RAZÃO & SENSIBILIDADE (1995)

(Sense and Sensibility)

 

Videoteca do Beto #135

Dirigido por Ang Lee.

Elenco: Emma Thompson, Kate Winslet, Alan Rickman, Hugh Grant, James Fleet, Gemma Jones, Tom Wilkinson, Harriet Walter, Robert Hardy, Hugh Laurie, Imelda Staunton, Elizabeth Spriggs, Greg Wise, Imogen Stubbs e Emilie François.

Roteiro: Emma Thompson, baseado em romance de Jane Austen.

Produção: Lindsay Doran.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Seguramente, “Razão & Sensibilidade” é uma das melhores adaptações para o cinema da obra de Jane Austen, escritora que se caracterizava por abordar a vida sufocante das mulheres na Inglaterra do século XIX e que já inspirou outros bons filmes como “Emma” e “Orgulho e Preconceito”. Entretanto, apesar da elegante direção de Ang Lee e das excelentes atuações de todo o elenco, é no delicioso roteiro escrito por Emma Thompson que reside o maior mérito do longa, que nos diverte com diálogos primorosos e uma narrativa sempre envolvente.

O filme narra à história das irmãs Elinor (Emma Thompson) e Marianne Dashwood (Kate Winslet) quando, após a morte do pai (Tom Wilkinson), elas se veem obrigadas a deixar a casa onde moravam e mudar-se para o campo, acompanhadas da mãe (Gemma Jones) e da irmã mais nova Margaret (Emilie François). Enfrentando grandes dificuldades financeiras, elas buscam encontrar o amor de maneiras bem distintas, numa sociedade onde as posses da família eram determinantes na escolha dos parceiros. Enquanto a reservada Elinor tenta esconder seus sentimentos pelo jovem Edward Ferrars (Hugh Grant) por saber das diferenças sociais entre eles, a espontânea Marianne não esconde sua empolgação quando conhece o jovem John Willoughby (Greg Wise), para a tristeza de Christopher Brandon (Alan Rickman).

Alternando entre planos gerais que valorizam as paisagens e closes que realçam as atuações, Ang Lee aposta numa direção clássica e sem muitos invencionismos para transformar em imagens o excelente roteiro de Emma Thompson. Apesar disto, o diretor emprega interessantes movimentos de câmera que ajudam a transmitir as sensações que deseja, como quando Willoughby parte para Londres, provocando o choro de Marianne, Margaret e da Sra. Dashwood, que se trancam no quarto e abandonam Elinor sentada na escada, numa cena filmada em plongèe para realçar a tristeza daquele instante. Além disso, o diretor sabe conduzir momentos interessantes, como quando Edward visita Elinor e, após os comentários de Marianne, os olhares desconfiados de Lucy (Imogen Stubbs) colocam o rapaz numa situação bem delicada, ou quando Lucy prepara-se para revelar seu segredo à Fanny e um zoom lentamente nos aproxima das duas, aumentando o impacto da estridente reação da personagem de Harriet Walter.

Lee demonstra ainda sua preocupação com os pequenos detalhes, extraindo um excelente trabalho de toda sua equipe técnica, a começar pela detalhada direção de arte de Philip Elton e Andrew Sanders, que dá vida aos ambientes internos através da realista decoração, assim como os impecáveis figurinos de Jenny Beavan e John Bright ambientam o espectador à época e ao local da narrativa com perfeição com os longos vestidos das mulheres e os engomados fraques dos homens. Já a direção de fotografia de Michael Coulter colabora na criação de planos belíssimos nas tomadas externas, que captam com precisão a beleza dos campos ingleses, auxiliando também na iluminação à luz de velas das cenas noturnas que conferem um visual interessante aos ambientes internos, enquanto a trilha sonora solene de Patrick Doyle reforça o tom épico do longa.

Para conduzir a narrativa de maneira envolvente, Lee conta com a montagem discreta de Tim Squyres e, mais uma vez, apoia-se nos diversos diálogos elegantes e recheados pelo típico humor britânico do roteiro de Thompson, que ainda apresenta interessantes pontos de virada na trama, como a pequena reviravolta provocada pela revelação de um noivado secreto que abala uma das irmãs Dashwood. E para dar vida a estes diálogos, Ang Lee formou um elenco de primeira, que, além do sotaque britânico marcante, demonstra enorme talento mesmo nos papéis secundários.

Empregando um tom de voz baixo e controlado, o ótimo Alan Rickman faz de seu Brandon um personagem cativante, que conquista a torcida da plateia através de sua paciência e bondade, deixando claro que tem plena consciência de que sua idade atrapalha suas intenções com a sonhadora Marianne. Enquanto isso, Hugh Grant faz o tipo tímido, porém educado e simpático (que é a cara dele), conquistando o coração da família Dashwood ao brincar alegremente com a irmã mais nova, Margaret, por exemplo. A atração entre ele e Elinor é quase imediata, mas ambos são “racionais” demais para viver aquela paixão e enfrentar as convenções sociais, superando os problemas financeiros dela que claramente atrapalham a concretização do romance. Quem também merece destaque é Harriet Walter, que dá vida a irritante Sra. Fanny Dashwood, fazendo a cabeça do irmão John (James Fleet) para não ajudar as meias-irmãs e importunando toda e qualquer pretendente sem posses que se aproxime dos irmãos solteiros. E finalmente, vale citar o divertido Sr. John Middleton vivido por Robert Hardy, a falastrona Sra. Jennings de Elizabeth Spriggs e a pequena participação de Tom Wilkinson como o moribundo Sr. Dashwood.

Apesar de abordar muito bem estas características da sociedade inglesa na época, “Razão & Sensibilidade” recorre mesmo à velha formula dos amores impossíveis para conquistar de vez a plateia, focando desde o início nas dificuldades financeiras das irmãs Dashwood, o que, somado ao carisma de Thompson e Winslet, conquista quase que imediatamente a empatia do espectador. Demonstrando seus sentimentos de maneira contida, Thompson oferece um desempenho marcante e repleto de momentos tocantes, como quando chora sozinha na cama após descobrir o noivado de Edward, deixando claro desde o início que sua Elinor é a mais séria e racional das irmãs (portanto, “a razão”), enquanto Marianne é pura paixão (portanto, “a sensibilidade”). Entre tantos momentos marcantes, vale destacar sua reação à acusação da irmã de ser fria, logo após a descoberta do noivado de Edward, quando ela afirma que não é nada fácil sofrer calada e esconder os sentimentos. Já Kate Winslet demonstrava todo seu talento logo em seu segundo papel no cinema, explodindo com facilidade para demonstrar o turbilhão de emoções de sua Marianne em diversos momentos, com quando ela recebe a carta de Willoughby em Londres.

O caso John Willoughby realça ainda mais as diferenças entre as irmãs. Enquanto Winslet demonstra claramente a empolgação de Marianne logo após conhecer o rapaz, com sua fala ofegante e trejeitos escandalosos, Thompson transmite o ciúme e o a forma reticente de agir de Elinor com precisão, com seu olhar reservado e tom de voz baixo. Aliás, os duelos verbais entre elas confirmam o talento das atrizes, que tornam cada embate num momento realista e doloroso. Contudo, ainda que discutam e sejam muito diferentes, é inegável que ambas nutrem um sentimento de respeito e admiração uma pela outra. Por isso, se a chuva realça o sofrimento de Marianne na colina enquanto ela contempla a casa de Willoughby, o quarto escuro e o plano plongèe ilustram o sofrimento de Elinor ao ver a irmã doente logo em seguida. Mas, quando tudo parece se encaminhar para um triste final, o roteiro ainda nos reserva uma empolgante reviravolta. Após ouvirem a confirmação do casamento do “Sr. Ferrars”, as Dashwood recebem a visita inesperada de Edward e descobrem que, na verdade, quem casou foi o irmão dele, numa linda cena que provoca o choro espontâneo da controlada Elinor, em outro momento marcante de Thompson que inicia o inesperado final feliz.

Por tudo isso, “Razão & Sensibilidade” é um filme belo, bem escrito, dirigido e atuado, onde cada nota está em seu devido lugar. Não importa se você é mais racional ou emocional, pois o longa de Ang Lee é capaz de satisfazer todo tipo de espectador. Jane Austen estaria orgulhosa.

Texto publicado em 22 de Julho de 2012 por Roberto Siqueira