WALL STREET – PODER E COBIÇA (1987)

(Wall Street)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #162

Dirigido por Oliver Stone.

Elenco: Charlie Sheen, Michael Douglas, Martin Sheen, Daryl Hannah, Hal Holbrook, Sean Young, Franklin Cover, Chuck Pfeiffer, James Karen, John C. McGinley, James Spader, Terence Stamp e Leslie Lyles.

Roteiro: Stanley Weiser e Oliver Stone.

Produção: Edward R. Pressman.

Wall Street - Poder e Cobiça[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Tanto tematicamente quanto narrativamente, Oliver Stone nunca foi um diretor de sutilezas. Com seu estilo histriônico e sua maneira direta de se posicionar diante dos temas que escolhe como centro de suas narrativas, Stone rapidamente foi rotulado como um diretor polêmico, gerando simpatia e rejeição em proporções similares. No entanto, existem momentos em que este estilo agressivo casa perfeitamente com o tema abordado, como acontece nos ótimos “Platoon”, “Nascido em 4 de Julho”, “Assassinos por Natureza” e na obra-prima “JFK”. Ao decidir explorar o universo especulativo da bolsa de valores, Stone acertou mais uma vez em cheio e, ao lado de seu talentoso elenco, fez deste “Wall Street – Poder e Cobiça” um ótimo filme.

Escrito pelo próprio Stone ao lado de Stanley Weiser, “Wall Street – Poder e Cobiça” narra à trajetória do jovem corretor da bolsa de Nova York Bud Fox (Charlie Sheen), que encontra a grande chance de se destacar no ramo das ações quando obtém uma importante informação sobre a empresa aérea em que seu pai (Martin Sheen) trabalha e decide repassá-la ao bilionário Gordon Gekko (Michael Douglas), um homem que não mede esforços para fazer sua fortuna crescer através do competitivo mercado financeiro.

Apenas um ano após ser consagrado pela Academia com o Oscar por “Platoon”, Oliver Stone confirmava sua coragem ao abordar outro tema delicado e cutucar o coração financeiro dos EUA: Wall Street. Filho de um corretor da bolsa, Stone enxergava com preocupação as ações dos chamados “Mestres do Universo” (assim intitulados por Tom Wolve em seu livro “A Fogueira das Vaidades”), homens poderosos que manipulavam o mercado financeiro descaradamente, gerando sentimentos contraditórios no cidadão comum, que se via enojado diante da falta de princípios que regrava aquele mundo quase incompreensível e, ao mesmo tempo, fascinado diante de tanta autoconfiança e poder.

Para retratar este ambiente misterioso e nada ético, Stone e seu bom diretor de fotografia Robert Richardson exploram cores sem vida como cinza, azul marinho e preto, que ecoam também nos ternos impecáveis dos figurinos de Ellen Mirojnick, que, por sua vez, ganham ainda mais importância num mundo onde as aparências são tão valorizadas. Da mesma forma, observe o contraste entre o quase asséptico escritório novo de Bud e o caótico escritório em que ele trabalhava (design de produção de Stephen Hendrickson), apresentado num curto plano-sequência logo nos primeiros minutos de projeção que serve também para nos familiarizar com a hierarquia do local. Quanto maior a sala, mais importante é aquela pessoa na corporação. Por outro lado, ainda que tenha a cara dos anos 80, a trilha sonora de Stewart Copeland hoje soa datada e pouco contribui na construção desta atmosfera opressora, salvando-se apenas em momentos onde tem alguma função narrativa, como quando ilustra a preocupação de Bud ao indicar as ações da Bluestar para Gekko, demonstrando que ele sabia o risco que corria ao tomar aquela perigosa decisão.

Ternos impecáveisEscritório novoCaótico escritórioAuxiliado pela montagem dinâmica de Claire Simpson, Stone ainda reflete com precisão a atmosfera de urgência da bolsa de valores, empregando closes, dividindo a tela e agitando a câmera assim que o relógio anuncia a abertura do mercado. Observe ainda como os cortes rápidos ilustram a tensão do ambiente, chegando ao auge na empolgante sequência da venda das ações da Anacott Steel, que reflete a euforia de Bud diante daquela importante transação (vale notar a rápida aparição do próprio Oliver Stone nesta sequência). Por outro lado, observe como quando as ações se passam no escritório de Gekko, tanto o ambiente mais amplo e organizado quanto à câmera mais controlada de Stone refletem o excepcional domínio que aquele homem tem sobre o que faz.

Dividindo a telaRelógio anuncia a abertura do mercadoAmbiente mais amplo e organizadoMas o grande mérito de “Wall Street – Poder e Cobiça” não está nos aspectos técnicos. Ciente de que a narrativa depende muito mais do desempenho dos atores, Oliver Stone consegue extrair boas atuações de quase todo seu elenco, a começar por papeis menores como o de Sean Young, que vive a artificial esposa de Gekko, e Hal Holbrook, que, vivendo o corretor da bolsa Lou Mannheim, faz bem o tipo experiente que já viu de tudo na carreira, enxergando de longe aonde a ganância de Bud poderia levá-lo. E se Martin Sheen encarna o Sr. Fox com simplicidade, isto não o impede de se impor diante do filho quando é preciso, ainda que ele não consiga conter o ímpeto do rapaz diante de tantas possibilidades – e o plano que ilumina o rosto de Bud em certo momento sugere uma aura mística e indica que ele era mesmo “o escolhido” por Gekko para entrar naquele seleto grupo de milionários.

Artificial esposa de GekkoCorretor Lou MannheimSr. FoxPai e filho na vida real, Charlie e Martin estabelecem a química dos personagens naturalmente, o que é essencial para compreender a reação de Bud ao descobrir as reais intenções de Gekko na aquisição da Bluestar. Jovem e ambicioso, Bud rapidamente conquista a confiança do bilionário, sendo recompensado com agrados e a meteórica ascensão social. Na época firmando-se como um ator dramático após o sucesso de “Platoon”, Charlie Sheen transmite este deslumbramento do personagem com precisão, mudando-se em pouco tempo para um apartamento luxuoso e conquistando a bela Darien de Daryl Hannah, que, por sua vez, também tira o máximo proveito daquele bem sucedido grupo social (financeiramente, diga-se) ao envolver-se secretamente com Gekko em troca de novos e importantes clientes.

Envolvendo-se gradualmente numa troca ilegal de informações sigilosas, Bud se torna mais e mais ganancioso, e este mundo luxuoso e repleto de regalias que se abre a sua frente não colabora em nada para impedir sua inserção naquele ambiente. Só que toda esta superficialidade tem um preço. Assim, quando o casal discute, Bud não hesita em deixar claro que sabe que Darien o enxerga apenas como uma oportunidade de continuar sua escalada social, mas as duras respostas dela mostram que ele não era tão diferente assim – e o bom desempenho da atriz neste momento nos faz acreditar que ela de fato gostava dele, o que torna tudo ainda mais intenso.

Química naturalDeslumbramentoCasal discuteControlando este complexo jogo de interesses com maestria, o persuasivo e arrogante Gordon Gekko soa quase como um vilão inabalável, ainda mais pela maneira visceral que Michael Douglas compõe o personagem, surgindo sempre confiante e poderoso, como se fosse capaz de prever tudo que acontece com grande antecedência. Enxergando o dinheiro como a única coisa pela qual vale a pena lutar (“Almoçar é para os fracos”), Gekko demonstra enorme habilidade nas negociações, mas mostra igual capacidade de passar por cima da ética se assim for preciso para conquistar seus objetivos. Destacando-se ainda em momentos marcantes como o icônico discurso feito aos sócios da Teldar Paper (“A ganância é boa”), Douglas consegue transformar um personagem que tinha tudo para ser detestável em alguém cativante através de sua maneira prática de enxergar o mundo e de dizer coisas profundamente cruéis.

Persuasivo e arrogante Gordon GekkoConfiante e poderosoIcônico discursoEntretanto, não são apenas as palavras de Gekko que provocam desconforto em “Wall Street – Poder e Cobiça”, como atesta a forte discussão entre os Fox no elevador, onde os cortes rápidos de Stone ajudam a nocautear a plateia, desnorteada diante das duras palavras trocadas por eles – num grande momento da atuação dos Sheen. Da mesma forma, a câmera inquieta realça a tensão na discussão entre Bud e Gekko sobre a liquidação da Bluestar, na qual o primeiro demonstra que não aceitará tão facilmente ser manipulado pelo bilionário, enquanto o segundo resume muito bem o que é o capitalismo e como funciona a divisão de renda nos EUA (e na maior parte do planeta, porque não?) – e repare como após ser enganado na venda da Bluestar, Gekko surge coberto pelas sombras, indicando sua decadência.

Forte discussão no elevadorDiscussão entre Bud e GekkoGekko surge coberto pelas sombrasObviamente, Oliver Stone não perde a oportunidade de criticar acidamente todo aquele sistema e insere seus comentários sociais em diversos momentos, como quando acompanhamos Bud ganhando uma sala ampla ao mesmo tempo em que um velho funcionário é demitido (“Tenho dois filhos para criar, vou parar na sarjeta”, argumenta). A intenção é clara: criticar o feroz sistema especulativo de Wall Street, responsável por fabricar jovens milionários da noite para o dia – e também por gerar algumas crises marcantes nas últimas décadas, como hoje sabemos bem. Soltas durante a narrativa, frases como “O dinheiro faz você fazer coisas que não quer fazer” e “Pare de ir atrás do dinheiro fácil e produza algo com sua vida” resumem bem a visão de Stone sobre o tema.

É verdade que para alcançar seu objetivo, o diretor acaba pesando a mão em alguns instantes. Assim, o milionário Gekko obviamente acaba punido e preso, enquanto Bud perde a namorada e o dinheiro, vende o apartamento, vê seu pai sofrer um enfarte e ainda é surpreendido em seu escritório pela polícia, num resultado trágico que nem sempre traduz a realidade do mercado financeiro – e é curioso notar como mesmo após fazer tantas coisas erradas, nós sentimos pena dele ao vê-lo deixando o escritório algemado e chorando. É evidente que nem todo trader é como Gekko e que é possível ser bem sucedido como corretor sem deixar-se cegar pela ganância, mas nem por isso “Wall Street – Poder e Cobiça” deixa de ser um grande filme que, curiosamente, acabou antevendo parte do processo de decadência dos “Mestres do Universo”.

Bud ganhando uma sala amplaVelho funcionário é demitidoDeixa o escritório algemado e chorandoEm “Wall Street – Poder e Cobiça”, Oliver Stone aponta sua metralhadora crítica não apenas para o especulativo mercado financeiro, mas também para a mentalidade de uma época em que a qualidade de um terno era mais importante do que a pessoa dentro dele e que o sucesso era medido pelos dígitos de sua conta bancária. O tempo provou que o diretor tinha certa dose de razão e que, ao contrário do que afirma Gordon Gekko, a ganância não é algo tão bom assim.

Wall Street - Poder e Cobiça foto 2Texto publicado em 16 de Março de 2013 por Roberto Siqueira

JFK – A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR (1991)

(JFK)

 

 

Videoteca do Beto #77

Dirigido por Oliver Stone.

Elenco: Kevin Costner, Tommy Lee Jones, Joe Pesci, Sissy Spacek, Laurie Metcalf, Gary Oldman, Kevin Bacon, Beata Pozniak, Donald Sutherland, Jack Lemmon, Walter Matthau, Vincent D’Onofrio, Martin Sheen, Michael Rooker, Jay O. Sanders, Brian Doyle-Murray, Gary Grubbs, Wayne Knight, Jo Anderson, Pruitt Taylor Vince, Sally Kirkland, Steve Reed, Jodie Farber, Columbia Dubose, Randy Means, Gary Carter, John Candy, Lolita Davidovich, Dale Dye, Ron Rifkin e Jim Morrison.

Roteiro: Oliver Stone e Zachary Sklar, baseado nos livros de Jim Marrs e Jim Garrison.

Produção: A. Kitman Ho e Oliver Stone.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Oliver Stone é um diretor polêmico, capaz de tocar na ferida provocada pela guerra do Vietnã como poucos (“Platoon” e “Nascido em 4 de Julho”), de criticar o sensacionalismo da imprensa (“Assassinos por Natureza”) e de mostrar o mundo obscuro dos negócios (“Wall Street – Poder e Cobiça”). Mas apesar de sua conhecida coragem, nunca o diretor foi tão polêmico (e proporcionalmente competente) como em “JFK – A pergunta que não quer calar”, filme que escancarou para o mundo a até hoje mal explicada solução dada para o assassinato de John Kennedy pela comissão Warren. Com um elenco numeroso e afinado e muita competência na organização de uma narrativa complexa, Stone entregou uma verdadeira obra-prima do cinema, que se não prova definitivamente a existência de uma conspiração, chega muito perto disto.

O promotor Jim Garrison (Kevin Costner) decide liderar uma investigação extra-oficial para o assassinato do presidente John F. Kennedy na tentativa de provar a existência de uma gigantesca conspiração, contrariando a conclusão da comissão Warren, que afirma ser Lee Harvey Oswald (Gary Oldman) o único responsável pelo crime.

Escrito por Oliver Stone e Zachary Sklar, baseado nos livros de Jim Marrs e Jim Garrison (olha ele aqui), “JFK” apresenta uma narrativa incrivelmente complexa, que consegue manter a atenção do espectador em cada minuto de projeção. O intrincado roteiro, repleto de informações e diálogos ágeis, além de flashbacks acompanhados de imagens que ilustram o raciocínio dos personagens, apresenta uma gama enorme de personagens numa seqüência estruturada com perfeição para que o espectador não se perca diante de tamanha complexidade. Este impressionante número de personagens importantes que cruzam a narrativa serve também para reconstituir com precisão o complicado processo de investigação daquele dia trágico, sempre sob a liderança do centrado (porém inquieto) Jim Garrison. Toda a investigação, aliás, é conduzida num ritmo intenso, que leva o espectador junto na jornada, como se estivéssemos fazendo parte daquele processo ao lado da equipe de Garrison. E a base de todo o trabalho do promotor aparece logo na introdução do filme, num vídeo com imagens de arquivo que mostra John Kennedy declarando suas idéias sobre a guerra do Vietnã, sua pretensão de retirar as tropas norte-americanas da região, sua proposta de “mudança” no olhar para a União Soviética e sua intenção de mudar no conceito de paz, “diferente daquela paz imposta pelos Estados Unidos ao mundo através da força”. Não por acaso, logo após a morte de Kennedy, o novo presidente decide manter as tropas no Vietnã. E se este fato pode até ser questionado por aqueles que acreditam no “único culpado” Lee Oswald, a simulação no prédio, quando Garrison tenta reproduzir os tiros de Oswald com o mesmo rifle, prova definitivamente que a teoria da comissão Warren é, no mínimo, questionável.

É importante ressaltar, no entanto, que “JFK” não se resume às polêmicas que cercam sua obstinada investigação. O longa de Oliver Stone é, acima de tudo, um trabalho cinematográfico excepcional, que se destaca especialmente na direção de Stone, na montagem de Joe Hutshing e Pietro Scalia e na direção de fotografia de Robert Richardson. Stone conduz a narrativa com incrível habilidade, com sua câmera inquieta que auxilia no clima de urgência da narrativa, mas conta especialmente com a fantástica montagem de Hutshing e Scalia, que emprega um ritmo intenso, alternando com velocidade entre o presente, quando Garrison conduz a investigação, e o passado, quando as cenas revivem o fatídico dia, e, ao mesmo tempo, ilustram o pensamento dos personagens no presente. Na precisa reconstituição do assassinato, merece destaque também o som, com os gritos e tiros que dão a exata noção do pânico daquele momento, ampliado pela tensa trilha sonora de John Williams. Já a fotografia de Richardson utiliza diversas câmeras (incluindo câmeras de 16 mm e Super 8), indo do visual sépia para o preto-e-branco, e até mesmo utilizando imagens de arquivo para reforçar toda a teoria que inspira o longa. Stone chega a introduzir um vídeo chocante, com a imagem do exato momento em que Kennedy é atingido, numa imagem capaz de perturbar qualquer um.  Aliás, a longa e sensacional seqüência em que Garrison explica a “teoria da bala mágica” nocauteia o espectador, também por causa do excelente desempenho de Kevin Costner, que transmite muita confiança e emoção enquanto fala, provando sua qualidade como ator. Não sei se todas as pessoas e instituições citadas estavam envolvidas naquele assassinato, mas após esta explicação emocionada de Garrison, o vídeo e a informação de que os arquivos estão proibidos para o público até 2029 é muito difícil não concordar que realmente houve uma conspiração.

E já que citei Kevin Costner, vale dizer que todo este incrível trabalho técnico de nada adiantaria se as atuações de “JFK” não fossem tão competentes. A começar pelo próprio Costner, que encarna muito bem o tranqüilo Jim Garrison, numa atuação convincente e coerente com a personalidade do promotor, que lentamente altera seu comportamento, se tornando uma pessoa atormentada diante de suas descobertas, que influenciam até mesmo sua relação com a esposa Liz (Sissy Spacek, também em grande atuação), algo ilustrando perfeitamente quando ele perde o domingo de páscoa com a família para interrogar Clay Shaw (Tommy Lee Jones). A dinâmica do casal é fundamental para compreender os efeitos daquela investigação na vida do promotor, ilustrados na excepcional cena em que Jim e Liz discutem na frente dos filhos e, com seus gritos e vozes embargadas, demonstram a situação quase insustentável daquela relação – e aqui vale observar como Costner demonstra até mesmo certo desconforto por estar diante dos filhos, procurando abraçá-los imediatamente após o fim da discussão. O ator volta a se destacar ainda quando seu olhar mistura incredulidade e passividade diante da matéria da imprensa que busca destruir sua imagem diante da sociedade (algo que de fato aconteceu, pois até hoje muita gente afirma que Garrison buscava se promover ao se envolver em casos polêmicos, revelando um pensamento que certamente interessa às pessoas e instituições atingidas pela investigação dele). Ironicamente, sua própria esposa o acusa de estar fazendo o mesmo com a imagem de Clay Shaw, interpretado brilhantemente por Tommy Lee Jones, que transmite muito cinismo, especialmente quando é interrogado por Garrison, provocando a explosão do promotor, num diálogo tenso e muito bem construído. E o que dizer de Joe Pesci, novamente espetacular, fumando muitos cigarros e transmitindo com perfeição a inquietação de David Ferrie? Seu nervosismo fica ainda mais evidente quando ele vai ao encontro de Garrison, amedrontado com a descoberta da imprensa sobre as investigações, quando Pesci olha para todos os lados, abre as portas com desconfiança e se assusta quando alguém bate na porta, mostrando claramente o quanto Ferrie está perturbado – algo ilustrado também pela câmera agitada de Stone e pela trilha sonora acelerada. Seu desespero resulta na revelação das intenções da CIA e dos exilados cubanos, revoltados com a postura de Kennedy diante do fracasso da invasão da “baía dos porcos”. Já Kevin Bacon está excelente em sua pequena participação como Willie O’Keefe, o prisioneiro homossexual interrogado por Garrison, demonstrando através da fala rápida e do olhar agitado a inquietação do personagem. E finalmente, toda a equipe de Garrison mantém o bom nível das atuações, com destaque para Laurie Metcalf como Susie Cox, Michael Rooker como Bill Broussard e Jay O. Sanders como Lou Ivon.

Em certo momento de “JFK”, um personagem diz que a pergunta mais importante não é “quem” matou o presidente, mas “porque”. Trata-se do Sr. “X” (Donald Sutherland), que apresenta em poucos minutos o coração da teoria do filme. E confesso que é muito difícil (pelo menos pra mim) não acreditar nesta teoria diante da notória preferência norte-americana pelos conflitos armados. As guerras, obviamente, giram a economia do país, algo ilustrado sutilmente através das constantes notícias sobre o Vietnã no jornal e, de forma mais clara, nos números citados no longa, afinal de contas, são bilhões de dólares gastos na guerra – e estes dólares sempre entram no bolso de alguém. Sutherland colabora bastante para a credibilidade das informações dadas por seu personagem, transmitindo segurança no que fala e convencendo Garrison sobre a importância que a guerra tem para as empresas do país, como os citados fabricantes de helicópteros e até mesmo os fabricantes de armamentos. Diante de todo este cenário, é compreensível (ainda que repugnante) que um presidente que pregava a paz, a retirada das tropas do Vietnã e a reaproximação com a União Soviética fosse considerado uma ameaça aos interesses de muitos. Esta teoria é reforçada durante a discussão entre Bill e a equipe de Garrison, quando o jovem não se conforma diante das evidencias do envolvimento de instituições norte-americanas, algo amplificado pelo momento em que Garrison dá uma entrevista para uma emissora de televisão, demonstrando o envolvimento da imprensa em todo aquele processo. Pode parecer paranóia uma conspiração deste tamanho, mas sinceramente acho mais fácil acreditar nela do que na teoria da comissão Warren.

São tantos fatos históricos que reforçam os argumentos de “JFK” que é até mesmo incompreensível que algumas pessoas acreditem que apenas Lee Oswald seja o responsável pelo crime. Um destes fatos é a morte de Robert Kennedy, que aumenta ainda mais o desespero de Garrison – algo reforçado pelo zoom de Stone que realça a expressão de Costner. Depois deste fato, até mesmo Liz passa a acreditar no marido, e a fotografia sombria que envolve o beijo do casal, acompanhada pela triste trilha sonora e pela frase de Jim “queria poder te amar mais”, ilustra o quanto aquela relação foi enfraquecida pela investigação. E se podemos questionar a veracidade de alguns aspectos da impressionante investigação conduzida por Garrison ou considerar que Stone exagera na forma como os apresenta, a qualidade cinematográfica de sua obra é impressionante e inquestionável, conseguindo criar uma narrativa igualmente complexa e coesa.

Apresentando um dos fatos mais marcantes da história norte-americana e, mais do que isso, entrando em conflito direto com importantes órgãos como o FBI e a CIA, “JFK – A pergunta que não quer calar” impressiona principalmente porque a polêmica que o envolve é apenas um dos aspectos relevantes de um longa que acerta em praticamente tudo, começando pelos magníficos aspectos técnicos, passando pelas ótimas atuações e fechando na excepcional direção de Oliver Stone. Ao contrário do assassinato de Kennedy, aqui o organizado trabalho em conjunto resultou em algo benéfico. E assim como naquele abominável crime, este resultado ficará marcado eternamente na memória.

Texto publicado em 16 de Dezembro de 2010 por Roberto Siqueira

APOCALYPSE NOW (1979)

(Apocalypse Now) 

 

 

Videoteca do Beto #44

Dirigido por Francis Ford Coppola.

Elenco: Marlon Brando, Robert Duvall, Martin Sheen, Frederic Forrest, Albert Hall, Sam Bottoms, Laurence Fishburne, Dennis Hopper, G.D. Spradlin, Harrison Ford, Jerry Ziesmer, Scott Glen e Francis Ford Coppola (Diretor de TV). 

Roteiro: Francis Ford Coppola e John Milius, baseado no romance “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad. 

Produção: Francis Ford Coppola. 

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Não bastasse ter dirigido as obras-primas “O Poderoso Chefão” e “O Poderoso Chefão: Parte II”, o que já garantiu seu nome na história do cinema para sempre, Francis Ford Coppola ainda viria a dirigir e produzir em 1979 “Apocalypse Now”, maravilhoso estudo sobre a ambigüidade do ser humano e os irreparáveis efeitos causados pela guerra em sua mente. Repleto de cenas memoráveis e atuações marcantes, o longa consegue ser mais do que um libelo anti-guerra, explorando a fundo os limites da loucura e do poder, e mostrando ainda como é curta a distância e frágil a linha que separa a racionalidade da irracionalidade dentro do ser humano.

Após voltar do Vietnã, o capitão Benjamin Willard (Martin Sheen) é convocado pelas Forças Especiais do Exército para a secreta missão de encontrar e matar o coronel Walter Kurtz (Marlon Brando) que, segundo as autoridades do exército norte americano, enlouqueceu e passou a agir de maneira absolutamente incompreensível na selva do Camboja. Durante esta viagem o capitão Willard descobrirá, através dos horrores da guerra e de seu efeito alucinatório, que a distância entre o que se julga racional e irracional não é tão grande quanto imaginamos.

Logo no início de “Apocalypse Now” somos apresentados ao clima alucinante do longa, através das imagens de bombardeios na selva ao som da música “The End”, do The Doors. Em seguida, as imagens de um ventilador e de uma hélice de helicóptero se misturam, refletindo o pensamento do capitão Willard, que deseja desesperadamente voltar para a selva por não saber mais conviver em sociedade. Encontrado em meio a uma crise de alcoolismo, onde inclusive se fere ao quebrar um espelho, ele vê no convite das Forças Especiais do Exército (repare a pequena participação de Harrison Ford, que se consagraria um astro dois anos depois) a oportunidade de regressar ao combate, sem saber que ao aceitar o convite, viveria uma experiência que mudaria sua vida para sempre.

Coppola (que faz uma ponta no filme como o diretor de TV) dirige “Apocalypse Now” com extrema elegância, criando planos e seqüências absolutamente inesquecíveis, como o ataque aéreo a uma aldeia vietnamita na beira da praia, ao som de “A Cavalgada das Valquírias”, de Wagner, e a cena em que jatos espalham napalm na selva. Além disso, o diretor consegue criar seqüências incrivelmente realistas durante os combates, fazendo com que o espectador se sinta dentro do conflito e permitindo que ele viaje pelo horror da guerra ao lado de Willard. Observe, por exemplo, os excepcionais planos aéreos durante um ataque dos helicópteros, intercalados com imagens de crianças brincando na aldeia, deixando clara a crueldade daquele ataque, escancarada quando estas pequenas crianças correm pra se esconder. Coppola ainda explora ao máximo as lindas paisagens da região para compor imagens impactantes, como no impressionante ataque dos nativos ao barco do capitão Willard, logo após uma fumaça rosa ser espalhada pelo ar. O diretor também cria momentos de suspense, provocando grande susto na cena do ataque do tigre, que arranca do Chefe (Frederic Forrest) as mais profundas verdades (e arranca também qualquer um da cadeira), e cenas tocantes, como quando Clean (Laurence Fishburne, muito jovem e em boa atuação) morre ao lado do gravador em que ouvia a voz de sua mãe.

O extremo realismo alcançado em “Apocalypse Now” é mérito também da excepcional qualidade do trabalho técnico da equipe. Durante o surfe de um soldado no rio, a fotografia dourada (direção de Vittorio Storaro) reflete a alegria do jovem naquele momento. Por outro lado, nas cenas de combate Storaro adota um tom mais dessaturado, dominado pelo verde musgo, o amarelo e o marrom, refletindo a vida difícil e pouco colorida da guerra. O som é espetacular, captando a hélice dos helicópteros, os tiros, as bombas que explodem e até mesmo os pequenos insetos dentro da mata, e o constante barulho dos helicópteros na primeira metade do longa colaboram para o perfeito clima de guerra, assim como a competente direção de arte de Angelo P. Graham, perceptível nos equipamentos e barcos do exército americano, e os figurinos de Charles E. James. Pra finalizar, a bela trilha sonora do trio Carmine Coppola, Francis Ford Coppola e Mickey Hart adota um tom misterioso, com batidas secas durante a subida do rio, totalmente oposto aos temas da abertura, do ataque à aldeia e do encerramento, embalados pelas clássicas e belas canções do grupo The Doors e pela música clássica de Richard Wagner.

Mas nem só de competência técnica vive um grande filme. E as marcantes atuações de “Apocalypse Now” começam com Robert Duvall, que está sensacional como o Tenente Kilgore, demonstrando firmeza com sua voz imponente e seu olhar determinado, mas demonstrando também liderança na forma como conduz seus soldados. Kilgore parece não temer nada, ou simplesmente achar que não tem mais nada a perder, encontrando tempo até mesmo para incentivar o surfe no meio de um ataque, o que leva o capitão Willard a fazer sérias reflexões sobre a maneira como seu país está encarando aquele conflito. A marcante seqüência em que diz que o cheio do napalm simboliza vitória é captada com precisão pela câmera que se aproxima lentamente de seu rosto através de um zoom, realçando a grande atuação de Duvall. Martin Sheen está muito bem na pele do capitão Willard. Desde a narração convincente (repleta de questionamentos e reflexões), passando pela determinação do personagem em encontrar o coronel Kurtz e chegando ao apoteótico final de sua trajetória, podemos notar a qualidade do trabalho de Sheen. As reflexões de Willard aumentam ao ver os soldados fumando maconha e se embebedando com freqüência, e ele tem certeza de que está tudo errado quando presencia o show das garotas da revista Playboy em pleno Vietnã. (“Os vietcongues não se divertem. Nas horas vagas, comem arroz frito e ratos”). Dennis Hopper está espetacular como o agitado fotógrafo que se tornou um admirador de Kurtz. Sua fala rápida, seu gaguejar e sua respiração ofegante demonstram a ansiedade do personagem, que não consegue parar de falar, tamanha a empolgação que sente ao encontrar o capitão Willard. E finalmente, a lenda Marlon Brando dispensa comentários como o misterioso coronel Kurtz. Completamente devastado pelo horror da guerra, o entorpecido coronel Kurtz é alguém cego pelo poder. A construção de seu mito é lenta e cuidadosamente conduzida pela narrativa, levando Willard (e o espectador) constantemente a questionar quais seriam suas reais motivações. Brando expressa a encarnação do poder que seu personagem representa de forma magnífica, através de seu olhar superior e intimidante. Suas falas, repletas de simbolismos e reflexões, criam seqüências hipnóticas e inesquecíveis. Observe como seu rosto é revelado lentamente, como se estivéssemos cuidadosamente sendo preparados para estar diante de um deus. Até mesmo a forma como Coppola filma o personagem demonstra isto, deixando-o praticamente inacessível, submerso nas sombras e mais parecido com um espírito ou uma divindade (Kurtz muito provavelmente se considerava como tal). É então que, ao se deparar com o mito, as reflexões de Willard começam a ganhar ainda mais forma. Afinal de contas, quem está realmente louco: Kurtz, seus comandantes ou todos eles? A resposta pode estar nas inúmeras frases espalhadas pelo excelente roteiro do próprio Coppola, dentre as quais podemos citar: “Acusar um homem de homicídio neste lugar era a coisa mais absurda que se podia imaginar”, “No coração de todo homem há um conflito entre o racional e o irracional, entre o bem e o mal e nem sempre é o bem que sai vencedor” e “Um dia esta guerra vai acabar. Para os garotos do barco, está bom. Eles não querem nada mais do que encontrar um caminho para casa. O problema é que eu já voltei e sei que aquele lugar não existe mais”.

“Apocalypse Now” é o marco cinematográfico de um efeito importante ocorrido na cultura americana logo após a guerra do Vietnã: a perda da inocência. A guerra do Vietnã deixou claro para os cidadãos norte-americanos que não existia o lado bom e o lado mau da história. O cidadão deixou de ver seu país com ingenuidade e o longa de Coppola representa esta etapa na história do cinema. A seqüência final em que a montagem (crédito para Lisa Fruchtman, Gerald B. Greenberg, Richard Marks, Walter Murch e Randy Thom) coloca imagens do ataque de Willard à Kurtz simultaneamente ao ataque dos nativos a um animal simboliza perfeitamente uma das grandes discussões que o filme propõe: será mesmo o ser humano tão racional? O que nos diferencia dos animais é a capacidade de raciocinar, mas o que estamos fazendo com ela? Nas palavras finais do coronel Kurtz, “o horror” que a guerra proporciona é o exemplo perfeito de que a racionalidade do homem nem sempre vence seus impulsos primitivos e irracionais. O poder e a loucura caminham próximos e podem deixar o homem cego.

Dirigido magistralmente por um gênio do cinema, interpretado de forma magnífica por um elenco de peso e contando ainda com um apurado e maravilhoso trabalho técnico, “Apocalypse Now” transcende e muito o gênero “filme de guerra”, levantando inúmeras questões sobre a natureza cruel do homem, os resultados trágicos de sua busca pelo poder e os efeitos irreversíveis do horror da guerra. E o melhor de tudo é que “Apocalypse Now” jamais responde diretamente as questões que levanta, deixando o espectador refletir sobre tudo o que viu e chegar às suas próprias conclusões, o que é sempre admirável. Após assistir esta obra-prima de Francis Ford Coppola, o espectador tem a sensação de que, independente de seu resultado final, a guerra não tem vencedores.

Texto publicado em 09 de Fevereiro de 2010 por Roberto Siqueira