No último sábado iniciei o dia assistindo ao bom “O Homem sem Face” ao lado da Dri, emendando em seguida o ótimo documentário “This is it”, que acompanha a preparação de Michael Jackson e sua equipe para aqueles que seriam seus últimos 50 espetáculos. Saímos para almoçar após a sessão dupla e eu comecei a viajar em algumas reflexões. No caminho, como de costume, conversei muito com a Dri e acabamos traçando um paralelo entre os dois filmes que acabáramos de assistir. E, no fim das contas, não é que eles têm tudo a ver?
[atenção, a partir de agora o texto contém spoilers de “O Homem sem Face”, de 1993]
Iniciemos pela óbvia correlação entre as acusações de pedofilia sofridas por Michael e pelo personagem de Mel Gibson. Ambas jamais foram comprovadas, mas eles foram condenados, não pela justiça, mas por grande parte da sociedade e do meio em que estavam inseridos (no caso de Michael, algo muito pior, já que ele era mundialmente conhecido). Jamais acreditei que Michael fosse capaz de tal atrocidade. Sempre o enxerguei como uma criança que nunca cresceu e que tinha enorme dificuldade para se relacionar com outras pessoas. Por isso, as inocentes crianças eram a companhia ideal para ele. Mas o rumor sempre existiu e isto é fato. Da mesma forma, o homem sem face encontrou na companhia sincera do jovem Charles a amizade ideal, já que as pessoas o abandonaram após o acidente que desfigurou seu rosto e lhe rendeu o nada carinhoso apelido de “monstro”.
A desfiguração facial, aliás, também gerou muitas críticas ao rei do pop, que mudou até mesmo o tom de pele por causa do vitiligo, provocando iradas críticas de diversas pessoas que o acusavam de renegar sua origem. E se o homem sem face está longe da genialidade de Michael, sua dedicação ao exercer a profissão que ama remete ao impressionante esforço do cantor durante os ensaios, trabalhando em cada detalhe da composição de seu espetáculo ao lado de sua equipe.
Mas talvez o ponto verdadeiramente comum não esteja nos dois homens citados, e sim na forma como nós olhamos para cada um deles (e para todos nós). E aí, vem à pergunta: por que o ser humano tem esta tendência maliciosa de julgar a partir da aparência, do exterior, daquilo que vemos e/ou ouvimos a respeito de uma pessoa? A maioria de nós jamais conviveu um dia sequer com um Michael Jackson, uma Amy Winehouse ou um Adriano da vida, mas todos nos sentimos capazes de julgar a situação deles, de emitir opiniões que chegam a ser ofensivas, como se estivéssemos falando de uma pessoa próxima. Qual o nosso direito de julgar a vida de alguém que mal conhecemos?
Chegando à parte final desta louca correlação que criei no último sábado (seria o excesso de cerveja? Não pode ser, tomei apenas duas no almoço!), tracei um paralelo entre o ídolo pop Michael Jackson e o então astro do cinema responsável pelo sensível “O homem sem face”: Mel Gibson. De homem respeitado em Hollywood nos anos 80/90 a uma párea social nos dias atuais, o carismático ator (e competente diretor) hoje raramente consegue arrumar trabalho, surgindo apenas em filmes de amigos (como ao lado de Jodie Foster) e em notícias sobre seus conturbados relacionamentos. Relegado ao esquecimento por causa de suas polêmicas declarações e confusões, Gibson imediatamente passou a ser visto como um ser humano desprezível e incapaz de regenerar-se (aliás, chega a ser irônica a passagem em que seu homem sem face cita um texto de Shakespeare defendendo a igualdade de direitos para os judeus, não?). Defendido pelo também outrora desprezado Robert Downey Jr., Gibson hoje está bem distante do homem poderoso de outros tempos, mas, apesar de suas declarações realmente condenáveis, será que este abandono completo é merecido? Ele não merece uma segunda chance?
Acho que fui longe demais, passei do astro pop para um personagem fictício e cheguei ao diretor do filme. Na verdade, nem sei se consegui deixar alguma mensagem neste texto. Mas o fato é que estes filmes me fizeram pensar em como o ser humano valoriza o exterior, em como julgamos com base nas aparências e mal conseguimos enxergar o que interessa. Pouco sabemos dos problemas das pessoas, não enxergamos o íntimo de cada um, mas nos sentimos preparadíssimos para destilar nosso veneno e condená-las na primeira oportunidade que aparece.
E se eu disser que encerrei meu fim de semana assistindo ao “Anjo Exterminador” de Buñuel, uma crítica feroz as máscaras sociais e à burguesia numa Espanha dominada por Franco? Melhor deixar pra lá…
Um abraço.
Texto publicado em 28 de Março de 2012 por Roberto Siqueira
Beto , sem querer ser chato , vc gosta de vidiogame tbm? Me passa seu msn? abraço
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Sou tão viciado em videogames que, para evitar problemas e conseguir tocar o site, preferi não comprar um.
Não tenho msn, mas tenho o e-mail do Cinema & Debate.
Abraço.
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