VIDA DE INSETO (1998)

(A Bug’s Life)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #190

Dirigido por John Lasseter e Andrew Stanton.

Elenco: Dave Foley, Kevin Spacey, Julia Louis-Dreyfus, Hayden Panettiere, Phyllis Diller, Richard Kind, Madeline Kahn, David Hyde Pierce, Joe Ranft, Denis Leary, Bonnie Hunt, John Ratzenberger, Brad Garrett, Michael McShane e Jonathan Harris.

Roteiro: Andrew Stanton, Don McEnery e Bob Shaw.

Produção: Darla K. Anderson e Kevin Reher.

Vida de Inseto[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Em 1995, a Pixar entrou com o pé direito no mundo cinematográfico, assombrando o mundo com o revolucionário “Toy Story”. Era previsível, portanto, que o próximo projeto do estúdio viesse cercado de grande expectativa, o que talvez justifique a recepção fria de parte do público e da crítica a este divertido “Vida de Inseto”, que, numa destas coincidências que só acontecem em Hollywood, ainda teve que concorrer com o ótimo filme-gêmeo “Formiguinhaz”, da rival Dreamworks.

Escrito a seis mãos pelo co-diretor Andrew Stanton ao lado de Don McEnery e Bob Shaw, “Vida de Inseto” nos apresenta ao criativo e atrapalhado Flik (voz de Dave Foley), uma formiga inventora que se vê em apuros após derrubar toda a comida recolhida por seus companheiros que seria oferecida para os temíveis gafanhotos liderados por Hopper (voz de Kevin Spacey). Lideradas pela Princesa Atta (voz de Julia Louis-Dreyfus), as ameaçadas formigas decidem mandar Flik em busca de ajuda, visando na verdade tirá-lo do local para poderem recolher a comida em paz. Mas, para a surpresa de todos, ele retorna acompanhado de um grupo de insetos que pode ser a salvação do formigueiro.

Mantendo o padrão de qualidade ímpar das animações apresentado em seu filme de estreia, os animadores da Pixar criam um universo rico e colorido em “Vida de Inseto”, que se torna ainda mais interessante graças aos movimentos de câmera dos diretores John Lasseter e Andrew Stanton, que passeiam pelos cenários com leveza, especialmente durante as sequências de voo dos personagens. Além disso, os diretores utilizam a linguagem com propriedade e não apenas como exercício estilístico, buscando nos transmitir sensações como no zoom que realça o desespero de Flik após a aranha Rosie (voz de Bonnie Hunt) revelar que eles eram apenas insetos de circo.

Essencial na criação deste visual, a fotografia de Sharon Calahan realça o colorido das cenas dentro e fora do formigueiro, o que, por contraste, destaca cenas como a convenção dos gafanhotos num chapéu mexicano, que surge em tons áridos e amarelados que deixam o ambiente mais seco e sem vida. Da mesma forma, a primeira chegada dos gafanhotos ao formigueiro é acompanhada por um visual mais sombrio, com raros fachos de luz vazando pelo teto, numa abordagem que se repetirá de maneira ainda mais notável no clímax da narrativa.

Universo rico e coloridoDesespero de FlikConvenção dos gafanhotosEmbalado pela empolgante trilha sonora de Randy Newman, este primeiro contato entre formigas e gafanhotos, aliás, revela também o ótimo design de som, que realça o perigo que os gafanhotos representam ampliando o barulho de cada movimento deles no formigueiro, o que também ocorre no ato final, quando o som da chuva é ampliado para ilustrar o forte impacto que cada gota provoca naquele universo.

Empregando um tom de voz ameaçador, Kevin Spacey faz de Hopper um ótimo vilão, liderando os gafanhotos com autoridade durante quase toda a narrativa e assumindo o papel de antagonista com afinco, como ilustram perfeitamente os vários planos em que ele surge em frente às chamas no ato final, realçando sua natureza cruel. Além disso, seu politizado discurso sobre a diferença entre uma formiga e centenas delas provoca uma ótima reflexão sobre os métodos opressores de controle das massas.

Grande vítima da opressão, a criatividade consegue encontrar pouco espaço em ambientes dominados pelo medo, o que faz o inventivo Flik ser podado pela ignorância das demais formigas. Ganhando vida na voz de Dave Foley, Flik é o herói atrapalhado que busca redenção (“Vou encontrar os insetos mais fortes do mundo”, diz ele) e parece encontrá-la após conhecer o simpático grupo de insetos artistas de circo. Mas, quando a verdade é revelada, o divertido protagonista se vê novamente em conflito com sua própria capacidade – e o sol só volta a brilhar em “Vida de Inseto” no instante em que Flik é convencido a voltar e tentar defender o formigueiro pelos amigos circenses.

Natureza cruelHerói atrapalhadoJoaninha machoNo entanto, momentos tristes como este são raridade em “Vida de Inseto”. Quase sempre alegre e divertido, o longa traz uma série de sacadas inteligentes, como a Joaninha macho que tenta provar sua masculinidade (voz de Denis Leary), a inventiva cidade concebida pelo design de produção de William Cone, com direito a transito, um semáforo comandado por um vagalume, um mendigo e até um bar, a engraçada “La Cucaracha” tocada no encontro dos gafanhotos e os também inspirados erros de gravação que surgem nos créditos finais.

Lasseter e Stanton também trabalham muito bem na construção de cenas tensas, como no primeiro ataque do pássaro, uma sequência eletrizante que também ecoa no clímax da narrativa. Contando com o apoio do montador Lee Unkrich, eles imprimem um ritmo sempre agradável ao longa, economizando tempo em instantes como na montagem dinâmica do pássaro falso, revelada num elegante zoom out e concretizada em planos rápidos e eficientes que demonstram todo o processo de construção – e aqui vale observar o movimento de câmera que realça a folha de oferendas vazia enquanto todos admiram o pássaro, seguido pelo plano que traz uma placa com a palavra “Perigo”.

Primeiro ataque do pássaroFolha de oferendas vaziaAparição do verdadeiro pássaroApós a chegada do irritante P.T. (voz de John Ratzenberger) e a revelação que choca a população de formigas, os tons acinzentados do outono e o conflito entre Flik e sua comunidade confirmam que chegamos ao clímax de “Vida de Inseto”. Anunciando a aproximação dos gafanhotos em meio à neblina através do design de som, que realça os passos e as asas batendo com uma distorção que ilustra a ameaça que eles representam para as formigas, os diretores criam uma sequência final também empolgante, repleta de planos interessantes que nos levam ao ataque do pássaro mecânico, a aparição do verdadeiro pássaro e, posteriormente, ao esperado final feliz. E assim como ocorre em “Formiguinhaz”, um zoom out revela que toda aquela história se passa num pequeno espaço de terra.

Confirmando que a expectativa é um potencial combustível da frustração, “Vida de Inseto” está longe de ser um filme ruim, ainda que não alcance o nível de excelência de seu antecessor na quase impecável filmografia da Pixar.

Vida de Inseto foto 2Texto publicado em 21 de Abril de 2014 por Roberto Siqueira