COM 007 SÓ SE VIVE DUAS VEZES (1967)

(You Only Live Twice)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #195

Dirigido por Lewis Gilbert.

Elenco: Sean Connery, Teru Shimada, Tetsuro Tamba, Mie Hama, Akiko Wakabayashi, Lois Maxwell, Desmond Llewelyn, Donald Pleasence, Karin Dor, Bernard Lee, Charles Gray e Tsai Chin.

Roteiro: Roald Dahl, baseado em material de Harold Jack Bloom inspirado em romance de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman.

Com 007 só se vive duas vezes[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após derrubar consideravelmente o nível de qualidade da franquia com o fraco “007 Contra a Chantagem Atômica”, o lendário agente secreto James Bond estava de volta ao cinema neste “Com 007 só se vive duas vezes”, longa dirigido por Lewis Gilbert que, com personagens mais interessantes e uma narrativa envolvente, felizmente recuperou o fôlego perdido.

Desta vez, coube a Roald Dahl a tarefa de adaptar o material de Harold Jack Bloom inspirado em romance de Ian Fleming, no qual acompanhamos James Bond (Sean Connery) sendo enviado para Tóquio a fim de descobrir a razão do desaparecimento de uma espaçonave norte-americana, que supostamente teria sido atacada pelos russos. Após a esperada retaliação russa, Bond e seu novo parceiro Tanaka (Tetsuro Tamba) percebem que tem pouco tempo para desvendar o caso e evitar a Terceira Guerra Mundial.

Criando uma narrativa envolvente deste o intrigante início no espaço, “Com 007 só se vive duas vezes” rapidamente fisga a atenção do espectador através da armação envolvendo a morte de James Bond e o misterioso sumiço da espaçonave que cria um clima político instável entre as duas potências mundiais da época. Além de utilizar muito bem a guerra fria como pano de fundo para construir um ótimo filme de ação, o diretor Lewis Gilbert acerta ainda ao equilibrar com precisão momentos de tensão, como a tensa sequência em que Bond rouba informações do cofre da Osato, e instantes bem humorados, como a divertida apresentação dos ninjas modernos, que numa sacada interessante do roteiro de Dahl surgem praticando com armas de fogo.

Transportando a ação para oriente, a fotografia de Freddie Young apresenta Hong Kong e especialmente Tóquio como metrópoles grandiosas, criando um visual inicialmente obscuro que reflete o processo de compreensão de Bond sobre o que estava acontecendo ali. Na medida em que o agente vai se interando dos fatos, o visual progressivamente se torna mais claro, abrindo espaço para cenas coloridas banhadas pela luz do dia, como no belo plano geral que acompanha Bond enfrentando diversos japoneses no porto de Kobe. Já no terceiro ato, o visual volta a ser tomado pelas sombras, o que serve para ampliar a escala de tensão que acompanha toda a sequência ocorrida dentro da imponente caverna concebida pelo design de produção de Ken Adam, que impressiona pela engenhosa estrutura construída sob a superfície de um vulcão.

Metrópoles grandiosasBond enfrenta diversos japoneses no porto de KobeImponente cavernaEnquanto isto, a trilha sonora de John Barry também é claramente mais inspirada que a anterior, especialmente na composição angustiante que acompanha os ataques da misteriosa nave no espaço e na utilização pontual e certeira do tema clássico de 007, como ocorre na empolgante perseguição de helicópteros, criando ainda variações da bela “You only live twice”, de Nancy Sinatra, que surgem ao longo da narrativa.

E já que mencionei os helicópteros, vale citar o criativo Nellie construído por “Q” (Desmond Llewelyn), que protagoniza uma das grandes cenas de “Com 007 só se vive duas vezes”. Indicando a aproximação dos inimigos através das sombras na superfície de um vulcão, Lewis Gilbert conduz a ótima sequência de maneira empolgante, auxiliado pela montagem dinâmica de Peter Hunt e pela clássica trilha sonora. Com a rápida transição entre planos subjetivos e outros que mostram a posição dos helicópteros, o diretor nos coloca no meio da ação sem jamais tornar a cena confusa, fazendo com que o espectador se sinta como o próprio 007 por alguns instantes.

Vivido por Sean Connery com mais seriedade do que no longa anterior, James Bond volta a apresentar características marcantes como o gosto refinado (ele não resiste a um bom champanhe Dom Perignon mesmo em território inimigo, por exemplo) e a incapacidade de resistir às mulheres, ainda que isto não tenha faltado em “007 Contra a Chantagem Atômica”. Mantendo o charme nos sempre interessantes diálogos com a simpática Moneypenny (Lois Maxwell), o agente continua perspicaz e sempre pronto para um bom confronto físico, como na feroz luta entre ele e um segurança da Osato, dotada de um realismo inédito na franquia até então. Mais difícil ainda é conter o impulso diante do sexo oposto, o que faz com que Bond revele até mais do que poderia no sensual “encontro” com Helga Brandt, a secretária de Osato vivida por Karin Dor que desiste de torturar o agente secreto para beijá-lo, mas em seguida tenta assassiná-lo ao abandonar o avião que pilotava.

Numa rápida participação, Charles Gray transforma Henderson num personagem intrigante através da fala mansa e da postura confiante, mas acaba friamente assassinado dentro da sua própria casa totalmente decorada no estilo oriental. Também carismática é a atuação de Tetsuro Tamba como Tanaka, o parceiro da vez que ajuda Bond a desvendar o caso e derrotar o grande vilão. Já Akiko Wakabayashi compõe Aki como uma jovem simultaneamente independente e delicada, criando boa empatia com o protagonista até morrer de forma melancólica na tensa e triste sequência em que é envenenada, conduzida lentamente pelo diretor.E finalmente, Mie Hama interpreta Kissy, a esposa de fachada de Bond que ajudará o agente no momento chave da narrativa. No entanto, infelizmente a longa cena do casamento deles parece fora de contexto e quebra momentaneamente o bom ritmo da narrativa, numa falha que poderia ser corrigida na sala de montagem, mas que ao menos é amenizada logo em seguida quando o longa retoma seu ritmo normal.

Surgindo novamente sem mostrar o rosto, o líder da SPECTRE mantém a aura de mistério enquanto acaricia o gato em seu colo, demonstrando firmeza através do tom de voz que transmite ordens com autoridade para seus comandados. Impiedoso, ele continua intolerante a falhas e não hesita antes de eliminar Helga após descobrir que Bond continua vivo. Só que “Com 007 só se vive duas vezes” nos reserva uma boa surpresa quando, já no ato final, finalmente revela o rosto de Blofeld, o misterioso vilão interpretado por Donald Pleasence.

NellieSensual encontro com Helga BrandtBlofeld finalmente revela o rostoNovamente apostando numa extensa batalha entre Bond e seus inimigos no encerramento da narrativa, ao menos desta vez podemos acompanhar uma sequência extremamente dinâmica e envolvente dentro da engenhosa cratera onde trabalham os integrantes da SPECTRE, repleta de confrontos empolgantes captados com destreza pela câmera ágil de Lewis Gilbert e reforçada pelos ótimos efeitos visuais e pelo excelente design de som que nos permite captar gritos, explosões e diálogos com clareza até que 007 novamente salve o mundo e termine a missão ao lado de outra bela garota.

Envolvente e recheado de bons personagens, “Com 007 só se vive duas vezes” representa a volta à boa forma da franquia 007, apostando numa narrativa mais dinâmica e repleta de boas cenas de ação para alcançar o sucesso. Considerando a quantidade de mulheres que ainda cruzariam o caminho de James Bond, era mesmo aconselhável que ele voltasse à boa forma.

Com 007 só se vive duas vezes foto 2Texto publicado em 16 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira

TOPÁZIO (1969)

(Topaz)

 

Filmes em Geral #65

Dirigido por Alfred Hitchcock.

Elenco: Frederick Stafford, Dany Robin, John Vernon, Karin Dor, Michel Piccoli, Philippe Noiret, Claude Jade, Michel Subor, Per-Axel Arosenius e Roscoe Lee Browne.

Roteiro: Samuel Taylor, baseado em livro de Leon Uris.

Produção: Alfred Hitchcock e Herbert Coleman.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apesar de seu notável controle sobre a narrativa e de todo o conhecimento que tinha da linguagem cinematográfica, nem mesmo Alfred Hitchcock conseguiu salvar “Topázio”, que, com sua trama sem graça, se estabelece como um dos piores filmes da carreira do diretor. Pra piorar, alguns dos principais nomes do elenco não conseguem atuações convincentes. Ou seja, assim como os espiões que vivem em países inimigos, trata-se de um peixe fora d’água na filmografia de Hitchcock.

Boris Kusenov (Per-Axel Arosenius) deixa a Rússia e viaja para os Estados Unidos, levando informações preciosas ao governo norte-americano em plena guerra fria. Após sua chegada, o francês André Devereaux (Frederick Stafford) é enviado a Cuba para acompanhar rumores sobre a chegada de mísseis russos. Em meio a tudo isto, surge à informação de que um espião chamado “Topázio” estaria infiltrado na OTAN em Paris, enviando informações sigilosas aos russos.

Assim como em “Cortina Rasgada”, em “Topázio” a guerra fria é novamente o pano de fundo da narrativa. Só que desta vez, nem mesmo o talento de Hitchcock consegue salvar o fraco roteiro de Samuel Taylor. Baseada em livro de Leon Uris, a trama de “Topázio” jamais consegue empolgar o espectador, apesar do bom início na Dinamarca, que mantém o foco na fuga da família de Kusenov da cortina de ferro, com um pequeno momento de tensão, quando eles tentam despistar agentes do governo. Nem mesmo o dinâmico jogo entre espiões, com diálogos ágeis e ambíguos, consegue tornar a narrativa mais interessante. Na verdade, desta vez Hitchcock explora mais os aspectos políticos da guerra fria, apresenta um pequeno conflito entre dois homens que gostam da mesma mulher, tenta inserir um conflito no ato final em Paris, mas nada funciona e o resultado é um filme pouco atraente e sem cenas marcantes, com exceção da impressionante morte de Juanita (Karin Dor), onde o plano em plongèe nos mostra sua dor enquanto o vestido se espalha pelo chão.

Também como em “Cortina Rasgada”, o plano da conversa entre Devereaux e seu amigo cubano Philippe (Roscoe Lee Browne) não nos permite escutar as falas, pois já sabemos o conteúdo da conversa, assim como acontece quando Philippe tenta convencer Uribe (Don Randolph) a entregar um importante documento, entrando e saindo do prédio com ele seguidas vezes. Aliás, outra cena tensa acontece quando Philippe conversa com o oficial Rico Parra (John Vernon), enquanto Uribe tenta roubar a mala vermelha que contém o documento que Devereaux precisa. Somados a fuga do prédio, com Parra atirando enquanto Philippe some na multidão e entrega a máquina para o amigo, estes momentos em território cubano certamente são os melhores do filme. Empregando constantemente o close para realçar as atuações do elenco, Hitchcock também busca destacar alguns objetos, numa tentativa de chamar a atenção para os curiosos métodos utilizados para enviar informações pra fora do país – repare, por exemplo, o interessante trajeto de uma máquina fotográfica, que sai de um piquenique, se esconde numa ponte e chega ao destino dentro de um frango. Apesar do criativo processo, este tráfico de informações é muito pouco para sustentar a narrativa. Nestes momentos, vale destacar o trabalho do montador William H. Ziegler, que também demonstra inteligência ao indicar a passagem do tempo e o local onde se passará a ação através da companhia aérea – sabemos que Devereaux chegou a Paris ao ver o avião da Air France, por exemplo.

E apesar da seriedade da missão de Devereaux, a trilha sonora divertida de Maurice Jarre e fotografia mais clara no segundo ato deixam a narrativa leve, numa contradição que compromete o resultado final. Além disso, a fotografia de Jack Hildyard transita entre o leve e o pesado sem muita coerência, empregando cores dessaturadas em ambientes fechados, sem jamais conseguir criar uma atmosfera sombria. Apesar disto, vale mencionar os belos cenários, muito bem decorados, como o interior das casas com imponentes mesas de jantar, que realçam o trabalho de direção de arte de Henry Bumstead. E novamente, a responsável pelos figurinos e pela caracterização dos oficiais cubanos e dos espiões americanos e franceses é Edith Head.

Entre o elenco, o papel principal é de Frederick Stafford, que vive Devereaux de maneira fria, ciente da seriedade de sua missão em Cuba, mas que jamais consegue criar empatia com a platéia e nem mesmo com as mulheres com quem se envolve. Pra piorar, Stafford não consegue transmitir com eficiência a aflição que o personagem pede, afinal de contas, ambas poderiam complicar sua missão – a esposa francesa, por ciúmes, e a amante cubana, por se envolver no envio de informações para os Estados Unidos. Por outro lado, Karin Dor consegue conferir carisma e sensualidade a Juanita, saindo-se bem no tenso jantar em que é questionada por Rico Parra, numa cena em que John Vernon também soa ameaçador na pele do oficial cubano. Karin se destaca ainda na despedida de Devereaux, demonstrando a dor da personagem por saber que dificilmente veria o amante novamente. Pra finalizar, o Henri Jarre de Philippe Noiret mal consegue esconder seu segredo e compromete a operação russa em Paris e Per-Axel Arosenius tem uma atuação bastante “robotizada” como o russo Boris Kusenov.

Infelizmente, apesar dos esforços de seu diretor, o roteiro de Samuel Taylor nunca empolga, tornando a trama bastante previsível e sem graça. Nem mesmo o conflito final em Paris consegue provocar tensão, pois imaginamos com antecedência que o agente russo será desmascarado e que Devereaux se sairá bem. Em resumo, o fraco roteiro, aliado às atuações irregulares e a uma surpreendente falta de imaginação de Hitchcock fazem de “Topázio” um filme esquecível.

Bem abaixo da média para um diretor como Hitchcock, “Topázio” apresenta uma trama desinteressante, mal conduzida e com um desfecho previsível. Com apenas algumas cenas que funcionam bem isoladamente, o longa certamente figura entre os piores trabalhos de um diretor cujo padrão de qualidade está muito acima do normal.

Texto publicado em 15 de Junho de 2011 por Roberto Siqueira