Porque “Coração Valente” é o filme mais importante da minha vida

Escrever sobre “Coração Valente” não foi uma tarefa fácil. O impacto emocional que este filme teve na minha vida provocou um bloqueio criativo que se arrastou por semanas. Quando finalmente decidi escrever a crítica do filme, tive que me segurar em cada parágrafo para não misturar a análise técnica com os sentimentos que afloram todas as vezes que eu assisto ao épico de Mel Gibson. Mas porque tudo isto, você certamente está se perguntando?

Como escrevi na crítica de “Um Sonho de Liberdade”, “Coração Valente” é responsável, ao lado do longa de Frank Darabont, pela minha paixão pelo cinema. Venho de uma família apaixonada pela sétima arte e desde pequeno minha mãe e meus primos me ensinaram a amar o cinema, mas foi apenas entre 1995 e 1996, quando assisti a estes dois filmes pela primeira vez, que minha paixão se consolidou. Só que naquela época eu vivia um período difícil – algo que já expliquei quando falei da importância dos “Red Hot Chili Peppers” na minha vida. Como escrevi naquela oportunidade, eu sempre fui uma pessoa feliz, mas especialmente em 1996 eu vivia uma fase de questionamentos, que iam desde o meu futuro profissional até a minha vida pessoal, provocando uma verdadeira crise existencial que me levava constantemente à depressão e me fazia até mesmo a questionar a religião. Na escola, eu vivia um inferno astral, distante da maioria dos amigos que estudei nos sete anos anteriores e, pra piorar, numa classe opressora (eu era quieto e tinha poucos amigos, mas, por outro lado, eram amizades verdadeiras, que duram até hoje). Como resultado, pouco tempo depois eu parei de frequentar a igreja e mudei radicalmente, passando a viver na noite e fazer tudo que tinha vontade – e somente com o tempo encontrei o equilíbrio que julgo ser o ideal entre todas estas áreas da minha vida.

E o fator que me fez questionar tudo e lutar contra aquele inimigo silencioso que me sufocava tanto foi justamente o épico de Mel Gibson. Se “Um Sonho de Liberdade” consolidou de vez minha paixão pelo cinema, “Coração Valente” foi além e impactou diretamente em minha vida. Mas o que tem a ver um filme como “Coração Valente” e uma crise depressiva? Para mim a resposta é “tudo a ver”. Foi somente após acompanhar a saga daquele homem que lutou até o fim por um objetivo (no caso, a liberdade de seu povo) que eu passei a me questionar o que EU esperava da vida. Onde eu queria chegar? Quem eu realmente queria ser? Até então, eu vivia na inércia sem perceber, sendo levado por motivações que a sociedade determina (estudar, trabalhar, ir à igreja aos domingos), mas jamais havia questionado o que EU queria. Isto tudo era o que as pessoas esperavam de mim, mas o que eu mesmo esperava? O que eu realmente gostaria de estar fazendo? Ao ver William Wallace gritando “Liberdade”, o choque que sofri foi tão grande (e a cena foi feita para chocar mesmo) que ao chegar à cozinha da minha casa, sentei-me à mesa e fiquei olhando para o nada, perplexo, até ser interrompido algum tempo depois por minha mãe, que perguntou preocupada: “O que foi meu filho?”. Respondi: “Nada mãe, estou refletindo sobre o filme que assisti”. E ela falou: “É forte este “Coração Valente” né?”. “É sim”, respondi. E era mesmo. Chacoalhou meus pensamentos de uma forma que, meses depois, eu ainda estava sofrendo transformações por causa dele.

Curiosamente, os dois filmes que mudaram minha vida têm em comum o mesmo tema e, se considerarmos que eu também carrego eternamente na memória filmes como “Dança com Lobos” e “Na Natureza Selvagem”, podemos chegar a uma interessante conclusão. Não sou nenhum psicólogo, mas é óbvio que o tema “liberdade” realmente mexe comigo. E aqui não se trata de largar tudo para trás e morar num ônibus mágico ou numa reserva indígena, nem mesmo fugir de uma prisão ou lutar contra um império. Minha luta era interior, eu precisava encontrar meu caminho, precisava ser “livre” para buscar o que eu realmente queria. E foi isto que a saga de William Wallace me fez enxergar. Se a música dos Peppers me fez encontrar a alegria e energia que faltavam, “Coração Valente” me fez levantar da poltrona e lutar pelo que eu queria.

Por isso, durante anos considerei este como o melhor filme que eu já tinha assistido, num equívoco que misturava o impacto emocional que ele teve sobre mim com as qualidades artísticas do filme (que são muitas, mas não permitem comparações com obras-primas como “2001, uma odisseia no espaço” ou “O Poderoso Chefão”, por exemplo). Após criar o Cinema & Debate e assistir/rever muitos destes grandes clássicos, percebi imediatamente que “Coração Valente” já não era mais o melhor filme de todos os tempos pra mim, mas até hoje seu impacto continua o mesmo daquele dia memorável em que o assisti pela primeira vez.

Desde então, consegui encontrar o equilíbrio entre os diversos setores da minha vida. Hoje, graças a Deus, me sinto confortável espiritualmente, me sinto bem com meus amigos e família, me sinto realizado como pai e marido. Ou seja, sou uma pessoa feliz, longe de qualquer possibilidade de ter uma nova crise de depressão. E é bom deixar claro: se um dia eu estive perto disto, não foi por culpa de ninguém a não ser eu mesmo, que me acomodei e precisei de um choque para despertar.

Para mim, pouco importa quem é Mel Gibson fora das telas. Ele dirigiu o filme que mudou minha vida e isto é o suficiente para que eu o respeite como artista. Por tudo isto, “Coração Valente” pode não ser mais o melhor filme que eu já assisti, mas certamente ele continua sendo o filme mais importante da minha vida.

Texto publicado em 06 de Fevereiro de 2012 por Roberto Siqueira

18 comentários sobre “Porque “Coração Valente” é o filme mais importante da minha vida

  1. Mateus Aquino 3 agosto, 2012 / 11:18 am

    Não tem nada de mau em comparar Coração Valente com grandes clássicos, eu mesmo faço isso, e ouso dizer que embora gosto muito de O Poderoso Chefão, digo que Coração Valente é melhor

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    • Roberto Siqueira 13 setembro, 2012 / 10:05 pm

      Não ouso dizer tanto, mas adoro Braveheart.
      Abraço.

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  2. Cross98 26 março, 2012 / 6:25 pm

    O final desse filme é realmente espetacular , talvez seja o melhor final de filme ja feito

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    • Roberto Siqueira 20 abril, 2012 / 10:09 pm

      Não sei se é pra tanto, mas é realmente um final espetacular e marcante.
      Abraço.

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    • cross98 17 maio, 2012 / 9:18 pm

      Pra mim é sim, junto com o final de Cinema Paradiso.Qual desses 2 finais vc prefere?

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    • Roberto Siqueira 24 maio, 2012 / 11:08 pm

      Coração Valente.
      Abraço.

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    • Mateus Aquino 23 junho, 2012 / 7:22 pm

      2 finais maravilhosamente tristes, acho que prefiro o final de Cinema Paradiso, pois é mais simbólico, mas mesmo assim Coração Valente é marcante.

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  3. Anônimo 7 fevereiro, 2012 / 9:08 pm

    Parabens Roberto pelo excelente texto e pela vitoria pessoal. O filme e’ emocionante, alias um filme que mexe muito comigo tambem e’ A Paixao de Cristo, tambem do Mel Gibson. Apesar de toda critica que existe sobre ele, o filme me fez ter vontade de pegar a Biblia pela primeira vez, pois eu nao acreditava que Jesus tinha passado por toda aquela humilhacao e sofrimento por nossa causa. Hoje eu acredito e amo Jesus. Por isso mesmo com todas as falhas, eu tenho uma admiracao especial sobre esse filme.Abraco

    Vinicius Fernandes

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    • Roberto Siqueira 11 fevereiro, 2012 / 11:05 am

      Olá Vinicius,
      Muito interessante sua história. Obrigado pelo elogio e por compartilhar sua experiência conosco.
      Um abraço!

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  4. Thiago Barrionuevo 7 fevereiro, 2012 / 10:51 am

    Beto, faz tempo que sei da sua paixão por esse filme, do impacto que ele te causa e te entendo perfeitamente. Parabéns pela coragem em revelar isso tudo aqui!

    Abraço!

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    • Roberto Siqueira 11 fevereiro, 2012 / 11:00 am

      Obrigado Thi!
      Valeu mesmo. Abraço.

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  5. augustomerlin@uol.com.br 7 fevereiro, 2012 / 8:37 am

    Inspirado e inspirador como sempre Beto, fazia tempo que não me “arrepiava” com um texto honesto, sincero e revelador como seu. Abrir o coração para revelar uma paixão não é fácil, abrir o coração para revelar um momento delicado é mais dificil ainda, portanto fico muito feliz de poder dizer que li seu texto e, que apesar de quase que inteiramente na forma virtual, posso chamá-lo de amigo. Parabéns.

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    • Roberto Siqueira 11 fevereiro, 2012 / 11:00 am

      Muito obrigado pelo lindo comentário Augusto.
      Como já te falei antes, certamente também te considero meu amigo.
      Um abraço.

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