007 CONTRA O FOGUETE DA MORTE (1979)

(Moonraker)

3 Estrelas 

Videoteca do Beto #201

Dirigido por Lewis Gilbert.

Elenco: Roger Moore, Lois Chiles, Michael Lonsdale, Richard Kiel, Corinne Clery, Bernard Lee, Geoffrey Keen, Desmond Llewelyn, Lois Maxwell, Toshirô Suga e Emily Bolton.

Roteiro: Christopher Wood, baseado em romance de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli.

007 Contra o Foguete da Morte[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Primeiro filme da franquia 007 a passar pelo Brasil, “007 Contra o Foguete da Morte” diverte não apenas pela famosa cena no bonde do Rio de Janeiro, mas também pela presença de bons personagens e, principalmente, pela qualidade de algumas de suas cenas de ação. No entanto, o longa dá a sensação de durar mais do que realmente dura, o que nunca é um bom sinal. Ainda assim, a interessante sequência final no espaço compensa muitos de seus deslizes e salva o filme dirigido por Lewis Gilbert.

Adaptado do romance de Ian Fleming por Christopher Wood, “007 Contra o Foguete da Morte” tem início quando uma nave espacial some durante um voo sobre a Inglaterra, levando o agente secreto James Bond (Roger Moore) a investigar o caso e descobrir o envolvimento de um milionário conhecido como Hugo Drax (Michael Lonsdale), responsável pela fabricação das naves espaciais Moonraker na Califórnia. Auxiliado pela inicialmente arredia agente da CIA Dra. Goodhead (Lois Chiles), Bond acaba descobrindo que na realidade os planos de Drax eram muitos mais ambiciosos do que pareciam, envolvendo uma cidade espacial e o extermínio de toda a raça humana na Terra.

Apesar de partir de uma premissa baseada num dos capítulos mais negros da história da humanidade, o roteiro de Christopher Wood tende a misturar com frequência as cenas de ação com momentos bem humorados, acertando em diversos instantes, mas também errando em piadas sem graça como aquela em que um homem se choca contra uma placa da British Airways e na péssima referência ao western que surge em seguida, totalmente deslocada e sem propósito – e os chapéus utilizados pelos personagens dá a sensação de estarmos no México e não mais no Brasil. Ao menos, o diretor Lewis Gilbert acerta na condução de grande parte das cenas de ação, o que é crucial para o sucesso de um filme da série 007.

Mantendo a tradição de passar por diversos lugares do mundo, James Bond desta vez volta a sempre bela Veneza, passando também pela Califórnia e finalmente vindo ao Brasil. Aliás, a linda sede da Drax na Califórnia onde são fabricadas as espaçonaves Moonraker, toda construída em estilo francês e detalhadamente bem decorada no interior do palácio realça o habitual bom design de produção de Ken Adam, notável também no imponente centro de lançamentos das naves construído em plena floresta amazônica e, principalmente, na cidade espacial que surge já no ato final.

Outro costumeiro colaborador da franquia, John Barry retorna em “007 Contra o Foguete da Morte” para compor uma trilha sonora muito interessante através de melodias inspiradas e variações da bela música tema “Moonraker” (terceira canção de James Bond interpretada por Shirley Bassey), trazendo ainda uma brincadeira com o tema principal de “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” através do toque do interfone que abre um laboratório em Veneza.

Estreante na série, o diretor de fotografia Jean Tournier faz um trabalho fabuloso, explorando inicialmente todo o charme de Veneza, com seus canais cortando a cidade e criando um visual singular, assim como ocorre no ensolarado Rio de Janeiro, enquadrado em belos planos gerais de Lewis Gilbert, que capricha também na composição dos planos e até mesmo de alguns travellings que passeiam pela linda Amazônia, com suas cachoeiras e a floresta criando um visual que é um deleite para os olhos.

Linda sede da DraxCharme de VenezaEnsolarado Rio de JaneiroNo entanto, a beleza do Brasil se limita mesmo aos aspectos naturais, já que “007 Contra o Foguete da Morte” segue quase todos os estereótipos possíveis, passando pelo Carnaval repleto de pessoas seminuas na rua e terminando, é claro, numa viagem para a perigosa Amazônia onde, obviamente, uma serpente gigante tentaria acabar com o protagonista. Por outro lado, o Rio de Janeiro ganha um visual bastante obscuro na noite de Carnaval em que Bond invade a sede da Drax, refletindo não apenas a aflição dos personagens como também o risco que eles corriam ali. Já quando Bond rouba os arquivos da Drax na Califórnia, não apenas a fotografia como também a trilha sonora indicam o risco da operação, com a diferença de que a trilha mistura seus tons sombrios com notas românticas por causa da presença de Corinne (Corinne Clery), a funcionária de Drax que se apaixona por Bond e, por isso, é assassinada de maneira cruel, numa cena simultaneamente linda e triste em que as luzes que vazam as árvores conferem um visual poético, conduzida em câmera lenta pelo diretor e seu montador John Glen, alternando entre a corrida desesperada da moça e a aproximação dos cães ferozes que a perseguem.

Sempre sério, mas com o semblante tranquilo e a voz calma, Michael Lonsdale compõe Drax como um vilão extremamente autoconfiante, o que é ótimo na construção da imagem de um antagonista que ofereça alguma ameaça ao protagonista, ainda que episódios como o da caça aos faisões o enfraqueçam diante da esperteza de 007. Mas o maior peso que o personagem poderia ter vem mesmo de seu plano audacioso e minuciosamente elaborado para que uma nova era tenha início sob seu comando no planeta. Fazendo clara alusão ao nazismo, a raça pura imaginada por Drax encontra em Mandíbula – o personagem caricato e icônico interpretado por Richard Kiel – e sua estranha namorada o seu ponto de ruptura, dando início à queda do império antes mesmo que ele se consolide.

Aliás, Drax não deve ser mesmo um chefe agradável, já que além de Corinne e Mandíbula, ele também é traído pela Dra. Goodhead, só que ao menos neste último caso a traição é justificada pelo fato da moça ser, na verdade, uma agente da CIA. Bela e muito esperta, a agente interpretada com carisma por Lois Chiles compartilha algumas das características marcantes de James Bond, demonstrando um faro aguçado para o perigo e total desconfiança de todos ao seu redor. Dona ainda de uma notável habilidade para a luta, Goodhead se constitui na melhor parceira de James Bond até então na franquia.

Cena simultaneamente linda e tristeVilão extremamente autoconfianteBela e muito espertaSurpreso com o fato de Goodhead ser mulher, Bond continua machista, é claro, mas mantém o charme e a elegância característicos do personagem, além do humor irônico notável, por exemplo, quando sorri imitando Mandíbula ao encontrar o velho rival. Cada vez mais a vontade no papel (até demais!), Roger Moore demonstra alguma evolução naquela que era sua deficiência mais chamativa, esforçando-se, por exemplo, na vibrante luta contra Chang (Toshirô Suga) na sala de um importante museu de Veneza. Além disso, o ator mostra boa empatia com Lois Chiles, o que torna a relação entre os personagens mais agradável.

Mas o ponto alto dos filmes de 007 são sempre as cenas de ação e elas surgem em quantidade e qualidade razoáveis neste “007 Contra o Foguete da Morte”, começando pela absurda e estilosa abertura em que Bond é jogado sem paraquedas de um avião, luta no ar com um inimigo e rouba o paraquedas dele, passando pela divertida perseguição de barco em que Bond foge numa gôndola motorizada e também pela perseguição das lanchas no rio Amazonas que, apesar de empolgante, dá a sensação de que os vilões brotam das árvores. No entanto, o grande destaque fica mesmo para a famosa sequência no bonde do Rio de Janeiro. Um pouco datada, especialmente pelos efeitos visuais e pelos golpes extremamente lentos e mal coreografados, a ousada sequência carrega grande tensão e ainda funciona.

E quando digo que os efeitos visuais estão datados, me refiro especialmente aos momentos que colocam os personagens em primeiro plano e imagens das locações no segundo, permitindo notar claramente a montagem. Este problema ocorre com frequência em “007 Contra o Foguete da Morte”, mas é compensado pelos excelentes efeitos visuais nas belíssimas cenas no espaço, que nos permitem acompanhar o balé das naves e dos próprios personagens enquanto se deslocam até a cidade construída por Drax – e apesar da ideologia condenável por trás daquela ideia, gosto muito do beijo romântico de um casal enquadrado com extrema sensibilidade pelo diretor durante a viagem.

Ambientando-nos perfeitamente ao local através da citada cidade espacial concebida por Ken Adam e das roupas espaciais escolhidas pela figurinista Jacques Fonteray, Lewis Gilbert conduz o confronto final com energia, ainda que alguns momentos pareçam inspirados nos antigos jogos de videogame, com tiros laser cortando a tela a todo instante – e o fraco design de som realça esta semelhança. Mas o importante é que a sequência final funciona bem, reservando ainda um pequeno momento de tensão quando Bond tenta destruir as bolas letais enviadas por Drax para a Terra. A costumeira piada final envolvendo Bond e sua parceira desta vez também é bem divertida.

Escorregando especialmente em seu irregular segundo ato, “007 Contra o Foguete da Morte” compensa seu deslize ao oferecer uma conclusão não apenas atraente visualmente como também envolvente narrativamente. Não é o caso de dizer que a ausência de Sean Connery não era mais sentida, mas Roger Moore ao menos demonstrava alguma evolução como James Bond.

007 Contra o Foguete da Morte foto 2Texto publicado em 26 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira

007 O ESPIÃO QUE ME AMAVA (1977)

(The Spy Who Loved Me)

3 Estrelas 

Videoteca do Beto #200

Dirigido por Lewis Gilbert.

Elenco: Roger Moore, Barbara Bach, Vernon Dobtcheff, Caroline Munro, Richard Kiel, Curd Jürgens, Robert Brown, Walter Gotell, Lois Maxwell, Desmond Llewelyn, Bernard Lee, Edward de Souza, Michael Billington e George Baker.

Roteiro: Richard Maibaum e Christopher Wood, baseado em romance de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli.

007 O Espião que me Amava[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após “007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro” encerrar com dignidade a fase Guy Hamilton, Lewis Gilbert foi o escolhido para retomar a série 007 neste “007 O Espião que me Amava”, longa bastante irregular que, mesmo trazendo novos elementos para a tradicional fórmula da franquia, não consegue se equiparar ao bom trabalho de Gilbert em “Com 007 só se vive duas vezes”.

Escrito por Richard Maibaum e Christopher Wood com base em romance de Ian Fleming, “007 O Espião que me Amava” marca a primeira investigação de James Bond (Roger Moore) oficialmente acompanhado de outro agente, no caso, a agente secreta soviética Anya Amasova (Barbara Bach). Juntos, eles devem investigar o desaparecimento de um submarino carregado com 16 ogivas nucleares.

Outra vez utilizando a guerra fria como pano de fundo, o roteiro de Maibaum e Wood segue a fórmula de sucesso já estabelecida na série ao trazer James Bond diante de um temível vilão prestes a destruir o planeta, passando é claro pela conquista de belas mulheres, pela tradicional conversa com a charmosa Moneypenny (Lois Maxwell) e pelas inúmeras situações mirabolantes pelas quais o agente deve passar antes de atingir seu objetivo. Mas se todos os filmes de 007 seguem a mesma estrutura narrativa, onde está o diferencial entre eles? A resposta está na forma como cada aventura é conduzida – e, infelizmente, neste caso a condução não é das melhores.

É importante ressaltar que, além do diretor Lewis Gilbert, somente o montador John Glen e o designer de produção Ken Adam já tinham participado da série antes, enquanto todos os outros integrantes da equipe técnica de “007 O Espião que me Amava” eram estreantes. Não que a experiência seja tão crucial, mas certamente a inclusão de uma equipe técnica praticamente toda nova interferiu, ainda que este aspecto também tenha o seu lado positivo, injetando novas ideias que beneficiaram o longa. Caminhando entre a inexperiência e a novidade, o trabalho técnico em geral acaba soando irregular.

Entre as novidades bem sucedidas, podemos destacar a linda música tema “Nobody does it better”, que traz uma carga romântica interessante e, de quebra, inspira o bom trabalho de Marvin Hamlisch na composição da trilha sonora instrumental que, por outro lado, é pouco inspirada e totalmente datada quando embala as cenas de ação, como numa perseguição no fundo do mar. Já a escolha da música clássica nas cenas dentro do complexo onde vive o vilão Stromberg (Curd Jürgens) é muito eficiente, casando bem o som com o balé dos peixes dentro da água.

A própria estrutura interna do complexo submarino de Stromberg concebida pelo design de produção realça outro aspecto técnico que chama a atenção, notável também no inventivo carro-submarino Lotus Esprit desenvolvido por Q (Desmond Llewelyn), que deixa metade das pessoas presentes numa praia da Sardenha boquiabertas. A linda Sardenha, aliás, é captada de maneira sempre exuberante pelo diretor de fotografia Claude Renoir, criando um forte contraste com o árido visual das sequências que se passam no Egito. O visual de tirar o fôlego também se destaca na excelente fuga de Bond nos Alpes austríacos, conduzida com energia pelo diretor e seu montador. E finalmente, Renoir adota tons avermelhados no interior dos submarinos quando estes sofrem ataques, reforçando a sensação de perigo dos personagens.

Complexo submarino de StrombergInventivo Lotus EspritLinda SardenhaA fotografia também é marcante na sombria apresentação de Mandíbula, o homem quase indestrutível interpretado de maneira bem caricata por Richard Kiel que surge pela primeira vez durante um evento noturno no deserto egípcio. Caminhando quase como uma múmia, Mandíbula soa como um personagem cartunesco, chegando a nos divertir pela maneira como escapa dos diversos ataques que sofre – a cena em que ele sai ileso após a queda de um carro sobre uma casa é hilária. Já o vilão Karl Stromberg interpretado por Curd Jürgens está longe de ser divertido, demonstrando sua ganância e crueldade logo no início quando assassina a própria secretária e, em seguida, os dois cientistas que lhe entregaram um precioso projeto. No entanto, assim como ocorre com muitos dos vilões da franquia, Stromberg perde força ao longo da narrativa.

Responsável por dividir a investigação com James Bond, a sexy agente Anya Amasova vivida por Barbara Bach é apresentada através de uma interessante subversão de expectativa durante uma cena amorosa envolvendo outro agente secreto. Ao ouvirmos a menção ao nome do agente “XXX”, inicialmente podemos pensar que quem dividirá as ações com Bond é o homem que está com ela (e ele é mesmo um agente), mas quando Anya pega o telefone, descobrimos que ela é escolhida para a missão. Sedutora e perigosa, Anya foge um pouco do estereótipo de mulher frágil predominante na série, demonstrando até mesmo conhecimento de mecânica após uma piada machista de Bond envolvendo mulheres na direção, em outra subversão do clichê bastante interessante.

Mandíbula, o homem quase indestrutívelKarl Stromberg está longe de ser divertidoSedutora e perigosa AnyaA importância da participação de Anya é realçada até mesmo na mencionada trilha sonora de Marvin Hamlisch, claramente mais romântica que de costume – e o sorriso deles após receberem a noticia de que viajarão juntos pra Sardenha indica a atração mútua que resultará no romance. Claramente mais a vontade no papel, Roger Moore encarna Bond novamente como um homem inteligente e elegante, conferindo algum peso dramático ao personagem, por exemplo, ao demonstrar tristeza após Anya mencionar sua falecida esposa, sem jamais perder o ar irônico tão marcante em sua composição.

Responsável pelas atuações minimamente homogêneas, Lewis Gilbert acerta ainda na condução de cenas vitais como a perseguição na ilha envolvendo alguns carros, uma moto e até um helicóptero, que certamente é a melhor cena de ação do filme, culminando na apresentação do criativo carro-submarino já citado. Além dela, o extenso confronto final dentro do navio, repleto de explosões que realçam o bom design de som, e a tensa cena em que Bond desmonta um míssil também são eficientes, mas a sensação que temos ao final de “007 O Espião que me Amava” é a de que faltou algo.

E esta nunca é uma sensação boa, ainda mais num filme de James Bond.

007 O Espião que me Amava foto 2Texto publicado em 23 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira