FRENESI (1972)

(Frenzy)

 

Filmes em Geral #66

Filmes Comentados #8 (Comentários transformados em crítica em 16 de Junho de 2011)

Dirigido por Alfred Hitchcock.

Elenco: Jon Finch, Barbara Leigh-Hunt, Barry Foster, Jean Marsh, Anna Massey, Alec McCowen, Vivien Merchant e Billie Whitelaw.

Roteiro: Anthony Shaffer.

Produção: Alfred Hitchcock.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após tropeçar nos thrillers sobre a guerra fria “Cortina Rasgada” e “Topázio”, Alfred Hitchcock recupera a boa forma neste “Frenesi”, que traz de volta algumas das melhores características do diretor. Com uma narrativa envolvente, cenas de impacto e uma boa dose de humor negro, o mestre do suspense voltava a presentear os cinéfilos com um grande filme.

Um assassino em série começa a aterrorizar a cidade de Londres, atacando mulheres com uma gravata. Com base nas declarações de uma testemunha após o assassinato da Sra. Brenda Margaret Blaney (Barbara Leigh-Hunt), a polícia passa a desconfiar de seu ex-marido Richard Blaney (Jon Finch), que tenta provar sua inocência, com a ajuda da namorada Barbara Milligan (Anna Massey) e do amigo Robert Rusk (Barry Foster).

Desde os primeiros momentos de “Frenesi”, é possível notar que Alfred Hitchcock estava de volta com força total, quando um belo travelling pelo rio Tamisa nos leva ao local onde um grupo de pessoas está amontoado, escutando uma declaração dos governantes, e é interrompido pelo surgimento do corpo de uma mulher morta na margem do rio, nua e com uma gravata em seu pescoço, jogando o espectador pra dentro da trama imediatamente. Um corte seco sai da gravata presa à vítima e nos leva ao personagem central, Blaney, que, ironicamente, amarra a sua gravata tranqüilamente antes de sair para o trabalho. Somente com este início, o espectador já foi fisgado. Queremos saber quem é o assassino e já temos um suspeito. A Londres que surge em seguida, suja e sem vida, ressalta o trabalho de direção de arte de Robert Laing e cria uma atmosfera crua e realista, bastante coerente com a narrativa, e reforçada pela fotografia de Gil Taylor, que emprega cores opacas, conferindo um visual mais sombrio na segunda metade do longa. Quanto mais nos aproximamos do final, mais tensa a trama se torna, algo refletido também na trilha sonora de Ron Goodwin.

Após uma fase irregular, Alfred Hitchcock volta a acertar a mão nas cenas mais importantes, criando momentos de puro suspense. A começar pelo tenso diálogo que leva à morte da Sra. Blaney pelas mãos de Rusk, numa cena sufocante, acentuada pelo uso do close e pela trilha sonora, que tornam a cena ainda mais impactante (repare como o diretor destaca o broche com a letra “R”, que terá importância em outro momento da trama). Além disso, Hitchcock muda o foco principal da narrativa ao revelar o assassino com apenas 34 minutos de filme. Agora não queremos mais saber quem é o assassino, e sim como a policia vai chegar até ele, pois todos os fatos levam à outra pessoa. E a razão que leva a todos a desconfiarem de outra pessoa surge num momento genial do diretor, quando a câmera acompanha a saída de Rusk do prédio e, no mesmo travelling, mostra a chegada de Blaney. Momentos depois, vemos a saída dele, após tentar sem sucesso falar com a esposa, e a chegada da secretária, que o vê saindo. A câmera ainda permanece no local por alguns instantes, até que a secretária veja Brenda morta e grite, assustando as pessoas que passavam na rua.

Pra piorar a situação, os claros sinais da agressividade de Blaney nos levam a crer que ele é o assassino no princípio da narrativa, o que justifica a desconfiança geral após o assassinato de sua ex-esposa. Por exemplo, quando ele ouve uma conversa sobre o assassino num bar, sai repentinamente do local, aparentemente irritado. Além disso, no jantar com Brenda, ele quebra um copo com a mão quando fica com raiva, expondo seu descontrole. Escrito por Anthony Shaffer, o roteiro trabalha minuciosamente nos detalhes que incriminam Blaney, fazendo com que até mesmo o dinheiro que ele recebeu seja utilizado contra ele. Novamente, o tema favorito de Hitchcock é o centro da narrativa (homem inocente acusado de um crime que não cometeu), deixando claro que nem sempre os fatos apontam para a verdade. O diretor ainda utiliza outro artifício costumeiro em suas obras, fazendo a platéia saber mais que todos os personagens ao revelar o assassino.

Suspeito principal do crime, Blaney é um personagem interessante, prejudicado pela atuação irregular de Jon Finch, que não consegue criar empatia com o espectador, dificultando nosso envolvimento com seu drama. Sua falta de simpatia é gritante. Mesmo assim, nos momentos que exigem uma atuação mais enérgica ele vai bem, como na cena em que é preso, gritando e expondo sua revolta. Já Barry Foster se sai bem como Rusk, mostrando uma dupla personalidade coerente com o personagem. Com os amigos, ele é calmo e amável, mas quando vê uma mulher que lhe interessa, se transforma num assassino cruel e implacável – a tranqüilidade de Rusk após assassinar Barbara demonstra que se trata mesmo de um psicopata. Além disso, ele é o responsável pela prisão de Blaney, numa traição que desperta o amigo para a realidade e o faz descobrir que Rusk é o assassino.

O bom humor fica por conta dos “criativos” pratos servidos pela Sra. Oxford (Vivien Merchant) ao seu marido, o Inspetor-Chefe Oxford (Alec McCowen), que, exatamente por isso, surge anteriormente comendo muito no café da manhã. Os dois ainda vivem um momento interessante, quando conversam sobre o assassinato de Barbara, dizendo que Rusk precisou quebrar os dedos da vítima enquanto a Sra. Oxford quebra o pão, fazendo um barulho parecido. Fechando o elenco, Anna Massey vive a simpática Barbara Milligan, que acredita em Blaney e tenta ajudá-lo, ao contrário da esposa de seu amigo Johnny Porter (Clive Swift), a direta Hetty Porter (Billie Whitelaw), que não mede as palavras e deixa claro que não acredita nele. É com Barbara, aliás, que Hitchcock demonstra seu conhecimento da linguagem cinematográfica, em outro plano interessante que mostra seu rosto em close e, quando ela sai da tela, revela Rusk atrás dela. É o inicio do assassinato da moça. Após os dois entrarem no quarto de Rusk, Hitchcock faz um travelling lento, desde a silenciosa porta do apartamento até a barulhenta rua. Sabemos que na próxima vez que voltarmos ali, Barbara estará morta.

Os bons momentos de suspense surgem novamente na cena do caminhão, onde estamos sufocados junto com Rusk, que tenta, com muita dificuldade, recuperar o broche que poderia incriminá-lo. Torcemos pro motorista encontrar Rusk, mas ele consegue escapar, só que comete um erro fatal ao entrar no restaurante e ser visto. Vale destacar ainda como Hitchcock cria dois planos idênticos em momentos cruciais da vida de Blaney. Quando ele é preso, a câmera está em cima da cela, num plano plongèe que diminui o personagem, refletindo seu sentimento, assim como no momento de sua fuga do hospital, quando vemos os médicos examinando o guarda, também por cima, e acompanhamos sua saída disfarçada que nos leva ao grande final. O clímax da narrativa acontece quando Blaney invade o apartamento de Rusk, apresentando um artifício interessante do roteiro chamado “dica e recompensa”. Em um dos assassinatos, observamos passo a passo como o criminoso se livra do corpo. Por isso, ao ouvirmos o barulho na escada nesta cena final, nos lembramos de seus métodos e sabemos que é ele quem está chegando ao local. Além disso, a frase final “Sr. Rusk, você não está usando sua gravata” é genial e encerra bem a narrativa.

Ainda que seja inferior ao trabalho genial de Hitchcock em outros filmes, “Frenesi” é digno da filmografia do mestre, com sua narrativa envolvente, cenas bem construídas e um final inteligente. Após dois filmes com temáticas que envolviam política, Hitchcock volta ao seu tema favorito e, como esperado, entrega mais um filme memorável.

PS: Comentários divulgados em 28 de Outubro de 2009 e transformados em crítica em 16 de Junho de 2011.

Texto atualizado em 16 de Junho de 2011 por Roberto Siqueira