(Casablanca)
Videoteca do Beto #3
Vencedores do Oscar #1942
Dirigido por Michael Curtiz.
Elenco: Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Dooley Wilson, Conrad Veidt, Sydney Greenstreet, Peter Lorre e Madeleine LeBeau.
Roteiro: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch, baseado em peça de Murray Burnett e Joan Alison.
Produção: Hal B. Wallis.
Quando os créditos começam a aparecer no final de Casablanca temos aquela sensação de satisfação por saber que o cinema é algo mágico, com uma capacidade enorme de transmitir emoções através de imagens. O clássico de Hollywood consegue de forma muito competente realizar aquilo que todo filme deveria. É um casamento perfeito de direção, fotografia, roteiro e atuações, conseguindo ser emocionante sem ser melodramático.
Fugindo da ocupação nazista durante a segunda guerra mundial, pessoas de diversas partes da Europa tinham como seu destino final a cidade de Casablanca, no Marrocos, onde esperavam por um visto salvador que lhes permitisse entrar em Lisboa e viajar para a América. Lá vive o americano Rick (Humphrey Bogart), dono de um bar de sucesso na cidade e com enorme prestígio e influencia naquela comunidade. Rick é uma pessoa amarga, que só pensa em si próprio e, como ele mesmo diz, não arrisca seu pescoço por ninguém.
A introdução do personagem Rick é excelente. Antes mesmo de sua aparição notamos que se trata de alguém muito importante, somente pela conversa em uma mesa de seu bar. Os convidados pedem para que ele beba com eles e o garçom diz que ele nunca faz isto. O convidado responde que era o segundo maior banqueiro de Amsterdã e ouve do garçom que o primeiro hoje está fazendo os salgados no bar de Rick, e que o pai dele é o carregador de malas. Somente este diálogo já revela a influência de Rick e o quanto ele é respeitado na cidade, além de fazer uma interessante demonstração do enfraquecimento dos países europeus dominados durante a guerra.
A direção de Michael Curtiz é bastante segura e cria inúmeros momentos inesquecíveis, além de procurar manter a câmera sempre próxima nos momentos dramáticos para captar melhor as reações dos atores. Logo no início do filme, a câmera se movimenta em direção à placa com o lema francês “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” no momento em que um reacionário francês é morto a tiros abaixo dela. A composição do plano, com o com o hino da França ao fundo, demonstra a inteligência de Curtiz ao transmitir a mensagem sem precisar utilizar palavras. Um dos grandes momentos de impacto acontece quando Rick entra no salão ao som de “As time goes by” e olha para a mulher que vai nos fazer entender a razão de toda sua amargura. Ilsa (Ingrid Bergman), que já está com os olhos marejados, estava sentada na mesa de seu bar. (se você ainda não viu o filme pule para o próximo parágrafo). É o suficiente para demonstrar que os dois já se conhecem e deixar subentendido que eles viveram algo no passado. É mágico. O diretor consegue falar com a platéia sem palavras, somente com imagens. Outro grande momento acontece quando Lazslo (Paul Henreid) e Rick estão tendo uma conversa reveladora e escutam os alemães cantando músicas germânicas. Lazslo pede para que um músico toque a Marselhesa (hino francês) que é cantada com enorme paixão pelos franceses presentes no bar. O enorme patriotismo evocado naquelas pessoas, perceptível em cada rosto emocionado, revela aos alemães o risco que estão correndo deixando Lazslo à solta. A situação não estava sob controle. Interessante também é notar que a farsa existente em alguns Cassinos já era revelada em 1942 (mesmo assim milhões de pessoas lotam Cassinos pelo mundo afora até os dias de hoje), na tocante cena em que Rick “sugere” a um rapaz o número 22 na roleta e ele consegue o dinheiro que precisava para sair de Casablanca. Momentos antes sua esposa havia explicado para Rick o quanto eles precisavam daquele dinheiro.
As atuações são menos exageradas do que o costumeiro na época. Humphrey Bogart está muito bem, conseguindo transmitir toda a amargura de Rick. Cínico e irônico, ele passa uma imagem de alguém amargo que não acredita em nada além de si mesmo. Existem momentos onde a atuação de Bogart deixa isto bem claro, como na cena em que ele manda uma mulher que se diz apaixonada por ele se retirar do bar e pede ao funcionário dele que a leve pra casa. A feição fria de Bogart demonstra que ele não acredita mais no amor. Claude Rains tem uma atuação extremamente simpática como o Capitão Renault. Ele se revela uma pessoa divertidamente inteligente, apesar de sem escrúpulos, procurando ficar sempre do lado mais forte. A boa atuação de ambos pode ser notada quando um determinado personagem é assassinado. O sorriso de canto de boca de Rick e Renault e os olhares de ambos demonstram que a solução do conflito aconteceu de forma satisfatória para os dois. Já Paul Henreid, como o intrigante líder da resistência tcheca Victor Laszlo perseguido duramente pelos alemães liderados pelo Major Strasser (Conrad Veidt), tem uma atuação segura e de papel fundamental na trama, já que os acontecimentos giram em torno dele. Mas a grande força de Casablanca está na personagem enigmática de Ingrid Bergman. Ilsa é uma mulher dividida e Bergman demonstra toda a ambigüidade da personagem com uma atuação magnífica. Observe como ela transmite de forma equivalente o sentimento de carinho que sente por Rick e por Laszlo. Quando ela conversa com o primeiro no bar somos levados a pensar que ela o ama, mas quando ela conversa com Rick no quarto do hotel sentimos que ela na realidade ama Laszlo. Ela jamais deixa transparecer a preferência da personagem. Quando finalmente toma uma decisão nos sentimos incomodados, pois também não temos certeza de que seja a mais correta.
A trilha sonora marca os momentos de maior tensão aumentando o volume, como na cena em que Ilsa aponta uma arma para Rick para tentar conseguir o que precisa. A fotografia de Arthur Edeson é marcante, deixando em evidência o forte contraste do preto com o branco em diversos momentos. Repare como Rick está mergulhado nas sombras quando está bebendo no bar para tentar esquecer que viu Ilsa momentos antes. Quando ela repentinamente aparece na porta toda de branco, temos a sensação de estar vendo um anjo e não uma pessoa entrando no bar devido ao enorme contraste provocado na cena. Ao final da conversa, Rick está com o rosto escondido entre seus braços debruçados na mesa, novamente mergulhado nas sombras, numa cena forte que demonstra visualmente toda a escuridão, tristeza e depressão do personagem naquele momento. [se não viu o filme, pule novamente para o próximo parágrafo 😉 ] Na cena da despedida, o casal Ilsa e Laszlo desaparece na neblina, assim como o avião some entre as nuvens, demonstrando visualmente que mais uma vez Ilsa está escapando da vida de Rick. Como se fosse um sonho, ela se esvai entre as nuvens e simultaneamente desaparece de sua vida.
Mas o grande destaque da produção é com certeza o roteiro, recheado de diálogos marcantes e inteligentes. Alguns deles ficaram marcados para sempre, como a tocante frase “Nós sempre teremos Paris”. Exemplos para ilustrar a qualidade do trabalho de Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch não faltam, como o excelente trecho em que o Sr. Ferrari (Sydney Greenstreet) quer contratar o músico Sam (Dooley Wilson), talvez o único verdadeiro amigo de Rick. Eles vão perguntar a Sam se ele aceitaria trabalhar pra o Sr. Ferrari e ele responde que não. Rick diz que ele ganharia o dobro se aceitasse, mas Sam responde que não adiantaria porque ele não tem tempo para gastar o que ganha. Outro exemplo de diálogo inteligente é quando o major Strasser oferece os vistos para Laszlo e Ilsa viajarem à Lisboa em troca dos nomes dos líderes da resistência nas cidades dominadas pelo exército alemão. Ele responde: “Se não entreguei os nomes quando estava no campo de concentração, onde vocês tinham métodos muitos mais persuasivos, não será agora que vou entregar”. Para evitar escrever o roteiro inteiro aqui, cito apenas mais um trecho maravilhoso que acontece quando o Capitão Renault pergunta à Rick se ele está realmente com os salvo-condutos deixados no bar por Ugarte (Peter Lorre). Ele responde com outra pergunta: “Você é a favor ou contra a ocupação da França?”. Ora, o capitão Renault é francês e obviamente é contra. Mas como está trabalhando para os alemães não pode afirmar sua opinião em público. Entendendo a sagacidade da pergunta de Rick ele responde: “Isso é o que acontece quando fazemos perguntas diretas. Assunto encerrado”. Maravilhoso.
Representante de um seleto grupo de filmes que jamais envelhecem, Casablanca é um excelente exemplo de como o cinema pode ser mágico. Repleto de imagens e momentos belíssimos, o filme demonstra a mudança que um verdadeiro amor pode realizar em uma pessoa, transformando-a completamente. Sem melodramas ou fórmulas prontas, o filme consegue nos emocionar e fica guardado pra sempre em nossa memória. E exatamente por isso se tornou um dos grandes clássicos da história do cinema.
This is greaat
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Magnífico filme! Os diálogos são objetivos, não cansam e, como você mesmo disse, são inteligentes. Belíssima fotografia, dá gosto de ver o preto e o branco na tela e nem precisaria ser colorido. Não acredito que Rick seja “amargo”, mas sim sensato e coerente com as decepções que teve. É a sua auto-defesa, para não se decepcionar mais com as pessoas. Gostei muito.
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Que bom que gostou José Paulo.
Abraço.
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Depois assisto esse classico . (ele é de 1945 não?)
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Não, é de 1942.
Abraço.
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Beto:
Que análise perfeita deste clássico dos clássicos. Casablanca tem o poder de me emocionar cada vez que o assisto.
Um abraço.
Helena
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Olá Helena.
Muito obrigado pelo elogio. “Casablanca” é um clássico com “C” maiúsculo, emocionante.
Um grande abraço.
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