O GRANDE DITADOR (1940)

(The Great Dictator)

 

Filmes em Geral #21

Filmes Comentados #7 (Comentários transformados em crítica em 23 de Outubro de 2010)

Dirigido por Charles Chaplin.

Elenco: Charles Chaplin, Jack Oakie, Paulette Goddard, Reginald Gardiner, Henry Daniell, Maurice Moscovich e Billy Gilbert.

Roteiro: Charles Chaplin.

Produção: Charles Chaplin.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Chaplin abandonou de vez o cinema mudo nesta corajosa sátira de Hitler, realizada apenas um ano depois do inicio da segunda guerra mundial, recheada de bom humor e com um forte subtexto crítico. Ao realizar “O Grande Ditador”, ele demonstrou sua extrema coragem e genialidade, mostrando ao mundo os absurdos do nazismo antes mesmo que alguns países, como os Estados Unidos, entrassem na guerra.

Um judeu (Chaplin) salva um piloto alemão (Reginald Gardiner) durante a segunda guerra, mas perde a memória na queda do avião em que ambos estavam quando fugiram do campo de batalha. Ao voltar para casa, ele encontra um mundo completamente diferente, agora dominado pelo ditador Hynkel (Chaplin também), ao mesmo tempo em que volta a conviver com seus compatriotas, como a bela Hannah (Paulette Goddard).

Como diz a primeira frase de “O Grande Ditador”, qualquer semelhança entre o ditador e o barbeiro judeu é meramente proposital, o que será a chave para o belíssimo final do filme. O roteiro escrito por Chaplin, além de extremamente corajoso ao claramente criticar Hitler no auge de seu domínio, ainda conta com frases interessantes que demonstram bem como funciona o raciocínio dos grandes ditadores, como a dica de um assistente dada a Hynkel (“Alimente o ódio aos judeus e eles esquecerão o estômago”) e o mundo sonhado pelo nazismo, repleto de “loiros com olhos azuis”. A conversa sobre a intenção de fazer com que a raça ariana dominasse o mundo, aliás, leva à cena mais famosa do longa, em que Hynkel brinca com o globo terrestre e chora quando este explode em suas mãos. Esta famosa cena é recheada de simbolismo, pois Hitler, assim como Hynkel, pensava dominar o planeta e ter o direito de brincar com ele. A história provou que não é bem assim que as coisas funcionam. Que os líderes de hoje em dia pensem nisso também. É interessante notar ainda como o roteiro reflete bem a forma arcaica e despreparada de pensar do ditador. Quando informado que existem trabalhadores descontentes, ele manda fuzilar todos (“Não quero trabalhadores descontentes”, afirma). Estatisticamente ele poderia ter sucesso, mas com certeza esta é uma solução idiota para o problema. Outra crítica sutil e inteligente acontece na cena em que o barbeiro judeu (Chaplin), que perdeu a memória, volta para sua barbearia. Os alemães chegam imponentes ao local, certos de que ele vai obedecer, mas ele não entende o que deve fazer e os ignora. A mensagem é clara. Qualquer pessoa que saísse da terra e voltasse no meio da guerra também acharia uma loucura o que se fazia com o ser humano naquela ocasião.

Mas nem só de críticas vive “O Grande Ditador”. O bom humor característico de Chaplin aparece em muitas cenas, como na fuga do barbeiro num avião, em sua experiência num tanque de guerra, no divertido desfile do exército da Tomania e na calorosa discussão dos ditadores no Buffet. E ainda que não tenham o mesmo espaço de outrora neste primeiro filme falado de Chaplin, as gags aparecem, como quando o vagabundo se esconde dentro de um baú numa fração de segundos ou quando Hynkel é derrubado da escada por Herring (Billy Gilbert). Vale citar também a engraçada tradução do discurso de Hynkel feita por uma assistente numa máquina de escrever. Finalmente, existem as cenas em que crítica e humor se misturam com perfeição, como aquela em que a moeda no pudim apontaria quem deveria morrer pela libertação dos compatriotas. A divertida seqüência revela as verdadeiras intenções de cada integrante do grupo, pois, na realidade, ninguém queria ser mártir de verdade (e quem quer?). Apesar de o discurso ser belo, na prática não é assim que funciona. E repare como no fim do jantar, Chaplin discretamente recolhe as moedas da mesa e as coloca no bolso, revelando as sutilezas de sua grande atuação.

Sem tanto espaço para as famosas gags que fizeram sua fama devido ao fato de ser um filme falado, Chaplin demonstra sua qualidade como ator alternando muito bem entre a eloqüência de Hynkel, sempre agitado, sisudo e com olhar superior, e a simplicidade do barbeiro, sempre tranqüilo e até mesmo amedrontado diante daquela situação. Além disso, Chaplin fala um “alemão” debochado, que funciona muito bem como elemento de humor, satirizando explicitamente a forma de discursar de Hitler – todos sabem que não é alemão de verdade, apenas uma forma eficiente de fazer piada. Ele tosse, engasga, grita, faz careta e arranca boas risadas do espectador, ao mesmo tempo em que alfineta o tirano alemão, em plena segunda guerra mundial. Também se destaca a boa atuação de Jack Oakie, como o ditador Benzino Napaloni, de Bactéria, que satiriza Mussolini (repare no sotaque italiano de seu inglês). Extrovertido, ele completa com perfeição a grande atuação de Chaplin, agindo com espontaneidade diante de toda aquela pompa do palácio de Hynkel. Com seu jeito falastrão, nada parece intimidar o agitado ditador bacteriano, como podemos notar na conversa preparada especialmente para colocá-lo em posição inferior a Hynkel. A cena em que os dois tentam intimidar um ao outro subindo as cadeiras é sensacional. Boa também é a atuação de Billy Gilbert como o marechal de campo Herring. Observe, por exemplo, o leve sorriso de satisfação dele no desfile do exército da Tomania e a transformação de seu rosto quando Napaloni começa a questionar tudo que é mostrado. Paulette Godard se sai bem na pele da determinada Hannah, demonstrando sua fibra e coragem através do olhar penetrante, da voz sempre firme e rápida e, principalmente, dos gestos corajosos, como quando reage sozinha aos abusos dos soldados alemães contra os comerciantes judeus. E finalmente, Reginald Gardiner interpreta Schultz, com destaque para o momento em que diz para Hynkel o que pensa sobre suas políticas, num discurso que critica ferozmente os ideais nazistas. Considerado um traidor, acaba preso e, após fugir e ser capturado no gueto junto com seu amigo judeu que o salvou na guerra, é enviado aos campos de concentração. Esta atitude intempestiva de Hynkel será crucial para o desfecho da trama.

Chaplin também se destaca na direção de “O Grande Ditador”, com belos movimentos de câmera, como quando os judeus se escondem dentro de casa e o plano termina com um passarinho preso na gaiola, simbolizando a perda da liberdade daquele povo. Chaplin também acerta ao filmar o ditador em ângulo baixo diversas vezes, demonstrando visualmente o poder daquele homem, algo também ilustrado através de pequenos detalhes, como o fato dele sequer abrir as portas de seu palácio, relegando esta tarefa aos soldados colocados em cada passagem. O diretor ainda utiliza muito bem o close para enfatizar as emoções dos personagens, como no discurso pré-invasão do gueto de Hynkel ou nas lágrimas emocionadas de Hannah ao escutar as palavras de esperança no último plano do longa. Em outro plano bem realizado, o barbeiro judeu conversa com Hannah sobre sua preferência pela vida no campo em detrimento das poluídas cidades, enquanto a cidade está em chamas ao fundo. Destaca-se também o plano geral em que podemos ver o barbeiro sendo cercado no meio da rua por dezenas de soldados nazistas, além da linda cena em que Chaplin barbeia um senhor no ritmo da música, onde som e imagem se completam. Ainda na parte técnica, os figurinos e a direção de arte de J. Russell Spencer ajudam muito na alusão ao nazismo, trabalhando em pequenos detalhes, como os símbolos dos uniformes, que não são idênticos, mas claramente fazem referência à suástica de Hitler. Além disto, a direção de arte capricha no palácio de Hynkel, demonstrando toda a imponência do local através da estrutura alta e dos longos corredores por onde as pessoas passam. A montagem de Willard Nico intercala muito bem as duas linhas principais da narrativa, divididas entre as decisões de Hynkel e o reflexo delas no gueto, além de saber indicar a passagem do tempo sem que esta soe episódica, como quando a teia espalhada pela barbearia indica o longo tempo que o barbeiro esteve fora. Também colabora com a clara divisão da narrativa a fotografia de Karl Struss e Roland Totheroh, que diferencia o ambiente sombrio da vida no gueto da clara e iluminada vida no palácio. Finalmente, a trilha sonora composta por Chaplin pontua muito bem as cenas, como quando a música indica a felicidade da família de Hannah na chegada a Österlich.

O apaixonado discurso do barbeiro judeu no final de “O Grande Ditador” resume muito bem a mensagem do filme. A inteligente situação criada através da inversão de papéis, que remete elegantemente à frase inicial do longa, representava uma oportunidade única para o judeu (e para Chaplin), expressada através das palavras de Schultz (“Você tem que falar, é nossa última esperança”). Chaplin não perdeu a oportunidade e deu sua mensagem humanista ao mundo de forma inteligente, bem humorada e marcante. Palmas pra ele.

PS: Comentários divulgados em 13 de Outubro de 2009 e transformados em crítica em 23 de Outubro de 2010.

Texto atualizado em 23 de Outubro de 2010 por Roberto Siqueira