WALL STREET – PODER E COBIÇA (1987)

(Wall Street)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #162

Dirigido por Oliver Stone.

Elenco: Charlie Sheen, Michael Douglas, Martin Sheen, Daryl Hannah, Hal Holbrook, Sean Young, Franklin Cover, Chuck Pfeiffer, James Karen, John C. McGinley, James Spader, Terence Stamp e Leslie Lyles.

Roteiro: Stanley Weiser e Oliver Stone.

Produção: Edward R. Pressman.

Wall Street - Poder e Cobiça[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Tanto tematicamente quanto narrativamente, Oliver Stone nunca foi um diretor de sutilezas. Com seu estilo histriônico e sua maneira direta de se posicionar diante dos temas que escolhe como centro de suas narrativas, Stone rapidamente foi rotulado como um diretor polêmico, gerando simpatia e rejeição em proporções similares. No entanto, existem momentos em que este estilo agressivo casa perfeitamente com o tema abordado, como acontece nos ótimos “Platoon”, “Nascido em 4 de Julho”, “Assassinos por Natureza” e na obra-prima “JFK”. Ao decidir explorar o universo especulativo da bolsa de valores, Stone acertou mais uma vez em cheio e, ao lado de seu talentoso elenco, fez deste “Wall Street – Poder e Cobiça” um ótimo filme.

Escrito pelo próprio Stone ao lado de Stanley Weiser, “Wall Street – Poder e Cobiça” narra à trajetória do jovem corretor da bolsa de Nova York Bud Fox (Charlie Sheen), que encontra a grande chance de se destacar no ramo das ações quando obtém uma importante informação sobre a empresa aérea em que seu pai (Martin Sheen) trabalha e decide repassá-la ao bilionário Gordon Gekko (Michael Douglas), um homem que não mede esforços para fazer sua fortuna crescer através do competitivo mercado financeiro.

Apenas um ano após ser consagrado pela Academia com o Oscar por “Platoon”, Oliver Stone confirmava sua coragem ao abordar outro tema delicado e cutucar o coração financeiro dos EUA: Wall Street. Filho de um corretor da bolsa, Stone enxergava com preocupação as ações dos chamados “Mestres do Universo” (assim intitulados por Tom Wolve em seu livro “A Fogueira das Vaidades”), homens poderosos que manipulavam o mercado financeiro descaradamente, gerando sentimentos contraditórios no cidadão comum, que se via enojado diante da falta de princípios que regrava aquele mundo quase incompreensível e, ao mesmo tempo, fascinado diante de tanta autoconfiança e poder.

Para retratar este ambiente misterioso e nada ético, Stone e seu bom diretor de fotografia Robert Richardson exploram cores sem vida como cinza, azul marinho e preto, que ecoam também nos ternos impecáveis dos figurinos de Ellen Mirojnick, que, por sua vez, ganham ainda mais importância num mundo onde as aparências são tão valorizadas. Da mesma forma, observe o contraste entre o quase asséptico escritório novo de Bud e o caótico escritório em que ele trabalhava (design de produção de Stephen Hendrickson), apresentado num curto plano-sequência logo nos primeiros minutos de projeção que serve também para nos familiarizar com a hierarquia do local. Quanto maior a sala, mais importante é aquela pessoa na corporação. Por outro lado, ainda que tenha a cara dos anos 80, a trilha sonora de Stewart Copeland hoje soa datada e pouco contribui na construção desta atmosfera opressora, salvando-se apenas em momentos onde tem alguma função narrativa, como quando ilustra a preocupação de Bud ao indicar as ações da Bluestar para Gekko, demonstrando que ele sabia o risco que corria ao tomar aquela perigosa decisão.

Ternos impecáveisEscritório novoCaótico escritórioAuxiliado pela montagem dinâmica de Claire Simpson, Stone ainda reflete com precisão a atmosfera de urgência da bolsa de valores, empregando closes, dividindo a tela e agitando a câmera assim que o relógio anuncia a abertura do mercado. Observe ainda como os cortes rápidos ilustram a tensão do ambiente, chegando ao auge na empolgante sequência da venda das ações da Anacott Steel, que reflete a euforia de Bud diante daquela importante transação (vale notar a rápida aparição do próprio Oliver Stone nesta sequência). Por outro lado, observe como quando as ações se passam no escritório de Gekko, tanto o ambiente mais amplo e organizado quanto à câmera mais controlada de Stone refletem o excepcional domínio que aquele homem tem sobre o que faz.

Dividindo a telaRelógio anuncia a abertura do mercadoAmbiente mais amplo e organizadoMas o grande mérito de “Wall Street – Poder e Cobiça” não está nos aspectos técnicos. Ciente de que a narrativa depende muito mais do desempenho dos atores, Oliver Stone consegue extrair boas atuações de quase todo seu elenco, a começar por papeis menores como o de Sean Young, que vive a artificial esposa de Gekko, e Hal Holbrook, que, vivendo o corretor da bolsa Lou Mannheim, faz bem o tipo experiente que já viu de tudo na carreira, enxergando de longe aonde a ganância de Bud poderia levá-lo. E se Martin Sheen encarna o Sr. Fox com simplicidade, isto não o impede de se impor diante do filho quando é preciso, ainda que ele não consiga conter o ímpeto do rapaz diante de tantas possibilidades – e o plano que ilumina o rosto de Bud em certo momento sugere uma aura mística e indica que ele era mesmo “o escolhido” por Gekko para entrar naquele seleto grupo de milionários.

Artificial esposa de GekkoCorretor Lou MannheimSr. FoxPai e filho na vida real, Charlie e Martin estabelecem a química dos personagens naturalmente, o que é essencial para compreender a reação de Bud ao descobrir as reais intenções de Gekko na aquisição da Bluestar. Jovem e ambicioso, Bud rapidamente conquista a confiança do bilionário, sendo recompensado com agrados e a meteórica ascensão social. Na época firmando-se como um ator dramático após o sucesso de “Platoon”, Charlie Sheen transmite este deslumbramento do personagem com precisão, mudando-se em pouco tempo para um apartamento luxuoso e conquistando a bela Darien de Daryl Hannah, que, por sua vez, também tira o máximo proveito daquele bem sucedido grupo social (financeiramente, diga-se) ao envolver-se secretamente com Gekko em troca de novos e importantes clientes.

Envolvendo-se gradualmente numa troca ilegal de informações sigilosas, Bud se torna mais e mais ganancioso, e este mundo luxuoso e repleto de regalias que se abre a sua frente não colabora em nada para impedir sua inserção naquele ambiente. Só que toda esta superficialidade tem um preço. Assim, quando o casal discute, Bud não hesita em deixar claro que sabe que Darien o enxerga apenas como uma oportunidade de continuar sua escalada social, mas as duras respostas dela mostram que ele não era tão diferente assim – e o bom desempenho da atriz neste momento nos faz acreditar que ela de fato gostava dele, o que torna tudo ainda mais intenso.

Química naturalDeslumbramentoCasal discuteControlando este complexo jogo de interesses com maestria, o persuasivo e arrogante Gordon Gekko soa quase como um vilão inabalável, ainda mais pela maneira visceral que Michael Douglas compõe o personagem, surgindo sempre confiante e poderoso, como se fosse capaz de prever tudo que acontece com grande antecedência. Enxergando o dinheiro como a única coisa pela qual vale a pena lutar (“Almoçar é para os fracos”), Gekko demonstra enorme habilidade nas negociações, mas mostra igual capacidade de passar por cima da ética se assim for preciso para conquistar seus objetivos. Destacando-se ainda em momentos marcantes como o icônico discurso feito aos sócios da Teldar Paper (“A ganância é boa”), Douglas consegue transformar um personagem que tinha tudo para ser detestável em alguém cativante através de sua maneira prática de enxergar o mundo e de dizer coisas profundamente cruéis.

Persuasivo e arrogante Gordon GekkoConfiante e poderosoIcônico discursoEntretanto, não são apenas as palavras de Gekko que provocam desconforto em “Wall Street – Poder e Cobiça”, como atesta a forte discussão entre os Fox no elevador, onde os cortes rápidos de Stone ajudam a nocautear a plateia, desnorteada diante das duras palavras trocadas por eles – num grande momento da atuação dos Sheen. Da mesma forma, a câmera inquieta realça a tensão na discussão entre Bud e Gekko sobre a liquidação da Bluestar, na qual o primeiro demonstra que não aceitará tão facilmente ser manipulado pelo bilionário, enquanto o segundo resume muito bem o que é o capitalismo e como funciona a divisão de renda nos EUA (e na maior parte do planeta, porque não?) – e repare como após ser enganado na venda da Bluestar, Gekko surge coberto pelas sombras, indicando sua decadência.

Forte discussão no elevadorDiscussão entre Bud e GekkoGekko surge coberto pelas sombrasObviamente, Oliver Stone não perde a oportunidade de criticar acidamente todo aquele sistema e insere seus comentários sociais em diversos momentos, como quando acompanhamos Bud ganhando uma sala ampla ao mesmo tempo em que um velho funcionário é demitido (“Tenho dois filhos para criar, vou parar na sarjeta”, argumenta). A intenção é clara: criticar o feroz sistema especulativo de Wall Street, responsável por fabricar jovens milionários da noite para o dia – e também por gerar algumas crises marcantes nas últimas décadas, como hoje sabemos bem. Soltas durante a narrativa, frases como “O dinheiro faz você fazer coisas que não quer fazer” e “Pare de ir atrás do dinheiro fácil e produza algo com sua vida” resumem bem a visão de Stone sobre o tema.

É verdade que para alcançar seu objetivo, o diretor acaba pesando a mão em alguns instantes. Assim, o milionário Gekko obviamente acaba punido e preso, enquanto Bud perde a namorada e o dinheiro, vende o apartamento, vê seu pai sofrer um enfarte e ainda é surpreendido em seu escritório pela polícia, num resultado trágico que nem sempre traduz a realidade do mercado financeiro – e é curioso notar como mesmo após fazer tantas coisas erradas, nós sentimos pena dele ao vê-lo deixando o escritório algemado e chorando. É evidente que nem todo trader é como Gekko e que é possível ser bem sucedido como corretor sem deixar-se cegar pela ganância, mas nem por isso “Wall Street – Poder e Cobiça” deixa de ser um grande filme que, curiosamente, acabou antevendo parte do processo de decadência dos “Mestres do Universo”.

Bud ganhando uma sala amplaVelho funcionário é demitidoDeixa o escritório algemado e chorandoEm “Wall Street – Poder e Cobiça”, Oliver Stone aponta sua metralhadora crítica não apenas para o especulativo mercado financeiro, mas também para a mentalidade de uma época em que a qualidade de um terno era mais importante do que a pessoa dentro dele e que o sucesso era medido pelos dígitos de sua conta bancária. O tempo provou que o diretor tinha certa dose de razão e que, ao contrário do que afirma Gordon Gekko, a ganância não é algo tão bom assim.

Wall Street - Poder e Cobiça foto 2Texto publicado em 16 de Março de 2013 por Roberto Siqueira

SEM SAÍDA (1988)

(No Way Out)

 

Videoteca do Beto #54

Dirigido por Roger Donaldson.

Elenco: Kevin Costner, Gene Hackman, Sean Young, Will Patton, Howard Duff, George Dzundza, Jason Bernard, Iman, Fred Dalton Thompson, Leon Russom, David Paymer e Dennis Burkley.

Roteiro: Robert Garland, baseado em livro de Kenneth Fearing.

Produção: Robert Garland e Laura Ziskin.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

O que você faria se fosse nomeado o responsável por uma investigação que, buscando livrar a pele de um homem importante, procurasse jogar a culpa de um assassinato que ele acidentalmente cometeu em cima de alguém inocente? Imagine agora que a moça assassinada, além de amante deste poderoso homem, era também a mulher por quem você estava apaixonado e vivendo um romance. Pra piorar ainda mais, o homem inocente que deverá levar a culpa é justamente você, mas só você sabe disto. Pois esta é a complicada situação em que se meteu o tenente Farrell, neste ótimo “Sem Saída”, dirigido por Roger Donaldson.

Tom Farrell (Kevin Costner) é um jovem e promissor oficial que tem um caso com Susan Atwell (Sean Young), a amante do Secretário de Defesa dos Estados Unidos, David Brice (Gene Hackman). Num momento de fúria, após descobrir que Susan passou o fim de semana com outro homem (o próprio Farrell), Brice acidentalmente mata a garota e Farrell, que acabara de deixar o local, sabe que ele é o assassino. Brice sabe que alguém o viu entrar no apartamento, mas não sabe quem é, e ironicamente ordena que Farrell comande as investigações do caso, ciente de que a culpa deverá ser direcionada ao homem com quem Susan passou o fim de semana.

Um dos grandes méritos de “Sem Saída” reside na criatividade do excepcional roteiro de Robert Garland (baseado em livro de Kenneth Fearing), que utiliza a guerra fria como pano de fundo para criar este thriller eletrizante e bastante complexo. Repleto de dicas e recompensas – ou seja, momentos que refletirão no futuro da narrativa – o roteiro explora com competência a complicada situação de Tom, deixando o espectador o tempo todo colado na cadeira e atento ao que pode acontecer. Além disso, utiliza inteligentemente a teoria sobre a existência do Yuri – uma espécie de espião russo infiltrado no Pentágono. Finalmente, desenvolve com consistência os personagens (observe, por exemplo, como o envolvimento entre Tom e Susan toma boa parte da narrativa), permitindo com que o espectador se envolva e tema pelo destino deles. O longa conta ainda com as cores limpas da fotografia de John Alcott, que misturadas aos uniformes brancos e aos trajes formais dos oficiais (figurinos de Dallas Dornan e Kathy O’Rear), cria um visual elegante e coerente com o ambiente em que se passa a trama. A fotografia, aliás, tem importância crucial no momento chave da narrativa, quando Tom é mergulhado nas sombras ao sair do apartamento de Susan, não permitindo que David enxergue o seu rosto.

A primeira troca de olhares entre Tom e Susan na festa já indica a atração mútua do casal. Susan está na festa a pedido de alguém (“meu acompanhante não vai gostar, mas a esposa dele vai”) e Tom apenas para fazer contatos que podem ajudar em sua carreira. Entediados com a festa, os dois saem para se divertir na limusine enquanto passeiam pela cidade, numa seqüência bastante erótica, embalada por uma canção romântica. Após a diversão no carro, Susan decide ir para a casa da amiga Nina (Iman) e este breve encontro entre Nina e Tom refletirá em outro momento bastante tenso da narrativa. Durante todo este primeiro ato, Sean Young exala sensualidade e mantém uma excelente química com Costner, como podemos notar na viagem do casal e nos encontros no apartamento, especialmente na cena em que ela tira uma foto dele – e que também pesará no futuro da narrativa. Mas quando Tom liga das Filipinas para falar com Susan e ela desliga na cara dele, a primeira revelação importante acontece e descobrimos que David é o poderoso homem com quem ela sai. Tom só descobre que o amante de Susan é David algum tempo depois, e mesmo assim, leva a situação até o limite. Mas em determinado momento, ele não agüenta mais ter que ser “o outro” e explode, num grande momento de Kevin Costner, demonstrando muito bem a irritação por ser obrigado a sair do apartamento pelos fundos. Costner, aliás, está muito bem como o jovem Tom, transmitindo a angústia e desespero do personagem em busca de uma saída para a enrascada que se meteu. O ator retrata com competência, por exemplo, o choque de Tom ao saber da morte de Susan, quando entra no banheiro e chega a perder as forças ao pensar no futuro obscuro que o aguardava. Extremamente inteligente, Tom Farrell demonstra seu talento logo nos primeiros dias no Pentágono, chegando a assustar Scott (Will Patton) com suas palavras no primeiro encontro com um agente da CIA, e esta inteligência será crucial para sua sobrevivência.

A cena da morte de Susan, muito bem dirigida por Donaldson, é também o momento crucial da narrativa, que vai alterar brutalmente o destino de todas as pessoas envolvidas naquela situação. A câmera lenta acentua a reação dos personagens e o plano plongèe (por cima) de Susan caindo, além de elegante, causa forte impacto. Em seguida, a trilha sonora realça o tom trágico e a câmera busca a reação desesperada de David. A partir deste momento, Hackman inicia um pequeno show particular ao transmitir com exatidão a angústia de David, até então um sujeito absolutamente confiante e inabalável, através da feição desolada ao dizer para o amigo Scott “Eu acho que matei Susan”. Deixando clara a sua importância e status desde sua primeira aparição, o poderoso David Brice passa a ser uma pessoa desesperada e insegura após matar acidentalmente a amante – e Hackman transmite esta sensação com exatidão. Will Patton também é muito competente na pele do fiel Scott Pritchard, deixando claro que fará tudo que estiver ao seu alcance para salvar a pele de David. Scott é manipulador e astuto, sabendo perfeitamente jogar o jogo sujo dos bastidores do poder, e sua devoção por David (“Daria minha vida por ele”) pode ser explicada como uma paixão platônica, o que esclareceria os comentários dos agentes da CIA sobre sua sexualidade.Finalmente, George Dzundza interpreta corretamente o gênio Sam, e sua amizade será a única possibilidade de encontrar uma saída para Tom. Inicialmente, Sam acaba atrapalhando o amigo sem saber, pois está focado na busca pelo “assassino”, sem jamais imaginar que se tratava de um bode expiatório (e pior, que este laranja era o próprio Farrell). Observe a reação decepcionada de Farrell quando Sam conta sobre o filtro por tipo sangüíneo (“Você é um gênio Sam”). Por outro lado, o velho amigo busca ajudá-lo assim que Farrell conta o que está acontecendo, retardando a revelação da foto e inserindo um presente recebido por Brice (e dado para Susan) nos computadores do governo. Infelizmente, o hacker não suportou a pressão e abriu a boca para a pessoa errada, confirmando que Farrell tinha razão quando não queria contar para o amigo o que estava acontecendo (“É para sua proteção”). O resultado não poderia ser outro que não a sua morte.

O ritmo alucinante que domina o longa após o início das investigações reflete o bom trabalho de montagem de William Hoy e Neil Travis, além da excelente condução da narrativa empregada por Donaldson. Nesta etapa podemos apreciar detalhes interessantes do processo de investigação de um crime, como o estudo da composição dos alimentos no estômago da vítima utilizado para descobrir onde ela jantou na noite anterior ao crime. É também a partir do início das investigações que Tom e Scott começam a entrar em conflito, e os dois atores retratam muito bem o lento afastamento dos personagens e o desespero de cada um deles para defender sua causa. Roger Donaldson abusa dos travellings de locais importantes, como o prédio do Pentágono, o Quartel General da CIA e no início do filme, quando somos levados da Casa Branca, passando pelo Pentágono, até a casa onde Tom é interrogado, num movimento que será repetido, no sentido contrário, na última cena do filme. Donaldson se destaca também na tensa seqüência em que Tom e Scott interrogam Nina. Repare como o zoom empregado pelo diretor destaca a reação de Nina a notícia da morte da amiga. Ainda nesta cena, Donaldson cria um plano emblemático, onde podemos ver simultaneamente Scott pressionando Nina em busca do nome do outro amante de Susan (“Quem é o outro homem?!”) e Tom, ao fundo, já se preparando para atacar Scott, desesperado com a possibilidade de ouvir seu nome ser citado. A trilha sonora de Maurice Jarre colabora com o clima tenso, como fica evidente na perseguição de Tom aos assassinos de aluguel, que se transforma numa frenética corrida para encontrar Nina. A tensão aumenta gradualmente, alcançando um clima quase insuportável no momento em que duas testemunhas percorrem o prédio buscando identificar a pessoa com quem Susan passou o fim de semana. O final da busca pelo “Yuri” é chocante, culminando com o suicídio de Scott e a sensacional discussão entre Farrell e Brice, num ótimo duelo entre Costner e Hackman.

Em resumo, “Sem Saída” é um thriller bastante tenso, repleto de reviravoltas interessantes e que conta ainda com ótimas atuações. Talvez a última reviravolta não fosse necessária, mas o restante do longa compensa esta derrapada final. É verdade que sem esta cena, “Sem Saída” seria um filme praticamente perfeito, mas ainda assim é cinema de alta qualidade.

Texto publicado em 18 de Abril de 2010 por Roberto Siqueira

BLADE RUNNER – O CAÇADOR DE ANDRÓIDES (1982)

(Blade Runner)

 

Videoteca do Beto #25

Dirigido por Ridley Scott.

Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos, Daryl Hannah, William Sanderson, Brion James, Joe Turkell, Joanna Cassidy, James Hong e Morgan Paull.

Roteiro: Hampton Francher e David Webb Peoples, baseado em livro de Philip K. Dirk.

Produção: Michael Deeley.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

De acordo com “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, belíssima ficção-científica dirigida por Ridley Scott, o futuro do planeta é sombrio e assustador. O crescimento descontrolado das grandes metrópoles, aliado à globalização e a destruição do meio ambiente, provocou profundas alterações climáticas e sociais, transformando o planeta em um local frio, deteriorado e muito complicado de se viver. Este sombrio ambiente serve como pano de fundo para uma trama que levanta questões muito profundas a respeito da existência humana, gerando discussões filosóficas e provocando até mesmo estudos baseados no longa. Além disso, o filme desenvolve personagens complexos e fascinantes. E todos eles buscam respostas que não serão encontradas facilmente.

O ano é 2019. Uma grande corporação desenvolveu um robô, conhecido como replicante, que é idêntico ao ser humano em sua aparência e inteligência, porém mais forte e ágil. Utilizados como escravos na exploração de outros planetas, um grupo destes replicantes se rebela. O problema é que o motim provoca a reação imediata das autoridades terrestres, que proíbem a presença de replicantes no planeta, sob pena de morte. É quando seis replicantes chegam a Terra após render uma tripulação e o ex-caçador de andróides Deckard (Harrison Ford) é chamado para matá-los, numa operação que não é conhecida como execução, e sim remoção.

Como de costume nos filmes dirigidos por Scott, o visual deslumbrante do mundo futurista decadente se destaca logo no inicio do longa, graças ao excelente trabalho de direção de arte de David L. Snyder. Tudo é fascinante. Os carros sujos, a cidade poluída repleta de prédios enormes que se espremem em pequenos espaços, o contraste entre os luxuosos apartamentos dos ricos no alto dos prédios e a podridão da ralé que vive no nível do chão, o resultado da globalização, com uma verdadeira torre de babel circulando neste submundo repleto de pessoas de diversas nacionalidades, o clima quase sempre chuvoso, nublado e sombrio, resultado das mudanças climáticas provocadas pelo crescimento exacerbado do capitalismo, carros voadores, um festival de luzes e muito neon piscando com propagandas em toda parte. Tudo está lá, diante de nossos olhos, com um realismo incrível. A fotografia azulada e escura (direção de Jordan Cronenweth), que remete aos filmes noir, esconde os personagens nas sombras e ao mesmo tempo cria um forte contraste com os raios de luz (ou luzes piscando freneticamente) que entram nos ambientes, criando um visual sombrio e triste, refletindo a vida destas pessoas neste mundo frio e cruel. Claramente, este é o resultado de anos e anos de crescimento sem controle, sem preocupação ambiental e sem sustentabilidade, que provocou a degradação total do planeta e das relações humanas. A trilha sonora eletrônica de Vangelis completa a parte técnica casando perfeitamente como o ambiente do filme (e soando bastante ousada para a época). Os carros voadores dos policiais raramente arriscam entrar no violento submundo, onde as pessoas vivem precariamente. O perigo que os replicantes (andróides) representam é bem resumido na frase de um policial “Ele está respirando bem agora, desde que não desliguem os aparelhos”, se referindo ao último caçador de andróides que fez o teste com um deles. O teste, apresentado logo no inicio do filme, se resume a uma série de perguntas feitas de forma a identificar um replicante, já que fisicamente eles são idênticos ao seres humanos. Mentalmente, porém, são diferentes, já que não têm passado, e através das perguntas (e da dilatação dos olhos quando as escutam), os caçadores conseguem identificá-los. Aliás, a criatividade da tecnologia empregada em “Blade Runner” também é fascinante, como podemos notar, por exemplo, na máquina que Deckard utiliza para analisar uma fotografia.

Ridley Scott acerta a mão também no ritmo da narrativa. Lento e reflexivo, “Blade Runner” não é um simples filme de perseguição. É muito mais que isso. É claro que existem boas seqüências de ação. Auxiliado pela boa montagem de Marsha Nakashima, o diretor cria uma seqüência empolgante durante a perseguição de Zhora, por exemplo. Os cortes ágeis e precisos aumentam a adrenalina da cena sem torná-la confusa. Por outro lado, quando Deckard finalmente alcança Zhora e atira, ele utiliza a câmera lenta, mostrando em detalhes o impacto daquele ataque e a reação angustiada de Deckard, que sente pelo que fez, mas cumpre o seu dever. A trilha sonora triste marca o momento. A empolgante seqüência final entre Roy e Deckard também é sensacional, repleta de tensão e realismo. Mas o principal acerto de Scott, que conta com o criativo e excepcional roteiro de Hampton Francher e David Webb Peoples (baseado em livro de Philip K. Dirk), é a ambigüidade de cada um dos personagens e as inúmeras reflexões que provocam no espectador.

Todos os personagens em “Blade Runner” estão em busca de algo. Harrison Ford encabeça o elenco, encarnando muito bem o caçador de andróides Deckard que busca exterminar os replicantes da Terra, ao mesmo tempo em que busca também sua própria identidade. Ford acerta ao balancear a frieza e determinação com que Deckard parte para cumprir sua missão com a emoção contida, porém sensível, que sente quando está com a aflita Rachel, interpretada com competência por Sean Young. As dúvidas sobre sua própria origem e a angustia após descobrir a verdade são muito bem retratadas pela atriz. Quando Rachel demonstra ter sentimentos por Deckard, o espectador provavelmente se pergunta “E agora?”, já que ele descobre gostar dela praticamente ao mesmo tempo em que é avisado que precisa matá-la. “Eu sou o trabalho” diz ela, ciente da missão do parceiro. Deckard, por sua vez, sabe o que precisa fazer, mas não terá coragem para isso. Rutger Hauer está sensacional como o frio e assustador Roy, que busca desesperadamente encontrar uma forma de prolongar sua existência, já programada anteriormente para durar apenas quatro anos. Por outro lado, o ambíguo personagem demonstra “humanidade” no terceiro ato, quando salva Deckard e mostra seus sentimentos mais puros e sinceros, além de levantar questões profundas sobre a existência de cada ser no universo. Seu lado emocional fica ainda mais evidente quando sua amada Pris (Daryl Hannah) é assassinada por Deckard, provocando seu emotivo beijo de despedida. A tensa seqüência em que Roy mata Tyrell (Joe Turkell) é de um simbolismo tremendo. A perversidade da inteligência humana é colocada em cheque. Até mesmo a coruja é criada artificialmente na casa dos Tyrell. Insatisfeita com sua existência sem sentido, a criatura mata o criador. Afinal de contas, que sentido tem uma vida programada apenas para ser escravizada e com tão pouco tempo de existência? Em seguida, Roy aparece iluminado em um plano poderoso que reflete sua satisfação.

Quando descobrimos que as memórias de Rachel (brincadeira de médico, as aranhas) são implantadas, as reflexões que o filme sugere se tornam mais evidentes. As memórias dela, na realidade, são da sobrinha de Tyrell, o gênio que criou os replicantes. Tyrell limitou a existência destes seres em apenas quatro anos ao prever que poderiam desenvolver sentimentos próprios e o choro de Rachel ao descobrir toda a verdade comprova esta teoria. E é curioso pensar o que aquele ser, humano ou não, estaria sentindo naquele momento, nos levando a questionar até que ponto é justo o ser humano criar outro ser desta forma. Deckard, ao descobrir que seria incapaz de eliminar Rachel, decide fugir com ela, mesmo sabendo que a moça não sobreviveria por muito tempo. “É uma pena que ela não viverá, mas quem vive”, é a frase final de Gaff (Edward James Olmos), que remete a discussão central do filme, sobre a natureza finita de nossa existência.

Então chegamos ao dilema de “Blade Runner”, enriquecido pela bela discussão filosófica que o longa propõe. Seria Deckard é um replicante? Durante toda a narrativa são espalhadas dicas sobre a origem dele, mas de uma forma tão sutil que provavelmente a maioria dos espectadores não consegue notar. Primeiro, o texto que abre o longa diz que seis replicantes estão soltos na terra (três homens e três mulheres). Os quatro primeiros são logo identificados, mas o quinto só é revelado quando descobrimos que Rachel é uma replicante. Acontece que ela não sabe disso, pois foi utilizada como cobaia em experimentos de implante de memória e pensa ter tido uma infância. Sendo assim, não podemos descartar a hipótese de que Deckard também tenha memórias implantadas em sua mente. Além disso, quem garante que o sexto replicante realmente teria sido queimado quando invadiu a empresa Tyrell? É provável que seja apenas uma estória inventada pela policia para não levantar suspeita sobre a origem replicante de Deckard. Não podemos negar que é extremamente inteligente por parte da policia utilizar um replicante para caçar outros replicantes, já que ele se iguala em força e agilidade com os demais. Mas porque os policiais deixariam Deckard escapar? Ora, Gaff, o policial que faz origamis, deixa um unicórnio para Deckard momentos antes de sua fuga com Rachel. Como Gaff poderia saber desta passagem remota da vida dele, lembrada apenas em sonhos por Deckard? Este é o claro sinal de que ele pode ser um replicante e os policiais sabiam disso. Como podemos perceber, o filme levanta possibilidades, mas não as confirma. É o espectador quem deve buscar as respostas, o que é genial. Mas “Blade Runner” vai além, se aprofundando também em questões filosóficas sobre a existência humana. O que é ser um humano? De onde viemos e para onde vamos? A marcante frase de Roy no belíssimo diálogo que tem com Deckard (“Eu vi coisas que ninguém acreditaria. Todos esses momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas na chuva”) resume bem o dilema de nossa existência. Por mais que existam meios de registrar fatos importantes (livros, vídeos, fotografias), muitas passagens importantes da vida de cada ser humano serão simplesmente apagadas do universo quando este deixar de existir.

Utilizando um mundo futurista incrivelmente sombrio que é apontado claramente como resultado das atitudes tomadas no passado pela humanidade, “Blade Runner – O Caçador de Andróides” levanta ainda muitas questões interessantes e profundas sobre a natureza da existência humana. O que acontecerá com cada um de nós quando a escuridão da morte chegar? De onde viemos? Para onde vamos? O que fizemos aqui será simplesmente apagado, “como lagrimas na chuva”? As respostas serão encontradas por cada espectador, de sua própria maneira. E esta é a beleza deste grandioso clássico, que marcou a ficção-científica e o cinema para sempre.

Texto publicado em 13 de Dezembro de 2009 por Roberto Siqueira