Jogo dos 7 erros (sem trocadilho)

Falar depois da derrota é fácil. Analisar resultados é muito simples. Mas quem acompanha meus comentários aqui sabe que eu já não estava gostando da seleção e apontava a Alemanha como favorita ao título. No entanto, nos últimos dias fui contagiado pelo otimismo de amigos e cheguei a acreditar que de alguma forma poderíamos vencer. O choque foi grande. Deu a sensação de que se a Alemanha mantivesse o ritmo no segundo tempo faria 10. Um baile completo.

Mas para entender o que aconteceu, é preciso voltar no tempo. Vamos tentar então analisar os 7 principais motivos que levaram o Brasil a sua pior derrota na história do futebol. Uma derrota em casa, contra outro gigante que muitas vezes não é respeitado por aqui, numa semifinal de Copa. Talvez a maior vitória de um grande na história da Copa do Mundo.

Em minha opinião, os principais culpados pela derrota histórica são, pela ordem:

1 Alemanha1 – ALEMANHA

Em 2002, a seleção alemã chegou a final da Copa com um time bem mediano. Conta-se que o técnico Rudi Völler, ao comparar as escalações, teria pensado imediatamente que não dava pra vencer. Fizeram jogo duro, mas caíram diante do poderio brasileiro. Dois anos mais tarde, eliminação na primeira fase da Eurocopa em um grupo fácil. Os alemães chegavam ao fundo do poço. Um de seus principais clubes, o Borussia Dortmund, a beira da falência. Iniciava ali a reformulação geral do futebol alemão. Controle rígido financeiro, investimento em categorias de base, reorganização da Bundesliga e o projeto de ter o melhor campeonato e a melhor seleção do mundo. Doze anos mais tarde, a Alemanha ainda não tem o melhor campeonato do planeta, mas já tem clubes mais fortes e organizados e a Bundesliga é um sucesso. Dentro de campo, tem uma invejável geração de jogadores e já tem jovens valores despontando para o futuro. Ou seja, a Alemanha trabalhou muito para estar onde está. Pode até perder domingo, futebol tem destas coisas, como atestam as próprias vitórias alemãs contra as mágicas Hungria de 54 e Holanda de 74. Mas o fato é que se o tetra vier no domingo, estará premiando um trabalho bem feito e, com todo o respeito à Itália, restabelecendo a ordem na história das Copas. A Alemanha não pode ficar atrás em Mundiais. Tem peso, tradição, sempre chega longe e merece estar no topo ao lado do Brasil ou próxima dele.

2 CBF2 – CBF

Ao contrário da Federação Alemã, a CBF jamais se preocupou com o campeonato nacional. Assim, somos obrigados a ver ano após ano a decadência total do futebol brasileiro, com times fracos, jogos ridículos, clubes grandes sendo reduzidos a pó e vexames na Libertadores que foram amenizados por títulos dos únicos que sobravam, como em 2011, quando o Santos foi o único sobrevivente de uma eliminação em massa, ou em 2013, quando o Atlético Mineiro escapou 3 vezes da eliminação eminente – o pênalti defendido por Victor foi a principal delas. Tivemos alguns choques de realidade também no Mundial de Clubes, com derrotas de Internacional e Atlético Mineiro para times que nem da Europa são e a vexatória goleada sofrida pelo Santos diante do Barcelona. Mas a CBF nada faz pelos clubes brasileiros. Se esta goleada não servir para mudar nosso futebol, o futuro será sombrio.

3 Felipão e Parreira3 – FELIPÃO E PARREIRA

As escolhas erradas seguiram também na seleção. Sou palmeirense e, portanto, fã de Felipão, mas sua queda na carreira era evidente e a CBF resolveu apostar nele mesmo assim. É fácil falar agora, eu também gostei da escolha dele por seu talento em torneios eliminatórios, mas a escolha revelou-se desastrosa nesta Copa. A vitória na Copa das Confederações escondeu problemas táticos e enganou muitos mais uma vez, como se o histórico desta competição não significasse nada e os exemplos de 2006 e 2010 não tivessem importância. Por sua vez, Parreira em nada contribuiu com suas declarações arrogantes que espelham o pensamento da maioria dos brasileiros. Arrogância, prepotência calcada num passado que não encontra reflexo no presente. Desrespeito pelo futebol moderno jogado em outros países, afirmações que só trouxeram mais pressão para o time. Enfim, um desastre completo.

4 Mídia4 – A TRADICIONAL ARROGÂNCIA BRASILEIRA E O OBA-OBA DE PARTE DA MÍDIA

A Rede Globo é um caso a parte. Nem preciso comentar muito. Quem acompanhou qualquer programa desta emissora durante a Copa sabe que o velho oba-oba visando manter o torcedor interessado (e, portanto, garantir audiência) mais uma vez iludiu boa parte do país, escondendo os defeitos da seleção e vendendo a velha imagem de “melhor futebol do mundo”. Justiça seja feita, o único que se salvou neste aspecto foi o bom “Central da Copa”, que talvez pelo horário tenha mais coragem de escancarar a verdade. Mas o oba-oba e o festival de besteiras não ficam apenas na maior emissora do país. Aliás, já é uma tradição. Lembro-me de ouvir o Falcão dizendo que a seleção alemã era fraca tecnicamente na Copa de 2010 (muitos deles estão no Brasil agora) e de Benjamin Back dizendo que o futebol europeu estava decadente. Alguns dias depois, os europeus venceram os 3 confrontos com sul-americanos nas quartas de final, dois deles chegaram a decisão e calaram o pobre Benja. Desta vez, li muita gente desrespeitando a Alemanha por causa do histórico contra o Brasil, muita gente afirmando que “aqui é Brasil, a camisa tem peso!”, esquecendo-se do peso da camisa que estava do outro lado e desconsiderando o fato de que até ontem o único jogo realmente importante entre os dois gigantes era a final de 2002. Até o PVC, de quem sou fã, caiu nesta e fez comentários de torcedor nos últimos dias, algo raro de se ver. Neste ponto, Mauro Cezar Pereira mandou muito bem desde o começo da Copa e demonstrou coragem para apontar os defeitos do Brasil e as qualidades alemãs bem antes do massacre de ontem. Esta balela de “país do futebol” e “únicos pentacampeões” não existe. O verdadeiro país do futebol chama-se “Brasil/Alemanha/Itália/Argentina/França/Inglaterra/Espanha/Holanda/Uruguai”. Não respeitar qualquer uma destas camisas é o primeiro passo para a derrota. Espero que hoje, de uma vez por todas, os brasileiros aprendam isso.

5 Jogadores5 – JOGADORES

Obviamente, os jogadores também tem sua parcela de culpa. Apesar da falta de experiência em Copas, muitos deles jogam em grandes clubes europeus, estão acostumados a decisões e não podem, de maneira alguma, cometer tantos erros num jogo de semifinal de Copa. Não dá nem pra nomear quem foi pior. Uma partida esquecível, que escancarou como a nossa geração promissora ainda está bem distante da qualidade atual da geração alemã. Podemos evoluir, temos condições pra isso. Temos Neymar, David Luiz e Thiago Silva, grandes jogadores que podem formar a base de uma seleção vitoriosa. Mas o que se viu ontem não nos permite amenizar a culpa dos nossos jogadores. Ele também tem culpa, uma boa parcela de culpa, aliás.

6 Dunga6 – DUNGA

Sim, você leu correto. Dunga tem uma parcela de contribuição para a tragédia de ontem. Ao decidir não levar Neymar, Ganso e outros jovens na Copa de 2010, Dunga perdeu a chance de dar experiência em Copas para jogadores que poderiam ser à base da seleção desta Copa. Ganso não vingou, mas Neymar sim. Craque como é, Neymar se saiu muito bem e parece não ter sentido falta desta experiência. Mas é inegável que ter jogado outra Copa poderia acalmar os ânimos de muitos jogadores da seleção nas horas mais complicadas, como os 6 minutos de ontem em que a Alemanha fez 4 gols, num recorde absoluto na história das Copas.

7  A Geração Perdida7 – A GERAÇÃO PERDIDA

Quem também poderia contribuir com experiência em Copas é a geração perdida do futebol brasileiro. Ótimos jogadores como Adriano, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Robinho jogaram suas carreiras na lata do lixo por diversas razões e inviabilizaram a possibilidade de serem convocados para esta Copa, enfraquecendo ainda mais uma geração promissora, mas carente de líderes. Cada um faz o que quer com sua vida, não temos nada a ver com isso. Mas analisando o futebol jogado dentro do campo, é triste perceber como estes jogadores poderiam contribuir para termos uma seleção mais competitiva e, por questões extracampo, não o fizeram.

Paul Breitner veio ao Brasil recentemente e explicou na ESPN o processo de restauração do futebol alemão. Ter a humildade de reconhecer o avanço de outros e o retrocesso brasileiro é o primeiro passo para voltar ao topo. Até lá, temos muito que trabalhar, desde as divisões de base dos nossos clubes até a definição de líderes que realmente se importem com nosso futebol.

O momento é complicado, mas o Brasil tem força e tradição para mudar. E como comprova a também gigante Alemanha, basta querer.

Texto publicado em 09 de Julho de 2014 por Roberto Siqueira

4 comentários sobre “Jogo dos 7 erros (sem trocadilho)

  1. francisco 29 julho, 2014 / 10:14 pm

    Eh, meu caro roberto, saudações…vc disse tudo nesse comentário irretocável. Perfeito ‘os sete erros’ sem trocadilho, e eu gostaria de comentar algo em relação a parte q vc disse sobre a mídia (quarto erro), realmente q absurdo esses nossos jornalistas vira casaca e ‘Maria vai c as outras’ tentando esconder as deficiências já visíveis desde antes do início da copa empurrados pelo oba-oba do título das confederações e da vitória sobre uma Espanha já tão decadente quanto seu time base, o Barcelona. Eu aponto um oitavo erro (sem trocadilho com aquele gol perdido pela Alemanha no final): A exagerada exposição publicitária do Felipão e de alguns jogadores da seleção canarinho, irritando o torcedor e iludindo as crianças, coitadas. Era difícil aguentar o Dani Alves dizendo à Messi: “O bicho vai pegar aqui no Brasil, fique esperrrto,” e o Marcelo: “coloca na gaveta muleque” kkk,… só queria dizer isso!obrigado, grande abraço.

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  2. carlos martin 10 julho, 2014 / 8:37 am

    muito bem falado e escrito , claro, meu amigo cinéfilo e amnte do bom futebol, com certeza, se o Brasil quiser e acredito que quer, podemos mudar pra melhor, acrescente outra coisa, a famigerada lei Pele, era pra dar liberdade pros jogadores não seem mais escravos dos clubes, quando na verdade agora eles são escravos de empresários sanguessugas,

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