PERFUME DE MULHER (1992)

(Scent of a Woman)

 

Videoteca do Beto #89

Dirigido por Martin Brest.

Elenco: Al Pacino, Chris O’Donnell, James Rebhorn, Gabrielle Anwar, Phillip Seymour Hoffman, Richard Venture, Bradley Whitford, Rochelle Oliver, Margaret Eginton, Tom Riis Farrell, Nicholas Sadler e Todd Louiso.

Roteiro: Bo Goldman, baseado em roteiro do filme “Perfume de mulher” (1974), escrito por Giovanni Arpino.

Produção: Martin Brest.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Al Pacino já era um ator mais que consagrado quando recebeu seu primeiro Oscar de melhor ator por sua excepcional atuação neste belo “Perfume de Mulher”, que conta a história de um homem amargurado, que reencontra a vontade de viver ao lado de um jovem tímido, porém firme em seus princípios. Entretanto, mais interessante que a própria história narrada é conferir a atuação fantástica de Pacino e a trajetória de seu fascinante personagem.

O jovem Charlie Simms (Chris O’Donnell) resolve ajudar um ex-tenente-coronel cego (Al Pacino) do exército americano durante o fim de semana de Ação de Graças, como forma de garantir o seu Natal com a família. Só que o tenente Frank tinha outros planos e resolve viajar com Charlie para Nova York, onde pretende reviver todos os prazeres da vida antes de se suicidar. Mas no caminho ele começa a se interessar pelos problemas do jovem e esta convivência poderá mudar o seu destino.

Apesar dos primeiros planos de “Perfume de Mulher” mostrarem os locais vazios da escola onde a narrativa se encerrará, é na trama que se passa entre estes dois momentos (e, portanto, fora da escola) que está o segredo do sucesso do longa. Felizmente, a montagem de Harvey Rosenstock, William Steinkamp e Michael Tronick, essencial na famosa cena do tango, acerta ao focar no relacionamento entre Frank e Charlie, deixando pouco tempo de projeção para a desinteressante trama na escola, que, por outro lado, é necessária para estabelecer o conflito que aproximará Charlie de Frank. E apesar dos excelentes diálogos formarem a base do sucesso da narrativa, o diretor Martin Brest entrega ainda momentos visualmente marcantes, como a bela cena em que Frank dirige uma Ferrari e realiza seu sonho, fazendo com que ele diga para o policial que Charlie era “seu garoto”. De fato, ele poderia dizer isto, já que naquele momento a relação dos dois já era próxima da relação entre pai e filho, até porque Frank não tinha proximidade com ninguém da família e Charlie não se relacionava bem com o pai adotivo. Juntos, eles aprendem muito um com o outro. O diretor também emprega movimentos estilísticos, como o plano-seqüência que acompanha Charlie saindo da escola com os colegas enquanto um deles o convida para ir à Suíça, mas é mesmo na marcante cena da dança de tango que Brest se destaca, entregando um momento sublime, onde as imagens e a música se complementam. A dança romântica mostra como Frank sabe lidar com as mulheres, conquistando a moça com seu jeito simpático e fazendo com que ela alfinete o namorado quando ele chega, saindo do local sem conseguir deixar de olhar para Frank e Charlie. Ainda existia algo de muito bom dentro daquele homem amargurado.

Escrito por Bo Goldman (baseado em roteiro do filme “Perfume de mulher”, de 1974, escrito por Giovanni Arpino), o roteiro de “Perfume de Mulher” brinda o espectador com diálogos maravilhosos e muito bem construídos, como no tenso primeiro encontro entre o amargo (cruel até) Frank e o assustado Charlie, que serve para mostrar o difícil caminho que aquela amizade teria que percorrer (“No domingo serão grandes amigos”, prevê a filha de Frank). E apesar de seguir o inevitável clichê “brigam no começo e depois se tornam grandes amigos”, esta evolução acontece de maneira natural, algo reforçado até mesmo pela fotografia crua de Donald E. Thorin, que realça o realismo do longa e ainda utiliza cores sem vida para ilustrar a tristeza tanto de Frank quanto de Charlie. Aliás, esta tristeza é realçada também pela melancólica trilha sonora do bom Thomas Newman, que utiliza toques suaves de piano na maior parte do tempo.

Mas apesar do bom trabalho técnico, é na condução dos atores que Brest se destaca, extraindo grandes atuações de todo o elenco. A começar por Phillip Seymour Hoffman, que já mostrava talento aqui como o mimado George Willis Jr., se destacando especialmente na conversa no gabinete do rígido diretor interpretado pelo eterno (e bom) coadjuvante James Rebhorn. Até mesmo o mediano Chris O’Donnell consegue um bom desempenho, pois, felizmente, sua inexpressividade se encaixa bem no papel de Charlie, um jovem igualmente contido. Observe, por exemplo, a cena em que a família de Frank, incomodada com sua visita, troca olhares nada amigáveis e Charlie percebe isto rapidamente (“Ele é seu irmão?”, pergunta espantado) ou a cena em que ele pergunta se “George está” e a pessoa responde “George pai ou filho?”, provocando espanto no rapaz porque Frank adivinhou o nome do pai de George. O’Donnell vive ainda seu grande momento no tenso diálogo em que Frank está com uma arma na mão, quando, ofegante, demonstra bem o desespero do personagem enquanto desafia o tenente. Após a tensão, o choro convincente de O’Donnell e a voz tranqüila de Pacino mostram as formas diferentes de cada um extravasar. Finalmente, a boa dinâmica entre Pacino e O’Donnell é vital para o sucesso da narrativa e ambos conseguem sucesso.

Desde sua perfeita introdução, que cria uma atmosfera tensa através das palavras de sua filha, dos gritos para não entrar com o gato e da própria casa em que vive, com ares de abandonada (assim como ele é abandonado na vida), Frank se mostra um personagem fascinante, interpretado pelo igualmente fascinante Al Pacino. Com sua característica intensidade se revezando com momentos de uma sublime melancolia, Pacino interpreta com absoluta competência este homem cego, a começar pelo básico, ou seja, mantendo o olhar perdido, sem foco, tateando os objetos e alterando repentinamente o tom de voz como quem não sabe a que distancia se encontra a pessoa até que ela se manifeste – além de manter o curioso hábito de gritar (Uah!) sempre que algo lhe agrada. Porém, não é apenas na demonstração de cegueira que este grande ator compõe este complexo personagem, mostrando uma amargura profunda através de suas palavras, da forma como ele as pronuncia e de seu jeito durão, um claro resquício dos tempos de exército (“Toque me de novo e eu te mato, filho da puta!”, diz para Charlie). Repare, por exemplo, o desagradável jantar na casa de seu irmão, onde um diálogo expositivo entre Frank e o sobrinho Randy (Bradley Whitford) explica como ele ficou cego. Nesta discussão, a tensão palpável cresce lentamente e o espectador sente, por causa da intensidade de Pacino, que a qualquer momento Frank pode explodir diante das ofensas do sobrinho – o que de fato acontece, quando Randy chama Charlie de Chuck novamente. Frank é um homem amargo, que não vê mais sentido na vida e acha tudo “uma merda”, e até por isso planeja reviver seus grandes prazeres, somente para depois suicidar-se. Seu terno cinza e sem vida (figurinos de Aude Bronson-Howard) reflete seu estado de espírito durante grande parte da narrativa. Mas existe algo que renova o espírito do depressivo Frank: a mulher. O primeiro sinal do poder que o sexo oposto tem sobre ele aparece quando Frank reconhece o perfume de uma aeromoça e inicia outro delicioso diálogo com Charlie, prendendo a atenção do jovem rapaz e do espectador com suas palavras e, principalmente, pela forma como ele as pronuncia, como quem realmente sente muito prazer com tudo aquilo. Esta enorme paixão pelas mulheres atinge seu auge no delicioso diálogo que precede a famosa dança de tango, onde a forma como Frank aborda a bela moça chamada Donna (Gabrielle Anwar) e a convence é sensacional – e Pacino tem muito mérito nisto, por conferir veracidade aquelas palavras e se mostrar encantador. Repare ainda como mesmo não vendo a acompanhante de luxo de Frank, apenas pelo “que beleza de mulher” de Pacino nós acreditamos que era uma mulher maravilhosa. Sob aquela couraça de tristeza e amargura existia um homem bom, que ameaça aparecer no tocante momento em que Charlie cita as muitas qualidades de Frank e ele, sem querer demonstrar, fica claramente lisonjeado. Mas este homem só aparecerá de verdade no julgamento de Charlie.

E apesar de previsível, o julgamento de Charlie rende outro momento marcante da excepcional atuação de Al Pacino, que convence a comissão julgadora e salva o futuro do rapaz. Antes um homem amargo, porém sempre encantador com as mulheres, Frank agora se sente renovado (e até mesmo seu terno mais escuro confere vida ao personagem e ilustra esta mudança), o que lhe permite inclusive brincar com as crianças quando volta pra casa. No caminho, pra não perder o costume, encanta outra mulher, que desta vez poderá lhe render algo que sempre sonhou: uma relação estável (“Quero acordar no outro dia e continuar sentindo o perfume”). Apesar de não enxergar, Frank continuava sentindo a presença daquelas que ainda lhe proporcionavam algum prazer na vida, o que explica a importância do tal perfume que dá nome ao filme.

Com uma atuação esplêndida de um dos grandes atores da história do cinema, “Perfume de Mulher” nos mostra como uma pessoa pode se degradar e se regenerar apenas por causa de quem convive com ela. A importância de se sentir querido, amado e respeitado é abordada neste filme tocante, dirigido com sensibilidade por Martin Brest. Em outras palavras, existem momentos em que sentir é mais importante do que enxergar.

Texto publicado em 09 de Março de 2011 por Roberto Siqueira

TOMATES VERDES FRITOS (1991)

(Fried Green Tomatoes)

 

Videoteca do Beto #81

Dirigido por Jon Avnet.

Elenco: Kathy Bates, Mary Stuart Masterson, Mary-Louise Parker, Jessica Tandy, Cicely, Chris O’Donnell, Stan Shaw, Gailard Sartain, Timothy Scott, Lois Smith e Nick Searcy.

Roteiro: Fannie Flagg e Carol Sobieski, baseado em livro de Fannie Flagg.

Produção: Jon Avnet e Jordan Kerner.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A bela história da forte amizade entre duas jovens é a inspiração deste “Tomates Verdes Fritos”, que com seu roteiro delicioso e suas excelentes atuações conquista o coração do espectador. Com muita sutileza, o diretor Jon Avnet entrega uma história cativante sobre amizade, amor e, acima de tudo, coragem para enfrentar os nossos medos e o preconceito da sociedade em que estamos inseridos.

Toda semana, Evelyn (Kathy Bates) visita a tia de seu marido Ed (Gailard Sartain) no hospital, mas não é bem recebida pela paciente. Num momento de tristeza, ela acaba conhecendo Ninny Threadgoode (Jessica Tandy), uma senhora de 83 anos que adora contar histórias. Nestas conversas semanais, Ninny passa a lhe contar a história de Ruth (Mary-Louise Parker) e Idgie (Mary Stuart Masterson), duas moças que construíram uma forte amizade nos anos 20, provocando polêmica na cidade, principalmente por tratarem bem os negros.

“Tomates Verdes Fritos” é um filme delicado, que aborda com sutileza alguns assuntos potencialmente controversos. Sutileza, aliás, é a palavra que melhor define a direção de Jon Avnet, que conduz a narrativa com elegância desde o primeiro plano do filme, que remete ao assassinato de Frank Bennett (Nick Searcy), com o caminhão sendo retirado da água. O diretor mostra competência na composição de planos belíssimos, como aquele em que Buddy Threadgoode (Chris O’Donnell), Idgie e Ruth caminham sobre as águas da barragem ou o tenso plano em que Idgie conversa com seu chefe no café enquanto os membros do Ku Klux Klan, liderados por Bennett, se aproximam da janela. Repare ainda a perfeita composição do plano em que Ruth revela o olho roxo, surpreendendo o espectador quando vira o rosto para atender ao chamado do marido, revelando os problemas que ela tinha naquela conturbada relação. E além dos belos enquadramentos, Avnet mostra competência na condução de cenas marcantes, como a chocante morte de Buddy. Aparentemente inofensiva (vemos Buddy tentando pegar o chapéu que voa levemente sobre os trilhos), o tom da cena muda repentinamente quando o pé do rapaz se enrosca nos trilhos, mas o espectador mantém um fio de esperança de que no momento final Buddy vá escapar. Infelizmente, não é o que acontece, e o plano seguinte confirma a tragédia. Vale citar ainda a bela cena em que Ruth e Idgie jogam comida para os pobres de dentro do trem, com o rosto daquelas crianças esperançosas implorando por ajuda, pontuada por uma das raras aparições da trilha sonora de Thomas Newman.

Numa óbvia referencia ao nome do filme, a fotografia de Geoffrey Simpson, auxiliada pela direção de arte de Larry Fulton, adota clara preferência pela cor verde, notável através dos locais arborizados, do sofá do hospital e do telhado da casa de Idgie, entre outros objetos. A escolha também faz alusão à cor da “esperança”, afinal de contas, esperança era o que mais faltava a Evelyn, que reencontra a paixão pela vida após conhecer Ninny, assim como Ruth se renova ao lado de Idgie. Entre o assassinato de Bennett e o julgamento de Idgie, o longa passa a ter o predomínio de cores escuras e cenas noturnas, refletindo a amargura daquelas pessoas, que só seria aliviada com a decisão do juiz, baseada na surpreendente ajuda do reverendo. Vale destacar também os figurinos de Elizabeth McBride, que diferenciam bem a época atual, com as roupas coloridas de Evelyn, da época de Ruth e Idgie, com os vestidos impecáveis das mulheres (com exceção de Idgie) e as roupas engomadas dos homens que recriam os anos 20 com muita precisão.

Certamente um dos destaques do longa, o roteiro escrito por Fannie Flagg e Carol Sobieski, baseado em livro de Fannie Flagg, demonstra coragem não apenas por abordar uma relação tão íntima entre duas mulheres, mas porque não maquia o repugnante preconceito que imperava na época, quando a sociedade tratava os negros como meros criados destinados a servi-los da melhor maneira. Além disso, a estrutura narrativa de “Tomates Verdes Fritos” abusa dos flashbacks, que neste caso funcionam bem, por causa da narração envolvente de Tandy e da dinâmica montagem de Debra Neil-Fisher, que alterna entre passado e presente num ritmo delicioso. E se claramente há um corajoso subtexto homossexual na amizade entre Ruth e Idgie, o longa jamais responde abertamente a questão (o que é coerente com o período em que a história se passa, quando o preconceito estava ainda mais arraigado nas pessoas), preferindo indicar sutilmente o sentimento que ambas nutriam através de pequenos gestos, como quando Ruth diz para Idgie que aquele tinha sido o melhor aniversário de sua vida e dá um beijo na amiga. Muitos anos mais tarde, diante de um júri e da sociedade local, ela declararia que Idgie era sua melhor amiga e que a amava. Já Idgie era mais espontânea, não hesitando, por exemplo, em arrancar Ruth das mãos de seu violento marido, chegando a ameaçá-lo de morte. Obviamente, a excelente atuação de Parker e Masterson é vital para o sucesso daquela relação e ambas se saem muito bem, apresentando uma excelente química (destaque para a cena em que elas brincam com comida, com clara conotação sexual). Exatamente por isso, quando vemos Ruth se preparando para a morte e Idgie, emocionada, repetindo a história do lago que foi parar na Georgia, é muito difícil conter as lagrimas, exatamente por acreditarmos no amor verdadeiro que elas sentiam. O espectador sabe que Idgie está perdendo mais que uma amiga naquele momento, está perdendo a pessoa mais importante da vida dela. E até mesmo o plano distante de Avnet demonstra profundo respeito pelo momento, como se o diretor estivesse observando de longe aquela triste despedida, refletida até mesmo na fotografia obscura da cena. Parker se destaca ainda na cena em que conta sobre as orações que de nada adiantaram para salvar sua mãe, transmitindo com exatidão a aflição que Ruth sentia por não ter reagido como deveria, provocando também a mudança de Evelyn, que em seguida reage às provocações de duas mulheres num estacionamento. A partir deste momento, Evelyn passa a pensar mais nela e menos no marido, começando a cuidar da saúde e a mudar tudo que lhe desagrada, como a parede do quarto que inibe a passagem dos raios solares.

E já que citei Evelyn, é preciso ressaltar que, assim como Parker e Masterson, Tandy e Bates também estabelecem uma excelente conexão em suas deliciosas conversas, com destaque para o emocionante diálogo sobre a menopausa e sobre o filho de Ninny, onde o talento das duas atrizes salta aos olhos da platéia – repare a emoção de Tandy ao relembrar o filho que se foi e sua comovente alegria ao imaginar que em breve, de acordo com sua fé, poderá reencontrá-lo. Kathy Bates está absolutamente divertida como Evelyn, mudando gradualmente seu comportamento durante o longa, atingindo o ápice quando reage às provocações num estacionamento e, em seguida, entra empolgada no hospital, colocando pra fora todos os anos de repressão e angústia. É gritante a diferença desta Evelyn para a mulher que seguia cegamente as dicas do curso para esposas, se enrolando em papel para surpreender o marido, numa cena tragicamente engraçada, que expõe o quanto aquela relação estava deteriorada – algo que fica evidente também quando o marido sequer lhe dá atenção, preferindo assistir qualquer jogo que estiver passando na televisão. Aliás, até mesmo a forma física do casal evidencia que a preocupação em agradar ao outro já ficou no passado faz tempo. Mas a grande mudança na vida de Evelyn estava por vir – e o olhar dela para o café, sentindo o sopro do vento e imaginando o barulho do trem logo no início do filme, já indicava a importância que aquele local teria em sua vida, sem que ela jamais necessitasse pisar dentro dele. E o agente motivador desta mudança é Ninny, interpretada por Jessica Tandy, que está ainda mais encantadora que de costume na pele da senhora cheia de paixão pela vida, que renova o espírito de Evelyn (e do espectador) com sua forma direta e otimista de olhar para quase todas as situações e desafios de nossa jornada. Por isso, quando vemos Ninny deprimida olhando para sua antiga casa, a tristeza é inevitável. Só que até este momento de fraqueza engrandece Ninny, ao mostrar que ela é vulnerável como qualquer um de nós, mas ainda assim sempre busca uma nova maneira de sorrir. E fechando o elenco, Nick Searcy tem uma atuação unidimensional como Frank Bennett, um homem que parece viver somente para atormentar a vida de Ruth. É claro que o fato da história ser contada por Ninny atenua este maniqueísmo do roteiro, pois claramente trata-se da visão dela sobre aquele homem.

Assim como a natureza da relação entre Ruth e Idgie, existem outras situações em “Tomates Verdes Fritos” que permitem diferentes interpretações. Não é o caso do assassinato de Bennett, que até mantém o suspense durante boa parte da narrativa, mas revela em seu terceiro o ato a verdadeira história, ilustrando como nem sempre as evidencias levam a verdade absoluta. É o caso, porém, da identidade de Idgie, uma destas situações em que cada espectador pode interpretar à sua maneira. Propositalmente, o roteiro nunca diz abertamente se Ninny era Idgie ou não, espalhando pela narrativa algumas situações que podem indicar Idgie como o passado distante de Ninny. Por exemplo, Ninny fala de momentos da vida de Ruth e Idgie que somente as duas poderiam saber, ela diz que gostava de Buddy quando ele sentia atração por Ruth (e claramente Idgie sentia ciúme do irmão) e, principalmente, o mel e o bilhete deixados no túmulo de Ruth sugerem que ela passou por ali após sair do hospital. Mas esta é apenas uma suposição, já que o longa prefere deixar as duas possibilidades em aberto, o que sempre é interessante, pois alimenta discussões.

A forte amizade, e por que não dizer amor, entre duas mulheres é o fio condutor da história de redescoberta de Evelyn, que através da vontade de viver de Ninny reencontra a própria felicidade. E se a alegria de Ninny contagia Evelyn, o otimismo de “Tomates Verdes Fritos” também contagia o espectador, que sai renovado diante de tanta vontade de viver e ser feliz.

Texto publicado em 26 de Dezembro de 2010 por Roberto Siqueira