(Das Wunder von Bern)
Filmes em Geral #96
Filmes Comentados #20 (Comentários transformados em crítica em 20 de Dezembro de 2012)
Dirigido por Sönke Wortmann.
Elenco: Louis Klamroth, Peter Lohmeyer, Johanna Gastdorf, Mirko Lang, Birthe Wolter, Katharina Wackernagel, Lukas Gregorowicz, Péter Franke, Sascha Göpel, Knut Hartwig, Holger Dexne, Simon Verhoeven, Jo Stock e Martin Bretschneider.
Roteiro: Rochus Hahn e Sönke Wortmann.
Produção: Hanno Huth, Tom Spiess e Sönke Wortmann.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Dirigido com competência por Sönke Wortmann, “O Milagre de Berna” conta a história do primeiro título alemão na história das Copas sob a ótica de uma família praticamente destruída pela segunda guerra mundial. Com sensibilidade e delicadeza, o longa consegue transmitir sensações raras em filmes baseados no futebol, envolvendo o espectador emocionalmente e, de quebra, demonstrando a triste realidade da devastada Alemanha pós-guerra.
Escrito pelo próprio Wortmann ao lado de Rochus Hahn, “O Milagre de Berna” utiliza a verdadeira história da conquista germânica como pano de fundo para nos mostrar os efeitos da guerra naquela sociedade, ancorando sua narrativa na família do pequeno Matthias Lubanski (Louis Klamroth), um garoto apaixonado por futebol que faz amizade com o jogador Helmut Rahn (Sascha Göpel) e vê sua família se transformar quando seu pai Richard (Peter Lohmeyer) retorna após 11 anos de prisão na Rússia. Até então, sua mãe Christa (Johanna Gastdorf) se virava para sustentar a família, cuidando de um bar onde também trabalhava sua irmã Ingrid (Birthe Wolter) enquanto seu irmão Bruno (Mirko Lang) conseguia uns trocados como músico. Os problemas se agravam com o início da Copa do Mundo de 1954 e a convocação de Rahn para a seleção alemã, que complica ainda mais a vida de Matthias.
Além da interessante sacada de narrar a conquista alemã sob a perspectiva de uma família sofrida no interior do país, o bom roteiro de “O Milagre de Berna” ainda conta com alguns diálogos interessantes, como no engraçado momento em que o jornalista Ackermann (Lukas Gregorowicz) explica para a esposa sobre como um repórter deve ser “neutro” na cobertura de um mundial. Ressaltando a falta de esperança e o estado de espírito daquele povo traumatizado pelos horrores da guerra através da família Lubanski (“Nunca seremos campeões nacionais”, diz o decepcionado garoto se referindo ao time de coração), a dupla de roteiristas escancara também os traumas provocados pelo estigma do nazismo, uma verdadeira sombra que infelizmente acompanharia os alemães por décadas.
Ressaltando esta melancolia em seus tons azulados e tristes, a fotografia de Tom Fährmann também ilustra este estado de espírito influenciado pela tragédia da guerra, contrastando este visual opressor com a beleza natural dos campos na chegada à Suíça – e repare como o sol brilha em solo suíço, indicando que o futuro da nação começaria a mudar a partir daquele evento. Aliás, toda a parte técnica de “O Milagre de Berna” é excepcional, como podemos notar na precisa reconstituição de época que nos transporta para a Alemanha e a Suíça dos anos 50, graças ao ótimo design de produção de Uli Hanisch e aos figurinos de Ursula Welter, que recriam as casas típicas alemãs, o estádio da final em Berna, os uniformes e a bola oficial do jogo com uma fidelidade impressionante.
Imprimindo um ritmo interessante que constrói uma crescente expectativa pela grande decisão da Copa, o diretor e seu montador Ueli Christen ainda criam interessantes rimas narrativas, como quando a Alemanha vence a Turquia por 4 a 1 ao mesmo tempo em que garotos alemães jogam futebol num campinho ou quando Rahn foge da concentração e Matthias foge de casa, num momento simbólico que ilustra a empatia deles e evidencia o quanto o menino realmente via no jogador a figura paterna que tanto lhe fazia falta. Exatamente por isso, Wortmann emprega um close-up em Matthias quando sua mãe se prepara para ler a carta que anunciará a morte ou o retorno do pai, evidenciando a tensão do garoto e de toda a família. Neste instante, nota-se claramente que cada filho tem uma expectativa diferente para o que pode ouvir da boca da mãe, especialmente Bruno (Mirko Lang), que assumiu a responsabilidade do lar e tem forte ressentimento do pai, como fica evidente quando ele, já com o pai de volta, afirma que o jogador Rahn é “uma espécie de figura paterna para Matthias”.
Rahn que é interpretado por Sascha Göpel de maneira burocrática, mas ainda assim consegue criar empatia com o jovem Matthias. Sua trajetória serve também para nos mostrar a curiosa realidade dos jogadores de futebol da época, que tinham que trabalhar em outros empregos para se sustentar (“A seleção alemã pagará pelos dias de trabalho perdidos, em virtude da Copa do Mundo”). Já o repórter Paul Ackermann de Lukas Gregorowicz funciona como um bem vindo alívio cômico, transmitindo insegurança desde quando tenta convencer a esposa Annette (Katharina Wackernagel) a permitir que ele realize seu sonho e acompanhe de perto a seleção alemã no mundial de futebol – repare como ele hesita antes de contar pra ela que foi escolhido para cobrir a Copa.
Por falar na cobertura da Copa, as entrevistas coletivas do técnico germânico Sepp Herberger (Péter Franke) às vezes soam totalmente sem sentido, mas em outras ocasiões tem diálogos sensacionais, como quando descobrimos a origem da expressão “tempo Fritz Walter”, utilizada até os dias de hoje em gramados alemães. Interpretado de maneira sóbria por Knut Hartwig, Walter ficou marcado como o jogador símbolo da conquista alemã, liderando a equipe dentro de campo e cuidando do talentoso e desajuizado Rahn fora dele – algo que “O Milagre de Berna” também faz questão de mostrar através de uma conversa entre o capitão e o técnico da seleção.
Voltando a família Lubanski, Peter Lohmeyer também tem uma boa atuação como o pai de Matthias, demonstrando sua enorme dificuldade para se adaptar a vida após a guerra através de sua agressividade e do bloqueio que o impede de ter um bom relacionamento com os filhos. Pra piorar, as lembranças da guerra impedem até mesmo que ele trabalhe na mineradora, fazendo com que passe o dia inteiro com a família e crie uma tortura psicológica para todos. Esta complicada situação se arrasta até o jantar em que Richard tenta se reconciliar com a família, seguido pela chocante revelação da morte dos coelhos, que é também o ponto de partida para sua mudança, permitindo que ele sorrisse pela primeira vez após o conflito brincando com uma bola no campo. De fato, o futebol tem mesmo este poder de aproximar as pessoas e, após este momento, ele conversa com Matthias na cozinha e se reconcilia com o filho, numa reaproximação ressaltada até mesmo pelo zoom de Wortmann. No entanto, sua mudança tardia não impediu que Bruno fugisse paraa Alemanha Oriental; e a conversa entre os irmãos antes da fuga serve para ilustrar como o socialismo vendia o sonho de uma vida ideal.
Essencial para o sucesso da narrativa, o jovem Louis Klamroth consegue criar empatia com o público através do seu jeito simples que transforma Matthias num símbolo dos meninos sonhadores que encontram no futebol a sua grande fonte de alegria e inspiração. Obviamente, a boa relação entre o garoto e sua mãe colabora neste sentido, aproximando o personagem da plateia. Aliás, a melhor atuação de “O Milagre de Berna” fica por conta de Johanna Gastdorf como a mãe de Matthias, Christa Lubanski. Transmitindo toda a angústia de uma mulher que acompanha sua família lentamente se dissolvendo, ela mal consegue curtir o esperado momento da volta do marido, enfrentando uma gritante dificuldade de readaptação que fica evidente no dia em que ele retorna, quando eles mal se tocam antes de dormir. O tempo e a guerra esfriaram a chama da paixão e a distancia tornou-os estranhos ao ponto de Richard descer do trem e confundir a esposa com a filha Ingrid, num momento tocante em que o choro de Christa demonstra com clareza esta mistura de sentimentos.
Outro momento marcante acontece quando a senhora responsável pela limpeza do hotel aconselha o técnico da seleção alemã a fazer vista grossa quando Rahn chega bêbado na concentração, contrastando com o violento castigo de Richard em Matthias que contrapõe os distintos estilos de liderança de ambos. Mas o ponto alto de “O Milagre de Berna” é mesmo a grande final, preparada cuidadosamente pelo diretor desde quando engrandece Herberger na tela durante sua última preleção. Em seguida, Wortmann consegue algo raro no cinema ao transmitir muitas das sensações que sentimos assistindo um jogo de futebol, acertando também ao mostrar a reação das pessoas em diversos pontos do país, com as ruas vazias e os alemães se amontoando em bares ou em volta de rádios, mostrando como a Copa do Mundo mexe com a sociedade de forma geral.
Recriando a final da Copa com precisão, “O Milagre de Berna” respeita cada detalhe daquela emocionante partida e consegue criar a atmosfera perfeita através da entrada em campo, do hino nacional e do clima chuvoso, além de encenar com rigorosa fidelidade histórica as jogadas de gol. O único deslize é mesmo o tamanho do gramado, que mais parece um society do que um campo profissional, mas este é apenas um pequeno detalhe diante de tantas qualidades. Cruzando novamente os caminhos de Rahn e Matthias, Wortmann nos conduz ao grande momento do filme de maneira tão envolvente que nos pegamos vibrando como crianças quando Rahn marca o gol da virada germânica, fazendo o povo ir à loucura e os narradores perderem a “imparcialidade”, exatamente como acontece com muitos profissionais do ramo quando seu país está em campo na Copa. É a magia dos mundiais captada em celulóide com precisão.
Narrando com competência um dos acontecimentos mais importantes da história alemã pós-segunda guerra, “O Milagre de Berna” aproveita para mostrar os efeitos daquele conflito na sociedade, trazendo um país em frangalhos e com o orgulho nacional ferido após o período negro do nazismo. Felizmente, aquele título mundial serviu para devolver ao povo o orgulho de ser alemão e hoje os germânicos formam uma das nações mais bem sucedidas e respeitáveis do nosso planeta. O futebol é mesmo um esporte poderoso.
PS: Comentários divulgados em 19 de Julho de 2010 e transformados em crítica em 20 de Dezembro de 2012.
Texto atualizado em 20 de Dezembro de 2012 por Roberto Siqueira
Que bom assistir um filme desses e ver que se fazem coisas muito interessantes fora de Hollywood. Aliás, o novo cinema alemão tem produzido filmes de dar inveja a Hollywood. Para citar apenas dois, falo do excelente O Grupo Baader-Meinhoff, sobre o grupo terrorista alemão que aterrorizou a Alemanha nos anos setenta. Se você não assistiu,está aí a dica, você vai se surpreender, pois além do cuidado com a produção, a história é muito legal. E o outro é o impressionante A Queda, esse bem mais badalado. Ótimo em todos os sentidos. E a atuação do Bruno Ganz, o que que é isso, meu amigo. Seguramente uma das maiores da história, não concorda ? Revejo sempre só para ficar babando com essa interpretação. Você já escreveru sobre o expressionismo alemão de Murnau e Fritz Lang. Também não podemos esquecer dos filmes que se fez por lá nos anos 60,70 e 80 com os interessantes Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog e também Volker Schlendorf (que fez o curioso O Tambor). Cinema que já deu os ótimos Klaus Kinski e Hanna Shygulla, tem uma excelente safra de novos atores. Tanto A Queda quanto O Grupo Baader-Meinhoff têm a produção De Bernd Eichinger, daí você pode avaliar como o Grupo…. é muito bom. Desculpe se me alongo demais com os comentários, mas é que cinema me faz perder a noção de bom senso, mas acho que como cinéfilo você me entende. Um abraço.
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Olá Cesar,
Não só entendo como gosto muito dos seus comentários. Fique à vontade para comentar sempre que quiser.
O cinema alemão produz muitos filmes bons mesmo, é verdade. Já fiz a semana especial sobre o Expressionismo e quem sabe preparo alguma outra sobre filmes mais recentes.
Um grande abraço.
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Esse filme é excelente. o melhor que já vi ao retratar futebol!!! Além de um ótimo drama, a recriação da final da Copa impressiona pela riqueza de detalhes, desde a aparência aos lances e gols da partida!!!
Excelente review!!!
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Obrigado Fábio.
Como pode perceber, também gosto muito do filme.
Seja bem vindo ao Cinema & Debate e volte sempre.
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Parece interessante… tenho tantos filmes para assistir que não sei por onde começar…. sério!!! Precisamos passar um fim de semana inteiro aqui, assistindo filme, tomando cerveja e assando uma carne!!!
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Vamos marcar. O difícil será escolher que filmes ver com tantas boas opções.
Abraço.
PS: A carne a gente assa depois de ver o filme, senão não vai dar certo. 😉
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