Entre 1998 e 2002 eu provavelmente vivi o período de maior fanatismo pelo futebol da minha vida. Vi meu time dominar a América, chegando a cinco finais continentais entre 1998 e 2000, e cair vertiginosamente de uma hora pra outra; acompanhei a seleção de Felipão ganhando nossa quinta estrela no Japão; assisti a maioria dos campeonatos europeus da época e me apaixonei definitivamente pela Uefa Champions League; e, finalmente, vi um goleiro fazer coisas impossíveis, com atuações diferenciadas e defesas que eu jamais tinha visto igual – e que poucas vezes voltei a ver depois disto. Este goleiro, obviamente, era Marcos.
Era ele, “São Marcos”, que me permitia gritar pelos cantos da casa em cada grande defesa e nas históricas decisões por pênaltis na Libertadores (em nove disputas com ele, o Palmeiras venceu sete). Foi ele também que fez a defesa mais marcante das ultimas décadas, no famoso pênalti defendido contra o Corinthians, em chute de Marcelinho Carioca. Também contra o Corinthians, um ano antes, Marcos assumiria o lugar do machucado Velloso e brilharia naquela que considero a maior atuação que já vi de um goleiro, seguindo com atuações fantásticas até a conquista da Libertadores – aliás, Marcos foi o primeiro goleiro da história a vencer o prêmio de melhor jogador da competição. São Marcos, vale lembrar, também nos permitiu vibrar com os gols de Ronaldo na decisão da Copa, afinal, o que ele fez contra a Bélgica nas oitavas-de-final foi algo que poucos goleiros fariam e só por isso conseguimos chegar àquela final. E na própria decisão, Marcos impediu que a Alemanha saísse na frente no chute de Neuville, em outro milagre que entrou para a história. E mesmo depois de brilhar tanto, ele voltou para o Palmeiras, caiu para a segunda divisão e ficou no time até voltar para a elite, no ano seguinte. Mais do que isto, ficou até encerrar, no último dia 04 de Janeiro, sua gloriosa carreira.
Como é que é? É meu amigo (como diria Galvão Bueno), este dia chegou. E talvez por não acreditar no que estava vendo mesmo com tantos indícios de que Marcos pararia, eu não consegui escrever nada a respeito. Pode ser que, inconscientemente, eu precisava vê-lo falando para acreditar – e não ouvir a notícia através de outra pessoa. Mas hoje ele falou. Chorou, emocionou e confirmou a notícia mais triste que a torcida do Palmeiras, tão sofrida nos últimos anos, poderia esperar. São Marcos de Palestra Itália parou de jogar.
Sendo assim, mesmo com uma semana de atraso, eu finalmente criei coragem de expressar em palavras o que senti na última quarta-feira, ao ver o anúncio da aposentadoria do único jogador que mereceu ser chamado de ídolo em minha geração (único? OK, Rogério Ceni também merece). Sim, porque tivemos muitos bons jogadores, alguns craques e poucos gênios, mas nenhum jogador nas últimas décadas foi tão especial como Marcos. Ao ver aquele anúncio, senti uma tristeza tão grande, um vazio enorme ao pensar que jamais veria um jogo do Palmeiras com Marcos no gol novamente. Uma fase marcante da minha vida passava a viver apenas em vídeos do Youtube e livros de história. Ver Marcos parando significa romper de vez com uma época em que eu ia aos estádios e curtia o futebol de verdade, ao lado dos meus amigos e da minha família. Posso até voltar a amar o futebol como antes, mas certamente a magia daquela época deixou minha vida no momento em que Marcos deixou os gramados.
Li muita coisa boa por aí (deixei alguns links no final do post), me emocionei com muitos textos e me senti incapaz de escrever algo sobre meu único (na falta de outra palavra mais adequada) “ídolo” no futebol. E mesmo hoje, quando me sinto mais preparado para tal tarefa, são tantas as lembranças e fatos que tenho na memória que nenhum texto do mundo refletirá o que penso e sinto.
Deixemos de lado a parte técnica para evitar polêmicas (até porque, pouco importa neste momento). Basta uma olhada rápida pelos sites especializados para constatar que torcedores do São Paulo consideram Rogério Ceni o melhor de sua geração e a esmagadora maioria de torcedores/jornalistas de outros times concorda com os palmeirenses e considera Marcos o melhor (Taffarel também é bem lembrado, mas é de uma geração anterior). Como sou palmeirense, é óbvio que considero Marcos o melhor de seu tempo (entre 1999 e 2002 Marcos fez o impossível no gol do Palmeiras e da seleção brasileira), mas respeito à importância e a qualidade de Rogério Ceni (agora, o ultimo representante do praticamente extinto termo “amor à camisa”), assim como respeito outros grandes goleiros como Dida, Taffarel e os estrangeiros Preud’homme, Buffon, Oliver Kahn e Schmeichel.
Mas se debaixo do gol todos eram muito bons, Marcos se diferenciava mesmo fora das quatro linhas. E não apenas deles, mas de todos os outros jogadores de sua geração, incluindo aí alguns que eu admiro muito como Romário, Ronaldo e Rivaldo (aliás, ver esta geração especial deixando os gramados sem reposição à altura comprova a melancólica queda de qualidade do nosso futebol, que, aparentemente, dependerá de Neymar e Ganso por muito tempo). Marcos era diferente porque falava a linguagem da arquibancada, não dava entrevistas burocráticas e sempre externava o que pensava. Era um homem do povo, o torcedor que virou jogador. Falava e agia sempre com o coração, rendia ótimas entrevistas e matérias e, mesmo nas crises, espalhava carisma por onde passava. Por isso, recebeu lindas homenagens em diversos sites e blogs espalhados pela internet e até mesmo nos sites oficiais dos grandes rivais.
Com sua aposentadoria, o torcedor do Palmeiras fica órfão de ídolos, mas ele não está só. A imprensa está mais triste. Os jogadores estão mais tristes. Até mesmo as torcidas de outros times estão mais tristes. Enfim, o futebol brasileiro está mais triste. Quanto a mim, é triste pensar que não ouvirei mais os narradores anunciarem Marcos como goleiro do Palmeiras e nem verei mais suas incríveis defesas, mas pelo menos carregarei eternamente na memória suas atuações, desde o primeiro dia em que o vi jogar no estádio, num Palmeiras x Botafogo/RP em 1996, quando, ao lado do meu pai e do meu primo Thiago, vi Marcos defender um pênalti, provavelmente o primeiro de tantos que ele defendeu (vale lembrar que ele era o goleiro em atividade no Brasil que mais defendeu pênaltis na carreira).
Vi Marcos se tornar “Santo” nas partidas contra o Corinthians na Libertadores, vi ele falhar em Tóquio e ser recebido de braços abertos pela torcida no aeroporto, vi ele brilhar no penta da seleção e voltar para disputar a série B pelo meu time, recusando os milhões de euros oferecidos pelo Arsenal. E, infelizmente, vi Marcos agüentar firme por muitos anos num Palmeiras que sequer chega perto dos dias gloriosos. Por isso, posso me orgulhar de ter visto, além de um excepcional goleiro, um dos últimos representantes do futebol romântico – e será um prazer contar estas histórias para o meu filho no futuro. Marcos parou, Rogério deve parar em breve, e então o futebol terá perdido de vez suas últimas referências de uma época que eu sequer vivi, mas que posso imaginar o quanto era boa graças a estes dois.
Marcos ganhou tudo na carreira, mas sua principal conquista veio de fora dos gramados: poucos jogadores na história conseguiram ser tão respeitados e admirados pela imprensa e por todas as torcidas como ele foi.
Agradeço a São Marcos por cada defesa dentro de campo, mas, especialmente, por seu comportamento fora dele. Valeu Marcão! Você jamais será esquecido. Foi muito bom ter um jogador como você vestindo a camisa do meu time. Poucas torcidas podem se orgulhar assim!
De um palmeirense momentaneamente triste, mas eternamente grato.
MUITO OBRIGADO!
PS: Outros excelentes textos sobre a despedida do mito São Marcos nos blogs do PVC, Mauro Cezar, André Kfouri, Esporte Interativo, Clic+, Terra, Globo Esporte e até no site da FIFA. Veja também as notas oficiais nos sites de Corinthians e São Paulo.
Texto publicado em 11 de Janeiro de 2012 por Roberto Siqueira