente pessoais. A verdade é que outra pergunta é cabível: Quem pode julgar a entrega dela aos desejos que sente? A verdade é que um dos grandes acertos de “9 ½ Semanas de Amor” é justamente mostrar Elizabeth como uma mulher, e não como um objeto do desejo masculino, ao mostrar seus questionamentos e a forma como esta relação afeta sua vida. Observe como no inicio da relação não é raro ver Elizabeth com o olhar perdido no horizonte enquanto trabalha na galeria, provavelmente sonhando com os encontros noturnos com John. Seus sentimentos, porém, se transformam em revolta, simbolizada na cena em que agride uma mulher e sai pela noite para vingar-se de forma reativa e pouco racional, mostrando que John foi longe demais. Ela não suportou (e nem deveria) o caminho que a relação seguiu e tomou a decisão que julgou correta, terminando o relacionamento. A empatia do publico com o casal é outro mérito de Bassinger, já que num filme como este, é essencial a química entre o casal principal. E os dois conseguem sucesso nesta tarefa, graças também ao ótimo Mickey Rourke. Quando John deixa Elizabeth presa na roda gigante e sai para tomar um café, está também sinalizando sua preferência por situações em que tenha o domínio psicológico. A relação que se estabelece entre os dois posteriormente, onde John comanda Elizabeth durante os jogos sexuais, mas em troca lhe entrega todo o seu amor e carinho até mesmo em pequenos gestos – como preparar o café da manhã (“você não lava pratos, eu te visto, te dou banho…”) – pode soar estranha para a maioria das pessoas, mas para eles era algo prazeroso e excitante. Rourke mantém um ar misterioso, muito coerente com o personagem. Seu John é um homem seguro, direto e pouco aberto quanto à sua vida particular. Só sabemos que teve outra mulher através de uma foto que Elizabeth encontra em seu guarda-roupa e ele só se abre pra falar da família quando ela já está de partida. Seu jeito sutil consegue magnetizar Elizabeth, que vai fundo na relação até não suportar mais, no limite da linha entre o jogo e a realidade. É justamente quando John cruza esta linha que Elizabeth se rebela e, mesmo sabendo que iria sofrer, mostra força para deixá-lo. Pra ela, ele cruzou o limite do aceitável ao começar a envolver outras pessoas num relacionamento que até então se resumia a jogos entre quatro paredes e exclusivamente entre o casal. Elizabeth manteve o respeito próprio e a dignidade, não aceitando aquilo, pois apesar de se entregar aos jogos, também queria uma relação estável. Além disso, o que parecia apenas um simples jogo erótico estava começando a soar como algo doentio da parte de John. É exatamente esta linha de limite determinada por Elizabeth que salva o filme de se transformar num simples thriller erótico, analisando os efeitos deste envolvimento na vida daquela mulher.

O longa conta também com uma empolgante trilha sonora que diverte em diversos momentos, como no animado clipe com cenas do casal embalado pela excelente “Slave to Love”. O único problema da trilha é tentar criar tensão em algumas cenas onde deveria ter um tom mais sexy, como no momento em que John venda os olhos de Elizabeth pela primeira vez. Esta tentativa de criar suspense, induzindo ao pensamento de que John poderia representar algum perigo, acaba tirando um pouco do alto teor erótico, o que é uma pena. Em contrapartida, observe como quando John passa gelo pelo corpo dela, o tema romântico funciona melhor, deixando a cena mais leve e agradável.

Recheado de cenas eróticas, mas nunca chegando a ser vulgar, “9 ½ Semanas de Amor” mostra uma faceta interessante ao não se resumir apenas aos simples jogos sensuais do casal, fazendo um interessante estudo do efeito psicológico que aquela relação causa, principalmente em Elizabeth. Moralista ou não, o final deixa a mensagem de que independente da relação que tenha, a pessoa sempre poderá encontrar força para sair dela se assim desejar. Por isso, mesmo apresentando os problemas citados, o filme consegue um resultado agradável.

Texto publicado em 14 de Janeiro de 2010 por Roberto Siqueira