UMA LINDA MULHER (1990)

(Pretty Woman)

 

Videoteca do Beto #76

Dirigido por Garry Marshall.

Elenco: Richard Gere, Julia Roberts, Ralph Bellamy, Jason Alexander, Laura San Giacomo, Hector Elizondo, Alex Hyde-White, Amy Yasbeck, Elinor Donahue, Judith Baldwin, Bill Applebaum e Hank Azaria.

Roteiro: J.F. Lawton.

Produção: Arnon Milchan e Steven Reuther.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Explorando sem o menor constrangimento diversos clichês das comédias românticas e apoiando-se num roteiro com uma estrutura convencional, “Uma Linda Mulher” consegue alcançar um resultado satisfatório graças à forma como o diretor Garry Marshall conduz a narrativa e, principalmente, à excelente química de seu par romântico, muito bem interpretado por Julia Roberts e Richard Gere.

O milionário Edward (Richard Gere) se perde pelas ruas de Beverly Hills e acaba na Hollywood Boulevard, exatamente no ponto de trabalho da prostituta Vivian (Julia Roberts). A garota se oferece para levá-lo até o hotel Regent Beverly Wilshire e ele acaba contratando-a para passar a semana com ele e participar de seus compromissos sociais como uma acompanhante. Mas com o passar do tempo, a relação profissional começa a dar espaço para outros sentimentos.

Escrito por J.F. Lawton, “Uma Linda Mulher” conta, sem o menor receio de explorar clichês, a clássica história do amor impossível entre um homem da alta classe e uma prostituta, chegando até mesmo a satirizar a situação quando Edward diz que sua especialidade são os “amores impossíveis”. Nem mesmo a estrutura narrativa foge do convencional, mostrando os dois se apaixonando, criando um pequeno conflito quando Phillip descobre que Vivian é prostituta e provoca uma briga entre o casal e, finalmente, promovendo o reencontro emocionado no ato final. Só que ao contrário da maioria das produções do gênero, aqui o clichê funciona muito bem, graças ao tom leve e correto da narrativa e, principalmente, à química do casal. Obviamente, uma história como esta dificilmente aconteceria na vida real, mas a forma como Marshall conduz à narrativa nos faz relevar este detalhe. O roteiro ainda apresenta algumas frases interessantes, como o pequeno diálogo sobre o beijo na boca, que refletirá no momento em que ambos se entregarão a paixão e esquecerão as regras que eles próprios criaram (“Não beijo na boca”, diz Vivian e Edward responde: “Nem eu”). E finalmente, o longa aborda ainda o preconceito quando Vivian entra na loja e não é atendida por causa de sua aparência, o que motiva sua volta ao local no dia seguinte, agora com muitas sacolas de outras lojas (“Vocês ganham comissão não é? Grande erro!”).

Conduzido com discrição por Garry Marshall, o longa apresenta uma narrativa leve e descontraída, repleta de momentos bem humorados, como no importante jantar de negócios entre Edward e os “Morse”, em que Vivian tenta não dar vexame, ou quando Vivian diz que “teria ficado por dois mil” e Edward responde que “pagaria até quatro”. Mas apesar da discrição, Marshall mostra competência especialmente na condução dos atores, extraindo ótimas atuações de seu par romântico. O diretor também demonstra sensibilidade em diversos momentos, como quando os dois se beijam pela primeira vez, compondo um plano sutil que ilustra, através da grade da cama, que agora eles estavam presos um ao outro. Marshall também é sutil ao indicar o sexo quando os dois ficam sozinhos no piano, afastando a câmera lentamente e escurecendo a tela, como quem se retira do local para deixar o casal mais a vontade. Em outro momento, após apresentar um close dos diversos talheres no treinamento de Vivian, Marshall emprega um zoom out para ilustrar o quanto ela se sentia intimidada naquela situação. E até mesmo os planos mais óbvios funcionam bem, como aquele em que Vivian está na sacada do hotel relembrando a história da princesa presa na torre ou na seqüência de apresentação da personagem, que primeiro mostra as partes do corpo, depois os acessórios do vestuário e só depois o rosto de Vivian, destacando por ordem de importância os requisitos daquela profissão.

Mas apesar das claras diferenças sociais que separam Edward e Vivian, os dois apresentam muitas semelhanças, algo ilustrado com bom humor pelo milionário quando ele diz que “nós dois somos similares, fodemos* com as pessoas por dinheiro”. Só que ambos sofriam de carência afetiva por razões diferentes. Edward não conseguia estabelecer uma relação, provavelmente por se entregar demais à profissão e oferecer pouco tempo para suas companheiras, enquanto Vivian tinha dificuldade por jamais acreditar que um cliente poderia de fato gostar dela, o que é compreensível, tendo em vista que a grande maioria dos clientes tem um comportamento similar ao de Phillip (Jason Alexander), vendo-a apenas como um objeto de desejo e nada mais. Juntos, eles aprendem um com o outro. Vivian conhece um estilo de vida que jamais imaginou ter acesso, mas principalmente, conhece um homem capaz de tratá-la com dignidade, enxergando além das curvas de seu corpo, o que a motiva a largar a prostituição (“Vou voltar a estudar”, diz para a colega Kit). Edwards, por sua vez, aprende a curtir os pequenos prazeres da vida, algo ilustrado através de pequenas coisas como colocar o pé na grama, que certamente é algo que ele jamais faria antes de conhecer Vivian.

Separado duas vezes (da esposa e da amante), Edward é um homem bem sucedido profissionalmente, mas que claramente enfrenta problemas para se relacionar com alguém, como fica evidente em sua conversa com uma ex-namorada na festa inicial. Richard Gere se sai muito bem no papel, demonstrando o quanto Edwards é um homem centrado, contido e até mesmo anti-social. O ator ilustra com precisão a lenta mudança no personagem através da forma com que se relaciona com Vivian, indicando sutilmente que está se apaixonando pela moça, por exemplo, quando sente ciúme ao vê-la conversando com David Morse (Alex Hyde-White) ou quando sua feição de satisfação e surpresa ao ver Vivian sem a peruca indica que ele estava começando a enxergar uma beleza natural inexistente naquela jovem até então. Finalmente, Gere também se destaca quando Edward explode contra Phillip, demonstrando firmeza ao defender Vivian. Obviamente, a química do casal é muito importante para conquistar a platéia, e ela só existe porque Julia Roberts também tem um excelente desempenho. Bastante solta no papel, como podemos notar em sua chegada ao hotel, quando chama a atenção de todos com seu jeito exagerado e pouco convencional ao mesmo tempo em que se mostra deslumbrada com a imponência do lugar, a atriz convence como uma prostituta que encontra uma chance de ouro de ganhar muito dinheiro, mas que acaba quebrando a regra número um da “profissão”, ao se envolver emocionalmente com seu cliente. Observe como ela compõe a personagem muito bem através de pequenos gestos, como a forma que ela ajeita a saia ou o jeito alegre de cantar na banheira. Seu jeito de andar também chama a atenção, o que faz Edward constantemente pedir para que ela “não se mexa tanto”. E assim como Gere, Julia também se sai bem nos momentos dramáticos, como quando Phillip descobre que ela é prostituta e diz uma frase cruel, magoando Vivian profundamente – e Roberts ilustra muito bem a tristeza da personagem. Infelizmente, o restante do elenco não mantém o mesmo nível nas atuações e, pra piorar, ainda temos Phillip, um personagem detestável, totalmente unidimensional, que certamente prejudica a atuação de Jason Alexander.

Seguindo o tom discreto da direção, o trabalho técnico de “Uma Linda Mulher” não chama muito a atenção, mas nem por isso deixa de ser eficiente e trabalhar a favor da narrativa. Observe, por exemplo, como os figurinos de Marilyn Vance ilustram a personalidade distinta do casal, através das roupas escandalosas de Vivian e dos ternos cinzentos que denotam seriedade a Edwards, algo ilustrado também através de pequenos gestos, como quando Vivian tenta sentar nos pés de Edward e ele rapidamente tira o pé. Repare também como a direção de fotografia de Charles Minsky é colorida e cheia de vida quando Edward está com Vivian, refletindo o estado de espírito do milionário e, ao mesmo tempo, criando um contraste interessante com o ambiente cinzento e sem vida de seu escritório e de sua vida nos negócios. E até mesmo a trilha sonora de James Newton Howard pontua bem as cenas, refletindo a empolgação dos personagens através de alguns sucessos da época, como “Wild Women Do”, além é claro da clássica “Pretty Woman”, que aparece no momento em que Vivian se sente mais confiante, andando pelas ruas após conseguir comprar suas roupas. E fechando o trabalho técnico, a montagem ágil de Raja Gosnell e Priscilla Nedd-Friendly colabora com o clima leve e o ritmo empolgante da narrativa, como podemos notar, por exemplo, durante o jantar de negócios, além de fazer uma interessante transição através da grade da cama, revelando o momento em que o casal apaixonado supera as barreiras impostas por eles mesmos, algo confirmado na frase de Vivian (“Eu te amo”).

O previsível final feliz, com Edward chegando para buscar sua princesa com ópera e tudo mais, é bastante irreal, é verdade, mas está dentro do propósito leve da narrativa. Talvez um final coerente, como cada um seguindo o seu caminho, fizesse de “Uma Linda Mulher” um filme mais maduro e tocante, mas certamente estaria completamente fora do tom adotado até então. E é justamente por entregar aquilo que se propõe sem maiores pretensões que o longa dirigido por Garry Marshall e estrelado por Julia Roberts e Richard Gere agrada.

PS: *Desculpe a tradução literal, mas outra palavra tiraria completamente o sentido da frase.

Texto publicado em 13 de Dezembro de 2010 por Roberto Siqueira

14 comentários sobre “UMA LINDA MULHER (1990)

  1. Lucia 4 novembro, 2012 / 5:27 pm

    Como sempre sua EXPLANAÇÃO é D+++… !!!

    Vi esse filme pelos atores Richard Gere, Julia Roberts. Gostei.

    Inacreditável mas na vida real estas coisas acontecem sim… rrss….

    NB:
    Na infância eu chamava a esposa de um meu tio-avô de TIA. Meu pai tentou proibir-me, NÃO obedeci, eu amava aquela TIA, ela era afável com todos.
    Procurei investigar porque a proibição do meu pai… DESCOBRI… zzz…
    Aquela TIA que eu amava tanto foi prostituta do baixo meretrício no passado…
    Meu tio-avô era próspero comerciante e estava noivo de uma donzela do mesmo nível econômico.
    Contudo, certo dia meu tio-avô foi à zona, embebedou-se e amanheceu pelado juntamente com a prostituta que mais tarde tornou-se sua esposa…
    O escândalo no vilarejo durou muito tempo… Finalmente meu tio-avô decidiu terminar o noivado com a donzela e se casou com a prostituta do baixo meretrício e viveram felizes até o final das suas vidas.
    E mais… Todos os comentários eram unânimes, meu tio era notadamente um homem feliz no casamento…

    E por que meu pai implicava com ela? Simplesmente porque ele teve suas primeiras experiências sexuais com a dita… rrss….

    ESTE episódio mudou minha visão de casamento mesmo sendo filha de um casal ao estremo machista e absurdamente preconceituosos…

    Assevero: NÃO CASE NUNCA pelo que acha a sociedade… Case pela somatória positiva e recíproca que o relacionamento amoroso proporciona…
    Te mais, Lucia.

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    • Roberto Siqueira 14 novembro, 2012 / 11:58 pm

      Que história interessante Lucia. Bem legal.
      Obrigado mais uma vez pelos elogios. E com certeza, devemos ficar com as pessoas porque amamos e não porque a sociedade acha correto.
      Abraço.

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  2. Cross98 28 março, 2012 / 9:47 am

    Acho um filme razoavel , pra mim 3 estrelas

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    • Roberto Siqueira 20 abril, 2012 / 10:18 pm

      Valeu Mateus.

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  3. jefferson vinicius de paula souza 5 janeiro, 2012 / 3:24 am

    oi boa noite adoro esse filme mis queria saber o nome da musica e de quem canta, a musica intrumental romatica de fundo que passa varias vezes no filme por favor me responda se alguem souber o mais rapidopossivel obrigdo

    e parabe/~sn peo filme adorei deveria tr o filme uma lind mulher 2

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    • Roberto Siqueira 8 janeiro, 2012 / 9:23 pm

      Oi Jefferson, existem sites (como o Cine Players) que tem a lista completa de músicas da trilha sonora.
      Um abraço e obrigado pelo comentário.

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  4. maria lucia 23 novembro, 2011 / 10:49 pm

    adoro esse filmi 2.0000 vezess que passar na tv eu assisto amo

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    • Roberto Siqueira 24 novembro, 2011 / 10:07 pm

      Que legal Maria Lucia.
      Obrigado pela visita e pelo comentário.
      Abraço.

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  5. Rodrigo Soares 15 dezembro, 2010 / 12:21 pm

    Excelente filme e ótima narrativa textual.
    Vale lembrar que a trilha sonora só obteve grande êxito devido a música “It Must have been love” de Roxette. Esta impulsionou-a a ultrapassar a marca de 9 milhões de cópias vendidas. O momento em que Vivian (Julia Roberts) entra na limosine e representa com sua face um instante de dor e sofrimento = a separação; essa cena é fatal e foi muito bem explorada pelo diretor, seguramente. Ela não estava no script e a música de Roxette foi a causa para que aparecesse.
    Em suma: essa trama torna-se inesquecivelmente bela e clássica na mente e nos corações de todos que a viram, justamente pela riquesa e primor de detalhes sensacionais e certamente grandiosos.
    PARABÉNS !!!

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    • Roberto Siqueira 16 dezembro, 2010 / 6:19 pm

      Olá Rodrigo.
      Interessante a curiosidade sobre a música, valeu!
      Grande abraço e obrigado pelo elogio.

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  6. Mandy Intelecto 15 dezembro, 2010 / 11:11 am

    Serio se o final desse flme fosse diferente, com cada um seguindo o seu caminho…o filme seria ruim!!! Hahahahah

    Eu AMO esse filme, acho ele lindo…com uma história linda…com atores lindos….

    Nossa….é demais….
    Para mim não é uma comédia romantica, porque não é o besterol que as comédias romanticas são…sei lá, eu não saberia classificar esse filme, mas é MAIS do que uma simples comédia romantica!!!

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    • Roberto Siqueira 16 dezembro, 2010 / 6:18 pm

      Oi Amanda,
      Então, nem toda comédia romântica precisa ser besteirol, esta é a prova. E tem algumas outras também. O problema é que estes bons filmes fazem sucesso, e aí as produtoras saem fazendo qualquer coisa pra ganhar dinheiro, sem se importar com a qualidade.
      Valeu pelo comentário.

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  7. Thiago Barrionuevo 14 dezembro, 2010 / 7:04 am

    Incrível como eu percebo que não assisti a bons filmes antigos por achar que já tinha assistido… Ouvi falar tanto deste filme que achava ter visto algumas vezes, mas quando decidi realmente assistir, a duas semanas atrás, eu me surpreendi. Não sou muito fã de comédia romântica, mas Uma Linda Mulher é mais que isso. É um clássico mesmo. Julia Roberts manda muito bem no filme e o casal juntos faz um ótimo trabalho mesmo. Da categoria de “Comédias românticas”, sem dúvida este é o meu filme preferido. Eu daria 5 estrelas!

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    • Roberto Siqueira 16 dezembro, 2010 / 6:16 pm

      Que curioso isto Thi.
      Por isso, em muitos casos, vale a pena conferir novamente os filmes que marcaram época. E no seu caso, pra sua surpresa, foi a primeira conferida! rs
      Bom filme realmente, grande atuação da Julia.
      Valeu pelo comentário, abraço!

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