(The Ten Commandments)
Videoteca do Beto #110
Dirigido por Cecil B. DeMille.
Elenco: Charlton Heston, Anne Baxter, Yul Brynner, Edward G. Robinson, Yvonne De Carlo, Vincent Price, Richard Farnsworth, Debra Paget, John Derek, Cedric Hardwicke, Nina Foch, Martha Scott, Judith Anderson, John Carradine, Olive Deering, Douglass Dumbrille e Robert Vaughn.
Roteiro: Eneas McKenzie, Jesse Lasky Jr., Jack Gariss e Fredric M. Frank, baseado nos livros de J.H. Ingraham, A.E. Southom e Dorothy Clarke Wilson.
Produção: Cecil B. DeMille.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Poucos livros têm tanto potencial cinematográfico como a Bíblia Sagrada. Recheado de histórias grandiosas, o livro sagrado cristão é um prato cheio para cineastas ousados, que podem projetar na tela a sua visão sobre aqueles acontecimentos. Por outro lado, histórias bíblicas podem causar aversão em pessoas não cristãs e, nas mãos de diretores errados, podem se transformar em mera propaganda religiosa. Não é o caso de “Os Dez Mandamentos”, épico grandioso e muito bem conduzido por Cecil B. DeMille, que narra à trajetória de Moisés desde que foi colocado ainda bebê num rio até o momento em que lidera a libertação de seu povo do Egito.
Após o Faraó decretar a morte de todos os bebês do sexo masculino, o recém-nascido Moisés (Charlton Heston) é deixado nas águas de um rio, dentro de um cesto, e encontrado por uma princesa egípcia. Já adulto, ele disputa a atenção da jovem Nefretiri (Anne Baxter) com Ramsés (Yul Brynner), o filho do Faraó e herdeiro do trono. Protegido até mesmo pelo Faraó, Moisés vê tudo mudar quando sua verdadeira origem é revelada e ele é condenado à morte. Ramsés, no entanto, não o mata, preferindo expulsá-lo do Egito. Anos depois, Moisés tem um encontro com Deus e descobre sua missão, voltando para o Egito para libertar seu escravizado povo.
Baseado nos livros bíblicos, “Os Dez Mandamentos” explora muito bem o enorme potencial da história original graças à condução precisa de DeMille, que tinha tanto apreço pela obra que decidiu até mesmo fazer a introdução da narrativa pessoalmente. O roteiro acompanha todas as etapas da vida de Moisés, o que torna a narrativa bastante extensa, ainda que jamais deixe de ser envolvente, graças também ao bom ritmo da montagem de Anne Bauchens. Auxiliado pela direção de fotografia de Loyal Griggs, o diretor cria um universo bastante colorido e vivo, explorando muito bem as belas paisagens para criar planos marcantes, como na linda marcha dos camelos pelo deserto de Sur e na impressionante imagem do anjo destruidor que desce em forma de fumaça para matar os primogênitos egípcios. E se esteticamente o diretor se sai muito bem, é na criação de momentos imponentes que a direção segura de Cecil B. DeMille se destaca, explorando muito bem o visual magnífico das locações e a impressionante quantidade de figurantes, como no plano geral que acompanha a saída dos israelitas do Egito. Neste e em outros momentos, como a famosa seqüência no mar vermelho, fica evidente a excelente condução da mise-en-scène do diretor, que coordena aquele enorme grupo de pessoas com eficiência.
Eficiente também é a citada montagem de Anne Bauchens, ainda que hoje o filme soe pouco comercial devido a sua longa duração e alguém possa argumentar que algumas cenas poderiam ser cortadas. Pessoalmente, me senti sugado por aquele universo e aproveitei cada minuto da jornada sem notar o tempo passar. E isto acontece também porque os excelentes figurinos (crédito para Arnold Friberg, Edith Head, Dorothy Jeakins, John Jensen e Ralph Jester), com as armaduras dos soldados e o manto de Moisés, por exemplo, e a direção de arte (crédito para Albert Nozaki, Hal Pereira e Walter H. Tyler), que recria cenários imponentes como os palácios e trabalha em pequenos detalhes como as carroças e as armas, ambientam perfeitamente o espectador. Além disso, a montagem de Bauchens indica com inteligência os saltos da narrativa evitando que ela se torne episódica, por exemplo, quando o filho pequeno de Moisés surge e nos mostra que se passaram alguns anos desde que ele saiu do Egito.
Embalado ainda pela trilha sonora triunfal de Elmer Bernstein, “Os Dez Mandamentos” é recheado de cenas marcantes e grandiosas, como o momento em que Deus fala pela primeira vez com Moisés, a própria inscrição na pedra dos mandamentos e a descida de Moisés do monte, irado diante de um povo infiel, que havia acabado de presenciar um milagre divino e já tinha se entregado a outro ídolo – e vale citar o belo momento em que o fogo se funde ao bezerro de ouro, numa transição elegante de planos. A conversa com Deus, aliás, revela também os bons efeitos visuais, que funcionam perfeitamente na maior parte do tempo, como quando os cajados são transformados em cobras. Mesmo que hoje soem datados, até mesmo os efeitos menos realistas – como o fogo que segura os egípcios do outro lado do mar – eram muito eficientes na época e não comprometem a narrativa. E se os efeitos visuais parecem envelhecidos em alguns momentos, o design de som e os efeitos sonoros continuam simplesmente espetaculares, destacando-se na fuga do Egito e na passagem pelo mar vermelho.
Já na condução do elenco DeMille não é tão feliz, extraindo atuações irregulares que oscilam entre momentos bons e outros de “overacting”. Heston, por exemplo, jamais foi um ator sutil e, ainda que tenha suas limitações, se sai bem como Moisés, mostrando-se inicialmente viril e retratando muito bem o envelhecimento do personagem com o passar dos anos. Sempre seguro, ele passa a demonstrar cansaço no decorrer da narrativa, através da voz e da forma lenta de caminhar, o que, auxiliado pela excelente maquiagem, da uma boa noção da degradação física de Moisés. Por outro lado, o grande Edward G. Robinson cria um Dathan irregular e até mesmo unidimensional, chegando a ser irritante em sua resistência diante dos milagres divinos. Anne Baxter também oscila bastante, mas cria uma Nefretiri insinuante e decidida, que consegue persuadir Ramsés em muitos momentos. Interpretado por Yul Brynner, Ramsés é duro e autoritário sempre que está em cena, também pela voz firme do ator e por sua postura, que impõe respeito na pele do grande vilão da narrativa (repare a sintonia entre o deus Sokar e as roupas pretas de Ramsés, indicando a aura sombria do personagem).
Envolta em magia, a conversa entre Moisés e Deus no monte Sinai determina sua volta para libertar o povo no Egito. Respeitado pelo pai de Ramsés, que chega a pronunciar seu nome antes de morrer, o hebreu volta a terra em que foi criado, desta vez para retirar seu povo escravo de lá. “Egípcio ou hebreu, sou o mesmo Moisés”, afirma em certo momento, mas isto não era verdade. Ele estava mudado após a conversa no monte Sinai e agora sabia a sua missão na terra. E após Deus castigar o Egito com pragas, Ramsés finalmente se convence e liberta os hebreus, dando início a melhor seqüência de “Os Dez Mandamentos”, que começa com a gloriosa saída do Egito e chega ao seu grande momento diante do mar vermelho. Mesmo após tantos anos, a cena da abertura do mar ainda é impactante e prende a atenção do espectador de maneira impressionante. Os ótimos efeitos visuais, a trilha sonora e a forma como DeMille conduz a seqüência criam uma cena poderosa. Após este grande momento, Ramsés volta derrotado e é envolvido, ao lado de Nefretiri, por tons vermelhos no trono, simbolizando o inferno astral do casal. Mas nem mesmo este milagre amoleceria os corações do povo israelita, que ainda marcharia por 40 anos no deserto até alcançar a terra prometida.
Independente de sua crença, o espectador sai satisfeito com o belo espetáculo visual de “Os Dez Mandamentos”. E é justamente na força de suas grandes cenas que reside o sucesso da narrativa. Espetaculoso, Cecil B. DeMille sabia que a história de Moisés atrairia o grande público e conduziu com muito carinho este ousado projeto. Acabou conseguindo mais do que sucesso de público, entregando um filme que marcou a história do cinema.
Texto publicado em 26 de Agosto de 2011 por Roberto Siqueira