O CIRCO (1928)

(The Circus)

 

Filmes em Geral #18

Dirigido por Charles Chaplin.

Elenco: Charles Chaplin, Henry Bergman, Tiny Sandford, Al Ernest Garcia, George Davis, Merna Kennedy, Harry Crocker, John Rand e Steve Murphy.

Roteiro: Charles Chaplin.

Produção: Charles Chaplin.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Certamente um dos longas mais engraçados da carreira de Charles Chaplin, “O Circo” destaca-se pelas divertidas gags visuais, mas abre espaço também para pequenas reflexões, ainda que de maneira leve e descontraída. A inspiração e o talento deste genial ator e diretor para provocar o riso podem ser comprovados neste divertido filme, que antecedeu aquelas que talvez sejam as maiores obras da carreira deste inglês que marcou a história da sétima arte e da própria humanidade.

Enquanto fugia da policia ao ser confundido com um ladrão de carteiras, o vagabundo (Chaplin) invade acidentalmente um circo e, com seu jeito desajeitado, acaba arrancando gargalhadas do público presente. Logo em seguida, acaba sendo contratado pelo dono do espetáculo (Al Ernest Garcia), que irá se aproveitar do talento dele para salvar o circo da falência. Mas o destino fez com que o vagabundo cruzasse o caminho da filha do proprietário (Merna Kennedy) e se apaixonasse por ela.

“O Circo” é, acima de tudo, uma comédia bastante eficiente. Por isso, as gags visuais estão presentes com força total e, reforçadas pelo talento de Chaplin na expressão corporal, tornam o filme um dos mais engraçados de sua carreira, com destaque para as cenas anteriores à contratação do vagabundo pelo circo. O filme tem todas as características dos tempos de cinema mudo, com trilha sonora presente em todo tempo e letreiros mostrando os principais diálogos na tela, algo que Chaplin lentamente abandonaria em seus filmes posteriores. E apesar de destacar-se como um filme de humor, o longa apresenta muitas das principais características do cinema de Chaplin, como seu costumeiro problema com os guardas e sua eterna luta para conseguir comida, que aparecem principalmente nas cenas do lado externo do circo.

Entre as cenas mais divertidas, destaca-se a primeira entrada de Carlitos no circo. A seqüência de gags é tão bem elaborada e coordenada que é praticamente impossível não gargalhar, por mais mal humorada que a pessoa seja. Mas as cenas engraçadas não se resumem a esta entrada, como podemos notar na divertidíssima cena em que o vagabundo tenta dar uma pílula para um cavalo doente. Já a cena da jaula do leão consegue ser ao mesmo tempo engraçada e tensa, dado o perigo potencial da situação. É interessante notar também como através da comédia, Carlitos revela ao público alguns truques do circo, como o botão que liberta os animais na mesa. Mas o talento de Chaplin não se resumia somente ao humor, e o seu lado humano aparece em duas cenas especiais. A primeira delas acontece quando o vagabundo se comove com a fome da jovem moça e dá sua comida pra ela, enquanto a segunda ocorre no final altruísta, quando Carlitos leva o equilibrista até a jovem moça, abrindo mão de sua paixão para vê-la feliz. E apesar do tom mais leve e descontraído, o roteiro de “O Circo” não deixa de criticar o capitalismo (algo sempre presente nos filmes de Chaplin) ao mostrar a dificuldade do vagabundo passando fome e, posteriormente, os trabalhadores abandonando o emprego por não receber salário.

Como podemos notar, Chaplin tinha o incrível talento de transformar narrativas simples em filmes fascinantes, mas também mostrava competência na parte técnica, como na cena dos espelhos, filmada de um ponto fixo, mas jamais mostrando onde está localizada câmera, o que sempre impressiona em planos feitos diante do espelho. Chaplin também utilizava bem o truque de câmera, uma espécie de efeito visual, como por exemplo, na cena em que ele “sai do corpo” e mostra sua intenção de bater no equilibrista. Ele não faz questão de esconder seu ciúme, num comportamento inocente como o de uma criança, algo que se repete quando ele ri ao ver Rex (Harry Crocker) balançando na corda. Seu Carlitos era puro e simples como uma criança, o que explica a facilidade com que ele conquista o publico infantil. E até mesmo nos movimentos de câmera Chaplin mostra habilidade, criando cenas lindas como o plano geral onde podemos ver o vagabundo se equilibrando na corda e todo o público embaixo dele torcendo por seu sucesso. A montagem dinâmica (sempre dele, Chaplin) também colabora com o ritmo ágil da narrativa, além de trabalhar no melhor estilo Chaplin, com a imagem seguinte muitas vezes complementando o sentido da cena anterior, como quando o público pede pelo “homem engraçado” e, no plano seguinte, vemos Carlitos deitado dormindo. Fechando a parte técnica, a trilha sonora composta por Chaplin é divertida e coerente com a leveza da narrativa.

É desnecessário dizer que Chaplin dá outro show de atuação em “O Circo”. Poucos atores da história tinham tanto talento para demonstrar através de expressões corporais os sentimentos do personagem e, além disso, provocar o riso genuíno no espectador, como podemos notar na cena do ensaio do número da barbearia, entre tantas outras. O dono do circo, interpretado de maneira ríspida por Al Ernest Garcia, explora o talento de Carlitos sem que ele saiba que é a estrela do espetáculo e, conseqüentemente, cobre por isso. Ironicamente, quando desperta para isto (graças à filha do proprietário do circo, interpretada por Merna Kennedy), recebe pelo que vale e salva o circo da falência, lotando as arquibancadas. Note como até mesmo o dono do circo fica menos estressado quando o circo começa a render o esperado, tratando melhor os funcionários. Mas a chegada do equilibrista representa a desilusão amorosa do vagabundo e o fim da felicidade dele, algo que se reflete imediatamente em seu rendimento no palco. Como conseqüência, o dono do circo ameaça demiti-lo, esquecendo-se que ele era o responsável por salvar o circo. Gratidão não é algo comum no mundo dos negócios, e Chaplin, feroz crítico do capitalismo, sabia disto. Basicamente, o lema é “deixou de render, não serve mais”. O belo final, com o vagabundo abrindo mão de seguir com o circo, tem também uma rima narrativa com o primeiro plano do filme, com Carlitos segurando a estrela que inicia “O Circo”.

Ainda que não tenha o poder de emocionar de “Luzes da Cidade” e o mesmo subtexto crítico de “Tempos Modernos” ou “O Grande Ditador”, “O Circo” é uma comédia eficiente, que conta com muitas das principais qualidades do cinema de Chaplin. Se não deixa uma mensagem profunda ou provoca grande reflexão, ao menos diverte com competência o espectador, graças ao enorme talento de seu realizador.

Texto publicado em 20 de Outubro de 2010 por Roberto Siqueira

6 comentários sobre “O CIRCO (1928)

  1. Márcio Loureiro 9 dezembro, 2012 / 8:08 pm

    Uma das joias raras de Chaplin. Minha decepção foi que depois de assistir ao “O circo” vi o plágio claro de outro filme que adorava na infancia “os saltinbancos trapalhões” e que tristeza ver que o filme brasileiro usou de mesmo enredo e até de cenas idênticas… triste para mim que tinha ótimas lembranças infantis mas feliz por revelar ainda mais o gênio Chaplin, o maior artista de todos os tempos para mim. Completo.

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    • Roberto Siqueira 20 dezembro, 2012 / 11:21 pm

      Chaplin era gênio mesmo. E eu gosto de “Os Saltimbancos Trapalhões”. Não vejo problema algum nisto.
      Abraço.

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  2. Cross98 26 fevereiro, 2012 / 5:39 pm

    Rachei o bico nesse fiilme

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    • Roberto Siqueira 29 fevereiro, 2012 / 11:29 pm

      Eu também, muito engraçado.
      Abraço.

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  3. Zé Roberto 28 outubro, 2010 / 1:51 pm

    Achei no Youtube um vídeo interessantíssimo! É uma matéria sobre o Box de Charles Chaplin que saiu com seus filmes, cheios de extras. O cara estava vendo os extras do Filme “O Circo” e lá tem cenas de Holliwood/CA no dia da pré-estréia, 1.928. O intrigante é que a camêra está filmando as pessoas passando na rua, quando de repente passa uma mulher de preto com um chapelão e… Falando ao celular, ou ao menos é o que parece ser um telefone móvel. Você já viu isso? Chapei com esse vídeo! Veja e tire suas conclusões:

    Abraços e parabéns pelo blog!!

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    • Roberto Siqueira 28 outubro, 2010 / 6:45 pm

      Olá Zé Roberto.
      Interessante o vídeo. Pode ser que ela estava apenas com a mão na cabeça, mas é curioso mesmo.
      Valeu pela dica. E obrigado pelos elogios!
      Seja bem vindo ao Cinema & Debate e volte sempre.
      Abraço.

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