TOPÁZIO (1969)

(Topaz)

 

Filmes em Geral #65

Dirigido por Alfred Hitchcock.

Elenco: Frederick Stafford, Dany Robin, John Vernon, Karin Dor, Michel Piccoli, Philippe Noiret, Claude Jade, Michel Subor, Per-Axel Arosenius e Roscoe Lee Browne.

Roteiro: Samuel Taylor, baseado em livro de Leon Uris.

Produção: Alfred Hitchcock e Herbert Coleman.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apesar de seu notável controle sobre a narrativa e de todo o conhecimento que tinha da linguagem cinematográfica, nem mesmo Alfred Hitchcock conseguiu salvar “Topázio”, que, com sua trama sem graça, se estabelece como um dos piores filmes da carreira do diretor. Pra piorar, alguns dos principais nomes do elenco não conseguem atuações convincentes. Ou seja, assim como os espiões que vivem em países inimigos, trata-se de um peixe fora d’água na filmografia de Hitchcock.

Boris Kusenov (Per-Axel Arosenius) deixa a Rússia e viaja para os Estados Unidos, levando informações preciosas ao governo norte-americano em plena guerra fria. Após sua chegada, o francês André Devereaux (Frederick Stafford) é enviado a Cuba para acompanhar rumores sobre a chegada de mísseis russos. Em meio a tudo isto, surge à informação de que um espião chamado “Topázio” estaria infiltrado na OTAN em Paris, enviando informações sigilosas aos russos.

Assim como em “Cortina Rasgada”, em “Topázio” a guerra fria é novamente o pano de fundo da narrativa. Só que desta vez, nem mesmo o talento de Hitchcock consegue salvar o fraco roteiro de Samuel Taylor. Baseada em livro de Leon Uris, a trama de “Topázio” jamais consegue empolgar o espectador, apesar do bom início na Dinamarca, que mantém o foco na fuga da família de Kusenov da cortina de ferro, com um pequeno momento de tensão, quando eles tentam despistar agentes do governo. Nem mesmo o dinâmico jogo entre espiões, com diálogos ágeis e ambíguos, consegue tornar a narrativa mais interessante. Na verdade, desta vez Hitchcock explora mais os aspectos políticos da guerra fria, apresenta um pequeno conflito entre dois homens que gostam da mesma mulher, tenta inserir um conflito no ato final em Paris, mas nada funciona e o resultado é um filme pouco atraente e sem cenas marcantes, com exceção da impressionante morte de Juanita (Karin Dor), onde o plano em plongèe nos mostra sua dor enquanto o vestido se espalha pelo chão.

Também como em “Cortina Rasgada”, o plano da conversa entre Devereaux e seu amigo cubano Philippe (Roscoe Lee Browne) não nos permite escutar as falas, pois já sabemos o conteúdo da conversa, assim como acontece quando Philippe tenta convencer Uribe (Don Randolph) a entregar um importante documento, entrando e saindo do prédio com ele seguidas vezes. Aliás, outra cena tensa acontece quando Philippe conversa com o oficial Rico Parra (John Vernon), enquanto Uribe tenta roubar a mala vermelha que contém o documento que Devereaux precisa. Somados a fuga do prédio, com Parra atirando enquanto Philippe some na multidão e entrega a máquina para o amigo, estes momentos em território cubano certamente são os melhores do filme. Empregando constantemente o close para realçar as atuações do elenco, Hitchcock também busca destacar alguns objetos, numa tentativa de chamar a atenção para os curiosos métodos utilizados para enviar informações pra fora do país – repare, por exemplo, o interessante trajeto de uma máquina fotográfica, que sai de um piquenique, se esconde numa ponte e chega ao destino dentro de um frango. Apesar do criativo processo, este tráfico de informações é muito pouco para sustentar a narrativa. Nestes momentos, vale destacar o trabalho do montador William H. Ziegler, que também demonstra inteligência ao indicar a passagem do tempo e o local onde se passará a ação através da companhia aérea – sabemos que Devereaux chegou a Paris ao ver o avião da Air France, por exemplo.

E apesar da seriedade da missão de Devereaux, a trilha sonora divertida de Maurice Jarre e fotografia mais clara no segundo ato deixam a narrativa leve, numa contradição que compromete o resultado final. Além disso, a fotografia de Jack Hildyard transita entre o leve e o pesado sem muita coerência, empregando cores dessaturadas em ambientes fechados, sem jamais conseguir criar uma atmosfera sombria. Apesar disto, vale mencionar os belos cenários, muito bem decorados, como o interior das casas com imponentes mesas de jantar, que realçam o trabalho de direção de arte de Henry Bumstead. E novamente, a responsável pelos figurinos e pela caracterização dos oficiais cubanos e dos espiões americanos e franceses é Edith Head.

Entre o elenco, o papel principal é de Frederick Stafford, que vive Devereaux de maneira fria, ciente da seriedade de sua missão em Cuba, mas que jamais consegue criar empatia com a platéia e nem mesmo com as mulheres com quem se envolve. Pra piorar, Stafford não consegue transmitir com eficiência a aflição que o personagem pede, afinal de contas, ambas poderiam complicar sua missão – a esposa francesa, por ciúmes, e a amante cubana, por se envolver no envio de informações para os Estados Unidos. Por outro lado, Karin Dor consegue conferir carisma e sensualidade a Juanita, saindo-se bem no tenso jantar em que é questionada por Rico Parra, numa cena em que John Vernon também soa ameaçador na pele do oficial cubano. Karin se destaca ainda na despedida de Devereaux, demonstrando a dor da personagem por saber que dificilmente veria o amante novamente. Pra finalizar, o Henri Jarre de Philippe Noiret mal consegue esconder seu segredo e compromete a operação russa em Paris e Per-Axel Arosenius tem uma atuação bastante “robotizada” como o russo Boris Kusenov.

Infelizmente, apesar dos esforços de seu diretor, o roteiro de Samuel Taylor nunca empolga, tornando a trama bastante previsível e sem graça. Nem mesmo o conflito final em Paris consegue provocar tensão, pois imaginamos com antecedência que o agente russo será desmascarado e que Devereaux se sairá bem. Em resumo, o fraco roteiro, aliado às atuações irregulares e a uma surpreendente falta de imaginação de Hitchcock fazem de “Topázio” um filme esquecível.

Bem abaixo da média para um diretor como Hitchcock, “Topázio” apresenta uma trama desinteressante, mal conduzida e com um desfecho previsível. Com apenas algumas cenas que funcionam bem isoladamente, o longa certamente figura entre os piores trabalhos de um diretor cujo padrão de qualidade está muito acima do normal.

Texto publicado em 15 de Junho de 2011 por Roberto Siqueira

CINEMA PARADISO (1988)

(Nuovo Cinema Paradiso)

 

Videoteca do Beto #52

Vencedores do Oscar #1988 (FILME ESTRANGEIRO)

Dirigido por Giuseppe Tornatore.

Elenco: Philippe Noiret, Jacques Perrin, Salvatore Cascio, Marco Leonardi, Antonella Attili, Enzo Cannavale, Isa Danieli, Leo Gullotta, Pupella Maggio, Agnese Nano, Leopoldo Trieste, Roberta Lina, Nino Terzo, Brigitte Fossey, Tano Cimarosa e Nicola Di Pinto.

Roteiro: Giuseppe Tornatore.

Produção: Mino Barbera, Franco Cristaldi e Giovana Romagnoli.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A história da linda amizade entre um garoto órfão de pai e um projecionista de cinema sem filhos se mistura à própria história do cinema italiano, nesta linda homenagem do diretor Giuseppe Tornatore ao cinema de uma forma geral, que espalhou lágrimas de cinéfilos por todo o mundo em 1988. Auxiliado por uma das mais lindas trilhas sonoras de um gênio e por atuações sensíveis e tocantes, “Cinema Paradiso” é uma realização única e incrivelmente emocionante.

Alguns anos depois do final da Segunda Guerra Mundial e antes da chegada da televisão, uma pequena cidade da Sicília, na Itália, foi o palco de uma grande amizade entre Salvatore “Totó” (Jacques Perrin), um garoto apaixonado por cinema, e Alfredo (Philippe Noiret), o projecionista do cinema local conhecido como “Cinema Paradiso”. As lembranças desta amizade marcante, provocadas pela notícia da morte de Alfredo, tomam conta dos pensamentos do agora bem sucedido cineasta Salvatore, que se prepara para voltar à cidade natal após trinta anos.

O diretor Giuseppe Tornatore conduz “Cinema Paradiso” com extrema elegância, através de belos movimentos de câmera, como um travelling que se inicia no crochê abandonado pela mãe de Salvatore (Antonella Attili, jovem, e Pupella Maggio, idosa) quando este finalmente retorna pra casa, passa pela janela e pelo taxi, até finalmente encontrar o rapaz abraçando sua mãe. Tornatore, aliás, abusa dos travellings e panorâmicas, explorando com competência as lindas paisagens da bela Itália, auxiliado pela direção de fotografia de Blasco Giurato. O diretor também conduz muito bem a tensa seqüência do incêndio no Cinema Paradiso, iniciada exatamente quando um tiro seria disparado no filme que passava. Em seguida, a pergunta “quem irá reconstruir o Cinema Paradiso?” é respondida com outro movimento de câmera, que aponta o napolitano vencedor da loteria. E ele realmente ergue o “Novo Cinema Paradiso”, dando inicio a uma nova fase no cinema da cidade, agora comandado por Totó, já que Alfredo foi gravemente ferido no incêndio e perdeu a visão. Em outro momento, um movimento simples, porém muito simbólico, acontece quando Salvatore tem a confirmação da morte do pai. Observe como Tornatore leva a câmera até um pôster de “…E o Vento Levou”, numa clara alusão à semelhança física entre o pai dele e Clark Gable que Alfredo havia comentado antes. Finalmente, Tornatore também utiliza o zoom na bela cena em que Alfredo conta a história do soldado que prometeu aguardar por cem dias pela amada, e que refletirá em outra linda seqüência entre Salvatore e sua paixão Elena (Agnese Nano).

Giuseppe Tornatore também demonstra muita competência na condução dos atores, a começar pela dupla que conduz a narrativa formada por Totó e Alfredo, mas interpretada por quatro atores diferentes. A relação de amizade entre eles se inicia com as discussões sobre a presença do garoto na sala de projeção e caminha até o mais puro sentimento de respeito e carinho que acompanha ambos por toda a vida. Para transmitir esta sensação, é essencial que exista química entre os personagens, e felizmente Philippe Noiret consegue estabelecer esta química com todos os atores que interpretam Totó em suas três fases, com destaque especial para a infância, vivida por Salvatore Cascio. O início da amizade entre Alfredo e o menino Totó é o que determina a empatia do público com a dupla. Também interpretam Salvatore os atores Marco Leonardi, na adolescência, e Jacques Perrin, já na fase adulta e responsável por momentos emocionantes do longa. Ao ouvir a notícia da morte de Alfredo, o já adulto Salvatore finge não ser nada demais, mas quando vira para o lado na cama, seu semblante demonstra claramente a importância daquele nome e o impacto da notícia. A chuva e o rosto triste mergulhado nas sombras deixam claro para o espectador que se trata de alguém realmente marcante. Com a ausência do pai, claramente sentida pelo garoto, é em Alfredo que Totó enxerga a figura paterna, e por isso o menino se apega àquela figura aparentemente ranzinza, mas encantadora em sua essência e com enorme coração. Ao mesmo tempo, Alfredo adota Salvatore como o filho que não teve e mesmo que inconscientemente, eles se completam. É compreensível, portanto, que vivendo numa pequena cidade italiana no período do pós-guerra, ainda sem televisão e órfão de pai, o menino enxergue no escuro do cinema (e na companhia de Alfredo) a oportunidade de fugir da realidade e viver um mundo de sonhos. Sua vida começou a mudar definitivamente quando ajudou Alfredo numa prova e conseguiu o direito de freqüentar a cabine de projeção. A partir dali, viveu um período mágico em sua vida. Já a vida de Alfredo mudaria completamente após a tragédia do incêndio no antigo Cinema Paradiso. Impossibilitado de fazer aquilo que mais amava, ele passa a ter ainda mais sensibilidade para perceber o mundo à sua volta. E a atuação de Philippe Noiret cresce ainda mais quando Alfredo fica cego, transmitindo ainda mais emoção e expondo com competência os sentimentos do personagem, como num sorriso que ele solta ao pressentir que Totó vai ver Elena dentro da igreja. A importância de Antonio na vida de Salvatore fica ainda mais evidente quando vemos este pedir para que ele “fique longe” e “não volte mais!”. Antonio entendia que ele poderia conseguir muito mais na vida indo para a cidade grande (“O mundo é seu!”), o que demonstra um amor verdadeiro, que não é egoísta e prefere a felicidade de Totó ao invés de mantê-lo preso ao seu lado – e no fundo, ele sabia que se pedisse, Totó ficaria. O rapaz cumpriu a promessa, ficando trinta anos sem voltar à cidade, e em sua volta, é visto com muito respeito por todos, realizando o sonho de Alfredo – e até mesmo a composição visual de Tornatore demonstra isto, filmando Salvatore de baixo pra cima, demonstrando grandeza.

A linda estória narrada conta também com o ótimo roteiro do próprio Giuseppe Tornatore, que abusa da metalingüística, fazendo diversas referências ao próprio cinema. Além disso, utilizando um linguajar despojado e com muitos palavrões (típico dos italianos), constrói de forma bastante consistente a amizade entre Totó e Alfredo, apresentando também os bastidores do trabalho de projeção dos filmes e revelando a paixão de ambos pelo cinema. O fascínio das pessoas pelo cinema, aliás, é notável durante toda a narrativa. Elas deixam compromissos para trás, brigam, aguardam por horas na porta, tudo para ver um bom filme. Interessante notar também o sorriso no rosto das crianças ao ver os filmes do gênio Charles Chaplin. Além disso, o roteiro explora muito bem o bom humor, como no engraçado método de censura do padre Adelfio (Leopoldo Trieste) para os filmes exibidos no Cinema Paradiso, onde todas as cenas de beijo são cortadas, provocando verdadeiros saltos na projeção que causam a imediata reação da platéia. Por outro lado, quando finalmente assistem uma cena de beijo, a reação de espanto e alegria é enorme. Outro momento de bom humor acontece quando Alfredo projeta um filme numa casa e o morador sai para ver a razão daquele alvoroço. Repare também como alguém grita que “a praça é nossa” durante a tentativa de cobrar ingresso, provocando a imediata reação do louco da praça, que responde com sua frase característica “a praça é minha!”.

Tecnicamente “Cinema Paradiso” também tem qualidades, a começar pela boa montagem de Mario Morra. Observe, por exemplo, o salto de muitos anos na narrativa durante uma conversa entre Totó e Alfredo e a elegante seqüência em que uma bicicleta vai e volta com os filmes na garupa, demonstrando o sacrifício daquelas pessoas para não deixar o público esperando dentro do cinema. A trilha sonora do gênio Ennio Morricone é um capítulo à parte. Absolutamente linda, a nostálgica trilha se confunde com o clima de saudade de todo o longa. O deleite visual fica por conta da boa direção de fotografia de Blasco Giurato, que explora a beleza das locações italianas, se contrapondo muito bem ao excelente uso da luz e das sombras nas cenas dentro do Cinema Paradiso. Já a direção de arte de Andrea Crisanti capricha na tipicamente italiana cidade de Giancaldo, com a praça central e as ruas de pedras. Além disso, podemos observar o bom trabalho de Crisanti no interior abandonado do Cinema Paradiso. E finalmente, merece destaque a ótima maquiagem de Maurizio Trani, notável em diversos personagens quando Totó retorna para a cidade.

A sensibilidade de Tornatore também brinda o espectador com algumas seqüências incrivelmente belas, como o primeiro beijo de Totó e Elena, auxiliado pela maravilhosa trilha sonora e pelos clarões da chuva que cai. Outro momento tocante acontece quando Salvatore retorna ao Cinema Paradiso. Os pequenos detalhes encontrados no abandonado cinema, como a boca do Leão de onde eram projetadas as imagens, são extremamente importantes pra ele, afinal de contas, fazem parte das lembranças de uma fase importante de sua vida. A vida é feita destas pequenas memórias e o longa retrata muito bem isto. Em outra cena, o choro das pessoas ao ver uma parte da história da cidade e da vida delas ir embora junto com a implosão do Cinema Paradiso é de cortar o coração. Difícil segurar as lágrimas. Assim como é praticamente impossível segurar as lágrimas na belíssima seqüência final, quando Totó assiste ao “filme proibido” deixado de presente por Alfredo, com pedaços de cenas de beijo de grandes filmes da história do cinema italiano.

“Cinema Paradiso” é uma linda homenagem à magia do cinema e por isso, encanta aos cinéfilos de forma singular. Além disso, quando vemos a estrutura do cinema sendo demolida, seguida pela emocionante seqüência final em que Salvatore finalmente vê os pedaços de filmes cortados por Alfredo, sentimos uma mistura de emoções, pois sabemos que ali está se despedindo não apenas o Cinema Paradiso, mas também uma fase áurea do cinema italiano, marcante para muitos cinéfilos e que entrou para a história como um dos melhores períodos da sétima arte. Por isso tudo, “Cinema Paradiso” comove, abordando temas universais de forma singela e inesquecível.

Texto publicado em 30 de Março de 2010 por Roberto Siqueira