O FALCÃO MALTÊS (1941)

(The Maltese Falcon)

 

Filmes em Geral #73

Dirigido por John Huston.

Elenco: Humphrey Bogart, Mary Astor, Gladys George, Peter Lorre, Barton MacLane, Lee Patrick, Sydney Greenstreet, Ward Bond e Jerome Cowan.

Roteiro: John Huston, baseado em livro de Dashiell Hammett.

Produção: Henry Blanke e Hal B. Wallis.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Não bastasse ser um dos mais conhecidos representantes do film noir, “O Falcão Maltês” ainda pavimentou o caminho de sucesso de dois importantes nomes da história do cinema: John Huston e Humphrey Bogart (que estrelaria “Casablanca” um ano depois). Além disso, a intrincada e deliciosa narrativa, que mistura momentos sarcásticos com outros de puro suspense, estabeleceu padrões que seriam seguidos por muitos dos filmes posteriores, definindo também características clássicas do gênero, como os personagens ambíguos, os ambientes obscuros (inspirados no expressionismo alemão) e a mulher fatal.

Dirigido por John Huston, “O Falcão Maltês” apresenta todas as características marcantes do film noir – apontadas pelos críticos franceses que estudaram o movimento -, como os detetives de caráter duvidoso, os ambientes fechados e o predomínio de cenas noturnas (direção de fotografia de Arthur Edeson), a trama policial e, obviamente, a narrativa que gira em torno de algum crime. No caso, o detetive particular Sam (Humphrey Bogart) é procurado por Brigid O’Shaughnessy sob a alegação de que a moça está sendo ameaçada. Só que tanto o seu perseguidor como a pessoa contratada para protegê-la aparecem mortas e a investigação começa a levantar suspeita de praticamente todos os envolvidos.

O roteiro intrincado do próprio John Huston, baseado em livro de Dashiell Hammett, desenvolve a trama com cuidado, nos levando lentamente para a tensa conclusão, mas já fisgando o espectador logo no início, com a morte do parceiro de Sam. Da mesma forma, Huston tem o cuidado de não tornar os personagens unidimensionais, deixando sempre uma dúvida no ar sobre o caráter de cada um deles. Através da linguagem despojada, cheia de gírias, e de atitudes ambíguas de praticamente todos os personagens, Huston jamais permite ao espectador antecipar o que acontecerá na trama, o que só colabora para que a narrativa se torne cada vez mais tensa e imprevisível.

Os figurinos de Orry-Kelly e os ambientes fechados e sombrios (direção de arte de Robert M. Haas) colaboram com esta atmosfera tensa, além de criarem o visual marcante e obscuro pretendido pelo diretor. A imagem do detetive vestido com chapéu e sobretudo, fumando um charuto e bebendo uísque é uma das marcas registradas dos chamados filmes noir e “O Falcão Maltês” é um dos responsáveis por isto. É interessante notar também como todas as ações dos personagens levantam suspeitas contra eles próprios – em outra marca registrada do movimento evidente no longa. Observe, por exemplo, como muitos indícios espalhados pela trama nos levam a crer que o próprio Sam teria assassinado o parceiro Miles (Jerome Cowan), como o beijo dele em Iva (Gladys George) – a viúva de Miles -, a própria sociedade que eles dividiam no escritório (que justificaria um suposto interesse dele na parte do parceiro) e, principalmente, o comportamento ambíguo do protagonista, capaz de chantagear uma cliente teoricamente abalada como a Srta. O’Shaughnessy.

Sempre seguro e impondo respeito, Bogart só reforça esta natureza ambígua do personagem, soando convicto em suas afirmações mesmo quando os indícios sugerem que ele pode estar mentindo. Sedutor com as mulheres e misterioso diante das autoridades, Sam é o típico personagem central dos filmes noir e, entre tantos momentos de destaque, vale mencionar sua explosão numa discussão com a polícia, em que ele sai rindo da sala, mas com as mãos tremulas, confirmando seu nervosismo diante daquela situação. E não é apenas Sam que apresenta uma personalidade ambígua. Praticamente todos os personagens soam misteriosos em determinado momento, desde Iva e seu caso escondido com Sam, passando por Cairo (interpretado pelo ótimo Peter Lorre), Brigid e o próprio detetive Dundy (Barton MacLane). A sensação que temos é a de que todos parecem esconder algo.

Esta sensação não surge por acaso. John Huston faz questão de criar diversos momentos que nos colocam em dúvida a respeito do caráter dos personagens, o que só favorece o suspense criado, reforçado pela trilha sonora de Adolph Deutsch. Desta forma, fica difícil prever para onde a narrativa esta indo, o que, neste caso, só torna o filme ainda mais agradável. Ainda assim, a revelação final de que Brigid é a assassina não chega a surpreender, mas amarra bem a trama.

Empregando um ritmo agradável ao longa, graças à montagem de Thomas Richards, e criando ainda momentos interessantes, como quando a câmera simula o olhar embaçado de Sam antes de um desmaio, John Huston mostra muita competência atrás das câmeras e entrega um filme memorável. E hoje, muitos anos depois do lançamento de “O Falcão Maltês”, nós sabemos que ele fez mais do que isto. Huston entregou um dos filmes mais respeitados da história do cinema.

Texto publicado em 21 de Novembro de 2011 por Roberto Siqueira

O TESOURO DE SIERRA MADRE (1948)

(The Treasure of the Sierra Madre)

4 Estrelas 

Filmes Comentados #1

Dirigido por John Huston.

Elenco: Humphrey Bogart, Barton MacLane, Walter Huston, Tim Holt, Bruce Bennett e Alfonso Bedoya.

Roteiro: John Huston, baseado em romance de B. Traven. 

Produção: Henry Blanke. 

[Antes de qualquer coisa, gostaria de esclarecer que os filmes comentados não são críticas. Tratam-se apenas de impressões que tive sobre o filme, que divulgo por falta de tempo para escrever uma crítica completa e estruturada de todos os filmes que assisto. Gostaria de pedir que só leia estes comentários se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

– Divertido aventura sobre a exploração do ouro nas montanhas mexicanas, com uma dose de drama e boas atuações.

– A direção de John Huston conduz a narrativa com segurança, além de criar interessantes planos como aquele em que Dobbs dá uma gargalhada recheada de maldade e as chamas da fogueira o encobrem lentamente, simbolizando o momento diabólico que ele está vivendo.

– Interessante à forma como o roteiro de John Huston aborda o tema da ganância do ser humano e como a possibilidade de ficar rico revela a verdadeira face de cada pessoa.

– A atuação de Walter Huston (pai do diretor) é absolutamente maravilhosa como o velho Howard. Sua fala rápida, seus gestos, olhares e suas frases (mérito também do roteiro) roubam a cena. As gargalhadas (que hoje parecem exageradas) não prejudicam a grande atuação. E a dança do ouro é maravilhosa e muito divertida.

– Humphrey Bogart também tem uma grande atuação como o ambicioso Dobbs. Sua mudança ao longo da narrativa é evidente. À medida que se aproxima da fortuna ele se transforma em alguém cada vez mais perigoso e egoísta, e Bogart retrata muito bem esta mudança do personagem.

– O roteiro certamente é o destaque do filme, repleto de frases inteligentes e diálogos ágeis e deliciosos de ouvir.

– Impressionante também o excelente trabalho de direção de fotografia de Ted D. McCord, que consegue passar a sensação de um mundo árido, mesmo com a ausência das cores. Ele utiliza a luz para causar a sensação de um local bastante quente.

– A montagem oscila entre bons e maus momentos. O filme caminha num ritmo muito bom até a volta para a cidade. As seqüências do ataque ao trem, o acampamento, a exploração das minas de ouro e a resistência ao ataque dos mexicanos fluem com naturalidade. O problema está na longa seqüência com os índios, que poderia ser reduzida, já que é apenas um artifício do roteiro para deixar Dobbs e Curtin sozinhos.

– É curiosa, e até cômica, a calma do assassino mexicano na hora de sua execução.

– A irônica piada do final do filme revela a principal mensagem dele. Riqueza (ouro ou dinheiro) não é tudo na vida. É bom (e essencial) tê-lo, mas devemos ter cuidado com os perigos que a riqueza pode representar na mente de pessoas muito ambiciosas. 

O Tesouro de Sierra Madre

Texto publicado em 04 de Agosto de 2009 por Roberto Siqueira

CASABLANCA (1942)

(Casablanca) 

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #3

Vencedores do Oscar #1942

Dirigido por Michael Curtiz.

Elenco: Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Dooley Wilson, Conrad Veidt, Sydney Greenstreet, Peter Lorre e Madeleine LeBeau.

Roteiro: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch, baseado em peça de Murray Burnett e Joan Alison. 

Produção: Hal B. Wallis. 

Quando os créditos começam a aparecer no final de Casablanca temos aquela sensação de satisfação por saber que o cinema é algo mágico, com uma capacidade enorme de transmitir emoções através de imagens. O clássico de Hollywood consegue de forma muito competente realizar aquilo que todo filme deveria. É um casamento perfeito de direção, fotografia, roteiro e atuações, conseguindo ser emocionante sem ser melodramático.

Fugindo da ocupação nazista durante a segunda guerra mundial, pessoas de diversas partes da Europa tinham como seu destino final a cidade de Casablanca, no Marrocos, onde esperavam por um visto salvador que lhes permitisse entrar em Lisboa e viajar para a América. Lá vive o americano Rick (Humphrey Bogart), dono de um bar de sucesso na cidade e com enorme prestígio e influencia naquela comunidade. Rick é uma pessoa amarga, que só pensa em si próprio e, como ele mesmo diz, não arrisca seu pescoço por ninguém.

A introdução do personagem Rick é excelente. Antes mesmo de sua aparição notamos que se trata de alguém muito importante, somente pela conversa em uma mesa de seu bar. Os convidados pedem para que ele beba com eles e o garçom diz que ele nunca faz isto. O convidado responde que era o segundo maior banqueiro de Amsterdã e ouve do garçom que o primeiro hoje está fazendo os salgados no bar de Rick, e que o pai dele é o carregador de malas. Somente este diálogo já revela a influência de Rick e o quanto ele é respeitado na cidade, além de fazer uma interessante demonstração do enfraquecimento dos países europeus dominados durante a guerra.

A direção de Michael Curtiz é bastante segura e cria inúmeros momentos inesquecíveis, além de procurar manter a câmera sempre próxima nos momentos dramáticos para captar melhor as reações dos atores. Logo no início do filme, a câmera se movimenta em direção à placa com o lema francês “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” no momento em que um reacionário francês é morto a tiros abaixo dela. A composição do plano, com o com o hino da França ao fundo, demonstra a inteligência de Curtiz ao transmitir a mensagem sem precisar utilizar palavras. Um dos grandes momentos de impacto acontece quando Rick entra no salão ao som de “As time goes by” e olha para a mulher que vai nos fazer entender a razão de toda sua amargura. Ilsa (Ingrid Bergman), que já está com os olhos marejados, estava sentada na mesa de seu bar. (se você ainda não viu o filme pule para o próximo parágrafo). É o suficiente para demonstrar que os dois já se conhecem e deixar subentendido que eles viveram algo no passado. É mágico. O diretor consegue falar com a platéia sem palavras, somente com imagens. Outro grande momento acontece quando Lazslo (Paul Henreid) e Rick estão tendo uma conversa reveladora e escutam os alemães cantando músicas germânicas. Lazslo pede para que um músico toque a Marselhesa (hino francês) que é cantada com enorme paixão pelos franceses presentes no bar. O enorme patriotismo evocado naquelas pessoas, perceptível em cada rosto emocionado, revela aos alemães o risco que estão correndo deixando Lazslo à solta. A situação não estava sob controle. Interessante também é notar que a farsa existente em alguns Cassinos já era revelada em 1942 (mesmo assim milhões de pessoas lotam Cassinos pelo mundo afora até os dias de hoje), na tocante cena em que Rick “sugere” a um rapaz o número 22 na roleta e ele consegue o dinheiro que precisava para sair de Casablanca. Momentos antes sua esposa havia explicado para Rick o quanto eles precisavam daquele dinheiro.

As atuações são menos exageradas do que o costumeiro na época. Humphrey Bogart está muito bem, conseguindo transmitir toda a amargura de Rick. Cínico e irônico, ele passa uma imagem de alguém amargo que não acredita em nada além de si mesmo. Existem momentos onde a atuação de Bogart deixa isto bem claro, como na cena em que ele manda uma mulher que se diz apaixonada por ele se retirar do bar e pede ao funcionário dele que a leve pra casa. A feição fria de Bogart demonstra que ele não acredita mais no amor. Claude Rains tem uma atuação extremamente simpática como o Capitão Renault. Ele se revela uma pessoa divertidamente inteligente, apesar de sem escrúpulos, procurando ficar sempre do lado mais forte. A boa atuação de ambos pode ser notada quando um determinado personagem é assassinado. O sorriso de canto de boca de Rick e Renault e os olhares de ambos demonstram que a solução do conflito aconteceu de forma satisfatória para os dois. Já Paul Henreid, como o intrigante líder da resistência tcheca Victor Laszlo perseguido duramente pelos alemães liderados pelo Major Strasser (Conrad Veidt), tem uma atuação segura e de papel fundamental na trama, já que os acontecimentos giram em torno dele. Mas a grande força de Casablanca está na personagem enigmática de Ingrid Bergman. Ilsa é uma mulher dividida e Bergman demonstra toda a ambigüidade da personagem com uma atuação magnífica. Observe como ela transmite de forma equivalente o sentimento de carinho que sente por Rick e por Laszlo. Quando ela conversa com o primeiro no bar somos levados a pensar que ela o ama, mas quando ela conversa com Rick no quarto do hotel sentimos que ela na realidade ama Laszlo. Ela jamais deixa transparecer a preferência da personagem. Quando finalmente toma uma decisão nos sentimos incomodados, pois também não temos certeza de que seja a mais correta.

A trilha sonora marca os momentos de maior tensão aumentando o volume, como na cena em que Ilsa aponta uma arma para Rick para tentar conseguir o que precisa. A fotografia de Arthur Edeson é marcante, deixando em evidência o forte contraste do preto com o branco em diversos momentos. Repare como Rick está mergulhado nas sombras quando está bebendo no bar para tentar esquecer que viu Ilsa momentos antes. Quando ela repentinamente aparece na porta toda de branco, temos a sensação de estar vendo um anjo e não uma pessoa entrando no bar devido ao enorme contraste provocado na cena. Ao final da conversa, Rick está com o rosto escondido entre seus braços debruçados na mesa, novamente mergulhado nas sombras, numa cena forte que demonstra visualmente toda a escuridão, tristeza e depressão do personagem naquele momento. [se não viu o filme, pule novamente para o próximo parágrafo 😉 ] Na cena da despedida, o casal Ilsa e Laszlo desaparece na neblina, assim como o avião some entre as nuvens, demonstrando visualmente que mais uma vez Ilsa está escapando da vida de Rick. Como se fosse um sonho, ela se esvai entre as nuvens e simultaneamente desaparece de sua vida.

Mas o grande destaque da produção é com certeza o roteiro, recheado de diálogos marcantes e inteligentes. Alguns deles ficaram marcados para sempre, como a tocante frase “Nós sempre teremos Paris”. Exemplos para ilustrar a qualidade do trabalho de Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch não faltam, como o excelente trecho em que o Sr. Ferrari (Sydney Greenstreet) quer contratar o músico Sam (Dooley Wilson), talvez o único verdadeiro amigo de Rick. Eles vão perguntar a Sam se ele aceitaria trabalhar pra o Sr. Ferrari e ele responde que não. Rick diz que ele ganharia o dobro se aceitasse, mas Sam responde que não adiantaria porque ele não tem tempo para gastar o que ganha. Outro exemplo de diálogo inteligente é quando o major Strasser oferece os vistos para Laszlo e Ilsa viajarem à Lisboa em troca dos nomes dos líderes da resistência nas cidades dominadas pelo exército alemão. Ele responde: “Se não entreguei os nomes quando estava no campo de concentração, onde vocês tinham métodos muitos mais persuasivos, não será agora que vou entregar”. Para evitar escrever o roteiro inteiro aqui, cito apenas mais um trecho maravilhoso que acontece quando o Capitão Renault pergunta à Rick se ele está realmente com os salvo-condutos deixados no bar por Ugarte (Peter Lorre). Ele responde com outra pergunta: “Você é a favor ou contra a ocupação da França?”. Ora, o capitão Renault é francês e obviamente é contra. Mas como está trabalhando para os alemães não pode afirmar sua opinião em público. Entendendo a sagacidade da pergunta de Rick ele responde: “Isso é o que acontece quando fazemos perguntas diretas. Assunto encerrado”. Maravilhoso.

Representante de um seleto grupo de filmes que jamais envelhecem, Casablanca é um excelente exemplo de como o cinema pode ser mágico. Repleto de imagens e momentos belíssimos, o filme demonstra a mudança que um verdadeiro amor pode realizar em uma pessoa, transformando-a completamente. Sem melodramas ou fórmulas prontas, o filme consegue nos emocionar e fica guardado pra sempre em nossa memória. E exatamente por isso se tornou um dos grandes clássicos da história do cinema.

 

Texto publicado em 25 de Junho de 2009 por Roberto Siqueira

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