ROBOCOP 2 (1990)

(RoboCop 2)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #216

Dirigido por Irvin Kershner.

Elenco: Peter Weller, Nancy Allen, Belinda Bauer, Dan O’Herlihy, Felton Perry, Gabriel Damon, Mario Machado, Tom Noonan, Wanda De Jesus, Tzi Ma, John Glover, John Ingle, Roger Aaron Brown, Mark Rolston, Thomas Rosales Jr., Brandon Smith, Michael Medeiros, Angie Bolling, Robert DoQui e Stephen Lee.

Roteiro: Walon Green e Frank Miller.

Produção: Jon Davison.

RoboCop 2[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Responsável por dirigir a continuação de um enorme sucesso de público e crítica e entregar um filme ainda melhor que seu antecessor, Irvin Kershner parecia o nome indicado para assumir a continuação do sucesso “RoboCop – O Policial do Futuro” após o excelente trabalho realizado em “Star Wars Episódio V – O Império Contra-Ataca”. No entanto, os 10 anos de distância entre uma continuação e outra parecem ter enferrujado o diretor. Sem saber balancear muito bem a ação e o humor, “RoboCop 2” parece mais uma das criações problemáticas da PCO, atirando em diversas direções para acertar em algumas delas e, infelizmente, errar muito também.

Escrito por Walon Green e ninguém menos do que Frank Miller, “RoboCop 2” nos transporta para uma Detroit ainda mais dominada pelo crime e pelas drogas após os policiais locais decidirem entrar em greve até que tenham melhores salários. Entre os poucos que se arriscam nas zonas restritas, RoboCop (Peter Weller) e sua parceira Lewis (Nancy Allen) tentam combater os traficantes da droga nuke, mas os líderes da PCO estão desenvolvendo uma nova versão do ciborgue, com base nos estudos promovidos pela Dra. Juliette Faxx (Belinda Bauer), que promete aprimorar a versão anterior.

Em sua sequência de abertura, “RoboCop 2” retoma uma das principais reflexões trazidas no filme anterior através da propaganda de um sistema antirroubo que simplesmente assassina o assaltante do veículo, levando o espectador a questionar se um crime justifica o outro. Em seguida, as notícias do telejornal nos levam a uma Detroit ainda mais decadente e tomada pelo crime, numa consequência direta da greve promovida pelos policiais em busca de maior reconhecimento. O roteiro aborda ainda outras questões interessantes até mesmo de caráter político, como o domínio da corporação PCO sobre a cidade através da privatização de serviços que teoricamente deveriam ser prestados pelo governo local, privilegiando os interesses obscuros dos empresários em detrimento do bem comum da população, além do envolvimento de policiais no mundo do crime, ainda que este aspecto seja explorado de maneira bem rasa.

Rasos também são muitos dos personagens de “RoboCop 2”, como atesta o odiável chefe da PCO interpretado de maneira totalmente unidimensional por Dan O’Herlihy e o prefeito Kuzak, vivido com muito abuso do overacting por Willard Pugh, numa tentativa de tornar o personagem engraçado que raramente funciona. Quem também não funciona por boa parte do tempo são os vilões liderados por Cain, que não soam ameaçadores até o instante em que capturam RoboCop e devolvem o ciborgue esquartejado, numa cena forte que, somada a tortura do corrupto policial Duffy (Stephen Lee), finalmente consegue fazer o espectador temer pelo destino do protagonista. Esta ameaça é reforçada quando o vilão interpretado por Tom Noonan é assassinado pela Dra. Faxx e transformado no RoboCop 2, criando um oponente a altura de um RoboCop que, até então, parecia indestrutível.

Sistema antirrouboOdiável chefe da PCOTransformado no RoboCop 2

A psiquiatra Faxx, aliás, apresenta conceitos muitos interessantes durante a fase de estudos para simplesmente abandoná-los e tornar-se unidimensional no decorrer da narrativa, num desperdício de boas ideias e do potencial da personagem que é imperdoável, abandonando temas como as motivações que levam alguém a entrar para o mundo do crime e o peso do contexto social naquela formação de personalidade para focar apenas na construção de uma verdadeira máquina de matar. Assim, uma personagem que poderia trazer fortes questionamentos se transforma numa vilã maquiavélica sem razão aparente para isto – e a atuação de Belinda Bauer também se divide em duas etapas bem distintas, surgindo meiga inicialmente e mudando radicalmente para um tom agressivo na metade final da narrativa.

Mais uma vez apresentado numa sequência cuidadosamente planejada, desta vez acompanhando uma série de crimes pela cidade que só serão interrompidos pela presença dele, RoboCop continua impondo respeito com sua armadura intransponível e sua lógica inabalável, que fazem com que o espectador raramente tema por seu futuro. Desta vez oferecendo mais espaço para Peter Weller atuar, o ciborgue continua uma incógnita. Não sabemos se ele age estritamente conforme sua programação ou se ainda existe humanidade dentro dele, como sugere a sequência do diálogo com a esposa no início – num drama que poderia ser melhor explorado, mas que também é descartado pelo roteiro sem razão aparente. Em certo momento, RoboCop toma uma decisão consciente e leva um choque, reiniciando sua configuração, o que depõe contra a visão de que ele deveria agir somente de acordo com o programa, mas esta resposta nunca é dada com certeza, apesar do forte indício de que ele finge seguir as diretrizes, mas na realidade tem consciência própria.

Na condução de toda esta bagunça, Irvin Kershner jamais consegue acertar o tom, oscilando demasiadamente entre a ação e o humor. Enquanto as cenas de ação raramente empolgam, as piadas nitidamente carecem de inspiração, como quando RoboCop surge todo atrapalhado após sua recuperação. Ao menos, se falha miseravelmente como sequência cômica, serve para mostrar como não é simples combater o crime sem ter uma postura mais agressiva e como é tênue a linha que separa um policial de, na tentativa de manter todos dentro da lei, infringi-la. Estes, no entanto, não são os piores momentos, ainda que a sequência que traz crianças assaltando uma loja com roupas de beisebol se esforce para tal. Mais ridículo ainda é o instante em que o RoboCop 2 tenta seduzir uma moça com um pênis de metal (sério?) que, além de descartável e de extremo mau gosto, traz um machismo inacreditável implícito na cena. E se traz crianças participando do mundo do crime, porque não incluir o filho do RoboCop entre os vilões? A óbvia decisão dos roteiristas é escancarada com segundos de filme, estragando algo que poderia até conferir certo peso dramático ao longa.

Psiquiatra FaxxRoboCop continua impondo respeitoRoboCop surge todo atrapalhado

Ao menos os efeitos sonoros e visuais continuam excelentes e a trilha sonora de Leonard Rosenman marca forte presença sublinhando as sequências de ação com frequência maior que no longa anterior. Por outro lado, a fotografia claramente mais colorida de Mark Irwin e o menor grau de violência gráfica escancaram os interesses puramente comerciais por trás do projeto, algo que dificilmente ocorreria caso Paul Verhoeven continuasse na cadeira de diretor. Até temos momentos violentos, como a citada tortura ao policial Duffy, mas nada comparado ao estilo bem mais agressivo do diretor holandês.

Mesmo com tantos problemas, “RoboCop 2” se recupera com o interessante clímax que traz o esperado confronto entre os dois ciborgues, num embate enérgico bem conduzido por Irvin Kershner, obviamente beneficiado pelos excepcionais efeitos visuais. Contudo, esta conclusão não apaga os inúmeros equívocos de um longa que até diverte, mas, assim como o personagem que dá nome ao filme, está bem abaixo de seu antecessor.

RoboCop 2 foto 2Texto publicado em 22 de Janeiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROBOCOP – O POLICIAL DO FUTURO (1987)

(RoboCop)

4 Estrelas

 

 

Videoteca do Beto #214

Dirigido por Paul Verhoeven.

Elenco: Peter Weller, Nancy Allen, Dan O’Herlihy, Ronny Cox, Kurtwood Smith, Miguel Ferrer, Robert DoQui, Ray Wise, Felton Perry, Paul McCrane, Jesse D. Goins, Del Zamora, Lee de Broux, Calvin Jung, Rick Lieberman, Mark Carlton, Edward Edwards, Michael Gregory, Gene Wolande e Angie Bolling.

Roteiro: Edward Neumeier e Michael Miner.

Produção: Arne Schmidt.

RoboCop – O Policial do Futuro[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Num cenário dominado pela criminalidade, o surgimento de alguém capaz de oferecer real proteção aos cidadãos deveria ser algo a se comemorar. No entanto, oferecer proteção e permanecer dentro da lei não é algo tão simples quanto parece, ainda mais quando, dominadas pelo medo, as pessoas tendam a apoiar a justiça feita pelas próprias mãos, mesmo que, para isso, seja preciso deixar a lei de lado, num paradoxo complexo que oferece elementos para uma discussão quase infinita. Qual é a solução? O ideal seria uma sociedade que não gere criminosos, mas este é outro tema ainda mais complexo que não pretendo desenvolver aqui. E o que isto tem a ver com “RoboCop – O Policial do Futuro”? Simples. Apesar de uma leitura superficial apontar o longa de Verhoeven como um ótimo filme de ação, é perfeitamente possível extrair reflexões muito interessantes sobre a natureza da violência urbana e, principalmente, sobre o nosso comportamento diante dela.

Roteirizado por Edward Neumeier e Michael Miner, “RoboCop – O Policial do Futuro” nos leva a um violento futuro distópico no qual a cidade de Detroit é totalmente tomada pelo crime. É neste ambiente que o policial Alex J. Murphy (Peter Weller) é brutalmente assassinado por traficantes e se transforma na cobaia de um projeto ambicioso que cria um ciborgue de titânio, capaz de enfrentar praticamente sozinho os criminosos locais. No entanto, resquícios de memórias começam a surgir na mente dele e colocam em risco o projeto justamente pela presença de elementos humanos como a saudade e o desejo de vingança.

Auxiliado pelo design de produção de William Sandell e pela fotografia acinzentada de Jost Vacano, Paul Verhoeven concebe uma Detroit extremamente suja e deteriorada que, reforçada pelas notícias de crimes no telejornal e até mesmo pelos violentos comerciais de brinquedos, gera a atmosfera de apreensão e medo pretendida pelo diretor. Neste contexto de extrema violência urbana, fica mais fácil trazer o espectador para o lado da polícia, sem que este se importe muito com as razões pelas quais aquela sociedade caminhou naquela direção extrema, onde um casal de idosos é assaltado por um homem armado até os dentes e moças são atacadas brutalmente pelas ruas.

Desde a abertura, aliás, Verhoeven já estabelece o tom sombrio através da trilha sonora de Basil Poledouris, que sublinha perfeitamente a narrativa e ainda ilustra a adrenalina do espectador quando RoboCop começa a agir nas raras inserções da empolgante música tema. Sempre relevantes num filme futurista como este, os efeitos visuais também funcionam muito bem, ainda que algumas cenas já estejam datadas, especialmente quando envolvem o robô ED209, mas este é um pecadilho quase inofensivo diante do impacto visual proporcionado em “RoboCop – O Policial do Futuro”.

Notícias no telejornalSequência de apresentação de ED209Brutal assassinato de Murphy

É verdade que grande parte deste impacto vem através da violência gráfica que se tornou uma das marcas de Verhoeven, como atestam a sequência de apresentação de ED209 e o brutal assassinato de Murphy, conduzidos sem concessões pelo diretor, que faz questão de realçar o violento resultado de cada tiro contra as vítimas. Além disso, Verhoeven e seu montador Frank J. Urioste imprimem um ritmo seco e direto à narrativa, que torna tudo ainda mais realista por não recorrer a invencionices. Também marcante em sua filmografia, o senso de humor peculiar dá as caras em alguns momentos, como na reação de muitos dos funcionários presentes no massacre promovido por ED209 contra um deles na citada apresentação, na qual parecem nem se importar com o que acabaram de testemunhar. É um tipo de humor sarcástico, quase trágico, que nos faz rir mais pelo absurdo da situação do que por ter alguma graça ali. E é neste tipo de reação provocada no espectador que reside um dos maiores méritos de Verhoeven.

Ganhando destaque como a fiel parceira do protagonista, Nancy Allen compõe Lewis como uma policial determinada, demonstrando real preocupação com o parceiro e destoando das atuações unidimensionais de grande parte do elenco. Isto por que Ronny Cox encarna Dick Jones como um homem detestável, não deixando nenhum espaço para que o espectador compreenda suas motivações, assim como fazem Kurtwood Smith, Ray Wise, Paul McCrane e Jesse D. Goins na pele dos integrantes da gangue que assassina Murphy e comanda o tráfico local. Miguel Ferrer também não colabora ao compor Morton simplesmente como um ambicioso sem escrúpulos, ainda que diante de Dick Jones ele empalideça. Talvez a rara exceção fique por conta de Dan O’Herlihy, que vive o líder da PCO como alguém igualmente ambicioso e obviamente interessado apenas nos lucros que os projetos podem trazer, mas que ao menos tem sabedoria para ouvir todos os envolvidos nos projetos da empresa e demonstra alguma sensibilidade em momentos específicos.

Policial determinadaHomem detestávelLíder da PCO

É curioso notar, aliás, como o roteiro tem o cuidado de abordar aspectos interessantes envolvendo os personagens secundários, como a preocupação dos policiais com o surgimento do RoboCop (“Vão nos substituir?”) e a ligação de um empresário com o tráfico de drogas, ainda que estas questões sejam ofuscadas diante da quantidade de questionamentos que envolvem a criação do personagem título, seja pelo aspecto moral e ético, seja pela reação da plateia diante de suas ações.

Indicando o futuro trágico do policial vivido por Peter Weller através de um close na plaqueta com seu nome no armário que ecoa outra cena ocorrida minutos antes, Verhoeven e sua equipe criam um herói icônico com seu visual metalizado e extremamente funcional após ser transformado num ciborgue, reforçado pelo excepcional design de som que realça a imagem de policial indestrutível através do impacto de seus passos e dos pequenos sons que acompanham cada movimento dele. Além disso, os planos subjetivos durante a cirurgia e nos primeiros momentos da nova vida como RoboCop nos colocam na pele de Murphy e criam a identificação necessária para que o espectador se importe ainda mais com o protagonista, que se torna mais humano através das lembranças de sua família que tanto o atormentam, nos colocando em dúvida sobre a sua natureza. Seria ele somente um programa de computador ou ainda existia algum traço de humanidade ali? O que define a nossa condição humana, afinal? O corpo em que vivemos ou o que se passa em nossas mentes?

Futuro trágicoPlanos subjetivos durante a cirurgiaApresentado com toda a pompa e circunstância

Esta identificação torna mais intensas sequências como o chocante ataque dos policiais contra RoboCop, que se torna ainda mais marcante pela concepção visual de Verhoeven, com seus planos nos colocando sob a mira dos tiros e, posteriormente, envoltos na cortina de poeira que emana do chão. O diretor, aliás, trabalha seu protagonista com esmero desde sua impactante apresentação, quando o vemos rapidamente numa pequena televisão, depois andando atrás de um vidro que deturpa a visão, até que finalmente ele é apresentado com toda a pompa e circunstância. Não são raras as cenas que reforçam a aura icônica do personagem, como quando ele surge em frente às chamas que tomaram conta de um posto ou nos momentos em que a sombra indica sua chegada.

Com o espectador completamente conectado ao protagonista, fica fácil justificar toda e qualquer ação dele. Afinal de contas, numa sociedade tomada pela violência, quem não gostaria de ter um super policial para protegê-lo? E aí reside a grande reflexão provocada pela subversiva obra de Verhoeven. Quais são as nossas reações diante das ações de RoboCop? Obedecendo às suas diretrizes, em teoria ele não pode ser considerado culpado mesmo quando pune um criminoso cometendo outro crime, certo? Então assassinar um criminoso inescrupuloso como Dick Jones a sangue frio somente por que ele acabara de ser demitido e, portanto, não se enquadrava mais em sua quarta diretriz não tem problema algum? Quando RoboCop comete um assassinato, isto não o torna um criminoso também? O final eletrizante na siderúrgica repleto de momentos graficamente violentos (como um dos bandidos sendo corroído pelo lixo tóxico) e a tensa sequência seguinte na PCO nos faz vibrar com a vingança de RoboCop. Justificável? Estamos certos? Que cada espectador reflita a respeito, pois as questões abordadas por “RoboCop – O Policial do Futuro” levam o filme muito além de sua superfície.

Não que esta superfície deva ser menosprezada. Afinal, trata-se de um ótimo filme de ação, com o diferencial que, além das boas sequências regadas a tiros e muito sangue, consegue também levantar uma série de reflexões interessantes.

RoboCop – O Policial do Futuro foto 2Texto publicado em 25 de Novembro de 2015 por Roberto Siqueira