(First Blood)
Videoteca do Beto #28
Dirigido por Ted Kotcheff.
Elenco: Sylvester Stallone, Richard Crenna, Brian Dennehy, Bill McKinney, Jack Starrett, Michael Talbott, Chris Mukley, John McLiam, Alf Humphreys, David Caruso, David Crowgley e Bruce Greenwood.
Roteiro: Michael Kozoll, William Sackheim e Sylvester Stallone.
Produção: Buzz Feitshans.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Não é difícil imaginar a dificuldade de adaptação de um soldado que retorna da guerra para conviver em sociedade novamente. Treinados basicamente para lutar e tentar sobreviver em campo de batalha, raramente estas pessoas conseguirão uma oportunidade para trabalhar e viver normalmente, sendo tratados com enorme preconceito, ainda mais quando a guerra em questão foi perdida por seu país. Além disso, pode-se imaginar também o enorme trauma causado na mente humana ao testemunhar com os próprios olhos e sentir na pele todo o horror e insanidade da guerra. Estas duas importantes discussões estão presentes em “Rambo – Programado para Matar”, o filme repleto de ação e extremamente realista dirigido por Ted Kotcheff e estrelado por Sylvester Stallone.
John Rambo (Sylvester Stallone) é um veterano de guerra do Vietnã que vai para uma pequena cidade encontrar um amigo, também ex-combatente, e ao chegar lá, descobre que ele morreu de câncer. Ao caminhar pela cidade à procura de algo para comer, se depara com o xerife Will Teasle (Brian Dennehy) e é preso injustamente por ser “vagabundo”. Na prisão, após ser maltratado pelos policiais, consegue fugir e provoca uma guerra contra toda a cidade.
“Rambo” é inquestionavelmente um filme de ação, e neste sentido, a direção de Ted Kotcheff é muito competente, ao conseguir criar seqüências que além de empolgantes, são extremamente realistas. Desde o momento em que Rambo se rebela na prisão, dando início à implacável perseguição do xerife à Rambo, que corta as fazendas com sua moto e posteriormente, a pé, é notável a habilidade do diretor, que ainda cria planos bastante criativos. Observe por exemplo, o ótimo plano em que Rambo se esconde atrás de uma árvore enquanto o helicóptero tenta encontrar uma brecha para que o policial atire nele. Praticamente nos escondemos dos tiros junto com ele e torcemos por seu sucesso. Durante a caçada na mata (onde Rambo obviamente se sentia à vontade e sabia muito bem como se virar com o que encontrava pelo caminho) são muitas as cenas marcantes. Em uma delas, o plano permite ao espectador ver Rambo no alto enquanto um policial o procura no chão e não percebe sua presença, segundos antes dele atacar. Kotcheff, porém, cria também seqüências exageradas e pouco verossímeis, como quando Rambo pula de um penhasco e cai vivo lá embaixo ou quando enfrenta sozinho muitos policiais armados e escapa da delegacia. Mas para isso, ele conta com um trunfo especial, que é a habilidade de Stallone para atuar nestas seqüências que exigem força física. O ator consegue tornar estas seqüências críveis. Além disso, conta com a boa direção de fotografia de Andrew Laszlo, que confere um tom sombrio ao longa, principalmente nas seqüências dentro da mata, e com a ágil montagem de Joan E. Chapman, que garante o excelente ritmo da narrativa, além de colaborar nas ótimas cenas de ação. Completando a parte técnica, a bela trilha sonora de Jerry Goldsmith alterna do tom nostálgico que reflete o estado de espírito do soldado para momentos de um tom muito mais pesado, condizente com ação frenética que vemos na tela.
Parte de nossa empatia com Rambo se deve a situação em que ele é apresentado (claro que o carisma de Stallone ajuda). Temos a tendência de torcer por quem está vulnerável e o bom roteiro de Michael Kozoll, William Sackheim e Sylvester Stallone explora muito bem isso, ao apresentar Rambo sendo preso injustamente e acuado por todos os policiais. Stallone, aliás, resume sua atuação a olhares mal encarados, algumas poucas frases, gritos e muita correria, até os momentos finais, onde a conversa com o coronel Samuel Trautman (Richard Crenna) comprova que ele pode mostrar mais que isso como ator. O convincente choro amargurado, expondo todo seu sofrimento, mostra os efeitos da guerra na vida desta pessoa e expõe o quanto é difícil continuar vivendo normalmente depois dela. Sua frase “Aqui não consigo emprego nem de motorista!” resume bem como é difícil se adaptar novamente à sociedade. Em outro bom momento de Stallone (que é também um excepcional roteirista), Rambo conversa pelo rádio com o coronel e deixa claro o seu sofrimento com o que estava acontecendo. “Eles me machucaram primeiro” (They drew “first blood”, not me) são as palavras dele que remetem ao titulo original do filme em inglês.
A vida pacata de uma pequena cidade pode se tornar enfadonha. Talvez por isso o xerife Teasle, vivido com competência por Brian Dennehy, tenha encontrado em Rambo uma oportunidade de se divertir. O que ele não esperava era que este aparente vagabundo era, na verdade, uma verdadeira máquina treinada para a guerra. Podemos notar, através de conversas entre os policiais e dos objetos na mesa do xerife, que a pequena cidade tem como principal atividade de lazer a caça. Com a chegada de Rambo, ele se transforma no animal a ser caçado. E ironicamente, é ele quem acaba caçando todos que cruzam seu caminho. A caçada vira uma questão pessoal para Teasle, e nem mesmo a alegria do jovem policial, ao ouvir a descrição no rádio de John Rambo dizendo que ele é um herói de guerra, foi capaz de fazê-lo mudar de idéia.
Em resumo, “Rambo” conta a estória da guerra pessoal de um homem contra toda uma cidade. Mas felizmente, o filme não se resume as cenas de ação frenética, explosões e tiros. Suas ótimas seqüências de ação servem como pano de fundo para reflexões infinitamente mais profundas e interessantes. Retratando com fidelidade o que aconteceu com os soldados norte-americanos, que foram tidos como vagabundos e drogados em sua volta ao país, “Rambo – Programado para Matar” se estabelece como um filme de ação eficiente e realista, que deixa ainda duas profundas questões para reflexão, tanto de ordem filosófica quanto política. Qual o efeito causado na mente humana pelo horror da guerra? E como é o tratamento dado pelos governos a estas pessoas que lutam para defender os interesses, muitas vezes nada nobres, de seus países? Após assistir a este e tantos outros bons filmes que abordam o tema, não é difícil chegar a uma conclusão.
Texto publicado em 21 de Dezembro de 2009 por Roberto Siqueira